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RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR SALÁRIOS EM ATRASO

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 07S2904

Relator: VASQUES DINIS Sessão: 02 Abril 2008

Número: SJ200804020029044 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA

FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO

RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR SALÁRIOS EM ATRASO

CÓDIGO DO TRABALHO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

JUSTA CAUSA

Sumário

I - Não implica a rejeição liminar do recurso a circunstância de serem imputados à decisão recorrida erros na apreciação da matéria de facto que extravasam os poderes excepcionais cometidos ao Supremo Tribunal para proceder à alteração da matéria de facto ou ordenar a sua ampliação, nos termos previstos nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil (CPC), se se invoca também na revista um erro de julgamento, por violação de lei substantiva, recondutível aos termos em que o artigo 721.º do CPC traça o âmbito desta espécie de recurso.

II - O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a valoração que nas instâncias foi, ou não, dada aos meios de prova testemunhal submetidos ao princípio geral da livre apreciação ou valoração da prova, consignado no artigo 655.º, n.º 1, por tal exceder manifestamente os poderes que, em sede de apreciação factual, lhe são conferidos pela lei.

III - Entre 1 de Dezembro de 2003 e 27 de Agosto de 2004, encontravam-se em vigor, simultaneamente, o regime da resolução contratual previsto nos artigos 441.º e segs. do Código do Trabalho e a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (LSA), uma vez que o artigo 364.º do Código e os artigos 300.º e segs. do

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Regulamento do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho) apenas viriam a entrar em vigor em 28 de Agosto de 2004, data em que operou a revogação da LSA.

IV - Neste contexto normativo, a falta de pagamento da retribuição era

susceptível de se reconduzir, em abstracto, aos fundamentos de dois regimes jurídicos distintos: o regime da resolução imediata do contrato de trabalho com justa causa tal como esta vem enunciada no artigo 441.º do Código do Trabalho e o regime da rescisão do contrato tal como esta vem prevista no artigo 3.º da LSA.

V - Ao trabalhador cabe optar, quando procede à resolução do contrato, pelo regime jurídico a que pretende ver submetido o seu acto negocial extintivo, devendo este regime aplicar-se “in totum”.

VI - É de considerar que a resolução operada se submete ao regime dos

artigos. 441.º e segs. do Código do Trabalho se, nas cartas remetidas à Ré, os Autores resolveram os seus contratos de trabalho, “imediatamente” e, ao abrigo do disposto naquele artigo 441.º, invocando vários fundamentos (que excedem os previstos na LSA), não constituindo a referência final à Lei n.º 17/86 e ao diferimento da eficácia da declaração uma efectiva mudança de sentido da declaração inicial.

VII - Estas declarações extintivas produziram os seus efeitos quando chegaram ao poder da Ré e foram dela conhecidas, o que se verificou no dia imediato à remessa.

VIII - A exigência constante do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 17/86 de

notificação do empregador e da Inspecção do Trabalho com a antecedência mínima de dez dias relativamente à eficácia da rescisão, não se reconduz a um simples aviso prévio, antes constituindo um pressuposto legal indispensável ao válido exercício do direito indemnizatório conferido no artigo 6.º da mesma lei.

IX - O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva nos termos do artigo 441.º do Código do Trabalho se o

comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e

praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências (artigos 441.º, n.os 1 e 4 e 396.º, n.os 1 e 2 do Código do Trabalho).

X - Se o trabalhador não pode vir invocar na acção judicial destinada a apurar a existência de justa causa para a resolução do contrato fundamentos factuais diferentes dos mencionados na carta de resolução, já não está impedido de alegar e provar a ocorrência de factos circunstanciais que, tendo conexão com os fundamentos sucintamente invocados na carta, se mostrem pertinentes para o tribunal avaliar da gravidade destes e da sua natureza inviabilizadora

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da manutenção da relação laboral.

XI - A falta culposa do pagamento pontual da retribuição que integre o fundamento objectivo e subjectivo da hipótese contemplada no artigo 441.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho, não torna imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência da relação laboral no seguinte condicionalismo: a resolução operou-se em Agosto de 2004 e encontrava-se em falta o mês de Junho, estando pago o de Julho; o empregador, agremiação desportiva, deparava-se com graves dificuldades económicas; os Autores tinham um salário muito acima da média no quadro dos trabalhadores administrativos, tendo sido aumentados em cerca de 300% três anos antes pela anterior direcção do empregador; a nova direcção do empregador iniciou funções no mês de Junho e pagou a todos os trabalhadores a retribuição do mês de Maio, que já estava em atraso quando tomou posse; no âmbito da

anterior direcção, houve em várias ocasiões atrasos no pagamento dos salários dadas as dificuldades financeiras e chegaram a ser pagos os salários dos

Autores depois dos salários dos colegas com valores inferiores; o empregador mostrou ser sua intenção pagar o salário de Junho.

XII - Neste contexto as resoluções operadas, fundando-se embora num

comportamento ilícito e culposo do empregador, carecem de justa causa, não conferindo aos trabalhadores o direito indemnizatório previsto no artigo 443.º do Código do Trabalho.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA e BB instauraram, no Tribunal do Trabalho de Guimarães, acções emergentes de contrato individual de trabalho contra “V. S. C.”, agremiação desportiva com sede em Guimarães, pedindo que se reconheça a justa causa para a rescisão dos seus contratos de trabalho, nos termos do artigo 441.º do Código do Trabalho e da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, e se condene a Ré a pagar-lhes, respectivamente, as quantias totais de € 89.412,13 e de €

122.068,91, quantias essas acrescidas dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Para tanto, alegaram, essencialmente, que fizeram cessar os seus contratos individuais de trabalho com justa causa, em 10 de Agosto de 2004, por não

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lhes ter sido pago o salário de Junho de 2004, que prestaram trabalho

suplementar que não foi remunerado e que a Ré lhes causou relevantes danos não patrimoniais para cuja reparação reclamam indemnização.

Em ambas as acções, a Ré contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito dos Autores de rescindirem os respectivos contratos de trabalho nos termos do artigo 441.º, n.º 1, do Código do Trabalho, por terem decorrido mais de 30 dias após o conhecimento de que o salário de Junho estava em atraso; e, por impugnação, recusando a existência de justa causa e imputando a alegada falta de pagamento dos salários a culpa exclusiva do autor BB com a conivência do autor AA. Reconheceu, porém, dever-lhes algumas quantias referentes a créditos laborais e pediu a condenação de cada um dos Autores no pagamento da indemnização por não terem respeitado o prazo de aviso prévio, devendo tal indemnização ser compensada com os créditos dos Autores.

Os Autores responderam às contestações defendendo a improcedência das excepções.

2. Ordenada a apensação das acções, realizou-se a audiência de discussão e julgamento conjunta, finda a qual foi decidida a matéria de facto em litígio e foi proferida sentença que declarou improcedente a excepção da caducidade e, julgando as acções parcialmente procedentes, decidiu:

[...]

I – Declar[ar] extinto, por resolução imediata sem justa causa provada pelos autores, o contrato individual de trabalho entre cada um deles e a ré;

11 – Conden[ar] a ré, “V. S. C.”, a pagar ao autor AA a quantia total de € 8.452,60, relativa a créditos salariais deste e depois de operada a

compensação ou de deduzido o montante devido por este àquela nos termos a seguir melhor indicados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento;

III – Conden[ar] a ré, “V. S. C.”, a pagar ao autor BB a quantia total de € 4.436,01, relativa a créditos salariais deste e depois de operada a

compensação ou de deduzido o montante devido por este àquela nos termos a seguir melhor indicados, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento;

IV – Conden[ar] o autor AA a pagar à mesma ré a quantia de € 5.332,00 e o

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indemnização por resolução ilícita ou irregular, já deduzida no valor do pedido de cada autor acima julgado procedente;

V – Absolv[er] a ré do demais peticionado pelos autores.

[...]

Esta decisão foi impugnada por Autores, em recurso de apelação independente, e pela Ré, em recurso subordinado.

O Tribunal da Relação do Porto decidiu “conceder provimento parcial ao recurso dos autores, revogando a sentença na parte em que determinou a compensação de créditos, ficando a ré condenada a pagar aos autores os montantes aí já determinados e absolvendo os autores de pagar à ré,

respectivamente, as quantias de euros 5.332,00 e de euros 6.298,00, no mais se mantendo o decidido naquela sentença”.

Vieram os Autores pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas:

1. O Tribunal da Relação considerou equilibrada a matéria de facto apurada, salientando os Recorrentes que a generalidade dos factos trazidos pelos Recorrentes, nas suas pi’s, resultaram provados.

2. O Tribunal da Relação considerou que os Recorrentes não indagaram junto da Recorrida sobre as razões do não pagamento do salário de Junho/04.

3. Embora os Recorrentes não concordem com essa posição, pois em 3/8/2004 perguntaram se os seus salários eram para pagar ou não, conforme, aliás, confessa a Recorrida na sua contestação, e acima melhor explicado, a verdade é que entendem os Recorrentes que nem lhes era exigível tal comportamento, atenta a matéria provada sob os itens 19, 20, 21 e 22

4. Ou seja, no dia 13/7/2004, os recorrentes mais outra funcionária, foram chamados pelo Presidente da Direcção (CC) individualmente, para os informar a cada um deles de que a recorrida não podia pagar-lhes o salário auferido, atentas as suas dificuldades, e disse-lhes que nem um gerente bancário ganhava tal salário e que ninguém podia receber acima da tabela salarial da Liga de Clubes.

5. Nessa mesma reunião questionou ainda o Presidente, cada um deles, sobre a possibilidade de uma redução salarial, sem lhes referir qualquer valor e

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acrescentou que, caso não concordassem na redução do salário, a Ré teria de decidir entre manter o salário ou convidá-los a sair com uma contrapartida.

6. [O] A. AA não aceitou qualquer redução. Relativamente ao BB, o Tribunal considerou provado que este deixou em aberto a possibilidade de redução salarial (com a discordância acima exposta, pelo motivo de que questionada a testemunha DD sobre este assunto, disse: “Relativamente ao AA lembro-me que ele não aceitava e para isso preferia fazer as contas. O BB sinceramente não me lembro. Não me recordo desse pormenor.”).

7. Ao contrário da Recorrida que, pelo menos, desde 4-8-2004, sabia que os salários de Junho/04 não estavam pagos e nada fez para contactar os

Recorridos.

8. Refere o acórdão que não pode concluir-se, como pretendem os

Recorrentes, que não foram contactados pela Recorrida desde 4-8-2004, para resolver a situação, pois, os depoimentos das testemunhas inquiridas não apontam nesse sentido, tendo, inclusive, a testemunha EE nomeadamente afirmado que antes de 11/8 tentaram contactar o BB, mas não conseguiram.

9. Esta interpretação dada pelo tribunal não tem qualquer correspondência nem com o alegado pela Recorrida na sua contestação, nem com o depoimento da testemunha EE, e nem com os factos dados como provados.

10. O que está dado como provado (itens 26 e 27) é que “no dia 11/8/2004, a ré assinou os cheques relativos ao salário do mês de Junho de 2004 dos AA. e da colega DD e que nesse mesmo dia, a ré tentou, sem êxito, o contacto telefónico com os AA., com vista a dar-lhe conhecimento do facto acima transcrito”.

11. Em parte alguma, dos factos provados, se diz que a ré tentou contactar os AA., antes de 11/8/2004, apesar destes estarem presentes nas instalações da Recorrida, estando, a este propósito, provado que no dia 4/8/2004, a Ré autorizou o pedido do autor BB no sentido de gozar férias nos dias 5 e 6 de Agosto e nos dias 6 a 17 de Setembro (item 56); no dia 9/8/2004, a ré

autorizou a dispensa do BB durante o período da tarde, por alegadamente, este se sentir indisposto. E no dia 10/8/2004, este autor saiu mais cedo da parte da tarde e não voltou mais a trabalhar na ré (itens 62 e 63).

12. Ou seja, o BB trabalhou todo o dia 4 (4ª feira) 5 e 6 esteve de férias, 9 e 10 esteve, ainda que parcialmente, no local de trabalho a trabalhar.

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13. O Recorrente AA esteve ao trabalho ininterruptamente até ao dia 10-8-2004.

14. E se é verdade que foi dado como provado que a Recorrida, tentou contactar os Recorrentes no dia 11-8-2004 (quando estes já tinham

rescindido), pelo menos, desde o dia 4-8-2004 que a Recorrida sabia que os salários de Junho/04 não haviam sido pagos aos Recorrentes, houve omissão deliberada ou intencional da Recorrida em não pagar o salário do mês de Junho/04 aos Recorrentes! E isso o Tribunal não sancionou!

15. O TRP considerou que na rescisão efectuada pelos Recorrentes, nos termos do artigo 441.º, e apesar de se verificar[em] os elementos objectivo e subjectivo, o comportamento da Recorrida, ao não pagar os salários de

Junho/04 (e ainda o subsidio de férias ao AA), não tornou pela sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a relação laboral.

16. Antes, porém, da apreciação [dessa] questão de direito importa salientar que, para além dos motivos de rescisão indicados pelo TRP (pág. 15), existe [m] ainda outros dois: a retirada das chaves de acesso ao local de trabalho ao funcionário mais antigo (BB) – cfr item 35 – e retirada de funções ao BB (cfr.

carta de resolução).

17. Conforme alegado pelos Recorrentes e dado como provado (itens 54 e 71), estes sentiram-se, após a reunião de 13-7-2004, tristes e nervosos,

sentimentos perfeitamente normais para quem se vê, em pouco de mais de um mês (o tempo em que a nova Direcção esteve em funções), avaliado pelo

trabalho e consequente remuneração efectuado ao longo [de] 17 e 18 anos de dedicado e zeloso serviço, como a própria Recorrida deixou reconhecido.

18. Caso os Recorrentes não concordassem na (ilícita) proposta de redução do salário, a Recorrida teria de decidir entre manter o salário ou convidá-los a sair com uma contrapartida (item 21).

19. Perante estas duas soluções, não se vê como era possível manter uma sã e pacífica relação laboral com os Recorrentes, caso estes, mantivessem a

decisão de não aceitar qualquer redução salarial, que até seria legalmente impossível, mesmo com o acordo dos trabalhadores.

20. Por isso, à Recorrida restava apenas e só a solução da saída dos Recorrentes e para isso exerceu pressão sobre os mesmos. E foram pressionados, humilhados e vexados quando lhes disseram:

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Que nem um gerente bancário ganhava o salário por eles auferidos.

Que ninguém podia receber acima da tabela salarial da Liga de Clubes.

Que caso não concordassem com a redução salarial teriam de ser convidados a sair.

Foi ainda o BB, pressionado e desconsiderado também quando não lhe

entregaram as chaves de acesso ao seu local de trabalho (item 35), sendo que este Recorrente sempre tinha tido essas mesmas chaves e era o funcionário administrativo mais antigo da Recorrida.

21. Foram, por último, os recorrentes pressionados e humilhados quando não lhes pagaram o salário do mês de Junho/04, quando todos os outros colegas (à excepção da DD) haviam recebido esse salário, tudo com o claro objectivo de os obrigar a “reflectir” nas suas saídas.

22. Assumindo particular relevo a situação do AA que tinha e tem 3 filhos menores e a sua mulher desempregada (item 22).

23. O não pagamento do salário de Junho/04 não foi um acto isolado, um

simples esquecimento da Ré ou mesmo dificuldades financeiras (até porque de um universo de 37 trabalhadores, apenas 3 não receberam), foi antes

planeado com a finalidade de forçar os Recorrentes a aceitar ou a (ilegal) redução salarial ou mesmo a sua saída, a este propósito não deixa de ser sintomática a data de 13/7/04, dia em que os salários de Junho/04 foram pagos a todos os trabalhadores (à excepção dos Recorrentes e da DD), o mesmo dia em que o Presidente da Direcção reuniu com os Recorrentes (ver itens 19 e 25).

24. Em parte alguma dos autos/factos provados consta que os recorrentes acederam com a anterior direcção num abaixamento de salário, facilmente comprovável até, pelos montantes dos seus salários comprovados nos itens 2, 4, 8 e 10.

25. Outra situação bem diferente é a dos autos, em que aos Recorrentes não é pago porque havia dificuldades financeiras (pese embora o passivo referido no item 37), mas antes porque lhes é expressamente dito que teriam de aceitar uma redução salarial ou a sua saída da Recorrida. Tanto assim que, no 1.º mês de vida desta nova Direcção foram pagos a todos os trabalhadores (incluindo os Recorrentes) os salários de Maio/04 e somente em 11/6/04, porquanto a nova direcção apenas tomou posse em 7/6/04 (item 14)

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26. São factos que motivaram que os Recorrentes se sentissem tristes e

nervosos causando manifesta perturbação na relação destes com a Recorrida e que por isso, tornou imediata e praticamente impossível a manutenção do contrato de trabalho, por violação do disposto no artigo 441.º, n.º 2, als. a) e e), e cuja falta o Tribunal de 1.ª instância até considerou culposa por parte da Recorrida, quanto ao não pagamento do salários de 6/04 e subsidio de férias. e por culpa da recorrida, que até se presume, nos termos do disposto no n.º 3, als. b) e c), do mesmo artigo 441.º, que prevê uma resolução com justa causa objectiva, já não enquadrável nos termos da responsabilidade subjectiva, causal e absoluta do n.º 1 do artigo 396.º do CT, ao contrário do que acontece na justa causa subjectiva, consignada no corpo do n.º 2 do artigo 441.º, ou seja, “dir-se-á que a justa causa presume-se se decorrerem 30 dias após a falta de pagamento da retribuição, antes do decurso deste período, o trabalhador terá de demonstrar que a falta de pagamento constitui justa causa de resolução do contrato” (cfr. anotação ao art.º 364.º de Pedro Romano

Martinez, Código do Trabalho anotado/Almedina 3.ª edição ).

Mais adiante, e ainda em anotação ao mesmo art.º, refere o mesmo Professor:

“Importa reiterar, como se verificou supra, que a falta de pagamento da retribuição, ainda que culposa, por via da regra não determina a imediata impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, razão pela qual o trabalhador não pode, desde logo resolver o contrato nos termos do artigo 441.º; terá de aguardar pelo decurso do prazo de 60 dias (30 dias na lei 17/86)...”

27. Por fim, considerando-se na Lei 17/86 que o período de 30 dias é suficientemente dilatado, em termos de não ser exigível ao trabalhador

suportar por mais tempo um dívida de retribuição, independentemente do seu montante, é perfeitamente razoável que tal interpretação seja extensível às normas do Código do Trabalho especialmente a do artigo 441.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al c). Seria difícil aceitar que os efeitos resultantes do período de 30 dias fosse[m] diferente[s] para os dois regimes legais, por isso, conforme ensina Pedro Romano Martinez no Código do Trabalho anotado 3.ª edição/Almedina, na anotação que faz ao artigo 364.º do CT, diz que os dois preceitos (art.º 364.º/2, que veio substituir a Lei 17/86 e o n.º 1 do art.º 441.º, ambos do CT) não são incompatíveis, pelo contrário justificam-se numa leitura

conjugada.

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28. O TRP entendeu também que apesar de os Recorrentes terem invocado a Lei 17/86, esta não pode ser aplicada, porque na mesma carta os Recorrentes começaram a mesma por rescindir de imediato os contratos de trabalho.

29. Poderiam os Recorrentes começar a sua carta com a invocação da Lei 17/86. Só que, a acontecer assim, já nada interessava invocar outros

fundamentos. A ser como se diz na sentença e no acórdão ora recorridos e caso houvesse outros fundamentos para a rescisão, para além dos salários em atraso, então nunca poderiam ser invocados todos os motivos de rescisão, pois, caso se optasse por invocar a Lei 17/86 seria inútil invocar os outros fundamentos, até porque, mesmo no caso desta Lei 17/86, a resolução é imediata assim que chega ao conhecimento do destinatário, só que apenas produz efeitos a partir do 10.º dia. Por isso é que “É irrelevante que no período de 10 dias a que se refere o nº 3 da lei 17/86 a entidade patronal satisfaça o pagamento do salário em divida” – cfr AC. RL, in CJ ano XX, 5,185.

De nada adiantado aos Recorrentes alegar outros motivos de rescisão, caso optassem por iniciar a sua carta de trás para a frente, ou seja, se começassem por invocar a Lei 17/86 e passassem depois a invocar o artigo 441.ºdo CT. O que a lei não permite é o exercício em simultâneo da suspensão e da rescisão.

30. Foram violados os artigos 441.º, n.º 2, als. a) e e) e n.º 3, als. b) e c); 22.°

n.º 1, 120.º als a), b) e c), do Código do Trabalho e, ainda, o artigo 3.º da Lei 17/86.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e por via dele ser revogada a decisão proferida, por outra que julgue as acções provadas e procedentes com a consequente condenação da Recorrida, pois só assim será feita JUSTIÇA.

A Ré contra-alegou, pugnando pela rejeição liminar do recurso, ou, quando assim se não entenda, pela sua improcedência.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que não deve conhecer-se, em parte, do recurso dos Autores, improcedendo o mesmo na parte restante.

As partes foram notificadas do aludido parecer e apenas os recorrentes se pronunciaram sobre o mesmo nos termos de fls. 634 e 635.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

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II

1. Na contra-alegação, a Ré defende a rejeição liminar do recurso, invocando que este não se enquadra no disposto nos artigos 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – LOFTJ), 721.º e 722.º do Código de Processo Civil (CPC).

O artigo 26.º da LOFTJ assinala a vocação primeira do Supremo Tribunal de Justiça ao estabelecer que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”.

Em consonância com este preceito, o n.º 2 do artigo 721.º do CPC estabelece que o fundamento específico do recurso de revista “é a violação da lei

substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável”, sem embargo de,

acessoriamente, poder também alegar-se a violação de lei de processo (artigo 722.º, n.º 2).

Daqui resulta que o recurso de revista se delimita: i) pelo seu objecto – nele impugna-se uma decisão que julgou de mérito; ii) pelo seu fundamento – nele invoca-se a violação de norma de direito substantivo, tal como esta vem

densificada no n.º 3 do artigo 721.º do CPC (1).

Por isso, o bloco normativo constituído pelos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 2, do CPC, não consente a alteração, pelo Supremo Tribunal de Justiça, da

decisão proferida sobre a matéria de facto, se não houver violação de regras de direito probatório material.

Ora, analisando a peça alegatória dos recorrentes verifica-se que, não obstante parte da discordância nela expressa se reporte a uma vertente da decisão proferida sobre a matéria de facto, insindicável pelo Supremo

Tribunal, como se verá (v.g. as conclusões 1.ª a 14.ª), a verdade é que a parte mais substancial da alegação contém argumentos no sentido de uma

apreciação jurídica dos factos apurados distinta da que foi efectuada pelo tribunal a quo, o que, sem dúvida, se enquadra no fundamento específico do recurso de revista enunciado no artigo 721.º do CPC.

Defendem, com efeito, os recorrentes, além do mais, que se verifica justa causa para a resolução contratual que fizeram operar e que deve proceder-se à condenação da Ré a pagar-lhes as indemnizações peticionadas, e sustentam, outrossim, que o n.º 1 do artigo 441.º do Código do Trabalho e a Lei n.º 17/86

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não são incompatíveis, podendo os recorrentes invocar os fundamentos de rescisão constantes desta lei e, também, daquele preceito do Código do Trabalho.

É, pois, evidente que se invoca na presente revista um erro de julgamento, por violação de lei substantiva, recondutível aos termos em que o artigo 721.º do CPC traça o âmbito desta espécie de recurso, não sendo suficiente para a rejeição liminar do recurso a circunstância de serem também imputados à decisão recorrida erros na apreciação da matéria de facto que extravasam os poderes excepcionais cometidos ao Supremo Tribunal para proceder à

alteração da matéria de facto ou ordenar a sua ampliação, nos termos previstos nos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do CPC.

Assim, sem prejuízo de ulteriormente se assinalarem os limites de cognição deste Supremo relativamente à específica censura que os recorrentes

dirigiram à decisão proferida sobre a matéria de facto pelo Tribunal da Relação, não se verifica fundamento para a rejeição liminar do recurso.

Improcede, por conseguinte, a questão prévia suscitada pela recorrida.

2. O acórdão impugnado declarou, nos termos que se transcrevem, provados os seguintes factos:

1 - O autor AA foi admitido ao serviço da ré, em 27/7/1987, para exercer as funções de escriturário, sob as ordens e direcção desta e mediante uma retribuição.

2 - Em Junho de 2001, este autor auferia da ré a retribuição mensal de € 783,11, acrescida de diuturnidades no valor de € 62,85.

3 - Por volta de Julho de 2001, a ré atribuiu a este autor a categoria de

director de serviços - associados, tratando de todos os assuntos relacionados com os associados e [a] organização de jogos.

4 - Então, este autor passou a auferir da ré a retribuição mensal de € 2.474,04 e ultimamente auferia a retribuição de € 2.600, acrescida de diuturnidades no valor de € 66.

5 - Este autor tinha o seguinte horário de trabalho, de 2.ª a 6.ª feira: das 9.30 às 12.30 e das 14 às 18 horas.

6 - Nas semanas de 12 a 17 e 19 a 31 (com excepção do dia 25) de Julho de 2004, na sequência de uma solicitação da ré, tendo em conta a campanha de

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admissão de novos sócios, este autor prestou trabalho das 18.30 às 20 horas e das 18.30 às 23 horas, respectivamente.

7 - O autor BB foi admitido ao serviço da ré, em 1/8/1986, para exercer as funções de escriturário, sob as ordens e direcção desta e mediante uma retribuição.

8 - Em Junho de 2001, este autor auferia da ré a retribuição mensal de € 860,43, acrescida de diuturnidades no valor de € 62,85.

9 - Por volta de Julho de 2001, a ré atribuiu ao autor BB a categoria de director de serviços - administrativos, tratando de todos os assuntos relacionados com o pessoal.

10 - Então, este autor passou a auferir a retribuição mensal de € 2.743,39 e ultimamente auferia a retribuição mensal de € 3.083, acrescida de

diuturnidades no valor de € 66.

11 - Este autor tinha o seguinte horário de trabalho, de 2.ª a 6.ª feira: das 9.30 às 12.30 e das 14 às 18 horas

12 - Na sequência de uma solicitação da ré com vista a apressar a auditoria que estava a ser feita às suas contas por uma empresa, este autor prestou trabalho para além do seu horário, em dias e horas que não possível apurar.

13 - A ré elaborou um documento, datado de 1/8/2001, no qual autorizou que, a partir dessa data, os AA. (para além de outros dois funcionários) fossem recolocados nas categorias aludidas em 3 e 9 – cfr. o documento de fls. 117 do processo apensado cujo teor aqui se dá por reproduzido.

14 - Após as eleições, a ré mudou os seus corpos dirigentes que tomaram posse, mediante sessão solene realizada em 7/6/2004, e se apresentaram aos trabalhadores, incluindo os AA., em 8/6/2004.

15 - Nesta ocasião, o Presidente da Direcção da ré (CC) pediu a todos os

trabalhadores administrativos o seu empenho no sentido de revitalizarem a ré que se encontrava numa situação caótica ao nível económico e financeiro.

16 - Nesta ocasião, a ré estava com os saldos negativos, os salários do mês de Maio de 2004 (incluindo o dos AA.) estavam por pagar e não tinham sido prestadas as garantias financeiras necessárias para o Fisco e a Segurança Social emitirem a declaração contributiva regularizada para a ré poder ser inscrita e participar na competição desportiva profissional de futebol.

(14)

17 - Todos eles sabiam desta situação da ré e em especial o autor BB, por inerência das suas funções que abrangiam, também, a área financeira.

18 - Por volta do dia 11/6/2004, a ré pagou a todos esses trabalhadores o salário do mês de Maio de 2004.

19 - No dia 13/7/2004, o Presidente da Direcção da ré convocou para uma reunião, no seu gabinete e individualmente, os AA. e a DD.

20 - Durante essa reunião, o Presidente da Direcção da ré informou cada um deles de que a ré não podia pagar-lhes o salário auferido, atentas as suas dificuldades, e disse-lhes que nem um gerente bancário ganhava tal salário e que ninguém podia receber acima da tabela salarial da Liga de Clubes.

21 - Também questionou cada um deles sobre a possibilidade de uma redução salarial, sem lhes referir qualquer valor e acrescentou que, caso não

acordassem na redução do salário, a ré teria de decidir entre manter o salário ou convidá-los a sair com uma contrapartida.

22 - O autor AA não aceitou qualquer redução, alegando ter a sua mulher desempregada e três filhos menores para sustentar e que o salário auferido era fruto da dedicação que sempre dispensou ao serviço da ré e das

responsabilidades derivadas da sua profissão.

23 - O autor BB e a DD deixaram em aberto a possibilidade de uma redução salarial, sem referirem qualquer valor porque nenhum valor lhes foi referido.

24 - No final dessa reunião, o Presidente da Direcção da ré disse para cada um deles pensar, que a Direcção da ré também ia pensar e que, mais tarde,

voltaria a falar com eles.

25 - Por volta do dia 13/7/2004, a ré pagou os salários do mês de Junho de 2004 a todos os trabalhadores administrativos, com excepção dos AA. e da colega DD.

26 - No dia 11/8/2004, a ré assinou os cheques relativos ao salário do mês de Junho de 2004 dos AA. e da colega DD.

27 - Nesse mesmo dia, a ré tentou, sem êxito, o contacto telefónico com os AA., com vista a dar-lhes conhecimento do facto acima descrito.

(15)

28 - Tais cheques e respectivos recibos de vencimento, datados de 30/6/2004 e por assinar, estavam em cima da secretária do autor BB, juntamente com outros documentos, incluindo os recibos de vencimento do mês de Julho.

29 - No dia 4/8/2004, foram daí retirados para assinar.

30 - O autor BB era o único funcionário que sabia processar,

informaticamente, os salários e quando recebia ordem da ré para os pagar, levava os cheques para esta assinar.

31 - Depois de assinados, os originais dos recibos de vencimento eram arquivados em pasta própria.

32 - Os Estatutos da ré estipulam, no seu art. 125.º, que: os documentos que impliquem responsabilidade financeira para o Clube devem ser assinados por três membros da Direcção sendo obrigatória a assinatura do Presidente da Direcção ou na sua ausência a do Secretário-Geral – cfr. o documento de fls.

267 a 299 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

33 - A 9/6/2004, tomaram posse os membros da Direcção da ré para o triénio 2004/2007, a saber: Director Financeiro – FF; Director do Departamento de F.

P. – GG; e Director – HH (cfr. o documento de fls. 262 cujo teor aqui se dá por reproduzido).

34 - As contas da ré no Banco C. P. têm na sua ficha de assinaturas: a do Presidente da Direcção, a do Director, a do Director do Departamento de F. P.

e a do Director Financeiro, acima identificados – cfr. os documentos de fls. 242 a 260 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

35 - Depois de tomar posse, esta Direcção mandou alterar as fechaduras, nomeadamente da porta principal da sua sede e não mandou dar uma cópia desta ao autor BB, em substituição da antiga, enquanto que o colega II recebera uma.

36 - Em Agosto de 2004, os trabalhadores administrativos da ré tinham as remunerações mensais constantes do mapa de salários de fls. 150 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

37 - Aquando da aprovação das contas da ré, em sessão extraordinária da sua Assembleia Geral, no dia 12 de Novembro de 2004, foi dado conhecimento da conclusão da auditoria às suas contas, levada a cabo pela empresa “D. & T.” e segundo a qual, à data da tomada de posse desta Direcção, o passivo do Clube

(16)

atingiu os oito milhões e duzentos mil euros – cfr. o documento de fls. 64 a 69 do processo apensado e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

38 - Na anterior direcção da ré, dadas as dificuldades financeiras, em várias ocasiões, os salários dos funcionários da ré foram pagos com alguns dias de atraso e chegaram a ser pagos os salários dos AA. e da DD alguns dias depois dos salários dos restantes colegas com valores inferiores, com o

consentimento prévio daqueles.

39 - Em várias ocasiões, a ré pagava os salários dos profissionais de futebol com, pelo menos, um mês de atraso e quem geria tal situação, por forma a evitar a rescisão dos contratos com invocação de justa causa por parte

daqueles profissionais, era o Presidente da Direcção juntamente com o autor BB.

40 - No dia 3/8/2004, o autor AA recebeu o cheque do salário referente ao mês de Julho de 2004, assinou o respectivo recibo de vencimento e no local

destinado à quitação riscou uma frase pré impressa e escreveu (no original) os seguintes dizeres: “À data de hoje (3-8-2004), está por liquidar 1 mês de

salário” – cfr. o documento de fls. 83 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

41 - O autor AA, por carta datada e enviada no dia 10/8/2004, comunicou à ré a sua intenção de fazer cessar o contrato de trabalho existente entre ambos, nos termos e com os fundamentos constantes dos documentos de fls. 21 e 22 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

42 - A ré recebeu essa carta no dia 12/8/2004.

43 - No dia 10/8/2004, este autor, também, enviou à Delegação de Guimarães da IDICT cópia dessa mesma carta.

44 - Esta Delegação da IDICT recebeu-a no dia 12/8/2004.

45 - Essas cartas foram enviadas [do] Aeroporto do Porto.

46 - Este autor esteve de baixa médica, por doença natural, entre os dias 11 e 20 de Agosto de 2004.

47 - Este autor enviou uma carta datada de 12/8/2004, recebida pela ré em 13/8/2004, contendo o certificado daquela incapacidade temporária para o trabalho por doença, nos termos e com os fundamentos constantes dos documentos de fls. 83 a 85 do processo apensado – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

(17)

48 - Este autor é casado com JJ, desde o dia 15/2/1997.

49 - A ré não pagou a este autor a retribuição, incluindo diuturnidades, relativa ao mês de Junho de 2004, no valor de € 2.666.

50 - A ré não pagou a este autor a quantia total de € 2.699,55 relativa ao trabalho prestado e sem gozo de descanso compensatório, nos termos referidos em 6.

51 - A ré não pagou a este autor a retribuição, incluindo diuturnidades,

correspondente aos 10 dias do mês de Agosto de 2004, no valor de € 888,67.

52 - A ré não pagou a este autor o subsídio de férias relativo ao trabalho prestado em 2003, no valor de € 2.666.

53 - A ré não pagou a este autor as férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2004, no valor total peticionado de € 4.864,38.

54 - Este autor sentia-se triste e nervoso desde a reunião aludida em 19 e seguintes.

55 - No dia 3/8/2004, o autor BB recebeu o cheque do salário referente ao mês de Julho de 2004, assinou o respectivo recibo de vencimento e no local

destinado à quitação riscou uma frase pré impressa e escreveu (no original) os seguintes dizeres: “Nesta data tenho ainda um vencimento em atraso 3.8.04” – cfr. o documento de fls. 22 do processo apenso cujo teor aqui se dá por

reproduzido.

56 - No dia 4/8/2004, a ré autorizou o pedido do autor BB no sentido de gozar férias nos dias 5 e 6 de Agosto e nos dias 6 a 17 de Setembro desse ano, conforme consta do documento de fls. 70 – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

57 - O autor BB, por carta datada e enviada no dia 10/8/2004, comunicou à ré a sua intenção de fazer cessar o contrato de trabalho existente entre ambos, nos termos e com os fundamentos constantes dos documentos de fls. 23 a 25 do processo apensado – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

58 - A ré recebeu essa carta no dia 12/8/2004.

59 - No dia 10/8/2004, o autor BB, também, enviou à Delegação de Guimarães da IDICT cópia dessa mesma carta.

(18)

60 - Esta Delegação da IDICT recebeu-a no dia 12/8/2004.

61 - Estas cartas foram enviadas [do] Aeroporto do Porto.

62 - No dia 9/8/2004, a ré autorizou a dispensa do autor durante o período da tarde por, alegadamente, este se sentir indisposto.

63 - No dia 10/8/2004, este autor saiu mais cedo da parte da tarde e não voltou mais a trabalhar na ré.

64 - Este autor esteve de baixa médica, por doença natural, entre os dias 11 e 20 de Agosto de 2004.

65 - Este autor enviou uma carta datada de 12/8/2004, recebida pela ré em 13/8/2004, contendo o certificado daquela incapacidade temporária para o trabalho por doença, nos termos e com os fundamentos constantes dos documentos de fls. 77 e 78 do processo apensado – cujo teor aqui se dá por reproduzido.

66 - A ré não pagou a este autor a retribuição, incluindo as diuturnidades, relativa ao mês de Junho de 2004, no valor peticionado de € 2.169,43.

67 - A ré não pagou a este autor a retribuição, incluindo diuturnidades,

correspondente aos 10 dias do mês de Agosto de 2004, no valor de € 1.049,67.

68 - A ré não pagou a este autor 14 dias de férias não gozadas relativas ao trabalho prestado em 2003, no valor de € 2.003,91.

69 - A ré também não pagou a este autor as férias, o subsídio de férias e o subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2004, no valor total peticionado de € 5.511.

70 - O autor BB recebeu da ré o pagamento, adiantado, do subsídio de férias no valor de € 2.883, juntamente com a retribuição do mês de Janeiro de 2004.

71 - Este autor sentia-se triste e nervoso desde a reunião aludida em 19 e seguintes.

3. A questão essencial que vem colocada na revista é a de saber se os

recorrentes têm, ou não, direito à indemnização que pedem pela cessação dos contratos de trabalho que os vinculavam à Ré e que se extinguiram por força da resolução contratual a que procederam.

(19)

– Se é consentido alterar a matéria de facto, nos termos propugnados pelos recorrentes;

– Qual o regime jurídico de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador;

– Se, à face do Código do Trabalho, pode afirmar-se que ocorreu justa causa para as resoluções contratuais que os recorrentes fizeram operar, através das cartas que remeteram à Ré, em 10 de Agosto de 2004.

4. A primeira censura que os recorrentes dirigem ao acórdão da Relação reporta-se a não ter ele procedido à alteração da matéria de facto, não declarando provado, como solicitaram na apelação, que:

– Os Autores indagaram junto da Ré sobre as razões do não pagamento do salário de Junho de 2004;

– Os Autores não foram contactados pela Ré desde 4 de Agosto de 2004 para resolverem a situação.

O Supremo Tribunal de Justiça, atenta a sua função de tribunal de revista, ao qual compete aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido – artigos 26.º da LOFTJ, 722.º e 729.º do CPC – não pode, em regra, alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto

É este o sentido que se alcança das disposições contidas nos artigos 712.º, n.º 6, do CPC – a que pertencem todos os preceitos neste ponto referidos, sem menção de origem –, que não permite recurso da decisão da Relação atinente à fixação da matéria de facto; 721.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, que consignam, como fundamento específico do recurso de revista, a violação de lei substantiva, e, como fundamentos acessórios, a arguição de nulidades do acórdão recorrido e outras violações de lei de processo; 722.º, n.º 2, 1.ª parte, segundo o qual, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista; e 729, n.º 2, 1.ª parte, de acordo com o qual a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada.

A lei consagra, porém, excepções àquela regra, nos artigos 722.º, n.º 2, parte final, que admite, como fundamento do recurso de revista, o erro na

apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova; e 729.º, n.º 2, que consente a alteração da decisão da matéria de facto, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 722.º.

(20)

Nestas situações, apresentadas como excepcionais, o poder conferido ao Supremo Tribunal de alterar a decisão sobre a matéria de facto compreende- se nas atribuições de um tribunal de revista, uma vez que não implica a

apreciação do modo como, nas instâncias, foram valoradas as provas não sujeitas a formalidade especial – em relação às quais rege o princípio da liberdade do julgamento, consignado no n.º 1, do artigo 655.º –, antes

pressupõe averiguar se, na fixação da matéria de facto, foram respeitadas – correctamente interpretadas e aplicadas – normas de direito probatório material, envolvendo, por conseguinte, um juízo sobre questão de direito, e, como se referiu, de acordo com o n.º 2 do artigo 721.º, a violação de lei substantiva constitui fundamento específico do recurso de revista.

Em tais casos, “embora venham a questionar-se factos, em termos de

apreciação imediata e concreta, o que o STJ pode – e deve – fazer é, apenas, conhecer se foi violada regra jurídica, ou seja, é julgar matéria jurídica e não o facto, isto é, não a ocorrência material, se aconteceu ou não” (2).

Ainda no âmbito das funções de tribunal de revista, prendendo-se com a aplicação do direito, o n.º 3 do artigo 729.º consigna o poder de o Supremo Tribunal ordenar a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, quando sofra de omissões ou contradições impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado.

Em suma, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da matéria de facto, em sede de revista, é residual e destina-se, exclusivamente, a apreciar a observância das regras de direito material probatório ou a

mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, por isso que as excepções contempladas nos aludidos normativos não constituem desvio à regra geral da insindicância da matéria de facto pelo Supremo, já que se configuram como situações de erro de direito e se traduzem na ofensa de disposição expressa da lei, quando esta exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando a mesma fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, os factos de os recorrentes terem indagado junto da Ré sobre as razões do não pagamento dos salários de Junho de 2004 e de não terem sido

contactados pela recorrida desde 4 de Agosto de 2004 para resolver a situação (pontos da matéria de facto que os recorrentes pretendiam ver declarados provados pela Relação) não estão submetidos a um regime de prova vinculada, e não constam dos autos meios de prova cuja força probatória tenha sido

desrespeitada pelo tribunal recorrido, ao decidir, nos termos em que o fez, a

(21)

Mesmo no que diz respeito à invocada confissão da Ré, constante da sua

contestação – sem questionar, agora, a possibilidade de, em sede de revista, se julgarem provados factos por confissão ou acordo das partes expresso nos articulados (3) –, nunca poderia a alegação factual da contestação apresentada consubstanciar a confissão da Ré de que os Autores indagaram junto de si sobre as razões do não pagamento do salário de Junho de 2004 em 3 de Agosto seguinte.

Como resulta da sequência dos artigos 42.º a 46.º do articulado da

contestação, o facto alegado no artigo 44.º de ter o recorrente Paulo Antero questionado a Direcção, quanto a saber se os salários dos recorrentes e da trabalhadora DD eram para pagar ou não, ao que a Direcção respondeu afirmativamente, reporta-se aos salários relativos ao mês de Julho de 2004 (que foram efectivamente pagos, como afirmado nos pontos 40 e 55 da decisão da matéria de facto), e não aos do mês de Junho do mesmo ano, o mês aqui em causa.

Tanto basta para considerar esta alegação factual inidónea para alcançar os efeitos confessórios pretendidos.

Resta, apenas, a análise da prova testemunhal gravada a que a Relação procedeu, vindo a concluir nos seguintes termos:

[...]

Ouvida a prova produzida em audiência, afigura-se-nos equilibrada a matéria de facto apurada, devendo realçar-se que a prova deve ser apreciada na sua globalidade. Ora, do conjunto dessa prova não pode retirar-se, com o mínimo de segurança, que os AA. tenham tentado esclarecer junto da ré a situação da falta de pagamento do salário de Junho, no dia em que, dizem, o autor BB levou os cheques para assinar. Aliás, ele próprio e o autor AA, foram pouco claros a esse respeito, acabando por admitir que tinham dificuldades em dialogar sobre esse assunto, pois estavam magoados com os comportamentos desta e também que estavam à espera de uma tomada de posição dos seus responsáveis.

Relativamente ao outro aspecto apontado, não pode concluir-se como

pretendem os AA., que não foram contactados pela ré desde 4.04.2004 para se resolver a situação, pois os depoimentos das testemunhas inquiridas não

apontam nesse sentido, tendo, inclusive, a testemunha EE nomeadamente

(22)

afirmado que antes de 11.08, tentaram contactar o BB, mas não conseguiram, por se encontrar ausente do serviço.

Deve, assim, manter-se a decisão da matéria de facto.

[...]

Com esta ponderação, a Relação não desrespeitou as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova previstos no nosso ordenamento jurídico.

Não pode, por conseguinte, o Supremo Tribunal de Justiça sindicar a

valoração que nas instâncias foi, ou não, dada aos meios de prova testemunhal submetidos ao princípio geral da livre apreciação ou valoração da prova,

consignado no artigo 655.º, n.º 1, nem, consequentemente, alterar a matéria de facto fixada no que diz respeito a esta questão, por tal alteração exceder manifestamente os poderes que, em sede de apreciação factual, lhe são conferidos pela lei processual civil.

Nesta conformidade, improcedem as atinentes conclusões da alegação do recurso.

5. Os recorrentes puseram termo aos contratos de trabalho que mantinham vigentes com a recorrida, desvinculando-se dos mesmos, através das cartas documentadas a fls. 22 destes autos – o recorrente AA – e a fls. 23 e 25 do processo apenso – o recorrente BB, ambas remetidas em 10 de Agosto de 2004 e recebidas pela Ré, sua destinatária, no seguinte dia 12 de Agosto (pontos 41, 42, 57 e 58 da matéria de facto).

Tendo em consideração que, então, se encontrava em implementação o novo ordenamento juslaboral surgido na sequência da publicação do Código do Trabalho e atendendo a que os Autores invocaram dois regimes jurídicos distintos nas cartas em que fizeram constar a sua declaração negocial extintiva, impõe-se resolver, em primeiro lugar, a questão de saber qual o regime jurídico à luz do qual devem ser analisadas as resoluções contratuais operadas pelos recorrentes através daqueles documentos.

5. 1. O artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, situou o início da vigência deste em 3 de Dezembro de 2003.

A mesma Lei Preambular, no seu artigo 21.º, n.º 1, revogou, com efeitos a partir da entrada em vigor do Código do Trabalho, vários diplomas

respeitantes a matérias nele reguladas, designadamente, o Regime Jurídico da

(23)

Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro – alínea m) do citado inciso.

E revogou, também, outros diplomas situando a produção dos efeitos de tal revogação na data da entrada em vigor das correspondentes normas

regulamentares – n.º 2 do referido artigo 21.º.

Entre esses outros diplomas, que se mantiveram em vigor até ao início da vigência da regulamentação do Código do Trabalho, encontra-se a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, também conhecida como Lei dos Salários em Atraso (LSA) – artigo 21.º, n.º 2, alínea e), da Lei Preambular.

Esta protelação da vigência da LSA está em consonância com o n.º 2 do artigo 3.º da Lei Preambular, nos termos do qual, o artigo 364.º do Código do

Trabalho – onde encontra sede a alteração normativa da reforma no que diz respeito à tutela especial concedida pela LSA –, só se aplica depois da entrada em vigor da legislação para a qual remete.

O n.º 2 daquele artigo 364.º veio alterar o regime da excepção do não cumprimento do contrato que foi estabelecido pela LSA, aproximando-o do regime comum dos artigos 428.º e segs. do Código Civil, bem como

estabelecer a faculdade da resolução independentemente de justa causa a efectuar, nos termos previstos em legislação especial, desde que ocorra um incumprimento continuado da obrigação retributiva que se prolongue por um período não inferior a sessenta dias(4).

A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamenta o Código do Trabalho (RCT), iniciou a sua vigência em 28 de Agosto de 2004 (30 dias após a sua publicação, de acordo com o respectivo artigo 3.º), contendo nos seus artigos 300.º e segs. a regulamentação do referido artigo 364.º, n.º 2 (5).

Assim, em 10 de Agosto de 2004, data em que os recorrentes remeteram à Ré as cartas em análise:

– Encontrava-se em vigor, desde 1 de Dezembro de 2003, o regime da

resolução contratual previsto nos artigos 441.º e segs. do Código do Trabalho.

– Subsistia, na sua plenitude, a vigência da LSA (o artigo 364.º do Código e os artigos 300.º e segs. do RCT apenas viriam a entrar em vigor em 28 de Agosto de 2004, data em que operou a revogação da LSA).

Neste contexto normativo, a falta de pagamento da retribuição era susceptível de se reconduzir, em abstracto, aos fundamentos para a resolução imediata do

(24)

contrato de trabalho com justa causa, tal como esta vem enunciada no artigo 441.º do Código do Trabalho, e era, também, susceptível de se reconduzir aos fundamentos para a rescisão do contrato, nos termos previstos no artigo 3.º da LSA.

Estes dois regimes jurídicos – embora, em parte, possam abarcar situações factuais coincidentes (o que sucede quando é invocada a falta do pagamento da retribuição) – são essencialmente distintos.

E essa distinção consiste, desde logo, em que a rescisão do contrato de trabalho com fundamento no artigo 3.º, n.º 1, da LSA – falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período superior a 30 dias sobre a data do vencimento da primeira retribuição não paga – confere direito à

indemnização prevista no artigo 6.º, alínea a), da mesma lei,

independentemente de a falta de pagamento ser, ou não, devida a culpa da entidade patronal e de, em concreto, se considerar que é inexigível para o trabalhador a subsistência da relação de trabalho.

Ou seja, na rescisão do contrato efectuada ao abrigo da LSA é irrelevante a existência ou inexistência de culpa da entidade patronal na não satisfação tempestiva dos salários (6) e, em qualquer caso, não se impõe ao trabalhador o ónus de demonstrar factos que integrem o conceito indeterminado de justa causa.

O Código do Trabalho, por sua vez, consagra, nos artigos 441.º e segs., um regime legal de resolução imediata do contrato de trabalho por falta de

pagamento pontual da retribuição, mas, desta feita, com justa causa que pode assentar em conduta culposa da entidade patronal – artigo 441.º, n.º 2, alínea a) – ou em conduta não culposa – artigo 441.º, n.º 3, alínea c). Em ambos estes casos (justa causa subjectiva e justa causa objectiva), e por força do que

estabelece o n.º 4 do preceito, a justa causa deve ser apreciada nos termos prescritos no n.º 2 do artigo 396.º do Código.

Por outro lado, enquanto no regime da LSA o atraso retributivo tem que ter uma duração superior a 30 dias – ou inferior, mas neste caso desde que o empregador emita a declaração a que alude o n.º 2 do seu artigo 3.º –, no regime do artigo 441.º do Código do Trabalho não há qualquer limite legal de tempo da mora no pagamento da retribuição.

Também o prazo de caducidade do direito de rescindir o contrato que o segundo regime estabelece (artigo 442.º, n.º 1, do Código do Trabalho) não tem equivalente no primeiro regime citado.

(25)

Igualmente são distintos os requisitos formais das duas hipóteses de rescisão, exigindo a lei no primeiro regime (artigo 3.º, n.º 1, da LSA), além da

comunicação por carta registada com aviso de recepção à entidade patronal, uma comunicação à Inspecção do Trabalho que deve obedecer ao mesmo formalismo.

A própria necessidade do decurso do prazo de dez dias sobre a emissão da declaração rescisória para a respectiva eficácia no primeiro regime (artigo 3.º, n.º 1, da LSA), se distingue da eficácia imediata da declaração no segundo regime (artigo 441.º do Código).

Ao trabalhador cabe optar, quando procede à rescisão, pelo regime jurídico a que pretende ver submetido o seu acto negocial extintivo, devendo este

regime aplicar-se “in totum” (7) .

5. 2. As declarações extintivas aqui em causa constam de fls. 22 destes autos e de fls. 23-25 do processo apenso, dados como reproduzidos nos pontos 41 e 57 da matéria de facto.

Os recorrentes iniciam as cartas que tais documentos corporizam, nos seguintes termos:

Exmos. Senhores

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 441.º da Lei 99/2003, venho fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho que me liga a essa

instituição, mediante resolução com justa causa cujos motivos passo a indicar:

[…].

Depois de relatarem (com algumas nuances, sem relevo, devidas às

especificidades de cada um) factos relacionados com a falta de pagamento de retribuição, com a descrição de uma reunião havida com o Presidente da Direcção da Ré, com a pressão deste para efectuarem um acordo com vista à redução do seu vencimento ou à sua saída do clube, com uma atitude de

discriminação no pagamento de salários e com as consequências sofridas pela falta de pagamento da retribuição de Junho de 2004, terminam nos seguintes termos:

[...]

Pelo exposto, dado que se encontra por pagar o salário referente ao mês de Junho, cujo pagamento deveria ter ocorrido em 30/06/2004, data em que aliás,

(26)

todos os funcionários receberam, rescindo o contrato de trabalho, o que nos termos do art.º 3 da Lei nº 17/86 de 14/6 produz os seus efeitos a partir do 10.º dia posterior à recepção desta. Invoco ainda como causa da minha rescisão com justa causa e atentos os factos acima expostos a violação do artigo 22.º, n.º 1, 119.º, als. a), b) e c) do artigo 120.º e als. a), e) n.º 2 e als. b) e c) n.º 3 do art. 441.º e ainda do artigo 200.º tudo da Lei 99/2003. Mais

informo que nesta data e também nos termos legais notifiquei a IGT de todo o conteúdo desta carta.

[...]

Nas acções que intentaram, os recorrentes fazem apelo a ambos os regimes, pedindo, a finalizar o articulado inicial, que cada um apresentou ao tribunal, se reconheça a justa causa para a rescisão do contrato de trabalho “nos termos dos artigos 441.º e Lei 17/86, com as respectivas consequências legais”.

Em sede de revista, os recorrentes apelam ao regime jurídico da resolução com justa causa emergente do artigo 441.º do Código do Trabalho (conclusão 26.ª) e à impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho inerente ao conceito de justa causa, aludindo à Lei n.º 17/86 apenas no sentido de considerar que o prazo mínimo de mora nela previsto – como o previsto no n.º 2 do artigo 364.º, que lhe sucedeu e entrou em vigor com a regulamentação do Código do Trabalho – faz presumir que se verifica justa causa para a resolução do contrato (conclusões 26.ª e 27.ª).

Alegam, também, que poderiam optar por começar a sua carta invocando a Lei n.º 17/86 e invocando depois o artigo 441.º do Código do Trabalho, mas que se o fizessem não poderiam invocar outros fundamentos para a rescisão

(conclusão 29.ª).

O acórdão recorrido considerou que nas cartas remetidas à Ré os Autores resolveram os seus contratos de trabalho, “imediatamente”, e com base nos vários fundamentos que invocaram. Considerou, ainda, que as respectivas declarações produziram efeitos quando chegaram ao poder da Ré e foram dela conhecidas, o que se verificou em 12 de Agosto de 2004, não podendo

beneficiar também do regime decorrente da Lei n.º 17/86, que como lei de emergência, tem apenas por objecto a situação de salários em atraso, mesmo sem culpa da entidade patronal, dentro dos condicionalismos pela mesma fixados, pelo que, cessado já o contrato quando aquela carta produziria efeitos em termos da Lei n.º 17/86, não pode este diploma ter aplicação.

(27)

E fê-lo com acerto.

Com efeito, é facto incontroverso que os recorrentes iniciaram as cartas remetidas à Ré procedendo à resolução dos contratos com efeitos imediatos.

Com esta primeira declaração que dirigiram à Ré – “Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 441.º da Lei 99/2003, venho fazer cessar

imediatamente o contrato de trabalho que me liga a essa instituição, mediante resolução com justa causa cujos motivos passo a indicar […]” – os recorrentes fizeram cessar os contratos de trabalho que os vinculavam à Ré através de declarações resolutórias com eficácia extintiva imediata.

É esta a sua primeira declaração, que os vinculou nos exactos termos em que foi feita, tanto bastando para que se considerem irrelevantes declarações posteriores a situar em dez dias após a eficácia daquela primeira declaração de resolução imediata.

Além disso, procedendo à interpretação do conjunto das declarações constantes dos documentos subscritos pelos autores de acordo com os cânones dos artigos 236.º e segs. do Código Civil, chega-se exactamente à mesma conclusão de que os autores pretenderam rescindir os seus contratos com efeitos imediatos e ao abrigo do disposto no artigo 441.º do Código do Trabalho, não constituindo a referência final à Lei n.º 17/86 e ao diferimento da eficácia da declaração uma efectiva mudança de sentido da declaração inicial.

Segundo os critérios estabelecidos na lei civil, a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se ela for conhecida do declaratário (artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil); não o sendo, valerá com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente

contar com ele (n.º 1 daquele artigo 236.º); nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha no texto um mínimo de

correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238.º, n.º 1, do mesmo Código).

Ora, além de a primeira atitude tomada por cada um dos recorrentes nas cartas em que fazem constar a sua declaração negocial extintiva se reportar inequivocamente à resolução imediata e com justa causa dos contratos, os fundamentos invocados nas mesmas cartas não se quedam pela mora no pagamento da retribuição devida, extrapolando largamente os fundamentos

(28)

objectivos previstos na Lei n.º 17/86 para a rescisão prevista naquele regime especial e sendo susceptíveis, em abstracto, de se enquadrar na ampla

hipótese do artigo 441.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

Além disso, na parte final das cartas em que é feita a única referência à Lei n.º 17/86 delas constante, apenas se lança mão da mesma para referenciar que é nos seus termos que a produção de efeitos da rescisão é no 10.º dia posterior à recepção, voltando os recorrentes a invocar mais uma vez, mesmo nesta parte final, os preceitos do Código do Trabalho, cuja violação pela Ré

entendem constituir justa causa para a rescisão, incluindo o respectivo artigo 441.º.

Na acção, os recorrentes voltam a invocar, primacialmente, o regime do artigo 441.º do Código do Trabalho, também aí alegando factos que excedem a

materialidade dos salários em atraso e que o enquadramento legal da rescisão previsto na LSA não contempla, o que alicerça aquele sentido interpretativo.

Não tem, pois, qualquer relevo a circunstância de, contraditoriamente, fazerem igualmente constar da parte final das cartas em análise que, nos termos da Lei n.º 17/86, a rescisão vai produzir efeitos no 10.º dia posterior à recepção da carta (8) .

Não se sabendo se a Ré conhecia a vontade real dos Autores, ela, como um empregador normal, com a prudência e diligência razoavelmente exigíveis, atenderia, primacialmente, à expressão da vontade revelada pelos dizeres vertidos no início de cada uma das cartas de que foi destinatária, desse modo solucionando o seu teor contraditório.

Além disso, se dúvidas se lhe suscitassem por força das menções posteriores das cartas, a amplitude dos fundamentos invocados na sua parte mais

substancial e a referência final ao artigo 441.º desvanescê-las-iam.

Finalmente, este sentido interpretativo, além de se inferir de todo o contexto dos documentos nos termos expostos, resulta de uma declaração

perfeitamente expressa nas missivas em análise. O problema não resulta de falta de expressão, mas da existência de expressões que poderiam considerar- se incompatíveis, pelo que o n.º 1 do artigo 238.º, do Código Civil, não

constitui óbice a esta interpretação.

Assim, como estas declarações negociais são receptícias, os contratos de trabalho que vinculavam os recorrentes à recorrida cessaram, nos exactos

(29)

termos previstos no artigo 224.º do Código Civil, aquando da sua recepção, ou seja, em 12 de Agosto de 2004 (9) .

E cessaram por resolução contratual com efeitos imediatos nos termos do artigo 441.º do Código do Trabalho.

Quanto ao regime previsto na Lei n.º 17/86, não só não pode lançar-se mão do mesmo em face da opção dos Autores pelo regime da resolução, como, ainda, não se encontram preenchidos os seus requisitos formais de aplicação na medida em que, com a cessação imediata, não se mostra assegurado prazo de dez dias que a lei manda observar, como antecedência mínima, relativamente à eficácia da rescisão do contrato.

Como é jurisprudência uniforme, a exigência constante do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 17/86 de notificação do empregador e da Inspecção do Trabalho com a antecedência mínima de dez dias relativamente à eficácia da rescisão (10) , não se reconduz a um simples aviso prévio, antes constituindo um pressuposto legal indispensável ao válido exercício do direito indemnizatório conferido no artigo 6.º da mesma lei (11).

Deverá, pois, apreciar-se a resolução contratual com efeitos imediatos a que os recorrentes procederam em 10 de Agosto de 2004, nos termos do artigo 441.º do Código do Trabalho, sendo à luz do regime jurídico estabelecido neste diploma legal que importa ver se aos recorrentes assiste o direito à indemnização que pretendem ver reconhecido (12).

6. A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o período de aviso prévio previsto no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho, em situações que considera serem anormais e particularmente graves, em que deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio.

Estabelece o n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, no que aqui releva, os

seguintes comportamentos do empregador: falta culposa de pagamento pontual da retribuição – alínea a); violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador – alínea b); lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador – alínea e).

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento

(30)

desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada

proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).

Para que exista justa causa que, nos termos expressos do artigo 441º,

condiciona o direito do trabalhador a rescindir o contrato, é ainda necessário que aquelas faltas culposas do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de

trabalho que o contrato pressupõe.

De acordo com o artigo 441.º, n.º 4, do Código do Trabalho, a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador, tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 2 do artigo 396.º do mesmo diploma, com as

necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências (13).

Lança-se, assim, mão do conceito de justa causa consagrado pelo artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho – como já antes sucedia relativamente ao artigo 9.º da LCCT e era, também, entendimento generalizado na vigência da

primeira Lei dos Despedimentos (14) –, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa, a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa

disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral da entidade patronal (15) .

No caso em apreço, o recorrente José António fundou a sua atitude

resolutória: i) no não pagamento do salário de Junho de 2004, do subsídio de férias e do trabalho suplementar prestado; ii) na discriminação de que foi alvo quando foram pagos os salários de Junho de 2004 a todos os funcionários e não à sua pessoa; iii) na pressão efectuada, através do não pagamento do salário de Junho de 2004 (tendo mulher desempregada e três filhos menores),

(31)

iv) nos incómodos, necessidade de pedir dinheiro emprestado e de vender bens pessoais para fazer face às necessidades da vida familiar, que a falta daquela remuneração causou.

Na sua perspectiva, estes factos preenchem os fundamentos de resolução previstos no artigo 441.°, n.º 2, alíneas a) e e) e n.º 3, alíneas b) e c), do Código do Trabalho.

O recorrente BB, por seu turno, fundou a resolução a que procedeu: i) no não pagamento do salário de Junho de 2004 e de trabalho suplementar, apesar de as contas bancárias da Ré terem provisão que permitiria liquidar o seu salário;

ii) na discriminação de que foi alvo quando foram pagos os salários de Junho de 2004 a todos os funcionários e não à sua pessoa; iii) na pressão para o forçar a aceitar uma redução salarial sem concretizarem a redução, visando apenas provocar desequilíbrio com vista à sua saída do clube; iv) em ter ficado com a sua conta bancária com saldo negativo para cumprir os seus

compromissos mensais fixos; v) em terem-lhe sido retirados, com a entrada da nova Direcção, serviços e funções, que habitualmente realizava, com vista a provocar a sua saída.

Na sua perspectiva, mostram-se preenchidos os fundamentos de resolução previstos no art. 441°, n.º 2, alíneas a) e e) e n.º 3, alíneas b) e c), do Código do Trabalho.

Em ambos os casos, e apesar das especificidades próprias da descrição individualizada dos factos, os preceitos legais invocados reconduzem-se aos mesmos fundamentos, a saber: a falta culposa de pagamento pontual da

retribuição, a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, a alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador e a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.

O acórdão recorrido, referindo que os Autores invocaram três tipos de

situações para resolver os seus contratos de trabalho – tentativa de diminuição da retribuição por parte de Ré, falta de pagamento do trabalho suplementar e falta de pagamento do salário de Junho de 2004 –, veio a considerar que

apenas a falta de pagamento do salário de Junho de 2004 integra os elementos objectivo e subjectivo do artigo 442.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

E considerou, também, em consonância com a decisão da 1.ª instância, que este comportamento da Ré não integra justa causa para a resolução do

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