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Compreendendo a fenomenologia

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Academic year: 2018

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COMPREENDENDO A FENOMENOLOGIA

FEDCBA

(U N D E R S T A N D IN G P H E N O M E N O L O G Y )

RESUMO

o

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

p r e s e n t e e s t u d o c o l o c a e m d i s c u s s ã o o m é -t o d o fe n o m e n o l ó g i c o e l a b o r a d o p o r E d m u n d H u s s e r l e M a r t i n H e i d e g g e r . A m b a s a s p r o p o s t a s s ã o a n a l i s a d a s e s u a s p r i n c i p a i s c a r a c t e r í s t i c a s d e s -t a c a d a s , c o m o fo r m a d e a p r o x i m a ç ã o d a i d é i a c e n -t r a l d o s p e n s a d o r e s e m q u e s t ã o . T e m - s e a s s i m d e l i m i t a d a a p r o p o s t a d e H u s s e r l p a r a a i d é i a d a e x i s t ê n c i a d e s u j e i t o e m u n d o p u r o s e i n d e p e n d e n

-t e s u m d o o u t r o . E s s e p e n s a m e n t o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

éc o l o c a d o s o b a c r í t i c a d e H e i d e g g e r q u e a c e n t u a v a q u e o e u - p u r o

n ã o e s t á d i s p o n í v e l a n ã o s e r a t r a v é s d a e x i s t ê n c i a , l o c a l d o e x e r c í c i o d a s v i v ê n c i a s h u m a n a s . P a r a t a n -t o , H e i d e g g e r t o m a c o m o c o m p a n h e i r o o D a s e i n ,

c u j o t e r m o r e p r e s e n t a a c o n s t i t u i ç ã o o n t o l ó g i c a d o h o m e m , q u e d e t é m a p o s s i b i l i d a d e d e e x i s t ê n c i a e m s e u s e n t i d o m a i s o r i g i n a l .

Palavras-chave: Fenomenologia, Método e Compre-ensão

ABSTRACT

T h i s s t u d y p r e s e n t s t h e d i s c u s s i o n a b o u t t h e fe n o m e n o l o g i c m e t h o d c r e a t e d b y E d m u n d H u s s e r l

a n d M a r t i n H e i d e g g e r . T h e i d e a s o f b o t h a u t h o r s w e r e d i s c u t e d , o fl e r i n g l h e c o m p r e h e n s i o n a b o u t t h e i r i d e a s . H u s s e r l ' s p u r p o s e i s l h e i d e a o f e x i s t e n c e

o f s u j e c t a n d w o r l d

pure,

i n d e p e n d e n / e a c h o t h e r .

H e i d e g g e r d i d n 'Ia g r e e w i t h h i s m a s t e r , b e c a u s e h e h a s b e l i v e d t h a t t h e a p p r o a c h o f l h e s e l f- p u r e o n l y

VERA LUCIA ME DES DE OLIVEIRA 1

c a n b e p o s s i b l e t h r o u g h t h e e x i s t e n c e . T h e n , H e i d e g g e r t a k e l i k e fe l l o w l h e D a s e i n , w h o s e t e r m r e p r e s e n t s t h e o n t o l o g i c a l c o n s t i t u t i o n o f t h e m a n , w h o d e t a i n t h e p o s s i b i l i t y o f t h e e x i s t e n c e u n d e r y o u r o r i g i n a l s e n s e .

Keywords: fenomenologic, Method and, Comprehension

EM BUSCA DO FUNDAMENTO

PRIMEIRO:

A FENOMENOLOGIA

DE

HUSSERL

Não se faz intenção prioritária desse trabalho conhecer, com profundidade, a origem e os caminhos pelos quais se desenvolveu a fenomenologia. C~nt~-do, não é possível deixar de compreender as pnncl~ pais diferenças que caracterizam o modo como foi ela vista por Edmund Husserl e Martin Heidegger.

Mas, por que me deter no enfoque dado pelos dois? Primeiramente, por ter sido Husserl o precur-sor da fenomenologia como uma possibilidade metodológica, e, quanto a Heidegger, por ter acres-cido ao pensamento de seu mestre elementos detenninantes para o enriquecimento do método, além de representar o autor no qual pretendo embasar meu

e s t u d o .

A

primeira referência ao termo fe n o m e n o l o g i a

éa t r i b u í d a ao fí s i c o a l e m ã o

1 . H .

L a m b e r t , q u e

o

mi-l i z a como título da 43

parte do seu N o v o ó r g a n o n , em 1764. Hegel volta a utilizar o termo em sua obra a F e n o m e n o l o g i a d o E s p í r i t o , no ano de 1807, ainda

I Enfermeira, Professora Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará, Mestre em Enfermagem Clínico-Cirúrgica pela Universidade Federal do Ceará e aluna do Curso de Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará.

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no século XIX. Mas, como corrente filosófica, foi nas mãos de Edmund Husser! que a fenomenologia viria a se perpetuar sob a forma do movimento de pensamento.

Zitkoski (1994:introd.), expõe com clareza os objetivos de Husser!, quando afirma que

O

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

i d e a l d e H u s s e r l , à s e m e l h a n ç a d e o u t r o s g r a n d e s fi l ó s o fo s , e r a fa z e r d a fi l o s o fi a u m a c i ê n c i a p r i m e i r a q u e s e r v i s s e d e b a s e p a r a t o d a e q u a l q u e r

c i ê n c i a .

E esclarece-nos ainda mais ao assinalar que o filósofo estruturou o método fenomenológico não apenas como forma de contestação ao modo positi-vista de lidar na ciência, mas, também, como cami-nho para a construção da ciência filosófica absoluta e primeira em si.

Toda a proposta de trabalho de Husserl ca-racterizou-se pela inovação. Jolivet (1953:409) de-clara que

H u s s e r l p r e t e n d e u d e s c o b r i r e m p r i m e i r o l u g a r u m p r o c e s s o q u e t o r n a s s e p o s s í v e l a a q u i -s i ç ã o d a s v e r d a d e s fu n d a m e n t a i s e a s u a j u s t i fi c a t i v a a p o d í t i c a : c o m e s t e fi m a s u a r e g r a e s s e n c i a l c o n s t i t u i u , d e s d e o p r i n c í p i o , e m i r à s c o i s a s e m s i m e s m a s . . .

Mas, qual é o significado real dessa máxima tão amplamente utilizada nos trabalhos que têm na fenomenologia sua linha de orientação? Na realida-de, banalizou-se o emprego da expressão, deixando talvez escapar o seu sentido mais originário.

Husserl recusava a idéia da existência de su-jeito e mundo puros e independentes Um do outro. Detinha-se no fato de o homem ter uma consciência intencional, sempre dependente do objeto, sempre consciência de alguma coisa. As próprias coisas es-tão presentes na consciência como fenômenos, tor-nando-se necessário adentrar o mundo interior da consciência para alcançar a origem das coisas em si. Sem dúvida foi tarefa árdua exigir um total despojamento de pressupostos, abrindo mão de ver-dades até então ditas por outras ciências, além das convicções pertinentes a cada um de nós.

FEDCBA

O que res-taria, então? Husser! traz até nós a evidência, com a proposta de entregar-lhe a tarefa de fundamentação das ciências.

Stegmüller (1977:62) afirma que

. . . a e v i d ê n c i a , p o r t a n t o , n a d a m a i s éd o q u e o c o n h e c i m e n t o d a c o n c o r d â n c i a e n t r e o s i g

-n i fi c a d o e a q u i l o q u e e s t á p r e s e n t e p o r si

m e s m o .

A evidência pode, portanto, ser vista como um tipo de juízo, ou ainda como uma

. . . e x p e r i ê n c i a o r i g i n á r i a d o s e r d a s c o i s a s o u fa t o s v i s a d o s p e l a i n t e n ç ã o e , n a s e x p r e s -s õ e -s d e H u -s -s e r l , o c o n t a t o d i r e t o c o m a c o i -s a e l a p r ó p r i a e m c a r n e e o s s o (Zitkoski,

1994:23).

Nesse ponto, surgem outros conceitos extre-mamente importantes para a compreensão da fenomenologia husserliana: a intenção, a intuição e o preenchimento como meios para se alcançar a evidenciação.

Zitkoski (1994) esclarece-nos o papel desses conceitos, quando destaca ser a intenção um momento em que não se tem a presença de objeto algum, mes-mo que imaginário, para preencher a significação resultante do intencionar da consciência. Quando ocorre a intuição, tomamos posse do objeto, preen-chendo a lacuna existente na intenção. Assim sendo, a intuição tem como resultado o preenchimento de-corrente do contato da consciência com o objeto, atra-vés da experiência.

Esse caminhar será determinante para que seja alcançada uma análise fenomenológica dentro do rigor estabelecido por Edmund Husserl: olhar para as coisas como estas são, em seu sentido mais originário, preen-chendo intenções com intuições correspondentes.

Jolivet (1953) afirma ser a intuição, paralela-mente à exclusão de tudo aquilo que não seja origi-nariamente justificado, as duas regras básicas do método fenomenológico.

A e p o c h é , isto é, a colocação em suspenso de todo e qualquer obstáculo de acesso à região das essências puras, ou fenômenos, é para Dartigues (1992) uma mudança de atitude, abrir mão de uma atitude natural diante do mundo, em busca de uma atitude fenomenológica.

Mas o que o significa deixar de lado uma ati-tude natural? O que nos é solicitado a fazer é aban-donar a postura a-crítica que norte ia o nosso cotidiano diante das coisas que se colocam diante de nós. É

voltar o olhar para além daquilo que se mostra e é visto, deixando de lado tudo o mais que impossibili-te uma compreensão verdadeira. Surge, então, uma consciência transcendental, melhor esclarecida por Zitkoski (1994:39), quando ensina que

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Aqui surge uma contestação evidente a Husserl, pois, enquanto a este bastava alcançar a cons-ciência transcendental para então apropriar-se da es-sência de um fenômeno, para Heidegger fica claro que caminhar até esse ponto não significava

alcan-çar a essência do ser. Ou, como

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

( a p u d Dartigues 1992:127) ele mesmo diria em sua obra Q u ' e s t - c e

q u e I a m é t a p h y s i q u e ? , " . . .por não olhar senão o que está à vista, o pensamento esqueceu-se de interrogar sobre a luz que lhe permitia ver."

E será na pre-sença que o filósofo irá bus-car a luz, ou, mais precisamente, no seu modo de ser-no-mundo.' Aqui devemos retomar a existência como aspecto determinante para a escolha do Dasein, perguntando-nos: por que coube a ele essa escolha? A resposta está no sentido atribuído por Heidegger para o termo existência.

Mora (1996:258) nos favorece a compreen-são de um significado comum na utilização do termo existência ao afirmar que

. . . é o q u e s e d e r i v a d e c o n c e b e r a e x i s t ê n c i a c o m o u m m o d o d e s e r q u e n u n c a é d a d o , m a s t a m b é m p o u c o ép o s t o ( . . ) u m m o d o d e s e r q u e c o n s t i t u i o s e u p r ó p r i o s e r , q u e s e fa z a s i m e s m o .

Assim sendo, não poderia se buscar respos-tas em outro ente que não naquele que detivesse a capacidade de questionar o mundo, por apenas exis-tir sendo-no-mundo. Nesse aspecto, aquele que in-terroga é também o interrogado.

Aqui surge o incômodo de não se ter como certo o modo de acesso a esse ente, ainda mais se re-conhecermos o fato de que, muitas vezes, ele mais se esconde do que se revela. Como, então, acessá-lo?

O método fenomenológico determina que nos atenhamos a uma de-monstração fenomenal guiada pelo modo de ser do próprio ente. Não podemos nos deter nas distorções ou desviar o foco central de in-teresse para as respostas evidentes e banais.

A proposta do filósofo é acessar o ontológico através do ôntico. Nessa empreita, Heidegger situa como fundamental conhecer o modo como se estru-tura a questão do ser.

Estando bem claro que todo questionamento envolve uma busca, poderíamos considerar o fato de

que Heidegger estabelece três conceitos básicos para empreendermos essa busca: I) Questionado: é o que se busca, ou seja, o ser; 2) Interrogado: é o caminho para se chegar ao questionado, que se concretiza atra-vés do ente e 3) Perguntado: é o objetivo a ser alcan-çado, o sentido do ser.

Empreender uma busca dentro do modelo pro-posto pelo filósofo poderá parecer para alguns uma tarefa por demais árdua. Talvez seja esse o motivo que leva Heidegger (1993 :31) a chamar nossa aten-ção para o fato de que

P o d e - s e e m p r e e n d e r u m q u e s t i o n a m e n t o c o m o u m s i m p l e s q u e s t i o n á r i o o u c o m o o d e -s e n v o l v i m e n t o e x p l í c i t o d e u m a q u e s t ã o . A c a r a c t e r í s t i c a d e s s a ú l t i m a é t o r n a r d e a n t e -m ã o t r a n s p a r e n t e o q u e s t i o n a m e n t o q u a n t o a t o d o s o s m o m e n t o s c o n s t i t u t i v o s m e n c i o -n a d o s d e u m a q u e s t ã o .

Fica demonstrada, de maneira clara, a crítica que o autor faz aos estudos que se propõe a tratar suas questões de modo superficial, detendo-se no óbvio, podando e restringindo todas as possibilida-des de aprofundar em busca de um sentido real.

Sendo a pre-sença o ente que sempre nós mes-mos somes-mos, devemes-mos nos voltar para esse nós, abs-traindo-nos do mundo real e do ser dos outros. Mas, que destino dar ao que se encontra?

Uma coisa Heidegger deixa bem evidente, quando afirma que à fenomenologia não basta des-crever o que se vê. A ela compete atitude mais am-pla. "Da própria investigação resulta que o sentido da descrição fenomenológica é a interpretação" (Heidegger, 1993:69).

Isto é, compreender, interpretar, buscar naqui-lo que se mostra o sentido daquinaqui-lo que se esconde. A tarefa não pertence apenas a mim, se considerarmos as palavras de Coreth (1973 :52), quando diz que

M e s m o q u e e u c o n h e ç a o o u t r o c o m s u a s m a n e i r a s d e p e n s a r e d e fa l a r , s ó o c o m p r e e n d e r e i s e o l h a r j u n t a m e n t e c o m e l e o o b j e t o , d e i x a n d o q u e e l e m o m o s t r e e a b r a , a j u s t a n d o c o n t a s c o m s u a v i s ã o e i n t e r p r e t a ç ã o d a c o i s a - o l h a d a p o r s i m e s m o .

Porém, buscar a compreensibilidade de algo tornou-se um ato banal em nosso cotidiano. Inúme-ras falas declaram com solenidade: Eu te

compreen-2 Inúmeras expressões utilizadas por Martin Heidegger são separadas através de hífen com o objetivo de demonstrar o seu sentido relacional, ou o fundamento originário.

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do; contudo situa-se aqui uma pergunta: teríamos esquecido do real significado de compreender? Será que algum dia tocamos no seu verdadeiro sentido? Responder a tais indagações exige-nos o esquecimen-to de tudo até aqui conhecido, com respeito à com-preensão.

Coreth (1973 :48) auxilia-nos nesse caminhar quando escreve ser a compreensão " ... uma experi-ência fundamental do conhecimento humano, traduzida pela dualidade de razão e intelecto". Po-rém, a qual desses dois mundos ela pertenceria? O autor resgata-a para o mundo intelectivo, com todo o imediatismo da inteligência que capta um sentido, determinando uma experiência que ultrapassa a ca-sualidade.

Desse modo, faz-se necessária a busca pelo conhecimento do que se intenciona compreender. Não seria possível atrevermo-nos a tal empreita sem um conhecimento prévio do que ansiamos por alcançar, sem atinarmos para a necessidade do diálogo como instrumento de caminhada. Torna-se impossível dei-xar de ouvir e deidei-xar de ver. O estabelecimento de um canal de comunicação possibilita a apreensão do sentido, e, então, o outro se mostra para mim.

O escutar e o ver que aqui propomos não são aqueles que pertencem apenas ao caráter dos senti-dos. Escutar é abrir-se para receber e dividir, é en-volver-se e ser envolvido, é dar a oportunidade da revelação. Quanto ao ver, Heidegger (1993 :203) si-tua muito bem a profundidade da ação, quando afirma

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

" V e r " s i g n i fi c a n ã o s ó n ã o p e r c e b e r c o m o s o l h o s d o c o r p o c o m o t a m b é m n ã o a p r e e n -d e r , -d e m o -d o p u r o c o m o s o l h o s -d o e s p í r i t o , a l g o s i m p l e s m e n t e d a d o e m s e u s e r s i m p l e s -m e n t e d a d o .

Na realidade, é nisto que costumamos nos deter - no que se mostra de modo evidente. Não ques-tionamos, não refugamos, apenas aceitamos como óbvio. Contudo, diante da necessidade de transfor-mar compreensão em aproximação, faz-se prioritário ir mais além e buscar ver o que pode vir a ser desco-berto.

Será através desse descobrir que a compreen-são deixará de ser apenas esclarecimento, pois não teremos apenas um olhar voltado parao objeto este será substituído por um olhar comum, no qual aquele que nos dirige nos mostra o objeto com o próprio olhar. Aqui não seria a simples apreensão de um

sen-BCH-Uç:· ~

FEDCBA

P E R IO D IC O S

tido percebido por mim, o sentido emergiria daquele a quem verdadeiramente pertence, por evidenciar a experiência em questão.

Coreth (1973) enfoca o sentido como o con-teúdo da compreensão, mas o que se almeja não é o simples conteúdo e sim a pessoa que se mostra para nós, mesmo que seja a partir dele que se alcance a compreensão. Poderíamos sugerir que o sentido re-presenta o meio, estando, contudo, longe do fim.

Cercando-nos (circunvisão), inúmeros aspec-tos favorecem essa compreensão. Pertencentes ao dia-dia, presentes e repetitivos transformam-se em peças mudas que fizemos calar na rotina dos nossos afaze-res. Aqui colocamos a importância de romper com a inércia desses aspectos - eles falam, eles contam his-tórias, eles são o pano de fundo de tudo o que intencionamos captar. No que a pessoa a quem quero ouvir se abre, ocorre a mobilização de tudo o que paira ao seu redor e o diálogo entre nós não transcor-re apenas através da exptranscor-ressão lingüística. No entan-to, se nos detivermos apenas no conteúdo, no que se mostra, esse mundo rico de experiência se esvairá como fumaça e com ele a nossa possibilidade de com-preensão.

Trata-se de uma tarefa árdua, quase impossí-vel, já que é tão fácil nos determos no óbvio, sem explorar, refletir, sem cobrar ou ser cobrado. Contu-do, não será essa a nossa possibilidade de re-aproxi-mação com o que até aqui se encontra esquecido? E nós como iremos em busca da compreensão, se já trazemos arraigados tantos julgamentos, dúvidas e propostas de solução? Coreth (1973 :59) explica que

. . . é c o n d i ç ã o d o a t o d e c o m p r e e n d e r u m ap r é

-c o m p r e e n s ã o , q u e d á u m p r i m e i r o a c e s s o a o s e n t i d o d a c o i s a , e s s a c o m p r e e n s ã o p r é v i a , e n t r e t a n t o , é e s s e n c i a l m e n t e a b e r t a . . .

Não nos seria possível, de imediato, abrir mão de tudo o que nos faz ser como somos, mas o autor citado afirma que pre-compreender não significa de-ter-se apenas nas nossas verdades, pois tal compor-tamento traria uma inautenticidade e faria da

compreensão apenas um reflexo de nós mesmos. Somos seres-no-mundo, e não há como igno-rar esse fato, e talvez seja por isso que tenhamos tan-ta dificuldade em desprendermo-nos dos valores que nos vêm através do mundo. Ao mesmo tempo que não podemos abarcar tudo o que nos cerca, colocamo-nos de modo aberto ao que o mundo pode trazer até nós, e cada vez que experienciamos algo de novo,

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esse é acrescentado ao nosso viver. Assim, não po-deríamos ser puros ou ingênuos no compartilhar da compreensão. Temos muito de nós e o que nos resta é colocar o que somos sob a óptica daquele com quem pretendemos dividir o momento.

Se pudéssemos visualizar de que modo se processa a compreensão, observaríamos a so-breposição de camadas que a constitui, de modo que cada nova experiência vivida está posta sobre a an-terior, não abafando ou anulando, mas sim tra-zendo mais luz, ao mesmo tempo que nos instiga a nova busca. Desse modo, torna-se incessante o nos-so caminhar, composto por momentos que se conju-gam a outros, resultando na totalidade e, então, talvez estejamos prontos para nos lançar a interpre-tar o que se mostra.

O que distingue a compreensão da interpreta-ção? Heidegger (1993:204) responde que, na inter-pretação, " ... a compreensão se apropria do que compreende. Na interpretação, a compreensão se tor-na ela mesma e não outra coisa."

Podemos afirmar que toda interpretação exi-ge uma compreensão prévia daquilo que se pretende interpretar. Os passos que damos no sentido de uma interpretação, seguem a direção estabelecida pela compreensão já alcançada, e será nela que se busca-rá sempre algo mais que terá como fim o abrir de novas possibilidades de interpretação.

Para alguns, tal comportamento pode dar a impressão de que não será possível chegar a lugar algum. Não estaremos nos detendo sempre nas mes-mas coisas? Não será a proposta de encontrar na-quilo que se compreende a oportunidade de descobrir e interpretar novos sentidos, um andar em círculo?

O círculo que aqui se delineia não é, na ver-dade, um círculo vicioso, no qual a origem se con-funde com o destino final. Nele, existe um ponto de partida, e transitar através dele surge como possibi-lidade de busca de um conhecimento originário. Ou, como comentado por Heidegger (1993 :21 O)

Nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originário que, de certo, só pode ser apreendida de modo autêntico se a interpretação tiver compreendido que sua primeira, única e última tarefa é de não se deixar guiar, na posição prévia, visão prévia e concepção prévia, por conceitos ingê-nuos e "chutes".

Será através da interpretação hermenêutica que alcançaremos o sentido do que objetivamos conhecer melhor, assegurando a cientificidade que pertence ao

próprio objeto de estudo, por determo-nos unicamen-te na coisa ela mesma, ou seja no sentido do ser.

Contudo, não partimos em busca do sentido do ser absolutamente desprovidos de algo que nos auxilie em tal jornada. E aqui, como destacado, me-recem destaque três aspectos determinantes para se alcançar o êxito de uma interpretação fenomenológica da questão do ser: posição prévia, visão prévia e con-cepção prévia.

A posição prévia diz respeito à pré-compre-ensão que todos nós possuímos a respeito de algo. Essa compreensão anterior não nasce de um nada. Pelo contrário, fundamenta-se no próprio fato de sermos seres-no-mundo e de encontrarmos no nos-so cotidiano um favorecimento para a compreen-são do todo.

Quanto à visão prévia, esta relaciona-se com a análise que se faz possível empreender, a partir do que foi compreendido. Merece uma atenção cuida-dosa o fato de que, muitas vezes, a possibilidade de interpretação que se delineia pode nos levar a atri-buir conceitos inadequados, embasados que estão em uma posição prévia.

Adequado ou não, o resultado final é a con-cepção prévia, ou seja, o sentido que se buscava al-cançar. Toma-se imprescindível, portanto, ter sempre em mente a verdade segundo a qual nunca nos será possível partir para uma interpretação, na qual nun-ca estaremos totalmente puros ou livres de todos os nossos juízos.

A nos guiar através do método, surgem no-vamente as palavras de Heidegger (1993:44): " ... as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que esse ente possa mos-trar-se em si mesmo e por si mesmo", sempre em sua cotidianidade, como na maioria das vezes ele sempre é.

Como podemos ver, trabalhar dentro da fenomenologia não se trata de desenvolver uma tare-fa solitária e despida de subjetividade. Exige muito mais do que o cumprimento de uma tarefa, por colo-car, antes de tudo, diante de nós a possibilidade úni-ca de não reproduzir apenas o que nos é dado na forma de um discurso. Suas possibilidades vão mais além.

E são essas possibilidades que foram vislum-bradas por Martin Heidegger, quando ele encaminhou a proposta original de Husserl para a busca do senti-do senti-do ser. E muito provavelmente, a maior dentre todas as possibilidades que o Filósofo nos ofereceu está a de encontrarmos a resposta para quem somos realmente.

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REFERÊNCIAS

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FEDCBA

Referências

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