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As vantagens de dizer não

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O Estado de São Paulo

Quinta-feira, 24 de agosto de 1995

As vantagens de dizer não

MARCELO DE PAIVA ABREU*

O governo quase sucumbiu à marcha triunfal montada pelos políticos baianos para comemorar a derrama que iria resgatar o Banco Econômico. Na esteira da vanguarda baiana alinhavam-se outros grupos, interessados na mobilização de recursos públicos federais para resolver as consequências de má gestão financeira por parte de bancos estaduais.

O episódio sublinha os limites do compromisso dos partidos conservadores com o desmantelamento do Estado rentista. A experiência histórica brasileira mostra a importância de arranjos rentistas como elemento essencial na mobilização de apoio do centro do espectro político. Valorização dós preços do café, reservas de mercado através de tarifa alta ou proibição de importar, distribuição de incentivos fiscais e creditícios, a lista é quase inesgotável. O programa econômico liberal sempre teve grandes dificuldades de sucesso político no Brasil, como ilustram as atribulações da velha União Democrática Nacional, na Terceira República.

Estas políticas rentistas resultaram até 1980 em crescimento econômico acelerado no País, O fato novo dos anos 80 foi que o modelo rentista entrou em agonia, em meio à crise da dívida, à aceleração da inflação e à crise do Estado. A parte aproveitável do caos collorido era o compromisso com políticas liberais – de comércio exterior, privatização e desregulamentação – que permitiriam a retomada do crescimento econômico sustentado. Estas políticas continuaram a ser implementadas no governo Itamar e formaram parte crucial do programa eleitoral do presidente Fernando Henrique Cardoso. Pareceria que a socialdemocracia havia resgatado o liberalismo de suas limitações políticas históricas no Brasil, enquanto os atuais partidos de oposição, ao invés de disputarem a primazia no desmonte das políticas rentistas, optavam pela sua defesa, ao menos seletiva.

Entretanto, os primeiros meses da nova administração foram marcados, além do continuado sucesso do Plano Real, por inúmeros episódios de rentismo explícito. Esta sobrevida da distribuição de favores à antiga manifestou-se nas vacilações quanto à política relativa aos bancos estaduais e, também, especialmente, na área de comércio exterior. Os benefícios e tratamentos especiais sob forma de aumentos de tarifas, imposição de cotas e limites de financiamento afetam hoje ampla gama de produtos: automóveis, autopeças, têxteis, calçados.

Quem sabe o que vai decidir alguma câmara setorial na semana que vem? A política comercial herdada do governo anterior foi desfigurada. As diferenças em relação ao intervencionismo varguista não são muito claras, parecendo apenas formais: sai o instituto nacional, entra a câmara setorial. Como no passado, os únicos setores não representados são os que pagam as contas.

Os excessos de comemoração do senador Antônio Carlos Magalhães e de seus amigos, ao estimularem o governo a esclarecer exatamente qual é o entendimento do presidente Fernando Henrique quanto aos compromissos financeiros futuros da União associados ao resgate do Banco Econômico, podem ter marcado um importante divisor de águas na postura do governo.

Caracterizado alinhamento de parte significativa do PFL, à demanda explícita por favores

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especiais do erário, tornou-se crucial para a sobrevivência política do governo, com capacidade para implementar o seu programa, que seja enfatizado o compromisso com a defesa do interesse público e sublinhadas as suas diferenças no tratamento da coisa pública.

O governo, meditando sobre os limites à política de consenso no bloco majoritário, poderá retomar de forma menos ambígua os seus compromissos de campanha, resolver a pendência dos bancos estaduais e desmontar o incipiente Estado rentista em reconstrução na área de comércio exterior.

É improvável que o incidente, apesar de extremamente desgastante, possa afetar a aprovação ao restante do programa de reformas pendentes no Congresso, em especial a reforma tributária, mesmo num quadro de alinhamentos políticos modificado pela decisão de defender o interesse coletivo a despeito da enorme pressão barana.

* Marcelo de Paiva Abreu é Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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