A COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA ERA DA DEMOCRACIA DIGITAL:
A PÁGINA DO SENADO FEDERAL NO FACEBOOK
1Michel Carvalho da Silva
2Pensando nos processos políticos contemporâneos, e de modo particular na comunicação pública no âmbito do Legislativo, destacaremos neste artigo o Senado Federal e suas publicações no Facebook. O principal objetivo do presente trabalho é analisar como essa plataforma digital pode criar um espaço para conversações civis em que se promova o debate público acerca de assuntos de interesse coletivo.
Com o objetivo de analisar o referido objeto de pesquisa, a reflexão parte dos múltiplos olhares acerca da comunicação pública, considerando suas dimensões sociais, políticas e comunicativas. Depois, discutiremos a democracia digital, que se equilibra entre dois eixos principais: a digitalização de determinadas dimensões dos Estados democráticos e as iniciativas de suplementação, reforço ou correção da democracia. Por fim, analisamos as vinte postagens com maior grau de engajamento no primeiro semestre de 2016, observando similitudes e diferenças a respeito do que conteúdo publicado.
Ao longo dos anos, o conceito de comunicação pública tem sido entendido como sinônimo de comunicação governamental ou de Estado. Talvez a controvérsia se situe nos ambientes em que a comunicação pública se materializa e nos agentes envolvidos no processo. Matos (1999) observa que os serviços de produção e difusão de informações públicas eram concebidos no passado apenas como atividades de propaganda institucional e de integração social. Com a redemocratização do país, a comunicação pública começa a exercer um papel mais estratégico na tentativa de diálogo entre o cidadão e o governo.
Entre as diferentes definições sobre o conceito, optamos pelo de Koçouski que considera comunicação pública como uma estratégia que “acontece quando o olhar é direcionado ao interesse público, a partir da responsabilidade que o agente tem (ou assume) de reconhecer e atender o direito dos cidadãos à informação e participação em assuntos
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Artigo apresentado ao Eixo Temático 01 – Cidadania / Direitos Civis / Participação / Inclusão do IX Simpósio Nacional da ABCiber.
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Doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC). Mestre em Ciências da Comunicação (USP). É
jornalista concursado na Câmara Municipal de Cubatão. Email: michel.carvalho@ufabc.edu.br
relevantes à condição humana ou vida em sociedade" (2013, p.54). A partir dessa ideia, consideramos que a comunicação pública está na base da cidadania e da democracia.
Mas se a comunicação pública é associada à promoção da cidadania e ao interesse público, não podemos ignorar seu viés político. Brandão (2009) comenta que a comunicação pública é identificada como comunicação política quando ocorre o uso de instrumentos e técnicas da comunicação para a expressão pública de ideias, crenças e posicionamentos políticos, tanto de governos quanto de outros atores sociais. Se a comunicação no Executivo e no Legislativo obedece a estratégias políticas e institucionais relacionadas à obtenção de visibilidade pública e prestação de contas, isso não exclui o objetivo de buscar adesão e, eventualmente, votos.
No entanto, Zemor (1995), referência nos estudos acerca de comunicação pública, defende que o Estado de Direito requer uma separação clara entre a comunicação relacionada à conquista do poder e a comunicação relativa ao exercício do poder. A partir desse pensamento, podemos entender que comunicação pública deve privilegiar o interesse público em detrimento do privado ou corporativo, centralizando o processo no cidadão.
A partir desses olhares acerca da comunicação pública, observamos que esse campo abrange diferentes práticas sociais e profissionais que vão além da divulgação oficial de informações e da promoção política. Nos últimos anos, as diferentes instâncias do Estado estão criando perfis e páginas nos SRS
3como estratégia de comunicação institucional, com o objetivo de ampliar o acesso a informações públicas e garantir o monitoramento das ações governamentais (accountability) por parte da população.
A chamada democracia digital surge então como uma forma de superar as deficiências do estágio atual da democracia representativa, que se limita a eleger representantes e autorizá- los a produzir decisões políticas. Segundo Gomes (2011), a democracia digital é concebida como qualquer forma de uso de dispositivos, aplicativos e ferramentas de tecnologias digitais de comunicação para reforçar ou corrigir aspectos das práticas políticas e sociais do Estado e dos cidadãos, em benefício do teor democrático da comunidade política.
Para Vedel (2006), a história da democracia digital pode ser dividida em três “eras”. A primeira começou na década de 50 com o surgimento das tecnologias de computação as quais geraram uma promessa de criação de uma “máquina de governo” que processaria uma grande quantidade de dados e tomaria decisões racionais a respeito da gestão pública. A
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Recuero (2009) define os sites de redes sociais como aqueles sistemas que permitem I) a construção de uma
persona através de um perfil ou página pessoal; II) a interação através de comentários; e III) a exposição pública
da rede social de cada ator. Em resumo, as RSI são redes especialmente criadas para a sociabilidade e são
caracterizadas por vínculos fluídos, flexíveis, e pelas múltiplas dinâmicas dessas relações.
segunda fase começa no fim da década de 70 com o aparecimento da TV a cabo e dos computadores pessoais. Porém, a promoção de democracia nestes ambientes ainda era muito incipiente devido a limitações próprias da tecnologia, restringindo-se a ambientes mais informativos e a pouca possibilidade de atuação por parte do cidadão. Já a terceira fase se inicia em meados da década de 90 com a emergência da internet e as possibilidades da comunicação em rede, fazendo surgir o ciberativismo por meio de grupos de discussão, blogs, entre outras formas. Com a popularização das TICs, a democracia digital passa de um conceito para uma realidade com reais possibilidades de transformar a atuação democrática.
Dahlgren (2005), ao destacar o potencial de engajamento cívico dos ambientes digitais, entende que a internet transforma o conceito original de esfera pública. Revisando a noção de Habermas, o autor defende que numa sociedade em rede, como a que vivemos, existem diferentes “esferas públicas”, na qual a participação política não depende unicamente da presença do cidadão em um local específico. Com múltiplas esferas públicas, as ideias e opiniões passam a disputar hegemonia no ciberespaço, buscando reconhecimento do maior número possível de pessoas.
Um espaço importante em que podemos observar o surgimento dessas esferas públicas on-line é a página do Senado Federal no Facebook, cuja a página oficial fora criada em agosto de 2010, sob a presidência do ex-senador José Sarney (PMDB-AP). A plataforma publica informações sobre projetos, debates, votações e atividades institucionais da Casa Legislativa.
Além disso, ela divulga consultas do programa E-Cidadania acerca de projetos que estão tramitando no Senado. A página ainda publica conteúdo de utilidade pública e de caráter cidadão, que inclui cursos oferecidos à população, e-books da biblioteca digital do Senado, informações sobre a legislação vigente e reflexões de grandes pensadores mundiais.
Até o final de setembro deste ano, a página do Senado apresentava mais de um milhão e novecentos mil curtidores no Facebook. Entre janeiro e dezembro de 2015, a página do Senado teve um crescimento de mais de 214,8% no número de seguidores, saltando de 277 mil para 872 mil. De acordo com o site Quintly
4, a referida plataforma legislativa alcançou o primeiro lugar entre as instituições do governo em algumas ocasiões no ano passado, superando até perfis de relevância global como a NASA e a Casa Branca. Esse ranking, que se altera constantemente, leva em conta a quantidade de pessoas interagindo com as publicações, o que é aferido pelo número de compartilhamentos, curtidas e comentários.
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