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REFORÇO SÍSMICO EM CONSTRUÇÕES EM TERRA CRUA

Maria Idália Gomes, Equiparado a Assistente, Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Mestre em Construção (IST)

Jorge de Brito, Professor Associado c/ Agregação, Instituto Superior Técnico Mário Lopes, Professor Auxiliar, Instituto Superior Técnico

SUMÁRIO

Pretende-se, com este artigo, descrever os principais tipos de reforço (horizontal e vertical) nas cons- truções de terra crua, verificando a exequibilidade destas soluções. Uma vez que as construções de terra apresentam uma resposta muito negativa face a acção sísmica, é importante reforçar estas estrutu- ras de modo a que possam resistir a um sismo sem danos graves. Verifica-se, assim, que uma correcta abordagem no tipo de reforço a utilizar-se minimiza os efeitos negativos da acção sísmica.

1. INTRODUÇÃO

Actualmente, muitos edifícios ou mesmo cidades com construção em terra crua são considerados patri- mónio cultural da Humanidade, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO. Um destes casos é a cidade de Chan Chan na costa Norte do Peru (Figura 1). Em 1986, esta organização declarou a cidade preciosidade arqueológica, considerando-a como património cultural da humanidade. É a maior cidade de terra crua na América pré-hispânica (i1). As edificações foram construídas em adobe misturando, na terra, palha e pequenas pedras para maior ductilidade da- quelas. No entanto, a erosão provocada pelos ventos ao longo dos anos e mais presentemente pelas tempestades, nomeadamente o El Niño, responsável pelas grandes chuvadas que agora fustigam estas construções, fragilizam estes edifícios, colocando em perigo a integridade e posteridade desta cidade.

Figura 1 - Cidade de Chan Chan, Peru (Samuel Amaral, 2007)

Também no Mali se encontram muitas construções em terra crua. Uma das construções mais importan- tes e das maiores obras de arquitectura mundial está localizada na cidade de Djenné, a grande mesquita (Figura 2, à esquerda). Também esta cidade está reconhecida e sob a protecção da UNESCO (i2). É a maior construção em barro no mundo e a sua aparição à distância, aos olhos do viajante, assemelha-se a um gigantesco e fantástico castelo de areia (i3). Aqui também a técnica usada é o adobe, incorporando palha para dar maior coerência e resistência à estrutura de terra.

Na cidade de Timbuctú, também no Mali, encontram-se construídas três das mais antigas mesquitas da África Ocidental (i3), sendo a mesquita de Sankoré construída em terra crua (Figura 2, à direita).

Figura 2 - À esquerda, grande mesquita de Djenné, no Mali (i3) e, à direita, mesquita (Sankoré) de Djingareyber em Timbuctú, também no Mali (i3)

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Todos os edifícios em terra crua têm um valor incalculável e são insubstituíveis. Por esta razão, há que ter em consideração a sua preservação, começando na reabilitação e na conservação e aumentando a resistência destas, para que estes edifícios possam continuar presentes na cultura contemporânea.

Actualmente, estas edificações são susceptíveis de degradação e destruição quer por causas humanas quer naturais, com destaque entre estas últimas para a acção sísmica, sabendo-se que os efeitos nefas- tos deste tipo de acção podem provocar a destruição destas construções, se não se tomarem as devidas precauções.

A terra será sempre um dos materiais contemplados na construção das habitações, devido à sua abun- dância, custo acessível, tradição e facilidade de execução. Adicionalmente, os problemas energéticos, ambientais, ecológicos e económicos sentidos a nível mundial conduzem a uma mudança de mentali- dades nos escalões privilegiados das sociedades desenvolvidas. A terra crua como material de constru- ção deixou de ser sinónimo de desconforto e pobreza para começar a ser vista como um material alter- nativo e valorizado. Actualmente, por todos os continentes, está em curso um revivalismo da arquitec- tura de terra. Assim, é da maior importância um melhor conhecimento do desempenho das construções em terra crua, nomeadamente sob o efeito de um sismo. É também de todo o interesse reforçar estas edificações de forma a apresentarem um desempenho positivo aquando de um sismo.

2. TÉCNICAS CONSTRUTIVAS - ESTUDO DOS PRINCIPAIS PROCESSOS

A selecção da terra e o conhecimento da sua composição deveriam conduzir à opção mais adequada da técnica de construção em terra. No entanto, a escolha da técnica é geralmente condicionada por diver- sos factores. O principal é o sócio-económico, mas a zona geográfica e o respectivo clima e ainda o factor cultural (transmissão da sabedoria de geração em geração) são, sem dúvida, muito importantes.

Assim sendo, se numa dada zona habitualmente se utiliza uma dada técnica, deve procurar-se uma ter- ra a ela adequada.

Actualmente, as técnicas construtivas mais utilizadas em terra são três: a taipa, o adobe e blocos de terra comprimida - BTC. As duas primeiras resultam de técnicas tradicionais adaptadas a novos méto- dos de processamento e aplicação em obra. O BTC é uma técnica moderna, que impulsionou a meca- nização e industrialização dos processos de fabrico para a construção com terra. Cada técnica apresen- ta características próprias relativamente à quantidade e qualidade da terra a utilizar, à velocidade de execução e aos resultados finais.

2.1. Construção em taipa

A origem da construção em taipa em Portugal é desconhecida. Contudo, há autores (Ribeiro, 1969) que defendem que a sua utilização teve início nas culturas árabes e berberes do Sul da Península Ibéri- ca, tanto mais que as construções em taipa são próprias da cultura mediterrânea de uma época, sendo o reflexo da sua vida social, económica e cultural.

Encontram-se casas construídas em taipa na zona Sul de Portugal, algumas com muitas dezenas de anos. A construção em taipa conduz a edificações resistentes e, por isso, com durabilidade, desde que construída correctamente e num local com um clima adequado. A terra utilizada na taipa é normal- mente arenosa, rica em pedras e cascalho e pouco argilosa. Esta última característica explica-se pelo facto de a argila ter uma capacidade elevada para aumentar ou diminuir de volume (em função da quantidade de água), o que poderá provocar grandes desordens na estrutura do material.

Estudos realizados indicam que, para o fabrico da taipa, a percentagem de argila deverá ser inferior a 20 e a de areia inferior a 45 (Arquitectura de Terra - Taipa, 2001). No entanto, existem autores que consideram haver uma composição ideal no processo construtivo da taipa expressa nos seguintes pa- râmetros (Doat et al, 1979):

• 0 a 15% de gravilha;

• 40 a 50% de areia;

• 20 a 35% de silte;

• 15 a 25% de argila.

Por vezes, torna-se necessária a adição de fibras para conferir à terra maior resistência, fibras estas que poderão ser de origem vegetal (como a palha), animal (pelos de animais) ou sintética. As fibras, quan- do utilizadas, conferem resistência à tracção sendo que a argila funciona como cola (elemento agluti- nador), a areia confere rigidez à estrutura e o silte aumenta a densidade do solo.

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2.2. Construção em adobe

Adobe é um termo de origem árabe (“thobe”) que significa pequenos tijolos de terra não cozida, secos ao sol e ao ar. A técnica de construção em adobe é uma das mais antigas, constituindo a base da arqui- tectura mesopotâmica e egípcia. Permite, além da construção de paredes, a edificação de arcos, abóba- das e cúpulas.

Esta técnica tem evoluído bastante em países como os Estados Unidos da América (principalmente no Novo México), Brasil, França e vários países asiáticos e africanos. Em Portugal, também existe muita construção em adobe, principalmente no Alentejo e Algarve. Na maior parte das construções, o adobe continua a ser fabricado de modo muito tradicional.

A composição da terra é um aspecto fundamental. Se se utilizar solos com argilas expansivas, o resul- tado final pode ser desastroso, podendo resultar daí a desintegração da parede pouco tempo após a construção (principalmente se o edifício for submetido a ciclos seco / molhado).

Para o fabrico dos adobes, a terra deve ser muito bem misturada e amassada com água. Em virtude de se estar na presença de uma mistura no estado plástico, podem ser utilizados equipamentos mecânicos, como uma betoneira.

A composição mais adequada a um bom desempenho do adobe é a seguinte (Doat et al, 1979):

• 55 a 75 % de areia;

• 10 a 28 % de silte;

• 15 a 18 % de argila;

• < 3 % de matéria orgânica.

Poderá existir gravilha na terra desde que o seu diâmetro não exceda 20 a 25 mm mas, se o diâmetro for superior (no máximo até 50 mm), a sua percentagem deverá ser inferior, entre 20 e 25 % (Arqui- tectura de Terra - Adobe, 2001).

A granulometria da mistura não deve ser uniforme de maneira a permitir que as partículas de menores dimensões possam preencher os espaços vazios que são deixados pelas partículas de maiores dimen- sões. Obtém-se, assim, um menor índice de vazios e uma maior compacidade. Muitas vezes são adici- onadas fibras (vegetais ou sintéticas), de forma a criar um bloco consistente

2.3. Construção com blocos de terra comprimida - BTC

Esta técnica data dos anos 50, quando o pesquisador colombiano G. Ramires criou uma prensa manual para a fabricação de tijolos (Barbosa, 1996), com o intuito de melhorar os de adobe, através do aumen- to da resistência mecânica dos blocos (em virtude do maior contacto entre as partículas) e da diminui- ção da porosidade (através de eliminação de vazios). Os blocos obtidos através da prensa, quando comparados com os blocos de adobe, são mais regulares (em forma e dimensões) e mais densos, ofe- recendo uma melhor resistência à compressão e à presença da água. Uma limitação à utilização do BTC é a escassez de terra apropriada, com a granulometria correcta, devendo as partículas ser inferio- res a 20 mm (Barbosa, 2002).

Alguns autores (Barbosa, 2002) consideram que a composição ideal para o processo construtivo com BTC é a seguinte:

• 50 a 70 % de areia;

• 10 a 20 % de silte;

• 10 a 20 % de argila.

É completamente desaconselhada a utilização de terra com elementos orgânicos. Se um terreno não tiver a composição desejada, esta pode ser corrigida. Uma terra com uma quantidade excessiva em argila pode ser corrigida adicionando areia ou gravilha, podendo também ser adicionada cal como es- tabilizante. Para terrenos arenosos, o melhor estabilizante é o cimento.

3. REFORÇO NAS CONSTRUÇÕES EM TERRA CRUA

Um dos princípios essenciais a ter em conta na construção sismo-resistente em terra, além da própria matéria-prima, é a distribuição dos elementos estruturais de forma homogénea. Efectivamente, uma geometria adequada tem uma grande importância na estabilidade da construção - quanto mais compacta a estrutura, mais estabilidade terá. Porque a acção de um sismo se faz sentir em todas as direcções, há que fazer uma correcta distribuição da geometria da edificação, dispondo de paredes em mais do que

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uma direcção para assegurar o bom comportamento de uma construção.

No entanto, esta condição não é por si só suficiente. Torna-se ainda necessário, para melhorar o com- portamento da construção, assegurar a existência de reforço horizontal e vertical, utilizando para isso materiais como por exemplo cana, bambu, pedra, madeira ou mesmo o betão armado. Assim, as paredes funcionam em conjunto e apresentam uma maior resistência para suportarem a acção das forças sísmi- cas em qualquer direcção. O uso de reforço vertical ajuda a manter a integridade da parede, devendo estar unido à viga de bordadura, restringindo a flexão perpendicular ao plano da parede e aos esforços de corte. O uso de reforço horizontal ajuda na distribuição dos esforços e a transmitir as forças de inér- cia, minimizando a propagação das fissuras verticais (Blondet et al, 2003).

3.1. Canas de bambu

As canas de bambu podem ser utilizadas como reforço vertical e horizontal. Como reforço vertical, as canas inserem-se dentro de alvéolos (Figura 3), entre os tijolos de adobe, ancoradas ao embasamento e fixas à viga de bordadura, enchendo posteriormente os alvéolos com uma mistura de terra. Estes devem ter um diâmetro mínimo de 0.05 m. As canas de bambu podem ainda ser colocadas horizontalmente em cada quatro fiadas de tijolo de adobe (no máximo), ou entre cada fiada de taipa. Estas tiras deverão ser amarradas nas suas extremidades, de forma a não se deslocarem. Em Portugal, este tipo de reforço não é usual, sendo mais característico nos países da América do Sul.

Figura 3 - À esquerda, colocação do reforço vertical com canas de bambu e reforço horizontal com rede de galinheiro, em El Salvador (Dowling, 2002) e, à direita, colocação do reforço vertical e hori-

zontal na edificação com canas de bambu, no Peru (Blondet et al, 2002)

3.2. Utilização de rede metálica

É usual utilizar-se como reforço vertical uma rede metálica com o objectivo de minimizar a fendilha- ção das paredes. Actualmente, poderá optar-se, em vez da rede de galinheiro, por uma malha electros- soldada (Figura 4), armadura metálica ou em fibra de vidro entre as paredes e o reboco. Este reforço é cravado na parte interior e exterior das paredes de terra, em especial nas esquinas e nos encontros entre paredes ortogonais. As tiras devem ser colocadas na horizontal e na vertical ligadas entre si por cabos, devendo ser fixas às paredes. Posteriormente, a malha é tapada com uma argamassa à base de terra e cimento.

Figura 4 - À esquerda, aplicação da malha electrossoldada (Zegarra et al, 2003), ao centro, fixação da malha electrossoldada (Pinto et al, 2003) e, à direita, aplicação de uma argamassa à base de terra e ci-

mento (Zegarra et al, 2003)

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Segundo os autores Blondet et al (2003), durante o sismo de Arequipa no Peru em 2001, as edificações existentes que tinham sido reforçadas com uma malha electrossoldada e coberta com uma argamassa de terra e cimento, resistiram ao sismo sem qualquer dano. Pelo contrário, as edificações sem reforço co- lapsaram ou foram severamente danificadas.

3.3. Lintéis

É usual a utilização de lintéis na zona de vãos de portas e janelas. Estes lintéis podem ser de madeira (Figura 5), aço, pedra ou betão armado. É assim criado um elemento horizontal que atravessa a abertu- ra, tendo em consideração a espessura da parede e a sua própria largura, apoiando-se extremidades na própria parede. Os lintéis têm como principal objectivo a resistência às acções verticais. Segundo Lou- renço (2005) e o Regulamento da Nova Zelândia (NZ 4299, 1998), os lintéis devem ser assentes nas paredes de terra, no mínimo com 0.30 m para cada lado da abertura. Segundo Parreira (2007), é essen- cial garantir uma boa ligação entre os dois materiais para que a paredes e o lintel funcionem em con- junto, devendo assim utilizar-se chumbadores de maneira a fixar o lintel à parede de terra.

Figura 5 - Habitações em taipa na localidade de S. Luís - Portugal

Segundo Gomes (2008), a utilização de lintéis de madeira sobre as aberturas ou mesmo de lintéis em betão armado pode ser uma boa solução para paredes que apresentem como problema a flexão vertical.

Os lintéis, para além de resistirem às tracções que por vezes surgem devido às cargas permanentes, no caso de serem em betão armado aumentam também a rigidez da parede fora do seu plano.

3.4. Contrafortes

É frequente a utilização de contrafortes (Figura 6) também designados por gigantes nas edificações de terra. Segundo Brito (1999), recorre-se a estes elementos para melhorar o comportamento das constru- ções em terra face às acções horizontais, aumentando assim a resistência da estrutura não apenas a abalos sísmicos mas também aos impulsos laterais derivados da existência de telhados inclinados, ar- cos e abobadilhas. Os contrafortes são elementos de grande inércia construídos geralmente em pedra, sendo por vezes colocados nos cunhais com o objectivo de reforçar a ligação entre paredes.

Figura 63 - Contrafortes em construções de terra utilizando contrafortes na localidade da Atalaia - Por- tugal

Segundo Parreira (2007), o uso de contrafortes na zona intermédia de paredes de taipa com compri- mento livre elevado, é uma boa solução para assegurar a estabilidade destas à acção de um sismo. De-

Verga em madeira

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ve-se, no entanto, garantir que o contraforte fica bem ligado à parede e apresenta resistência suficiente para poder garantir a estabilidade. Ainda segundo o memo autor, a utilização de contrafortes pode também ter outra função, relacionada com a torção global do edifício por acção de um sismo. A boa distribuição destes elementos pode ser muito útil para aproximar o centro de rigidez e o centro de mas- sa do edifício e, deste modo, diminuir os efeitos da torção, os quais podem causar danos graves na es- trutura.

Segundo o Regulamento do Novo México, EUA (New Mexico Code, 2003), a altura mínima dos con- trafortes é de 75% da altura total da parede, com espessura mínima de cerca de 0.45 m e a sua base deve ser superior a um terço da altura da parede ou maior que 1.00 m. Este regulamento considera ain- da que as paredes de taipa com uma espessura superior a 0.60 m não necessitam de contrafortes, pois estas já apresentam uma capacidade de contraventamento intrínseca.

3.5. Elementos em pedra

Os elementos em pedra têm como objectivo reforçar os cunhais (Figura 7) e vãos de janelas e portas, sendo estas zonas críticas onde ocorrem grandes concentrações de esforços, responsáveis por danos importantes, por exemplo aquando da ocorrência de sismos. Pretende-se assim aumentar a rigidez e resistência nas ligações entre paredes, assim como nos vãos de portas e janelas.

Os cunhais em pedra devem ser usados nas esquinas e nas ligações ortogonais entre paredes. Devem ser integrados na estrutura, aumentando assim a ligação entre paredes, pelo que as suas juntas devem ser desfasadas. Esta ligação é conseguida utilizando cunhais “denteados”. Neste tipo de solução, o melhor será executar os cunhais em blocos de pedra trabalhados e travados em alheta (método de encaixe entre as pedras, em que, na saliência de uma pedra, é colocada outra, com uma reentrância). Neste processo, eventualmente mais moroso, o bloco de pedra não pode ser colocado sem que a camada de taipa que lhe irá servir de base esteja completamente seca, razão pelo qual este tratamento só é observado em edifí- cios de características mais nobres (Marques, 2002).

Ao serem usados cunhais em pedra, nas zonas críticas da estrutura, consegue-se aumentar a capacidade resistente. Reforçando desta forma as paredes de taipa, confere-se-lhes uma maior rigidez.

Figura 74 - À esquerda, edificação com cunhais em pedra (Branco et al, 2004) e, à direita, habitação também com cunhais em pedra, herdade do Reguenguinho, localidade do Cercal do Alentejo

Figura 85 - À esquerda, habitação cujo material da ombreira da porta é a pedra e, à direita, pormenor da ombreira em pedra

Cunhal em pedra Parede de

taipa

Ombreira em pedra

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O reforço das faces verticais e horizontais do contorno das aberturas (Figura 8), zonas sempre frágeis da estrutura, pretende minimizar os efeitos da concentração de tensões, que ocorrem no contorno dos vãos e que levam ao aparecimento e à progressão da fendilhação.

3.6. Tirantes em aço

A introdução de tirantes em aço nas paredes, Figura 9, é corrente em Portugal, sendo que nas constru- ções antigas era utilizado o ferro forjado. Os varões são ancorados nas extremidades com peças espe- ciais. Estes tirantes funcionam como uma armadura passiva, isto é, a sua utilização em obra não é acompanhada da aplicação de qualquer força transferida para a parede; pelo contrário, tais elementos apenas serão mobilizados quando ocorrem modificações dos estados de equilíbrio precedentes, por exemplo, associados a movimentos de origem térmica, assentamentos de fundações, impulsos horizon- tais ou forças devidas à acção de sismos (Appleton, 2003).

Figura 96 - Habitações de taipa, na localidade de S. Luís - Portugal, com a utilização de tirantes em aço Segundo Gomes (2008), recorrendo à análise da modelação informática de estruturas, modelação essa em elementos finitos tridimensionais, a colocação de um tirante passivo na edificação com terra crua não contribui para a diminuição de deformações ou tensões. Pode, no entanto, contribuir de uma forma construtiva, ou seja, limitar a perda de material por desagregação quando este fissura.

3.7. Viga de soleira

Os autores Pinto et al (2003) referem que, para a construção apresentar uma maior resistência ao sis- mo, deve-se colocar uma viga de soleira e uma viga de bordadura, ambas em betão armado.

3.8. Viga de bordadura

A viga de bordadura constitui o principal elemento de ligação com as paredes de taipa, ligando estas de forma consistente segundo uma estrutura reticulada horizontal (Figura 10). Deve ser suficientemen- te forte e contínua, devendo estar bem amarrada às paredes e aos cunhais. Para tal, pode colocar-se, nas esquinas das paredes e nas ligações com outras paredes, um dente em betão armado (Figura 11).

Este, em conjunto com a viga de bordadura, não só confere estabilidade à estrutura, impedindo os des- locamentos laterais, como evita as fissuras verticais na zona superior das paredes e na perda de união entre as esquinas.

Figura 107 - Edificações com vigas de bordadura em betão armado: à esquerda, habitação e, à direita, habitação para turismo rural (Naturarte, 2007), ambas na localidade de São Luís - Odemira

Viga de bor- dadura em betão armado

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Figura 118 - À esquerda, pormenor construtivo da viga de bordadura (Dowling, 2002) e, à direita, ma- lha electrossoldada cravada numa parede de adobe, onde já existe o espaçamento para colocar o dente

em betão armado, que irá ficar ligado à viga de bordadura (Zegarra et al, 2003)

Uma outra solução é apresentada nos regulamentos da Nova Zelândia (NZ 4299, 1998) e do Novo Mé- xico (New Mexico Code, 2003) que preconizam a utilização de chumbadores na ligação da parede de terra crua e a viga de bordadura.

Os chumbadores são elementos metálicos semelhantes a parafusos, que ligam as paredes às vigas de bordadura (Figura 12). De acordo com estes regulamentos, os chumbadores devem ser introduzidos em orifícios com um mínimo de 0.30 m de profundidade e com 0.07 m de diâmetro no interior da parede.

Garantindo assim, um bom encastramento destes elementos nas paredes de terra crua e, ao mesmo tem- po assegurar que a capacidade resistente da própria parede não seja muito afectada.

O afastamento destes elementos e a área adoptada para a sua secção devem ser definidos de forma a resistir aos máximos esforços de corte que solicitem esta interface parede de taipa - viga de bordadura (Parreira, 2007).

Figura 129 - Reforço da ligação parede de taipa - viga de bordadura através da utilização de chumba- dores (Parreira, 2007)

Uma consequência frequente nas edificações de terra, quando sujeitas à acção sísmica, é as grandes fissuras verticais na intersecção das paredes ortogonais (Zeggarra et al, 1997). Nestas zonas, a concen- tração de tensões é elevada (Dowling, 2004a). A viga de bordadura também minimiza estes efeitos, reduzindo os danos nas edificações.

A viga de bordadura, quando sujeita a forças sísmicas, irá impedir que as paredes tenham grandes des- locamentos a meio vão, fissuras verticais e a perda de união nos cantos (Pinto et al, 2003). A viga de bordadura é um dos elementos mais importantes nas construções de terra, sendo bastante importante para resistir a um sismo, devido ao seu bom comportamento face a esta acção, como referem Blondet et al (2003). Esta deve estar fortemente ligada às paredes, formando uma estrutura do tipo caixa, devendo ser contínua e receber as solicitações impostas pela cobertura e suportar as mesmas. Estas vigas de bor- dadura poderão ser em betão armado ou, menos correntemente, em madeira.

Segundo Blondet et al (2003), oito modelos à escala real de uma edificação com um piso foram ensaia- dos em 1992, num simulador de sismos. Os resultados destes ensaios demonstraram que o reforço hori-

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zontal e vertical utilizado, nomeadamente a cana de bambu em simultâneo com a viga de bordadura, podem prevenir a separação das paredes nas esquinas, aquando de um sismo de grande intensidade, mantendo assim a integridade estrutural, apesar de as paredes ficarem bastante danificadas. Provou-se, assim, que é um reforço bastante eficiente para evitar o colapso das edificações.

É também possível verificar que é essencial a utilização de vigas de bordadura sobre todas as paredes com função estrutural. Estes elementos, além de aumentarem a rigidez à flexão vertical das paredes, são fundamentais na compatibilização de deslocamentos entre as várias paredes, garantindo, deste modo, que todas funcionam em conjunto, (Gomes, 2008).

3.9. Estrutura reticulada em betão armado

Os reforços verticais e horizontais devem estar unidos entre si e com os outros elementos estruturais, nomeadamente as fundações, montantes, viga de bordadura, a ligação à cobertura, entre outros. Esta ligação faz com que a edificação se comporte como um bloco, tornando-a mais forte do que se todos os elementos funcionassem independentes. Ao colocar-se uma estrutura reticulada em betão armado (Figu- ra 13), a construção irá comportar-se como um conjunto mais rígido e resistente, não existindo grandes deslocamentos, nem grandes tensões nas zonas mais críticas (Gomes, 2008).

A colocação de montantes em betão, contribui para confinar os panos de taipa transversalmente, deven- do estes estar ligados de uma forma consistente à viga de bordadura e à viga de soleira.

Figura 1310 - Edificações com estrutura reticulada em betão armado: à esquerda, mercado e, à direita, habitação, ambas na localidade de São Luís - Odemira

4. CONCLUSÕES

Presentemente, começa-se observar uma dinâmica na reintrodução das técnicas de construção com o recurso à terra crua. Estas técnicas ancestrais, à excepção do BTC, chegaram até aos dias de hoje prati- camente sem alteração dos métodos construtivos.

O reduzido desenvolvimento nas técnicas construtivas ficou a dever-se à associação da construção com terra com uma construção pobre e sem conforto, vulgar do terceiro mundo. Actualmente, as constru- ções em terra são uma alternativa para algumas situações. Efectivamente, existe um aumento da pes- quisa e de estudos nesta área, tentando dar resposta às actuais exigências funcionais, de conforto e se- gurança.

Devido aos ensaios expeditos, quer em campo quer em laboratório, já se pode aumentar a qualidade do produto final, aumentando a resistência à água e melhorando o seu comportamento mecânico. Contudo, existe ainda a necessidade de melhorar a construção em terra crua recorrendo a técnicas construtivas, aumentar ainda mais a resistência mecânica e a impermeabilidade à água e ultrapassar o fraco compor- tamento sísmico. Assim, para viabilizar a terra, é necessário estabilizar o solo a ser utilizado na constru- ção com taipa, aumentando as características da terra por forma a aumentar a resistência à tracção e à compressão e reforçar a estrutura de modo a garantir que os estados limite últimos não são atingidos.

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Referências

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