AS BASES SOCIAIS DA PRÂTICA PEDAGóGICA
NO BRASIL
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Helena Márcia R. Brasileiro
ste estudo se propõe a se inscrever numa postura
dialé-I (.I, onde a prática pedagógica, aqui conceituada como
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
< taI do professor numa classe ou num outro conjunto de
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
111 Itos em situação de aprendizagem", seja compreendida'
« «mo uma atividade humana participante da totalidade da
orga-1111 ção social, onde o processo particular de ensino se
articu-1,1
os demais processos sociais.Focalizando tais processos dentro da realidade brasileira,
podemos dizer, genericamente, que se trata de uma sociedade
« .r cterizada pela extrema desigualdade entre suas diversas
( irnadas sociais, na qual ricos e pobres têm acesso desigual
t mto aos meios e instrumentos de produção das condições de
11 existência, quanto à partilha dos recursos da sociedade
(' s decisões políticas que definem tal partilha.
Assim é que se busca apreender a prática pedagógica.
( tudando-a frente a duas questões básicas:
- Como as desigualdades sociais se refletem na escola?
- Como a escola, por sua vez, pode reforçar essas
de-sigualdades?
Para o desenvolvimento do tema, lançou-se mão de dados
prtrnárlos coletados em 1982, no contexto do Programa' de
Re-vllalização das Escolas Normais de Pernambuco, desenvolvido
orn
convênio com a SUDENE, em cooperação com aUniversi-cI de Federal de Pernambuco. Os referidos dados resultaram
d debate realizado em Seminários com professores da rede
pública vinculados aos Cursos de Formação para o Magistério
em nível de 2.° grau e com pessoal técnico das Delegacias
Regionais de Ensino (DERES), num total de 165 participantes,
onde, refletindo sobre a realidade do ensino de
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1.° grau-objetode suas práticas pedagógicas - os mesmos se posicionaram
fi ente às duas questoes básicas indicadas anteriormente.
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A lg u n s p r e s s u p o s t o s
De início, explicitam-se alguns pressupostos considerados
importantes para a' presente análise.
O primeiro pressuposto é o de que "os sistemas
educa-cionais, embora influam sobre a sociedade a que servem,
re-fletem", via de regra, "as condições sociais, políticas e
eco-nômicas dessa sociedade, acompanhando sua evolução
histó-rica". (1) Acrescenta-se a essa idéia o entendimento de que
tais condições, em sua gênese e em suas formas concretas
de expressão, numa sociedade dada, apresentam-se
intensa--mente imbricadas, de tal modo que dificilmente se pode
pen-sar o social desvinculado da infra-estrutura econômica que
lhe dá suporte como, também, da superestrutura' política. Esta,
por sua vez, na medida em que norteia e assegura, pela
ideo-logia veiculada e pela própria práxis, as condições sociais e
econômicas de tal sociedade é, contraditoriamente,
condicio-nada pelas deterrnlnações emanadas de um social e de um
econômico historicamente situados.
Daí decorre um outro pressuposto segundo o qual a
expli-citação das "bases sociais da prática pedagógica" não tem
por escopo uma visão mecanicista do social e da escola, na
qual se procuraria estabelecer relações de causa e efeito, de
busca de determinantes/determinados. Ao contrário,
preten-de-se caminhar numa perspectiva dialética em que, tendo por
referência a idéia de totalidade social, na qual não se pode
ver o todo como algo já feito, mas, sim, como um processo
que exige, entre as partes e o todo e das partes entre si, seja
superado "o uso da' noção de causa pela de mediação, que não
considere apenas uma direção determinística unidirecional,
mas as relações que se estabelecem reciprocamente". (2)
(1) PAIV A, V.
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E d u c a ç ã o P o p u l a r e E d u c a ç ã o d e A d u l t o s . S. Paulo, Lo-yola, 1978. p. 1.°.(2) CURY, [amil. E d u c a ç ã o e C o n t r a d i ç ã o . S. Paulo, Cor tez Editora, 1985. p. 8.
66
Educação em Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987o objeto desta
Finalmente, tem-se como pre~~uposto q~e ica _ não deve
nálise - as bases sociais de pratica pedag dg adquirir
con-"ab t te" mas preten e .
r abordado a stra amen , . d formação socla,1
cretude ao se posicionar a partir e uma ãnea _ a qual
. d d b asileira contempora '
pecífica - a socie a e r. d de de ca'racterísticas
capita-truturada como uma socie a . dade dividida em classes,
\I tas e, conseqüentement.e, uma SOC.I:I" mo liberal que se
de-I tá inserida na atual crise do c_apla I~ 'da pelo acirramento
t ri ora e, em decorrência, se ve env? ~I
ti s contradições e deSigualda~es soclal~i'ais" adota-se como
Quanto ao conc~ito_ ded"c ~~~~aSnt~~squ~, ao definir as
rt ferencial ~. conceltaç,~o .entos de aogentes sociais
det~r-etasses sociais como conju ão e x c lu s iv a m e n t e (grifo
minados, p r in c ip a lm e n t e , m a s s;~ de producão, isto é. na
no sol, por seu lugar n? prece I desempenhado pelo políticO
I fera econômica", lnclul o pape determinacão de classe.
pelo ideológico (superestrutura)~i~:do "a determinação das
A sim, de acordo com o ,a.~~; _ lut~ _ das classes e se
(.Iosses abrangendo a_s pratll't"cas e ideológicas, designa os
tendendo às relaçoes po I I entes na divisão soclel
lugares objetivos ocupados pelos .~3ependem da vontade de
rio trabalho", lugares esses que I
tnls agentes. (3) . t o tratamento dado à questão
Igualmente. tendo .e~ VIS a sil como um dos elementos
cI s desigualdades SOCiaiS n~ ~ra c~nvém situar o significado
modiadores da prática pe1ag~~~c:ém ress::\ltar. ainda,
remeten-li
te estudo. Desse mo o, 'ndivíduos no contp·üor.n desiClualdades entre ~~uPéosa~ u ~ s t ã o p r im 'e ir a : "as
desi-ti para poulal~t.zas._que, e S e f e it o (grifos nossos) sobre os
agen-111 Idades SOCiaiSsao ~~ o . t é dos lugares objetivos que
te , das classes SOCiaiS, ISa~ece'r a não ser pela abolição da
!l.uoam. não podendo desap es" O autor em apreço
com-eI vi ão da sociedade ~m ~Ia::dos~ado) exolicitanrlo oue "não
pl to seu pensamento . adqu~ de classe, de uma desigualdade
tr ta. em uma socie a. e entrever sequramente oue
ooor-do 'lnrlivídu?s'. o que del~~,s dependem' (ou quase) somente
tllllld d s eXls~em a qU~ ~s mais c:=tn:=t7ARe os melhores
po-dI I. , no sentido de qu " ial'" (4)
dI ri m ultrapassar o seu meio SOCI . di
d das relações entre as con
1-rtnalmente, na ablor agem a-se evitar um tratamento
me-I ,. clals e a' asco a procur '.
d e h o j e . 2." eed. 1'( llLANTZAS, N. A s c 1 a ~ s e s s o c i a i s n ~ 3c : p i ~ 1 ~ s m o
I 10 ti T nneiro, Zahar Editores, p. p. I) Id m, idem, p. 18.
m Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987
c a n ic is t a ,
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o qual t e n d e r ia a s it u a r t a is c o n d iç õ e s comodeter-m in a n t e s da p r á t ic a p e d a g ó g ic a . Neste s e n t id o salienta-se
como essencial a concepção da escola' como uma das m e d ia
-ções pelas q u a is se dá o c o n f lit o entre as c/asses S o c ia is ,
en-sejando mudanças S o c ia is ; m e d ia 'ç ã o essa aue será tanto
melhor desempenhada quanto rnels a escola "preservar e
res-guardar ao m á x im o sua e s p e c if ic id a d e e sua função m a is
nobre: o e n s in o , a transmissão e s o c ia liz a ç ã o do saber
siste-m a t iz a p o " .
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( 5 )C o n t e x t u a l i z a ç á o d a e s c o l a : a r e a l i d a d e s o c i a l
Para a a n á lis e das bases s o c ia is da p r á t ic a p e d a g ó g ic a
d e f in iu · s e como ponto de p a r t id a a in d a a a c ã o acerca ri/) tloo de s o c ie d a d e a que a escola e essa p r á t ic a estão r e f e r id a s ,
procurando-se, através de alguns in d ic a d o r e s , cheqa.r a uma
c a r a c t e r iz a ç ã o m a is geral dessa s o c ie d a d e , no Brasil de h o je .
Um retorno dessa a n á lis e - seu "ponto de cheqada" +-.
pode ser s it u a d o como a·t e n t a t iv a p o s t e r io r de v e r if ic a c ã o dos
reflexos da c a r a c t e r iz a ç ã o s o c ia l sobre a p r á t ic a periaqóqica
bem como de a v a lia ç ã o sobre como essa prática p e d a q ó q ic a ,
enauanto uma. p r á t ic a s o c ia l desenvolvirla no s e io de uma
so-c ie d a d e de classe e, portanto, c o n t r a d it ó r ia , consegue se ar-ticular com os in t e r p . ! '; ! , ; A s a n t a g ô n ic o s das camadas populares e das classes d o m in a n t e s .
P 8 'r t in d o da constatacão in ic ia l do caráter de classe da
s o c ie d a d e b r a s ile ir a , e x p lic it a - s e . a in d a Que de forma s u r : in t a ,
a estrutura dessa s o c ie d a d e , d e lin e a n d o , para f in s de
sistema-tização, as c/a·sses s o c ia is resultantes do conjunto das
rela-ções de produção c a p it a lis t a s a que está s u je it a a s o c ie d a d e
b r a s ile ir a .
Na verdade, face
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à c o m p le x id a d e do tema, obieto de abordagens t e ó r ic a · s variadas e m u it a s vezes c o n t r a d it ó r ia s ,há que ressaltar o caráter e m in e n t e m e n t e in d ic a t iv o dessa
sis-t e m a sis-t iz a ç ã o . cujas pretensões se resumem a um mero
aclara-mento do fenômeno.
Normalmente, as abordaqens de conotação m a r x is t a
ten-dem a representar a s o c ie d a d e c a p it a lis t a a p a r t ir de uma
im a g e m d u a lis t a , onde são apontadas, apenas, as duas classes
f u n d a m e n t a is - a b u r g u e s ia ou classe d o m in a n t e e o
prole-(5) M ELLO, G. N. "Ensino de 1.0 Grau: as estratégias da transição demo. crática". In: E d u c a ç ã o D e m o c r á t i c a , São Paulo, Cor tez Editora, 1985, p. ~.
68
Educação em Debate, Fort. 14 (2): jUl/dez 1987
. T' abordagens pertern do
con-I II ulo ou classe dominada .. ~IS elo lu ar que as mesmas
«,1111d classes sociais def~nld?o p difere~ciando-as pelo
con-'li 1111"li no p~oc~ssdo de p;o I~Ç~~s meios de produção bem
11111, u ausencra e con ro _ desses meios e do produto
I"'110 P Ia propriedade o~ n'~~tzas entre eles, agregam ao
1111'"(6) °Autr.os autores, t~~ político e ideológico.
lulo, conorruco os aspec constituem as
elas-I d os agrupamentos, que .. "
(üur-r
r outro a o .. d m "categorias sociaisf p dem ser subclasslfl?~' as e _ s de classes e camadas
li
1m)
ou segmentos. s,o?lalsdefr~~t~~eza subjetiva ou objetivaleI1I
a partir de crrtertos . I' ação e renda' dentro
I..
dlf
s de especra IZ ,. A111" vão desde as I eren?a
f
tores de natureza ideolóqica." lima mesma classe atei a ~ontado por Poulantzas é o da
( respeito, um, ~x~mp °ns~ituída por detendores de uma
,. "I rocracta operaria , co. . de sua classe. trata-se de
' . o interior I
Id, 01 gia não operaria, n ,. apresentando conjuntura
men-11111I camada da classe op~rarl~esa. embora não faça parte da
I, lima posição de classe urg , .
IHlr{JlI sia. lderações que demonstram a
cdomp!etxl-om essas consi '. uma proposta e SIS
e-ti 111 do tema, apresenta-se, a se~~il;is no Brasil, registrando
11
ulzação
acerca das. classes s sautores já citados e noses-'111 a mesma foi inspl~ada ~o doso (7) e João Bosco Pinto, (8)
Irllo de Fernando, Henrl~ue a~~res na medida em que. os
, xtr polando, porem, tais e for~a abrangente, uma
,sl~te-1111 . mos não apresentam,. ~ B sil à exceção do ultimo
1111117açãodas c}asses sOf~~I:ifi~~Çã~a d~s classes sociais no
tutor que propoe uma c
I.unpo . . d sociedade brasileira
poder-se-Analisando o con~unto t~ ão pensá-Ia conforme a
se-efeitos de sistema izaç .
.jiulnteI, paraestruturaça ão básica de classes:
B u r g u e s i a
dendo os setores (ou frações)
lndus-urbana, compreen. '.
trlal, mercantil e financeiro,
--- . 1 sse: uma introdução ao estudo
«()
AGUlAR Neuma. "HierarqUIas e:n ce~ c i a s s e Rio de Janeiro, Zahar
1 da estratificaçao'_ SOCIial"• H i e r a r q u i a s .
E~~g6s697::
l '
et~7
~IlFalett~, E. D e p e _ n d ê ; ~ : f o l ~ g f : : ~ I 1 ~ ~ i ~ : I 1 ~ ~ n : ~ (7) . ~ t ' _ Ensaio de interpretação
A m é r i c a m a 84 (7' Edição) l _
ro Zahar Editores, 19 .' . 1 e d ~ c a ç ã o - P e r c e p ç õ e s d a p o p u a ç a o ' O J Bosco M e I O R u r a e
(Il) PTNT,.r u r a l s o b r e a e s c o a ..[ A N P E / C N P q . (rnirneo).
a g r á r ia
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ou I~t~f~ndiária, compreendendo as frações declasse p e r e s t t e r t e ( q u e acumula riqueza a partir da
ren-da ren-da terra) e e m p r e s a r ia l (que
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
extra! a mais-valiadire-tamente do prol.etariado rural, através das diversas
for-mas de assalanamento).
- P ~ q u e n a b u r g u e s ia que se distingue na burguesia por
nao . se encontrar no âmago das r I - d I
dominante, de extração direta da mais-valia. e exp oração
P e q u e n a b u r g u e s ia t r a d ic io n a l - caracterizada pela
peau~na producão e prooriedade, rural ou urbana onde
o. proprio proprietário fornece o trabalho, muitas' vezes
ajudado por sua família, utilizando-se aoenas
ocaslo-nalmente do trabalho assalariado de terceiros.
Dts+ln-gu.e-s.e da burguesia. oois não
exnlora.
pelo menospnn.r.lDalmente. o trahalho assalart=ío. Não acumula
caoital. Por outro lado, não é exolorado no seu
oro-cess~ de trabalho, na medida em que não aliena para
terceiros a sua força de trabalho.
P e , a u e n a b u r g u e s ia t í o í c a o u c la s s e m é d ia -
constl-~Ulda>, pelos trabalhadores assalartarlos não-orodu+ivos.
Isto e, trabalhadores aue não particioam diretamente
d.a ~rod.ução e da extração de mais-valia, e pelos
oro-flsslonals liberais. Esses coniuntos não pertencem à
b.urÇlueSia mas, ídeoloulcarnente. assumem. ne
maio-na das vezes, posições de classe burguesa.
C la s s e p r o le t á r ia o u p o p u la r , constituída pela grande
massa dos trabalhadores urbanos e rurais é comumente
tdentificada como classe dominada. '
Esse parece ser o quadro qeral da sociedade br~Rilp.ira
ao aual poder-se-ia, é claro, introduzir subdivisões-frações,
camadas etc.
.. Destaca-,se, ainda, a exlstêncla de duas cateaorias
so-ciais" - as 'massas ~a~ÇJina'lizadas" e a "burocracia de
es-t?do , ~ela sua relevância numérica e política. Tais
catego-rias deixam de ser enquadradas ne síntese acima por não
se _tratar.em de classes sociais; ambas, no entanto por
razoes diversas aqui não explicitadas, ocupam um pes~
pre-ponderante numa análise da estrutura social brasileira.
Com e~s~ estrutura bastante diferenciada pode-se
afir-mar, sem dúvida, que qualquer esforço no sentido de
caracte-70 . Educação em Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987
I
r'
lodade brasileira aponta, de imediato, para umcon-til profundamente marcado por desníveis sócio-econômicos,
111\ I,IlI as apontam para aos contradições de um capitalismo
I IH. lei os interesses do capital estrangeiro monopolista',
" qu
ti, partir da década de 60, passa a reger-se por umIII1VII pndrâo de acumulação e reprodução ampliada do capital.
I
I II
num processo de alta exploração do traba,lho.m
delo econômico adotado, ao promover aacumula-, 11 prlv da do capital, estimulou a concentração de renda,
'11Iell ndo as desigualdades sociais.
IlIf rme do Banco Mundial (1979) sobre a distribuição da
I' ruln m stra que "o Brasil, num conjunto de 28 países de
di-, II 11\ situações econômicas e sociais, é campeão em
ter-11111ti concentração da renda. Os dados do informe
reve-111I1 qu 10% mais ricos dispunham de mais de 50% da renda,
IlIqlll,nlO os 40% mais pobres detinham apen.as ~%". Es~a
I 011<,1ntração é obtida mediante arrocho salarial.
Internaclo-11IIII I no da economia, alijamento da participação popular nas
dI LI' ( em todos os níveis. (9)
101 situação evidencia-se como gritante quando,
analisan-do () dados oficiais fornecidos pelo IBGE - Anuário
Estatís-li,11 d Brasil - 1985, pode-se verificar que, em 1984, 10%
d
I população não auferiam qualquer rendimento, 12%
perce-hl 1111 1/2 salário mínimo e 20,5% percebiam entre 1/2 e 1
sa-I
,,10Dai,
poder-se concluir que quase metade da população111 I 11 Ira (47,5%) vive em condições subumanas, não
rece-111
lido
salário ou ganhando, no máximo, um salário mínimo.Por outro lado, os desníveis não se mostram constantes
III t do o território nacional. agudizando-se nas regiões mais
I' ,hr . Exemplo disto são os dados fornecidos pelo FIDEPE
Informações Sociais de Pernambuco, os quais indicam que,
1\11
.no
de 1980, este Estado contava com 63% de suapopu-\.H,tI recebendo rendimento igualou inferior a um salário-mlnlrno ,
ssa situação se agrava se for considerado o declínto
d, poder de compra do salário mínimo, o qual, fixado e
con-II Indo pelo Governo muito abaixo do necessário para cobrir
1\ "custo de vida", compele as famílias trabalhadoras a
re-r.orr rem a todas as formas de sobrevivência, adotando o
subem-prl 00 e as atividades no chamado setor informal, para suas
('I) FRIGOTTO, G.
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P o l í t i c a d e f i n a n c i a m e n t o d a e d u c a ç ã o : sociedade de-igual, distribuição desigual dos recursos. Cadernos CEDES (5), São Paulo, 1981. p.p. 4 e 5.mulher.es e filhos menores, acarretando o ingresso precoce d~s_
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cnanças na luta pela sobrevivência' quando não namen-dicâncla . '
Por ?utro, lad.o, é !nteressante associar, aqui, os
indicado-res relativos a situação educacional desses asseíartados.
AM ~UDENE, em seu documento "Proposta de Educação
para. elo Rural" ,r(10) ale ta para o fato de que e preocupan-'
t,8 .constat~: que mals da metade dos assalariados brasileiros
cujos ren rrnentos eram inferiores a um salário mínimo eram
analfabetos ou possuíam menos de um ano de escola~idade
;egundo ~ados da FIBGE/PNAD(1978), e, ainda, que é ana"~
t ab~tfh mais de 3/4 da população economicamente ativa que
ra a a no setor agrícola do Nordeste. E bem se sebe o
quanto a. c?~dição de analfabeto contribui para uma reducão
dar. ~oss~bllldades de participação política consciente para
a ~mlt~çao das aspirações e, sobretudo, para a
sobr~exl)lo-draçaoe trabalho.o trabalhador em termos de salário e de condições
Mas o "circo de horrores" não pára por aí: outros
indi-cadores mostram uma sociedade cada vez mais desigual.
_ Mais de 40 milhões de brasileiros - dos quais 12
mi-Ihoe~ ~e crianças - são desnutridos e, portanto, estão em
c?ndl?oes de miséria absoluta; 40% dos "domir.ílios" não
tem instalacõas sanitárias e 44,2% da população rural é
subernpreqada (Instituto Nacional de Alimentacão - INAM
1973). .,
Com referência à taxa de mortalidade infantil, a mesma
se apresenta na proporção de 82 para cada 1 .000 habitantes
agravando-se, na Região Nordeste, pera 133,8, em cada 1.000
habitantes (SUDENE/DRH/Divisão de Preservação da Saúde
.,980). Esse indicador torna-se mais discrepante quando com~
para~o com os níveis de saúde de outros países onde a'
pro-porcao de mortalidade infantil por 1.000 habitantes é a
se-guinte: Suécia 8,0, Japão 8,9, Estados Unidos 19.2 e Cuba 27,4.
Concorrem, sobretudo, para essas mortes, a desnutricão ao
tuberculose, as diarréias, as doenças perinatais e o sarampo,
tO,da~ doenças resultantes de um deficiente serviço de saúde
publica e do estado de miséria absoluta da pooulacão com
a cons~qüente deficiênci~ nutricional ou "situação de fome"
que atinge grandes contingentes populacionais. Esse
proble-(10) DUARTE, et alii.
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P r o p o s t a d e e d u c a ç ã o p a r a o M e i o R u r a l . Recife.SUDENE, 1984. p. 14. .
72
Educação em Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987III li acentuado na Região Nordeste, onde se encontra
It doi tercos da população brasileira com déficit
celóri-, 11(1' rlor a 200 calorias/dia. (11)
' l i
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
t t c a p e d a g ó g i c a e a s d e s i g u a l d a d e s s o c i a i sdo conhecimento público que o acesso à educação
bá-I,li, n equrado por lei como um direito de todos, não se
v /li dando, na prática, a despeito dos discursos oficiais e
cio planos governamentais em prol de uma democratização
do nino, os quais, nas últimas décadas, efetivamente, se
'flflcrctizaram numa considerável expansão quantitativa de
vnqas no 1.° grau de ensino, bem como nos demais níveis.
Na verdade, essa' expansão se deu de forma caótica,
'1"
ndo, em nome da universalização do ensino, se apelou parar dução da jornada escolar, para a superlotação das classes
rins centros urbanos, para a proliferação de classes
multlsse-rlodas funcionando na casa da professora, nas zonas rurais,
para soluções "comunitárias" barateadas e para programas
compensatórios, entre outros mecanismos que, ao
contribui-r m pacontribui-ra acontribui-rnnliacâo das vacas. levaram. também. ao
rebelxa-mente da qualidade do ensino destinado às camadas
popu-lares.
"Estatísticas oficiais do MEC dão contra de que em 1982,
corno h~ oelo menos quatro décadas, cerca de 50% dos alunos
ms+rtculados na 1." série do 1.° qrau não conseguiram
concluí-la . Fracasararn por abandono da escola ou repetência". fl2)
Daí poder-se concluir que a democratizacâo do acesso à
es-cola não é qarantle de democratizacão do ensino. na medida
em oue, paralelamente à expansão das ooorrunídades
educa-cionais, expandiu-se, também, o fenômeno do fracasso escolar.
a
estudo das causas de tal fenômeno tem ocupadoinú-meros pesquisadores e o resultado das pesouisas mais
rele-vantes foi obieto de Relatório Técnico coordenado pela
pes-nulsadora Zaia Brandão, (13) de onde se extrairam elqurnas
elas conclusões de maior relevo nas quais se verifica que o
I (11) M TNTER - SUDENE - U m a P o l í t i c a d e D e s e n v o l v i m e n t o p a r a o
N o r d e s t e - Proposta para discussão. Recife. 1985. p. 15. (1?) M P.T.T,O, GN. - Op. Cit., p. 13.
(13) BRANDÃO, Z. et alii. O e s t a d o d a a r t e d a p e s q u i s a e v a s ã o e r e p e t ê n -c i a n o e n s i n o d e 1.· g r a u n o B r a s i l - 1971-1981. Rio de Janeiro. IUPERJ IINEP, 1982.
fenômeno da evasão e da repetência no Brasil tem sido
obje-to de abordaqern as mais variadas.
Os primeiros estudos partiam de um enfoque
exclusiva-mente psicopedaqóqico, centrado nos fatores intra-escolares
(aluno, professor e processos de ensino), comprometendo a
percepção das condições estruturais da sociedade presentes
e atuantes dentro da escola' cujo desconhecimento inviabiliza
uma prática pedagógica conseqüente.
Progressivamente, a partir da década de 70, passou-se,
sob influência das idéias reprodutivistas, a' um extremo
opos-to, no qual os fatores exógenos ao sistema de
ensino-subnu-trição, pobreza etc. aparecem como a origem do fracasso
es-colar. Esse enfoque, na medida em que contribuiu pare- um
melhor entendimento das questões educacionais ao
relacioná-Ias com processos sociais globais, por outro lado, induziu a
urna espécie de "fatalismo" o qual, no limite, apresenta risco
de conduzir a um imobilismo pedagógico.
No momento, há uma tendência para resqatar a
importân-cia dos fatores intra-escolares na deterrnlnacão dos níveis de
produtividade do ensino "procurando-se descobrir dentro da
es-Gola o que é específico sem íonorar a realidade
sócio-eco-nômica e política mais ampla".
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(14)No Beletórlo citado, o consenso dos pesquisadores aponta
a "importância do nível sóclo-econômlco do aluno para
expli-cação de seu desempenho." (15)
A partir daí, "poder-se-ia concluir aue o problema
subia-cente ao baixo rendimento escolar é a pobreza e aue,
portan-to, estamos diante de um fenômeno eminentemente social
cuia solução transcende a competência da escola. Embora tal
afirmação seja irrefutável. ela é encanosa". O
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o o = t r : c r í t ic o éa m a n e ir a p e la q u a l a e s c o la lid a c o m a p o b r e z a . ( 1 6 )
Nesse ssoecto, alguns resultados de pesquisas merecem
especial destaque:
As crianças que permanecem mais tempo na escola e
têm um rendimento superior provêm de fflmílifls onde a
mãe tem um nível mais elevado de esco1flrirlFlrle.
Os alunos de nível sócio-econômico e cultural mais baixo
têm menor índice de rendimento e, de acordo-com
al-guns autores, são mais propensos à evasão.
----(14) BRANDÃO Z. et. alii - Op. Cito p. 4. (15) Idem. idem. p. 110.
(16) GATTI, B. in BRANDÃO et alii Op. Cit.,p. 3.
1 .
2.
74
Educação em Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987I
t,
maior incidência de reprovados entre os mtçrentes.A nsuficiência na qualificação média do professor e
res-fi n vel pelo baixo desempenho lingüístico dos aluno_s.
I I parte dos professores, foi not~~a uma ~reoc~paçao
om p a t o lo g iz a r os alunos. As famílias tambem sao
en-, rodas de forma depreciativa. . .
A scola não sabe lidar com a heteroqeneídade social;
li
pois de alguns anos elimina mais de 3/4 dos que nelalu ressaram.
professores que ingressam no sistema ficam sempre
m as turmas consideradas mais difíceis.
A rotatividade do professor durante o ano letivo apresenta
c rrelação significativa com o baixo rendimento dos
alu-no .
A desnutrição pregressa, mesmo moderada, é uma das
prIncipais causas de elteração no desenvolvimento mental
no mau desempenho escolar.
Uma outra abordagem importante refere-se às percepções
do pr fcssor acerca da realidade social de seu~ alunos -
in-ri \IOÇ os básicas sobre os reflexos das desigualdades
so-, I11 na escola - e as suas representações a respeito de
I'loprl prática docente. . ,.
P ra essa abordagem analisaram-se dados pnmanos
co-I,
I rd em 1982, junto a 100 professores vinculados aos1111 o 'da formação para o Magistério em nível de 2.° Grau,
ri I rt de pública' do Estado de Pernambuco, b~m como for~m
hu.orporadcs os resultados de pesquisa realizada por
GUlO-111 Ir Namo de Mello (17) numa amostra de 564 professores
" ( colas públicas estaduais do Estado de São Paulo
(inte-rlor capital) . . .
Interessante notar, de início, que se evidencia, por
I' \I t dos professores, u.m.a cl~ra p.ercepção da importância
do a pectos técnico-administrativos In~ra-escolares .como
pos-VI I xplicação para a queda' da qualidade. ~o ensino.
No entanto, a despeito disso, ao se posrcronarern de modo
{fico, frente a questões concretas sobre as causas do
so escolar, os professores das duas amostras optaram por
xplicação conservadora onde. os invés de colocar, a
pró-scola em questão, culpam o aluno por suas mas
con-s con-sócio-econômicacon-s e individuais.
(11) M ELLO, G. N.
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M a g i s t é r i o d e 1.° G r a u - D~ c o m p e t ê n c i a T é c n i c a ( / 0 c o m p r o m i s s o p o l í t i c o . São Paulo, Cortez Editores, 1982.Assim é que, na' amostra estudada em Pernambuco, as
"dificuldades decorrentes da organização e da estrutura da
instituição escolar" (classes numerosas, ênfase à memoriza-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção, peso de métodos e técnicas inadequadas,
desconhecimen-to da realidade do aluno etc.i participaram com apenas 30%
das respostas, enquanto atribui-se às "dificuldades intelectuais
e cognitivas do aluno" (17%) "às dificuldades na área de
relacionamento social/atitudes" (20%), às "dificuldades de
natureza sócio-econômico-familiares" (31 %), a maior
incidên-cia dos reflexos das desigualdades sociais dentro da escola
e dos fatores de fracasso.
Igualmente, com referência às conclusões da professora
Guiomar Namo, "pelo exame das respostas constatou-se que
todas as explicações apontadas dizem respeito à condição da
família, da própria criança ou, num padrão explicativo circular,
à própria situação da carência. Nenhuma das respostas
ana-llsadas sugeriu, por exemplo, que os comportamentos
preju-diciais ou rendimento escolar são mais freqüentes entre as
crianças
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c a r e n t e s porque a escola não investe, técnica ema-terialmente, na mudança dos padrões de conduta dessa
crian-ça e na criação de novos padrões mels adequados." (18)
Essas conclusões parecem relevantes para o estudo da
prática pedagógica na escola brasileira, na medida em que
atestam a discrepância entre o posicionamento dos teóricos
e dos pesquisadores em relação àquele demonstrado pelos
professores em sua prática cotidiana, revelando, ainda, a pouca
divulgação dos resultados dos estudos e pesquisas e,
por-tanto. a desvinculação existente entre os pesquisadores e
base do sistema escolar. Essa postura que leva os
professo-res a interpretar o fracasso escolar a partir, principelrnente.
das condições sócio-econômicas da sua clientela (pobreza. des
nutrição e deficiências individuais) predispõe
desfavoravelmen-te esdesfavoravelmen-te mesmo professorado a' assumir, na sua prática
docen-te, a parte da responsabilidade que cabe à escola na solução
do problema do fracasso escolar dos alunos.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, N. H i e r a r q u i a s e m c l a s s e s . Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1874. BRANDÁO, Z. et alii. O e s t a d o d e a r t e d a p e s q u i s a s o b r e e v a s ã o e r e
-(18) Idem, idem, p. 90.
76 ll:ducação em Debate, Fort. 14 (2): jul/dez 1987
I"" /I' i a n o e n s i n o d e 1 . ° G r a u n o B r a s i l . 1971/1981. Rio de Janeiro,
IIJI'ERJ/INEP, 1982. .
F H t FALETTO E. D e p e n d ê n c i a e D e s e n v o l v I m e n t o n a
I 11) , .. e, . Z h
I//Iu; a L a t i n a _ Um estudo sociológico. 7. ed .. Rio de Janeiro, a ar
I d Ires. 1984.
II N II . L. A. E d u c a ç ã o e d e s e n v o l v i m e n t o s o c i a l n o B r a s i l . 8 ed . Rio
d [unciro, Francisco Alves. 1985. .
I I • J. E d u c a ç ã o e C o n t r a d i ç ã o . São Paulo, Corte.z Editores, 19.85. IIII I{ II~ ct alii. P r o p o s t a d e E d u c a ç ã o p a r a o M e I O R u r a l . Recife,
SU-III N 1, 1984.
. d d 5a d São Paulo, Editora M o-111111' ,13. E s c o l a , E s t a d o e
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
S o c ie a e . . e. aI I • 1984.
I I Il, HT , G. P o l í t c a
I / I ~ , " ; b u i ç ã o d e s i g u a l II)KI.
IIN 11'
RI
UDENE - U m a p o l í t i c a d e d e s e n v o l v i m e n t o p a r a o N o r d e s t eproposta para discussão. Recife, 1985. . _ ' .
II I I O. . N. Ensino de 1.0 Grau: as estratégias da transiçao democrática
11: E d u c a ç ã o e T r a n s i ç ã o D e m o c r á t i c a . 2. ed. São pa~lo: Cortez, 1985. . M a g i s t é r i o d o 1." G r a u - d a c o m p e t ê n c i a t é c n t c a a o c o m p r o
-/ -/ I i . \ . \ o p o l í t i c o . São Paulo, Cortez Editora, 1982.
d A d l t São Paulo, Loyola II I . V. E d u c a ç ã o P o p u l a r e E d u c a ç ã o e u o s .
Iditora, 1973. _ - d a o u l a ã o r u r a l
I'IN 1'0. I. B. M e i o r u r a l e e d u c a ç ã o - p e r c e p ç o e s P P ç u b r c a e s c o l a . ANPED/CNPq.l (mimeo). .
. I ' d h o e 2.' ed., Rio d~
I'!1\ 11. NTZAS, N. A s c l a s s e s s o c i a i s n o c a p t t a l s m o e I ·
11111 ir • Zahar Editores, 1978.
N IlIiRS, G. E s c o l a , C l a s s e s e L u t a d e C l a s s e s . Lisboa, M oraes Editora,
11)77 .
I I 1\ • Itli d
d e fi n a n c i a m e n t o d a e d u c a ç ã o : s o c i e d a d e d e s i g u a l , d e r e c u r s o s in: Cadernos CEDES (5), São Paulo,
. G. et alii (org.) E s t r u t u r a d e c l a s s e s e e s t r a t i j i c a ç ã o s o c i a l .
Janeiro, Zahar Editores, 1981.