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O Estado de São Paulo

Quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Mitologias suicidas

MARCELO DE PAIVA ABREU*

Um dos melhores ditos de Samuel Johnson, famoso literato e frasista inglês do século 17, é o de que, quando um homem sabe que vai ser enforcado, seus pensamentos se concentram esplendidamente. O dito certamente se aplica ao Brasil: a menos de um ajuste profundo, rumamos para a estagnação crônica, a volta da inflação e a crise política permanente. Mas, em meio à pior crise da história republicana, o que se vê com frequência são manifestações de completa subestimação da sua gravidade, mescladas a tentativas de eximir de culpa os gestores da política econômica dos governos petistas.

Deixemos de lado as tentativas de assessores da ex-presidente, corresponsáveis no desastre, que insistem, em nome de um keynesianismo de meia-tigela, em denunciar as mazelas da

“ortodoxia”, deixando de lado qualquer autocrítica.

Mas há outras posturas que merecem crítica por capciosas ou desinformadas. Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo (6/10), citou com entusiasmo a tese de Frei Betto de que o governo Temer não corresponde à volta da “direita” ao poder porque, de fato, a “direita” nunca saiu do poder durante os governos de Lula e Dilma. A evidência seria a permanência de Henrique Meirelles à frente do Banco Central no governo Lula. É certo que Lula, matreiro, percebeu em 2003 que, para assegurar condições de governabilidade, teria de repudiar o bestialógico programático petista e mostrar responsabilidade macroeconômica, pelo menos temporariamente. Mas quais foram os ministros da Fazenda de Lula e Dilma e o presidente do Banco Central de Dilma? Eis que, para tentar inocentar o PT da culpa do desastre, Palocci, Mantega e Tombini foram promovidos a “de direita”. A racionalização é ridícula.

Uma das grandes dificuldades que o governo Temer enfrenta é como conciliar um ajuste fiscal significativo com preocupações distributivas, tratando de evitar que o ônus do ajuste recaia sobre as camadas de renda mais baixa. Ou, pelo menos, buscando minimizar tais danos. Celso Rocha Barros, na mesma Folha (26/9), mencionou o assunto, mas embelezou a história.

Segundo o artigo, o Plano Trienal 1963-1965, de Celso Furtado, deve ser tomado como exemplo, pois conciliou a proposta de estabilização com políticas de redistribuição. Quem se der ao trabalho de ler o plano verá que, na essência, é um plano de estabilização gradualista, baseado em medidas convencionais de contenção de demanda. Políticas de redistribuição, arroladas em sete páginas finais (das 195 do total), não são mais do que declarações de intenções. Diz bem do patriotismo de Furtado que estivesse disposto a elaborar, e defender, um plano ortodoxo, ao arrepio de suas convicções estruturalistas. Se há lição a extrair é que, em meio à crise, os esforços devem concentrar-se na estabilização.

Há muito o que ajustar, indo bem além do controle agregado de gastos. É necessário desmontar os privilégios do Judiciário e dos militares. Um país quebrado não se pode dar ao luxo de permitir acumulação integral de aposentadorias e salários na ativa. Os salários iniciais de diversas carreiras do setor público são grotescamente altos. Quem pode pagar deve pagar, ao menos parcialmente, o custo da educação universitária e da saúde pública. O Estado deve

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reduzir a sua responsabilidade financeira nos fundos de pensão de estatais e não pagar as contas geradas por regras abusivas quanto a reajustes e tratamento de pensionistas. Há muito espaço para o cancelamento de isenções e regalias fiscais. As lições da Lava Jato devem ser incorporadas ao processo decisório relativo ao gasto público, incluindo os fundos de pensão. E, é claro, no devido tempo, poderá ser reduzida a conta de juros pagos pelo governo.

Não há escassez de diagnósticos sobre como ajustar. O que está faltando é consciência coletiva quanto à ameaça do abismo econômico-financeiro que permita um ajuste eficaz.

* Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é Professor Titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

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