• Nenhum resultado encontrado

Assembléias de bairro na Argentina: criando espaços de ação política para reconstituir o tecido social.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Assembléias de bairro na Argentina: criando espaços de ação política para reconstituir o tecido social."

Copied!
249
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ASSEMBLÉIAS DE BAIRRO NA ARGENTINA:

CRIANDO ESPAÇOS DE AÇÃO POLÍTICA PARA

RECONSTRUIR O TECIDO SOCIAL

Adriana Marcela Bogado

(2)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ASSEMBLÉIAS DE BAIRRO NA ARGENTINA:

CRIANDO ESPAÇOS DE AÇÃO POLÍTICA PARA

RECONSTRUIR O TECIDO SOCIAL

Adriana Marcela Bogado

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais, do Centro de

Educação e Ciências Humanas da

Universidade Federal de São

Carlos, como parte dos requisitos

para a obtenção do título de Mestre

em Ciências Sociais, na área de

Concentração "Relações Sociais,

Poder e Cultura", sob orientação

da Professora Doutora Maria

Aparecida de Moraes Silva.

Financiamento: CAPES

(3)

Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar

B674ab

Bogado, Adriana Marcela.

Assembléias de bairro na Argentina: criando espaços de ação política para reconstruir o tecido social / Adriana Marcela Bogado. -- São Carlos : UFSCar, 2006. 239 p.

Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2005.

1. Movimentos sociais. 2. Assembléias de bairro. 3. Memória. 4. História oral. 5. Argentina. I. Título.

(4)
(5)
(6)

À Roseli e ao Paulo por me dar um lar de diálogo, afeto e solidariedade fora de casa e

por compartilharem suas famílias comigo.

Ao Douglas, amorchisss, pelo seu apoio amoroso no trabalho, na leitura e na correção e

pelos nossos processos de ensino-aprendizagem enquanto viajamos pelo universo.

À minha orientadora, Professora Maria Aparecida de Moraes Silva, por aceitar o desafio

e assumir a orientação com sua sabedoria e compromisso.

Ao Prof. João Roberto membro da banca examinadora e professor de qualidade.

À Professora Mónica Bendini por compor a banca examinadora e tomar-se o trabalho de

vir de longe para contribuir com seu profissionalismo e sensibilidade crítica.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa

recebida e incentivo à pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais por receber-me e apoiar o meu

trabalho, aos/as professores/as pelos ensinamentos e às Secretária Ana Maria e Ana.

À minha família toda, especialmente a minha mãe Norma pela sua força e por apoiar

minhas lutas e sonhos, a minhas irmãs Lorena e Natalia, a minhas sobrinhas Gabriela e

Florencia por me dar amor (mesmo estando longe), e ao meu pai, Ramón.

Aos/as assembleístas Estela, Paula e Pedro pelas contribuições e apoio na pesquisa.

Ao Demóstenes Silvestre, pessoa que não conheci, mas que construiu um lugar onde foi

possível trabalhar, viver e sonhar “denodadamente” e onde esta dissertação começou a

se concretizar no papel.

À Carmem pela sua generosidade pessoal e acadêmica e pela sua amizade.

À Eglen, Júnior, Daniel, Renata, Fabiana, Marcos, Thaís, Tiago (obrigada pela

tradução), por compartilharem comigo uma amizade sem fronteiras.

Ao pessoal do Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE/UFSCar) pelo

apoio no trabalho e nos sonhos de transformação social.

Às minhas amigas, Estela, Silvina, Marina, Luisa, Norma e Sandra que acompanharam

minhas idas e vindas de perto e de longe.

Ao Ramón Flecha por animar-me a realizar a pesquisa quando o projeto era um sonho.

(7)

Quadro 01 Evolução da dívida externa, fuga de capitais e interesses pagos, 1970-1998

22

Quadro 02 Evolução do salário médio real, o desemprego e a sub-ocupação, 1959-1999

30

Figura 01 Mapa da Capital Federal indicando os bairro de Palermo, San Telmo (entre outros) e a Plaza de Mayo

18

Figura 02 Mapa do bairro Palermo Viejo indicando a esquina de reunião da Asamblea de Palermo Viejo

19

Figura 03 Mapa do Bairro San Telmo indicando a situação do prédio da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego.

19

Figura 04 Logotipo da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego 77

Figura 05 Frente do bono ladrillo 103

Figura 06 Mapa de mobilização para piquete urbano 159

Fotografia 01 Mural da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego. 42

Fotografia 02 Participantes pintando o mural durante as Jornadas em Repúdio ao Terrorismo de Estado

46

Fotografia 03 1976 47

Fotografia 04 Os desaparecidos 49

Fotografia 05 Ronda de lenços 51

Fotografia 06 Democracia 52

Fotografia 07 A Festa 56

Fotografia 08 Basta 57

Fotografia 09 19 e 20 de dezembro 59

Fotografia 10 Assembléia 61

Fotografia 11 Plaza Dorrego 96

Fotografia 12 Tijolos da memória 105

Fotografia 13 Participantes da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego reunidos no lugar onde se construiu o prédio

(8)

Fotografia 15 Participantes da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego 138

Fotografia 16 Protesto contra a Companhia de Energia Elétrica Edenor 147

Fotografia 17 Escrache a Videla 155

Fotografia 18 Assembleístas da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego durante a marcha contra a repressão em Puente Pueyrredón

164

Fotografia 19 La Asamblearia. Stand de vendas durante o 14o Encuentro de Asambleas Autónomas.

169

Fotografia 20 Participantes da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego durante a preparação da Olla Popular.

173

Fotografia 21 Participantes da Asamblea de Palermo Viejo na esquina de

Humboldt e Costa Rica, preparando-se para a primeira caminhada

181

(9)

RESUMO ... 1

ABSTRACT ... 2

INTRODUÇÃO ... 3

CAPÍTULO 1 ... 20

1.1 Revisão histórica ... 20

1.2 Construindo lugares de memória, ação política e identidade ... 39

CAPÍTULO 2 ... 68

2.1 Surgimento das Assembléias de Bairro ... 68

2.2 Os/as participantes ... 79

2.3 (Re)significando o espaço público ... 93

2.3.1 Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego ... 94

2.3.2 Asamblea de Palermo Viejo ... 106

CAPÍTULO 3 ... 118

3.1 Organização e funcionamento ... 118

3.1.1 Dinâmica dos encontros ... 130

(10)

CAPÍTULO 4 ... 166

4.1 Compras comunitárias: Construindo a Economia Solidária ... 167

4.2 Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego ... 171

4.3 Asamblea de Palermo Viejo ... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 195

REFERÊNCIAS ... 204

(11)

RESUMO

Este trabalho aborda o estudo sobre as Assembléias de Bairro na Argentina, criadas após os panelaços1 dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, no contexto da atual crise social, política e econômica. As Assembléias caracterizam-se por promover mecanismos de democracia direta, organização territorial, autonomia em relação aos partidos políticos e por estar compostas, geralmente, por setores médios empobrecidos. Pessoas que nunca tiveram participação política, pessoas que militaram na década de setenta, pessoas com diferente militância em partidos, sindicatos ou em movimentos sociais reúnem-se semanalmente em diversos bairros para debater e gerar ações orientadas a criar alternativas ante a crise e desenvolver um espaço com novas formas de se relacionar com a política, aprofundando o processo de democratização.

Nosso estudo visa descrever as Assembléias de Bairro, seu surgimento e as práticas levadas a cabo pelos/as integrantes das mesmas, a partir das suas experiências. Para tanto a metodologia de pesquisa utilizada foi a História Oral concomitantemente com a Observação Participante das sessões da Assembléia e de outras atividades geradas pelas mesmas. Com o objetivo de ampliar o espectro de coleta de dados, incorporamos a busca e utilização de fotografias e diversos materiais produzidos pelos/as participantes das Assembléias, assim como o registro de informações no diário de campo. A coleta de dados, em campo, desenvolveu-se em janeiro e fevereiro de 2004, em duas Assembléias de Bairro, em Buenos Aires: a Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego e a Asamblea de Palermo Viejo.

A História Oral permitiu reconstruir a memória recente, as lembranças do surgimento das Assembléias, dos primeiros encontros. Mas, também, possibilitou que aflorasse uma outra memória que estava presente nos testemunhos e ações dos/as informantes: a memória sobre a Ditadura Militar. Homens e mulheres identificam como principal conseqüência da ditadura e os governos democráticos que a sucederam: a destruição do tecido social. A partir dessa visão, começam a desenvolver espaços de ação política orientados à reconstrução desse tecido.

Assim, destacamos como aspectos relevantes da ação das Assembléias: o trabalho com a memória sobre a repressão; o desenvolvimento de espaços de deliberação que viram a enriquecer a cultura política; as redes de ação política e solidariedade com outros movimentos sociais; a (re) significação do espaço público e o compromisso de sua gestão; o trabalho coletivo e a realização de atividades e projetos visando criar alternativa em um contexto de crise generalizada.

1

(12)

ABSTRACT

Taking into account the current context of social, political and economic crisis this work consists of a study about the Neighborhood assemblies in Argentina that followed the panelaços2, which happened in the 19th and 20th of December of 2001. The main characteristics of the assemblies are that they promote mechanisms of direct democracy, territorial organization, autonomy in face of political parties and finally for being composed mainly of people belonging to poorer sectors of society. People that never had political engagement, people that protested in the Seventies, people that participate in different political parties, syndicates or social organizations gather weekly in different neighborhoods to debate and generate actions in order to create alternatives to face the crisis and also try to develop spaces where new ways of dealing with politics can take place and thus deepening the process of democratization.

Our study aims to describe the Neighborhood assemblies, its beginning and the practices performed, using the participants experience as a starting point. In order to accomplish that the chosen research methodology was Oral History alongside with Participative Observation of the assemblies and also other activities that resulted from these methods. With the objective of broadening the collected data spectrum, we have brought in photographs and a wide range of materials made by the participants as well as the entries in a filed diary. The data gathering was done between January and February of 2004 in two assemblies of the city of Buenos Aires, namely: a Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego e a Asamblea de Palermo Viejo.

The Oral History allowed us to rebuild the participants’ recent memories, those of the beginning of the assemblies, of the initial meetings. On the other hand it also worked as channel for yet another memory that was present inside the participants’ accounts to come to surface: that of the military dictatorship. Men and women identify the destruction of the social tissue as one of the main consequences of the military dictatorship and the following democratic governs. Beginning with this point of view they started to develop spaces of political action orientated to the reconstruction of this tissue.

Hence, we would like to point out some important aspects of the actions of the assemblies, namely: the work with the memories of the repression years, o development of deliberation spaces that eventually enriched the political culture, the political action and solidarity networks with other social movements, the process of (re) signify the publics spaces and its management, the collective work and the accomplishment of activities and projects that aimed to create alternatives in a context of generalized crisis.

2

(13)

INTRODUÇÃO

A descoberta do tema

O presente trabalho está centrado no estudo das Assembléias de Bairro na

Argentina, criadas após os panelaços3 dos dias 19 e 20 de dezembro de 2001, no

contexto da crise social, política e econômica. As Assembléias objetivam a construção

de mecanismos de democracia direta, organização territorial, autonomia em relação aos

partidos políticos, levando-se em conta a heterogeneidade social dos sujeitos

participantes. O estudo visa à descrição das Assembléias de Bairro, seu surgimento,

funcionamento e as práticas levadas a cabo pelos/as integrantes das mesmas, a partir de

suas experiências.

Nossos primeiros contatos com as Assembléias de Bairro deram-se no início de

2002, por ocasião de um estágio realizado na Espanha. A partir de leituras de jornais e

e-mails endereçados por conhecidos, nos inteiramos do início deste movimento e, ao

mesmo tempo, surgiu o interesse em realizar uma investigação sobre este tema.

A primeira versão do projeto acabara de se concretizar ao fim desse ano,

enquanto fazíamos um estágio na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no

segundo semestre de 2002, e especificamente para a candidatura ao mestrado pelo

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSCar (PPGCSo). Desta maneira,

começamos uma pesquisa pela Internet, principalmente dos jornais e outros sites feitos

pelas/os participantes das Assembléias e, paralelamente, uma pesquisa da bibliografia

surgida em torno ao tema. Assim, escrevemos a primeira versão do projeto, apresentada

no fim de 2002, para o processo de seleção de mestrado. Posteriormente, à aprovação e

ingresso no PPGCSo da UFSCar, fomos incorporando bibliografia ao projeto, embora o

mesmo continuasse sem alterações estruturais muito profundas.

Pesquisa exploratória

No fim de abril de 2003, em uma viagem à Argentina, fizemos o primeiro

contato via e-mail com a “Asamblea Popular Altos de Palermo", do bairro de Palermo,

em Buenos Aires. Pedimos para assistir um dos encontros e que confirmassem o dia de

reunião, local e horário, porque a informação que tínhamos talvez não estivesse

3

(14)

atualizada. Rapidamente responderam e perguntaram o caráter de nossa presença, se

queríamos participar como moradora do bairro, com fins acadêmicos ou por outro

motivo, e agregavam que:

“en el primer caso, estas invitada desde ya. en caso contrario,

presentate el martes que viene e informa cual es tu intencion de la visita,

no creo igualmente que haya problemas. saludos.”

Na semana seguinte, no dia 6 de maio de 2003, participamos de um encontro.

Reuniam-se nas ruas Coronel Díaz e Arenales, em Palermo, na calçada do Shopping

Alto Palermo, todas as terças-feiras, das 21 às 23 hs. Nessa ocasião, participamos da

realização de uma entrevista realizada por estudantes da Universidade de Buenos Aires

(U.B.A.) e, logo, ficamos observando o desenvolvimento da Assembléia, a fim de

conhecermos melhor a dinâmica, da qual tínhamos conhecimento apenas pelas leituras

realizadas.

O primeiro contato permitiu que observássemos a existência, entre homens e

mulheres, de um trato muito respeitoso, e mesmo afetuoso. Conheciam-se pelos nomes

e, antes de começar o debate, iam falando sobre as causas pelas quais não estariam,

nesse encontro, outros/as participantes (problemas de saúde, viagens etc.). Os/as

estudantes e a pesquisadora nos apresentamos e expusemos o motivo de nossa presença.

Explicamos que a pesquisa de mestrado tratava, centralmente, das Assembléias de

Bairro. Receberam-nos muito amavelmente e mostraram-se bem dispostos/as a

responder as perguntas dos outros estudantes que estavam lá para fazer um trabalho

prático da disciplina “Sociología del Trabajo”.

Quando foram interrogados/as sobre o surgimento da Assembléia comentaram

que tinha surgido “(...)Como todas, al principio la gente comenzó a juntarse

espontáneamente en las esquinas, en diciembre 2001, febrero 2002, después de los

cacerolazos se quedaban charlando(...)”. Também destacaram como, no começo, eram

muitos mais participantes, cem pessoas, e que agora o número tinha diminuído a 15 ou

20 participantes estáveis.

Um dos participantes mais jovens, que era sociólogo, comentou que havia

participado com seus pais na Asamblea Interbarrial de Parque Centenario4 e lá avistou

4

(15)

pessoas com um cartaz, em que constava o nome da Assembléia do seu bairro. Então, se

aproximou dessas pessoas e perguntou como funcionava a Assembléia que estava no

seu próprio bairro. Disseram-lhe que a mesma ainda não tinha começado, então nesse

dia decidiram organizá-la, era fevereiro de 2002.

Também, como parte da pesquisa exploratória, nesse tempo, mantivemos

conversas telefônicas com duas participantes de Assembléias de outras cidades, mas da

Província de Buenos Aires, a Asamblea de Talar e a Asamblea de Carapachay. O

contato com a informante da Asamblea de Talar foi feito por intermédio de um amigo e,

no caso da informante da Asamblea de Carapachay, tratava-se de uma pessoa já

conhecida. A primeira Assembléia tinha se dissolvido, segundo a informante, depois de

vincular-se a um partido político de esquerda. No caso da outra informante, ela tinha

decidido deixar de participar depois de considerar que o jeito de "fazer política" da

Assembléia de seu bairro não correspondia às suas expectativas.

É interessante como estes primeiros contatos não mudaram o projeto em si,

porém aportaram temas e questões essenciais - que não tinham sido abordados nas

leituras que orientaram a formulação do projeto -, e permitiram-nos conhecer

pessoalmente a atividade desenvolvida por estas organizações e os/as participantes

delas, a partir do qual tínhamos planejado fazer o traçado do que seria a coleta de dados.

Embora, nesse momento, tais temas e questões não encontrassem espaço para serem

incorporados no projeto inicial, em poucos meses as disciplinas cursadas e o contato

com outras discussões e pessoas e, principalmente, a mudança na orientação,

levaram-nos a reestruturar alguns itens do projeto.

Principais mudanças no projeto

No segundo semestre de 2003 realizemos uma revisão do projeto e modificações

estruturais, que consideramos terem sido fundamentais para podermos dar conta do

objeto de pesquisa e de algumas de suas dimensões, que até então não havíamos

considerado. As mudanças mais significativas foram: a consideração da participação das

mulheres no movimento e a escolha da História Oral como metodologia principal de

pesquisa.

A respeito do primeiro item, consideramos que um dos “motores de mudança”

foi o curso da disciplina “Teorias de Gênero”. A presença e participação das mulheres

nas Assembléias já eram dados comprovados, mas não haviam sido incluídos no

(16)

trabalho, a essa participação do coletivo feminino. As primeiras conversas com a Profa.

Dra. Maria Aparecida de Moraes Silva aproximaram-nos da bibliografia sobre

participação política de mulheres, a leitura e a reflexão levaram-nos a retomar leituras

de Teoria Sociológica e Teoria Política, disciplinas cursadas no primeiro semestre de

2003.

A bibliografia refletia como as mulheres tinham sido excluídas no processo de

surgimento das democracias modernas e, agora, no marco da crise da democracia,

principalmente na América Latina, surgia como questão: quais as contribuições das

mulheres para os processos de democratização, desde o espaço dos movimentos sociais?

Esta é uma questão que não temos o intuito de responder neste trabalho, mas que

começa a motivar nossa reflexão e teve um primeiro espaço de discussão no trabalho

final da disciplina Teorias de Gênero, trabalho esse em que abordamos a participação

política das mulheres nas Assembléias pesquisadas.

O que pretendemos assinalar é que ao tentar dar conta do objeto de pesquisa,

muitas vezes destacando uma de suas dimensões, fazemos com que percam visibilidade

outras dimensões relevantes, que trazem contribuições e possibilidades de

transformação importantes. O destaque da heterogeneidade da composição das

Assembléias, que é uma característica fundamental e valiosa, poderia levar a uma

invisibilidade da participação das mulheres e, portanto, das contribuições

transformadoras que elas trazem ao movimento.

A segunda mudança significativa, como mencionamos acima, foi referente à

metodologia, em virtude, principalmente, da mudança na orientação do trabalho. Assim,

tomamos contato com a metodologia de pesquisa da História Oral, a fim de avaliarmos

se era possível, a partir dela, desenvolvermos a pesquisa sobre o objeto mencionado. As

leituras indicadas pela nova orientadora, suscitaram reflexões e discussões, após as

quais consideramos que a História Oral daria conta de retratar o objeto, a realidade

envolta nele e atingir o objetivo da pesquisa.

Certamente, encarar uma pesquisa a partir desta metodologia constitui para nós

um desafio em vários sentidos. Por um lado, é reconstruir a memória da história recente,

o vivenciado pelas pessoas que se envolveram nos acontecimentos do 19 e 20 de

dezembro e que, depois desses fatos, começam a desenvolver, em conjunto, novos

projetos. É, também, defrontar-nos com uma outra memória, que constitui a luta de

muitas pessoas e coletivos, a memória sobre a ditadura militar, suas conseqüências, seus

(17)

orienta o agir no presente, o que se faz e o que não se tem que fazer. Cabe destacar que

esta reflexão aplica-se, geralmente, a todas as pessoas tenham militado ou não na

década de setenta e aparece também em outras, mais jovens, como memória herdada

(Pollak, 1992). Assim, a memória dos/as desaparecidos na última ditadura militar,

constitui um eixo fundamental a partir do qual a Asamblea Popular de San Telmo-Plaza

Dorrego constrói identidade coletiva e ação política (Arendt, 1991). Este será um tema

que abordaremos a partir da análise de um mural realizado pelos/as participantes,

durante uma “Jornada Cultural em Repúdio ao Terrorismo de Estado”, em março de

2002.

E, finalmente, é um desafio porque se trata do nosso primeiro trabalho utilizando

esta metodologia, portanto, deveríamos dizer que mais que desafio é uma grande

possibilidade de aprendizagem. Uma aprendizagem que vale muito a pena porque faz

sentido com o intuito de que a democracia e as construções que ela fundamenta, e que

muitos tentamos trabalhar cada dia, constituam também uma forma de construir

conhecimento.

A metodologia

A escolha da História Oral veio enriquecer profundamente o trabalho que aqui

apresentamos, dando uma visão original do objeto, que não foi abordado a partir desta

perspectiva por outras pesquisas sobre o tema. A mudança na metodologia de pesquisa

implicou um novo planejamento da coleta de dados, como descreveremos mais adiante.

As potencialidades da metodologia são destacadas por Neves (2000, p.116-117),

que assinala três aspectos relevantes da História Oral: refere-se ao tempo presente, à

história contemporânea; o seu espaço é marcado pela intersubjetividade (no sentido de

diálogo entre diferentes identidades), e possibilita o afloramento de múltiplas versões da

história. Explorar esta metodologia permite disponibilizar um conhecimento sobre a

história, constituído por meio da visão de quem a vivenciou, para as gerações vindouras,

contribuindo para a construção da consciência histórica individual e coletiva. Neste

sentido, Thompson (1998) aponta para a construção de uma história mais socialmente

consciente e democrática, assinalando que:

“... as testemunhas podem, agora, ser convocadas também entre as

classes subalternas, os desprivilegiados e os derrotados. Isso propicia

uma reconstrução mais realista e mais imparcial do passado, uma

(18)

um compromisso radical em, favor da mensagem social da história como

um todo.” (op.cit., 1998, p. 26)

A escolha da História Oral nos fez deparar com uma questão já levantada pelos

pesquisadores/as desta metodologia, a saber: a necessidade da incorporação de

documentos (Vilanova, 1998) que enriqueçam as fontes orais. Os argumentos

baseiam-se tanto no fornecimento de evidências quanto na adequação da maneira de fazer

pesquisa na sociedade atual, caracterizada pelo desenvolvimento contínuo dos meios de

comunicação e sua inclusão vertiginosa na nossa vida cotidiana. Como

pesquisadores/as, segundo Vilanova (op.cit.) estamos ante um novo desafio posto pelos

novos sistemas de comunicação que implica a inovação na maneira de pensar, investigar

e ensinar.

“los nuevos sistemas de comunicación exigen un cambio de perspectivas

en nuestra manera de mirar, escuchar o escribir.(...) se amplían nuestros

marcos de referencia y, por lo mismo, hemos de inventar fuentes con

otros ángulos de visión antes no imaginados.” (op.cit., p. 33)

Ela propõe uma história sem adjetivos, uma história que necessariamente deve

usar fontes orais mas, também, dados, imagens e textos, a fim de não incorrer no risco

de escrever histórias incompletas que silenciem aspectos essenciais de nosso viver

(op.cit., p. 35). Assim, a construção apresentada ao leitor é mais participativa.

A possibilidade de acesso a outros documentos, segundo Thompson (1998, p.

25), já está posta pela própria metodologia e o argumento que utiliza relaciona-se com a

realidade que o/a pesquisador/a tenta abordar. Segundo o autor mencionado:

“A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da

história oral é que, em muito maior amplitude do que a maioria das

fontes, permite que se recrie a multiplicidade original de pontos de

vista.” (op.cit., p. 25-26)

Assim, destaca como a utilização da entrevista propicia o acesso a outros

documentos (sejam estes registros escritos, fotografias etc.) que, de outra forma,

dificilmente seriam localizados e que, portanto, vêm a enriquecer a pesquisa.

Portanto, considerando estas discussões e tentando aproveitar ao máximo o

(19)

concomitantemente com a metodologia da Observação Participante. Finalmente, com o

objetivo de ampliar o espectro de coleta de dados, incorporamos a busca e utilização de

fotografias e diversos materiais produzidos pelos/as participantes. Pretendemos, assim,

recuperar a diversidade de expressões que o movimento tem, assim como sua

originalidade.

Nas Assembléias pesquisadas, comprovamos como a Internet era um meio

utilizado. Na Asamblea de Palermo Viejo só uma das participantes não utilizava a

Internet, os/as outros/as participantes comunicavam-se por correio eletrônico e a

Assembléia contava com uma homepage, com artigos próprios e de jornais etc., que

serão citados oportunamente no decorrer do trabalho. No caso da Asamblea Popular de

San Telmo-Plaza Dorrego, os/as participantes têm um endereço comum de correio

eletrônico e os comunicados, os projetos, as fotografias e outros documentos estão

disponíveis na rede. Inclusive, na última reunião observada, se apresentou como

proposta criar a homepage da Assembléia.

No trabalho priorizamos os materiais produzidos pelos/as participantes do

movimento, considerando nosso objetivo de descrever as Assembléias a partir de suas

experiências. Assim, os textos citados ou descritos são incorporados ao corpo da

dissertação, enquanto que os outros materiais, obtidos antes, durante e após a coleta,

geralmente são incluídos nos anexos.

Os outros materiais utilizados são diferentes publicações, como matérias de

jornais, revistas etc. e, também, publicações surgidas após os fatos do 19 e 20 de

dezembro. A utilização destes materiais tem caráter ilustrativo, referencial e, em alguns

casos, testemunhal, mas está sempre vinculado à análise das entrevistas realizadas

durante a coleta de dados. Como assinala Catela (2001), a imprensa escrita não pode ser

deixada de lado na pesquisa, por ser uma fonte importante de representação da

realidade. Segundo a autora:

"A imprensa escrita configura um suporte considerável na constituição

da ‘opinião pública’, formando um espaço altamente eficaz onde se

cristalizam os problemas da nação, as posturas e disputas sobre soluções

e caminhos políticos a serem tomados. Na Argentina, a imprensa escrita

tem alto consumo e forte impacto social."(idem., p. 43)

Assim, observamos que uma das Assembléias adquiriu um lugar destacado por

(20)

da Argentina, Página/12. O fato de utilizar os jornais traz uma outra questão: a relação

estabelecida entre as Assembléias e os "media", que no começo mostraram o trabalho

do movimento e, logo, foram não só tirando-o de cena, senão também se convertendo

em seus detratores (exemplo, o jornal Clarín). Este fato foi explicitamente manifestado

pelos/as participantes5. Não é este o caso particular do jornal Página/12, como podemos

observar em várias matérias publicadas por este jornal.

Delimitação do trabalho de campo

A mudança de metodologia de pesquisa trouxe imediatamente a necessidade de

avaliar o planejamento que tínhamos feito para a coleta de dados. Assim, surgiram

novas modificações que nos permitiram aprimorar o plano e delimitar mais

razoavelmente o trabalho de campo. O projeto inicial indicava as Assembléias onde se

desenvolveria a coleta de dados, a saber, três Assembléias de Buenos Aires e, se fosse

possível, uma de um outro Estado. Certamente, uma coleta assim vislumbrou-se como

claramente inviável, considerando os custos que o trabalho de campo implicaria e os

prazos estabelecidos para a realização do mestrado. Portanto, decidimos que a coleta se

faria em duas Assembléias da Capital Federal, principalmente, porque nela o

movimento teve maior força. Em março de 2002 contabilizavam-se 272 Assembléias de

Bairro, dispostas da seguinte maneira: 41% delas estavam na Cidade de Buenos Aires,

39% funcionavam na Província de Buenos Aires, e as demais em outras cidades do país

(Cerioli, G., 2002).

No tocante à escolha das Assembléias, optamos pela inserção destas em bairros

diferentes, a fim de obtermos uma visão das variantes que poderiam aparecer no

movimento em contextos diferentes. Embora, as Assembléias a serem pesquisadas

devessem responder aos eixos chaves do movimento (horizontalidade, democracia

direta e autonomia em relação aos partidos políticos), poderiam se diferenciar por suas

orientações, atividades etc. e, também, pelas escolhas que fizeram no percurso de sua

história. Assim, pensamos que seria possível ter uma visão das diferentes formas de

organização e possibilidades do movimento e também como forma de refleti-lo nas

suas particularidades.

5

(21)

Como mencionamos acima, o primeiro contato já havia sido feito com a

"Asamblea de Altos de Palermo" e com alguns participantes dela. Mas, antes de

restabelecermos o contato para começar a coleta de dados, um informante comentou

sobre uma outra Assembléia do mesmo bairro de Palermo destacando seu trabalho,

principalmente, a atividade político-cultural que desenvolvia (referia-se a “La Trama”,

evento que será descrito oportunamente), e manifestando que era uma Assembléia que

valia la pena conocer”. Então, decidimos entrar em contato com os/as participantes

pessoalmente, visitando o prédio em um dia de reunião do grupo e apresentando-nos

como pesquisadora. Assistimos o encontro de 15 de janeiro de 2004. Após a

observação, decidimos fazer a coleta com este grupo, considerando que: o número de

participantes era maior nesta Assembléia, (a Asamblea de Altos de Palermo

encontrava-se com poucos participantes quando fizemos a pesquisa exploratória); mulheres e

homens tinham feito a gestão para declarar o prédio no qual trabalhavam como

patrimônio histórico (enquanto a outra Assembléia funcionava ainda na rua); o grupo

aceitou nossa presença e o bairro no qual a Assembléia apresentava características que o

diferenciavam do bairro da outra Assembléia pesquisada. Neste ponto, é preciso

esclarecer que naquele momento funcionavam dois grupos com o nome de Asamblea de

Palermo Viejo, paralelamente (mesmo local, dia e horário de encontro). Como o contato

foi feito com participantes do primeiro grupo, além dos demais motivos apresentados,

permanecemos participando das atividades deste.

Cabe destacar que a Asamblea de Palermo Viejo possibilitou o contato com a

outra Assembléia que escolheríamos para pesquisar, a Asamblea Popular de San Telmo

– Plaza Dorrego. Na primeira visita que realizamos ao prédio da Asamblea de Palermo

Viejo – um espaço recuperado onde homens e mulheres faziam as reuniões –

constatamos que tinham painéis, cartazes e recortes de jornais que informavam algumas

ações empreendidas, diferentes trabalhos, protestos, atividades etc. Nesse material,

encontramos um boletim informativo de uma outra Assembléia. Tratava-se da

"Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego". A leitura do boletim colaborou na

reflexão de que talvez esta fosse a outra Assembléia que estávamos procurando,

basicamente, pelas atividades que desenvolviam, as temáticas abordadas etc., (e mesmo

considerando o bairro, que tem outras características em relação ao de Palermo Viejo) e,

aparentemente, por ter um perfil diferente da outra Assembléia escolhida.

A partir disso, na semana seguinte, visitamos o prédio construído pelos/as

(22)

contato nos apresentamos como pesquisadora e comentamos sobre os objetivos do

projeto. As pessoas que nos receberam informaram que se reuniam nas terças-feiras a

partir das 20:30 hs., na Plaza Dorrego.

Cabe assinalar que as Assembléias reúnem-se semanalmente e, no caso da

Asamblea de Palermo Viejo, às quintas-feiras em torno das 20:30hs. Desde o primeiro

contato com os/as participantes, tanto desta Assembléia como da outra pesquisada,

merece destaque reconhecer que sempre fomos bem recebidos e tratados. Os/as

participantes sempre estiveram dispostos a nos orientar ou informar sobre as atividades

que desenvolviam e, também, costumavam nos indicar pessoas que tinham materiais e

que poderiam ajudar na pesquisa ou assinalavam com quais seria importante

conversarmos. Assim, conseguimos reunir diferentes artigos que foram escritos pelos/as

participantes, apresentados em congressos ou publicados em livros no país e no

estrangeiro, e participar e observar diferentes atividades desenvolvidas pelas

Assembléias.

Em todos estes casos, os/as participantes manifestaram disponibilidade para

contribuir com a pesquisa. Tivemos a oportunidade de entrevistar algumas das pessoas

que participaram desde o início do movimento para, a partir dos seus depoimentos,

realizarmos a descrição do surgimento das Assembléias. Os depoimentos dos/as

participantes relatando sua própria história constitui um fato inestimável, para a

construção de uma história mais democrática. Portanto, tentaremos aproveitar da melhor

maneira esta oportunidade de trabalho e aprendizagem. Sobre a pesquisa e as relações

que a partir dela se estabeleceram, houve conversas e situações que consideramos ser

fundamental referir, porque marcaram nosso posicionamento como pesquisadora neste

trabalho.

Relação entre pesquisadora e sujeitos da pesquisa

As Assembléias não apenas foram espaços que se abriram para a participação

política, a ajuda solidária etc., também, foram pólos de atração para o turismo social e a

pesquisa acadêmica nacional e internacional. Este fato revelou-se prontamente na

pesquisa bibliográfica inicial, e comprovou-se posteriormente tanto na pesquisa

exploratória como na coleta de dados. Consideramos fundamental nos referir a esta

questão porque ela revela como nos foi requerido um compromisso como pesquisadora,

(23)

estudo tem. Assumido esse compromisso, foi possível estabelecer uma relação muito

enriquecedora com os sujeitos pesquisados, nas palavras deles/as “de ida y vuelta”.

Cada vez que nos apresentávamos como estudante de mestrado da Universidade

Federal de São Carlos fazendo uma pesquisa que tinha por tema “As Assembléias de

Bairro”, os/as participantes comentavam que já tinham recebido outras visitas de

estudantes do país e de outras partes do mundo (Brasil, Inglaterra, Espanha, Holanda,

Alemanha, Itália etc.). Mencionaram também a presença de cientistas sociais, como por

exemplo, Naomi Klein, autora de “No Logo”, que fez uma pesquisa sobre os

movimentos sociais surgidos na Argentina. Estela, da Asamblea Popular de San

Telmo-Plaza Dorrego, destacava o fenômeno.

“(...) a partir del turismo social que hay en la Argentina, que hay mucho

turismo social recibimos la visita siempre de gente que viene a ver qué

somos las asambleas. San Telmo, nos ven y ‘qué es esta asamblea?’ y

‘quién la dirige?’ y hay voces que se escuchan más que otras pero no la

dirige nadie.(...)”

A pesquisa exploratória já nos tinha permitido tomar conhecimento da situação

brevemente referida, enquanto que a pesquisa propriamente dita, requeria o

compromisso de devolução dos resultados do trabalho. Assim, em uma situação de

observação participante, assumimos o compromisso de entregar uma cópia do projeto de

pesquisa e, posteriormente, uma cópia da dissertação. Destacamos, também, que

acreditamos ser fundamental entregar a eles/as o trabalho, gerado nesse espaço, durante

as observações, e que faz parte da história que participantes, mulheres e homens, estão

construindo.

Como foi assinalado pelos/as próprios/as participantes no momento em que

realizamos nosso trabalho de campo, outros/as pesquisadores/as já haviam passado

pelas Assembléias. Assim, havia nas Assembléias uma atitude mais crítica a respeito da

pesquisa e se deseja, justamente, uma relação de reciprocidade. A entrega da cópia do

projeto, nas duas Assembléias pesquisadas, abriu-nos a possibilidade de entrevistas e de

acesso a materiais produzidos pelos/as participantes. O projeto foi lido por algumas das

pessoas que o receberam e elas decidiram fazer uma devolução, que incluiu correções,

(24)

A coleta

A coleta de dados em campo desenvolveu-se em janeiro e fevereiro de 2004.

Realizamos quatro observações participantes em cada uma das Assembléias, sendo as

duas primeiras da totalidade do encontro. Nas seguintes observações, decidimos

acompanhar os encontros no horário fixado pela Assembléia (de duas horas), devido ao

prolongamento das reuniões, em função de temas mais polêmicos ou que requeriam

maior discussão (houve encontros que acabaram após a meia-noite). Esta decisão foi

baseada na dificuldade de transporte (o local de pesquisa ficava a 50 km da moradia da

pesquisadora) e no fato de que ficar até depois da meia-noite nos encontros trazia muito

risco para a segurança pessoal da pesquisadora.

A respeito das entrevistas, elaboramos e utilizamos um roteiro de temas

(ANEXO 01). Para a escolha das pessoas a serem entrevistadas estabelecemos os

seguintes critérios: a participação desde o início (pelo menos uma pessoa entrevistada

de cada Assembléia devia responder a este critério, dado que um dos itens do objetivo

do trabalho é descrever o surgimento do movimento); a participação em outras

atividades desenvolvidas pela Assembléia, e a representação da heterogeneidade da

conformação do movimento (idade, gênero etc.). O objetivo dos critérios para a seleção

foi aproveitar ao máximo a entrevista e ter acesso a outras informações de “primeira

mão”.

É preciso mencionar que o segundo critério, que possibilitaria dialogar

diretamente com pessoas envolvidas no trabalho, criou uma grande dificuldade no

momento de realização da entrevista de grupo, por exemplo, na Asamblea Popular de

San Telmo – Plaza Dorrego. Por um lado, as pessoas com as quais combinamos

inicialmente a entrevista de grupo (representantes das diferentes atividades) não

conseguiram comparecer. Mas, afortunadamente, em seu lugar entrevistamos

individualmente quatro participantes (Paula, Bety, Ruth e Gabriela) que, nesse mesmo

dia e horário, estavam desenvolvendo diferentes atividades no prédio. As outras

entrevistas individuais já tinham sido feitas, considerando os critérios mencionados.

Primeiramente, entrevistamos Fany, que trabalha em um micro-empreendimento.

Realizamos duas entrevistas com Estela, que participa desde o início e está envolvida

em diferentes atividades, e uma entrevista com Gabriel, que faz parte da Comissão de

(25)

No momento de realização das entrevistas, perguntamos se poderiam ser citados

os nomes verdadeiros dos/as participantes no texto da pesquisa ou se preferiam

preservar sua identidade, sendo que todos/as preferiram que figurasse seu nome

verdadeiro. Portanto, assim são citados em todo o trabalho. A respeito da identificação

das falas registradas no diário de campo, durante as observações participantes, como

não estabelecemos acordo relacionado à utilização dos nomes, as mesmas serão citadas

como “a/o participante”, a fim de se preservar o direito delas/es não se identificarem.

No tocante às observações, a Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego,

desenvolve muitas atividades, portanto foi possível observarmos várias delas. Foram

realizadas observações: no merendero, realizado todos os domingos das 16 às 18 horas,

e ao qual recorrem crianças que moram nos hotéis do bairro; na olla popular,

especificamente a que se realizou no sábado 24 de janeiro de 2004; no plantão e reunião

da Comissão de Moradia, que se desenvolvem nas quartas-feiras, a partir das 17:30 hs.;

e, também, nos empreendimentos de pão, couro, ropero comunitário, e no ateliê de

corte e costura, e em uma reunião de coordenadores/as das diferentes atividades.

Na Asamblea de Palermo Viejo, desenvolvemos: observação de uma entrevista

de grupo realizada por outra pesquisadora; entrevista com um casal (Gabriela e Jorge)

que fora um dos dois casais que convocaram à primeira reunião da Assembléia; uma

entrevista de grupo (Pedro, Ángela, Carlos, Walter, Armonía etc.), mas com a

dificuldade de que apenas na última meia hora chegaram todos/as os/as participantes; e

uma entrevista individual com Armonía. Além disso, como o planejado também incluía

a observação participante em outras atividades desenvolvidas pela Assembléia, as

realizamos durante a celebração dos dois anos de existência da Asamblea de Palermo

Viejo e em uma atividade organizada para dar auxílio às pessoas que moravam em um

prédio do bairro que tinha se incendiado. Também coletamos diversos materiais

produzidos pelos/as participantes, como textos disponíveis na homepage da Assembléia,

livros e artigos, matérias de jornais etc.

Por outra parte, participamos do 14º Encuentro de Asambleas Autónomas, que se

realiza uma vez por mês, nos domingos pela tarde, e reúne a Assembléias de diferentes

bairros. Nessa ocasião entrevistamos Lúcio, da Asamblea de Nuñez-Saavedra, que

estava junto a outras participantes em um posto de venda de produtos da Cooperativa

"La Asamblearia", criada pela Assembléia mencionada. Também, como já foi

mencionado, coletamos fotografias dos/as participantes e produzimos outras, algumas

(26)

fotografias correspondentes ao mural realizado pela Asamblea Popular de San

Telmo-Plaza Dorrego constituem um material interessante que discutiremos e analisaremos no

primeiro capítulo.

Finalmente, gostaríamos apontar como uma das falhas no planejamento da

pesquisa, a falta de um orçamento detalhado para o trabalho de campo. Esta questão

poderia ter inviabilizado a coleta de dados, devido aos custos relativamente altos do

trabalho de campo, que não foram previamente analisados e avaliados.

O marco histórico

Com o intuito de explicar o surgimento das Assembléias e pelo fato do trabalho

ter sido produzido no Brasil, apresenta-se como indispensável fazer uma introdução da

história da Argentina. Pretendemos, assim, realizar a explanação para situar o

surgimento das Assembléias como processo decorrente dessa história e de marcos

históricos específicos, tais como o golpe de Estado de 1976 e a conseguinte implantação

da ditadura militar que se prolongou até 1983. Em um primeiro momento pensamos em

iniciar o recorte histórico a partir do retorno ao regime democrático, dado que em

dezembro de 2003, cumpriram-se 20 anos de democracia. Mas, ao considerar os fatos

do 19 e 20 de dezembro como "defesa da democracia" e a mobilização gerada ante a

declaração do estado de sítio sem restrições, feita pelo então Presidente Fernando De la

Rúa, decidimos que seria preciso fazer algum tipo de retrospectiva desde a ditadura

militar na Argentina.

Este novo recorte foi chave, porque a partir dele pudemos orientar a coleta de

dados e estes confirmaram imediatamente que estávamos no caminho certo. Estela, da

Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego, comentava:

“(...) O sea, nosotros, salimos básicamente para frenar un golpe de

Estado, (...) Creo que todos entendimos el mensaje del 19 de diciembre

cuando dijeron ‘Estado de sitio’. El estado de sitio nosotros sabemos lo

que significó en la Argentina entonces ahí dijimos ‘Basta’, dijimos ‘No’,

‘No al estado de sitio’(...)”

Assim, o trabalho de campo corroborou a importância deste novo recorte, como

podemos também observar tanto no mural da Asamblea Popular de San Telmo -Plaza

Dorrego, como em "La Trama" da Asamblea de Palermo Viejo. Estes fatos demonstram

(27)

memória, os/as participantes constroem argumentos, ações e formas de fazer

(28)

MAPAS

Figura 01: Mapa da Capital Federal.

(29)

Figura 02: Mapa indicando o lugar de reunião da Asamblea de Palermo Viejo no Bairro.

Fonte: http://cgi.grippo.com.ar/mp/go.mpc?http://www.cybermapa.com

Figura 03: Mapa indicando a localização do prédio da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego.

(30)

CAPÍTULO I

Neste capítulo, desenvolveremos uma breve descrição da História Argentina6, a

partir do golpe de Estado de 1976até o surgimento das Assembléias, após o 19 e 20 de

dezembro. Esta introdução histórica tem por objetivo apresentar o contexto no qual

surgem as Assembléias, e dar ao leitor uma ferramenta para a melhor compreensão dos

fatos que serão referidos pelos/as informantes – muitas vezes em forma fragmentada ou

não cronológica – especialmente na apresentação do mural que se realizará na parte

seguinte. Como já assinalamos, o recorte temporal estabelecido abrange fatos históricos

mencionados pelos/as participantes do movimento como argumentos referentes ao

surgimento, existência e permanência das Assembléias, assim como de sua participação

nas mesmas. Portanto, é importante explorarmos este tema antes de desenvolvermos os

objetivos da pesquisa, como a descrição das Assembléias de Bairro, seu surgimento e as

práticas levadas a cabo pelos/as integrantes das mesmas, a partir de suas experiências.

Esta revisão histórica precederá a apresentação e análise de um mural produzido

pelos/as participantes da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego. Este mural

conta alguns fatos históricos, a começar pelo golpe de 1976, e finaliza na atualidade,

com o surgimento das Assembléias de Bairros. A escolha do mural se explica pelo fato

de que ele reflete, por meio de outra linguagem, alguns acontecimentos significativos da

História Argentina e, simultaneamente, constitui uma construção de uma das

Assembléias pesquisadas. Portanto, constituirá uma primeira aproximação ao

conhecimento do nosso objeto de pesquisa.

1.1 Revisão histórica

Nesta parte pretendemos de forma sucinta caracterizar a História Argentina a

partir do Golpe militar de 1976 até o surgimento das Assembléias. Assim, o texto inicia

pela implantação da ditadura militar em março 1976, posteriormente a volta ao regime

democrático com o governo de Raúl Alfonsín, seguido pela primeira e segunda

6

(31)

presidência de Carlos Menem, a presidência de De La Rua e a situação que se viveu nos

dias seguintes a sua renúncia, até o surgimento das Assembléias, isto é, janeiro de 2002.

Ditadura militar (1976-1983)

Em 24 de março 1976, a Presidente argentina, Isabel de Perón7, foi detida e

transferida para uma província do sul do país. Uma Junta de Comandantes8 assumiu o

poder e designou como presidente de fato Jorge Rafael Videla9. Começou, assim, o

“Proceso de Reorganización Nacional” (PRN), que teve como objetivos restaurar a

economia e lutar contra a subversão (De Riz, 1980, p. 71). Vinculado ao primeiro

objetivo apresentado, os militares optaram por um modelo de acumulação. Esta opção,

segundo De Riz (1980), manifestou uma das especificidades do regime militar. Para a

autora, a política implementada buscava produzir transformações profundas na estrutura

econômica argentina, e respondia a um contexto de crise registrada nos países

industrializados, criando as condições para uma nova divisão internacional do trabalho

orientada pelo neoliberalismo (op.cit., p.73).

O plano econômico contou desde o começo com o apoio do governo dos Estados

Unidos. Assim, uma semana após o golpe militar o Fundo Monetário Internacional

(FMI) aprovou um empréstimo de cem milhões de dólares para recompor as reservas do

país (Ayerbe, 1998, p. 44). No mês de agosto foi aprovado um segundo crédito de 260

milhões, deixando claro que a política econômica do governo argentino tinha respaldo

internacional. Com José Martínez de Hoz como Ministro da Economia, mudou-se o

padrão de acumulação, da industrialização substitutiva para a valorização financeira. O

endividamento externo e fuga de capitais iniciaram um ciclo de “rentismo financeiro”,

que consistia na rotação dos capitais sobre si mesmos, criando interesses sem respaldo

na produção real (García, 1989, apud. Rodríguez, 2004). Os ganhos obtidos no mercado

financeiro local eram remetidos ao exterior (ver Gráfico 1). Esta fuga de capitais

representou 71,8% da dívida até 1982 (Rodriguez, op. cit.). Portanto, a situação

caracterizou-se por processos inflacionários, desvalorizações sucessivas e/ou criação de

nova moeda, aumento do déficit das empresas nacionais – por exemplo, Yacimientos

Petrolíferos Fiscales (Y.P.F.) –, aumento da dívida externa e aumento da especulação.

7

Segunda esposa do ex-presidente Juan Domingo Perón. Foi sua companheira de candidatura em 1973, quando ele é eleito presidente. Ao morrer Perón em 1 de julho de 1974, ela como vice-presidente assume o cargo.

8

(32)

Fonte: Basualdo (2002) La crisis actual en Argentina: entre la dolarización, la devaluación y la redistribución del ingreso, Chiapas, No. 13: México DF, p. 7-39

As políticas adotadas criando condições favoráveis para o comércio exterior e

para a “fuga de capitais” beneficiaram as grandes empresas de capital nacional e

estrangeiro, mas eliminaram as empresas medianas e pequenas. Definindo, assim, um

processo de “massiva mobilidade descendente” que, embora tenha raízes anteriores ao

Processo (termo com o qual costuma se referir à ditadura), acentua-se e aprofunda-se

com as medidas implementadas a partir da metade da década de 70 (Minujin, 1992). Os

capitais que eram transferidos ao exterior no processo de valorização financeira eram

fruto da “brutal redistribuição do ingresso posta em funcionamento desde o mesmo

momento do golpe militar, contra os assalariados” (Basualdo, 2002, p. 14).

Segundo Beccaria (1992), a queda dos salários e a distribuição mais desigual

acentuaram-se a partir de 1975, mas ganharia força com as medidas repressivas

implementadas pelo regime militar. A neutralização do movimento sindical realiza-se

de diversas formas. Por um lado, a Central General de Trabajadores (C.G.T.) e a

Confederación General de Empresarios (C.G.E.) foram interditadas e eliminaram-se as

convenções coletivas. Por outro, aplicaram-se medidas de ajuste e de diminuição do

salário real, que chegou a 50% (De Riz, 1980). As medidas econômicas são entendidas,

pelos autores consultados, como forma de disciplinar a classe trabalhadora. Desta

9

(33)

maneira, os trabalhadores não somente viam anuladas as possibilidades de negociação

pelo poder sindical, senão que também se enfrentavam com um contexto que priorizava

a especulação financeira e era incapaz de gerar novos empregos. Incrementa-se o

emprego informal (Beccaria, op.cit, p.100-101).

A política econômica do governo estabeleceu-se em base a um disciplinamento

social, também, por meio do terrorismo de estado, enquanto que a política

implementada corroía as bases de sustentação dos setores em questão diminuindo seu

peso político e aprofundando, em conseqüência, o modelo (Rodríguez, 2004). Assim, o

primeiro objetivo, restaurar a economia, estava vinculado ao segundo, lutar contra a

subversão. O novo governo ordenou a dissolução do Congresso e dos partidos políticos

e a destituição da Corte Suprema de Justiça. Segundo Ayerbe (1998), desde o início da

ditadura:

“até dezembro de 1978 são implementadas as principais medidas para

criar as precondições das mudanças estruturais que permitam a

reestruturação da sociedade argentina de acordo com as intenções do

regime militar” (p. 43).

Como segundo objetivo, os militares desenvolvem o plano de aniquilar o

“inimigo interno” em nome da segurança nacional (De Riz, op.cit.; Dellassoppa, 1998).

Sucederam-se, a partir desse ano, diferentes ações de grupos armados e de repressão,

cada vez mais violentas. Os grupos das Forças Armadas atuavam já em um marco de

clandestinidade. A repressão não se limitava a recair sobre organizações “subversivas”,

também, foram seqüestrados, “desaparecidos” e/ou assassinados membros da Igreja

(bispos, padres, freiras e catequistas), líderes de organizações de base, estudantes,

escritores e outros intelectuais. Por exemplo, em La Plata (Capital da Província de

Buenos Aires), em 16 de setembro de 1976, aconteceu a chamada “Noche de los

Lápices”. Um grupo de membros da Unión de Estudiantes Secundarios (UES), que

protestava por passes de ônibus para estudantes, foi seqüestrado torturado e seis deles

continuam desaparecidos.

Propriedades de pessoas presumidas guerrilheiras foram transferidas para

integrantes das forças da repressão e muitos/as argentinos/as optaram por se exilar. Um

relatório aponta que dois milhões e meio de argentinos/as saíram do país como exilados

ou em busca de trabalho. Nos primeiros anos do Processo, apareceram queixas de

(34)

numerosos abusos cometidos. Em 1977, um grupo de mães de pessoas desaparecidas

iniciou as manifestações (chamadas “rondas”) em torno da pirâmide da “Plaza de

Mayo”.

Segundo cálculos da Junta, em setembro de 1977 estavam detidos ou mortos

cerca de 8.000 subversivos e, embora nunca fosse revelado, existiam 300 campos

clandestinos de detenção - os principais foram “Campo de Mayo”, a “Escuela de

Mecánica de la Armada” (ESMA) e “la Perla” (Córdoba). Havia um plano de

cumplicidade, “Operativo Cóndor”, entre as ditaduras do Chile, Uruguai, Brasil e

Argentina que ampliava o campo de atuação do regime.

Em 1978, durante a Copa do Mundo tornou-se evidente que o resto do mundo

sabia melhor o que acontecia na Argentina que os próprios argentinos/as. Os

organismos de direitos humanos divulgavam os efeitos da “guerra sucia”, enquanto na

Argentina havia um rigoroso controle dos meios de comunicação e, mesmo, jornalistas

eram assassinados se divulgassem informações não permitidas.

Outro fato que merece observação, mais vinculado à política externa, foi o

conflito de limites com o Chile. Um acordo assinado em 1971 encarregava a

decisão, a respeito da posse das Ilhas do Canal de Beagle, a uma Corte Arbitral

integrada por cinco juízes do Tribunal Internacional de La Haya, presididos pela

Rainha da Inglaterra. Em 1977, a Corte decidiu em favor do Chile. Mas, na

Argentina, essa sentença foi considerada arbitrária e, em conseqüência disso,

apresentaram-se duas posições: uma disposta a um novo diálogo com Chile e outra

que tentava beneficiar-se com uma possível guerra. A segunda posição impôs-se.

Finalmente, no dia fixado para começar o ataque, o Papa João Paulo II ofereceu-se

para mediar a solução do conflito. Assim, a guerra foi impedida, embora não se

tivesse chegado a uma solução definitiva.

Em meados de 1980, o presidente de fato Jorge Rafael Videla insinuou a

possibilidade do fim da ditadura, enquanto outros militares, como Galtieri, chefe do

Exército, afirmava que “las urnas están bien guardadas”. Em outubro do mesmo ano, a

Junta de Comandantes designou como sucessor da presidência o General Roberto Viola,

que assumiu o cargo em março de 1981. Nesse momento, diferentes partidos políticos

uniram-se para acelerar a saída democrática. Desde o exterior, continuavam os protestos

de organizações de direitos humanos, por exemplo, Amnesty International, que

(35)

Em dezembro de 1981, o segundo presidente de fato é retirado do seu cargo e

substituído pelo General Leopoldo Fortunato Galtieri. Novamente, alguns fatos

assinalavam uma possível chamada às urnas. Mas em 2 de abril de 1982, tropas

argentinas desembarcaram nas Ilhas Malvinas10. Segundo Ayerbe (1998):

“A ocupação das ilhas é concebida como uma ação sem grandes custos

militares e de enormes ganhos políticos internos e externos. No plano

interno, porque permite angariar o respaldo da opinião pública,

fortalecendo o regime e a liderança de Galtieri. No plano externo, pelo

efeito didático em relação ao Chile na disputa pelo canal de Beagle”(p.

49)

Esta situação gerou a reação de cidadãos e cidadãs, uma multidão congregou-se

na “Plaza de Mayo” para apoiar o governo. O governo argentino, também, contava com

o apoio do governo de Reagan. Mas, no momento das definições, a Inglaterra,

respaldada pelos Estados Unidos, retoma o controle das Ilhas. Em 14 de junho, o

General Benjamín Menéndez, no comando das tropas, declarou rendição. Este fracasso

marcou a derrota total do Processo (Ayerbe, 1998; Linz & Stepan, 1999 e outros).

Segundo Ayerbe (1998):

“O apoio inicial da opinião pública se transforma em repúdio à

incompetência dos militares argentinos no seu próprio métier,

transformando a incipiente oposição ao regime, prévia à guerra, num

consenso pelo fim da ditadura” (p. 49)

Uma multidão exigia, naquele momento, a renúncia de Galtieri. Após a rendição,

os militares não somente tinham que procurar uma saída à manifestação dos setores

importantes da sociedade civil e política, senão também enfrentar “disensões,

recriminações e a indisciplina nos meios militares”, temendo “um conflito armado

intramilitar e a dissolução das forças armadas como organização” (Linz & Stepan,

1999, p. 227-228). Após a renúncia de Galtieri, os comandantes em chefe designaram

como Presidente ao General Reynaldo Bignone, que teve a seu cargo a liquidação do

Processo. Lidou com a inflação e com uma dívida externa que já somava 44 bilhões de

10

(36)

dólares. Mas, sua função principal foi tomar medidas que garantissem a impunidade dos

militares envolvidos na “guerra sucia”.

Em 28 de abril, foi sancionada uma “Acta Institucional” que declarava como

mortas às pessoas desaparecidas e remetia os “excessos” cometidos ao “juízo de Deus”.

Esta medida provocou reações no país e no exterior, aproximadamente 100.000 pessoas

fizeram uma manifestação em Buenos Aires para repudiá-la. Os partidos políticos

anunciaram que não considerariam vigente essa “auto-anistia”. Somavam-se denúncias

a respeito de violações de direitos humanos, a imprensa escrita e de radio difusão

divulgavam os fatos macabros da ditadura.

Linz & Stepan (1999) identificam alguns traços peculiares do regime militar

argentino que tiveram impacto no processo de transição democrática. O primeiro é o

fato de ser um regime militar sob comando hierárquico que nunca chegou a “colapsar”,

permanecendo assim em condições de causar sérias complicações à tarefa de

consolidação da democracia (op.cit., p. 228). Somava-se, a esse fato, a falta de preparo

dos partidos políticos; a ausência de diagnósticos da situacão econômica e o déficit

político gerado pelas políticas autoritárias. Neste sentido, Calderón & Jelin (1987)

apontam como, nos países que viveram ditaduras militares, os processos de transição

democrática operam, por um lado, em um contexto de destruição ou limitação do

sistema político e dos direitos dos cidadãos, marcado por um recolhimento para a vida

privada e, por outro, caracterizado por:

“uma incomunicabilidade no interior da trama das relações sociais e

entre a sociedade e os partidos políticos que, por motivos repressivos ou

outros, foram-se distanciando da vida cotidiana” (op.cit., p. 82).

Nesse contexto, os partidos começaram os processos internos. Raúl Alfonsín,

líder da Unión Cívica Radical (U.C.R.), realizou uma dura campanha contra o governo

militar e denunciou um pacto sindical-militar. Merece destaque o dado apresentado por

Ayerbe (1998), que destaca a elevada porcentagem de afiliação a partidos políticos: em

maio de 1983 são 5.610.520 pessoas afiliadas. Em 30 de outubro realizaram-se as

eleições e foi eleito Raúl Alfonsín, que obteve quase 52 % dos votos. Assim, o

peronismo perdeu sua histórica hegemonia eleitoral e começou o processo de

redemocratização do Estado. Constituiu-se novamente o Congresso e no dia 10 de

(37)

Presidência de Raúl Alfonsín (1983-1989)

O governo de Raúl Alfonsín foi encarregado de restabelecer as instituições

republicanas e a convivência democrática e pluralista. Mas, também, procurou

instâncias para julgar as pessoas responsáveis por delitos contra os direitos humanos

durante a ditadura militar. Assim, uma das primeiras medidas do governo consistiu em

processar dirigentes subversivos e integrantes das três Juntas do Processo. Além disso,

formou a “Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas” (CONADEP)11,

comissão encarregada de compilar dados sobre as violações dos direitos humanos

durante o regime militar (Catela, 2001). Enquanto isso, o “Consejo Supremo de las

Fuerzas Armadas” afirmava a legitimidade dos atos e diretivas do Processo.

O retorno da democracia promoveu a volta ao país de muitos docentes e

pesquisadores que tinham estado exilados. Como fatos importantes no âmbito cultural,

eliminou-se a censura para livros e espetáculos e as pessoas começaram a ocupar

novamente os espaços públicos.

Outra preocupação do presidente foi encerrar o conflito de limites com o Chile. A

oposição negou-se a ratificar o Tratado e, devido a isso, foi decidido convocar uma

consulta popular não vinculante. Com 81% dos votos favoráveis ao governo, o “Tratado

de Paz y Amistad con Chile” foi ratificado (1984). Este fato gerou novas formas de

cooperação pacífica com os países vizinhos. Dois anos depois, uma vez que o Brasil

democratizou-se, os presidentes Alfonsín e José Sarney assinaram os primeiros acordos

com vistas ao Mercosul.

Em 22 de abril de 1985, a Câmara Federal começou o julgamento contra os

ex-comandantes em chefe. Foi uma das poucas vezes em que se processou no próprio país

quem exerceu ilegalmente o poder12. O tribunal resolveu aplicar penas que foram desde

prisão perpétua, para Videla e Massera, até penas menores para outros acusados.

Leopoldo Galtieri, Omar Graffigna y Arturo Lami Dozo foram absolvidos. A sentença

coincidiu com os julgamentos que, no âmbito judicial militar, realizaram-se contra os

responsáveis pela Guerra das Malvinas. Neste sentido, Linz & Stepan (1999) apontam

como principais dificuldades do governo de Alfonsín a reação dos militares ante "as

11

Esta comissão foi composta por personalidades intelectuais, religiosas e da imprensa e presidida por Ernesto Sábato. A investigação da Conadep foi sintetizada no livro “Nunca Más” (Eudeba, 1984) e contribuiu, junto com outras publicações muito divulgadas, à tomada de consciência sobre o acontecido no país durante a ditadura militar.

12

(38)

iniciativas de pôr na cadeia os líderes hierárquicos do governo militar anterior" (op.

cit., p.230). Assim, os distintos levantes militares que aconteceram de abril de 1987 e

janeiro de 1990, enfraqueceram o governo da Alfonsín. Por um lado, o Presidente tentou

aliviar a pressão militar e foi aprovada, em fevereiro de 1987, a “Ley de Punto Final”,

que estabelecia a caducidade das ações contra militares. Por outro lado, os levantes

mobilizaram o país.

Na Semana Santa de 1987, a “Escuela de Infantería de Campo de Mayo” foi

tomada por um grupo de oficiais e suboficiais sob o comando do Tenente Coronel Aldo

Rico. Exigiam a renuncia do Chefe do Exército, o reconhecimento da atuação positiva

na repressão e que os meios de comunicação respeitassem as Forças Armadas. A

resposta dos/as cidadãos e cidadãs foi contundente, enormes concentrações na “Plaza

del Congreso” e na “Plaza de Mayo”, e universidades tomadas, pedindo a repressão dos

sublevados (Catela, 2001). Finalmente, no domingo de Páscoa, o Presidente foi até o

“Campo de Mayo” e conseguiu que os amotinados negociassem sua rendição. O preço

da rendição foi a sanção da “Ley de Obediencia Debida” (1987), que exime de punição

as pessoas que obedeceram a ordens na luta contra a “subversão”. Os grupos de

esquerda condenaram as leis como “leis de impunidade” e os protestos continuaram.

No percurso do Processo, a sociedade argentina adquiriu duas características

muito negativas: pobreza e desigualdade, que se agudizaram nos governos

democráticos. O retorno à democracia esteve marcado pela chamada “crise da dívida

externa”, iniciada em 198213. Neste período consolida-se estruturalmente a valorização

financeira e o sistema econômico é conduzido por setores em expansão (grupos

econômicos locais, conglomerados estrangeiros e a Bolsa), em base à redistribuição dos

salários dos trabalhadores (Basualdo, 2002). Esta redistribuição realizou-se de maneira

direta reduzindo os salários dos trabalhadores e, de maneira indireta, através dos

impostos e das privatizações ("Proyecto Privatización y Regulación en la Economía

Argentina" de 1999, e "Ley de Reforma del Estado", No. 23.696/1989).

A estas dificuldades somaram-se as ações dos sindicatos. A CGT unificou-se,

conduzida por Saúl Ubaldini. Linz & Stepan (1999) consideram que as possibilidades

de manobras de Alfonsín estavam limitadas por não contar com uma maioria em ambas

casas legislativas e, também, por não conseguir um acordo com os sindicatos peronistas

responsáveis do golpe de 1967. Disponível em: <http://www.odonnell-historia.com.ar/reciente/illiahoy.htm#conadep> Acesso em: 5 jul. 2004.

13

Imagem

Figura 06  Mapa de mobilização para piquete urbano  159
Figura 01: Mapa da Capital Federal.
Figura 02: Mapa indicando o lugar de reunião da Asamblea de Palermo Viejo no Bairro.
Figura 04. Logotipo da Asamblea Popular de San Telmo-Plaza Dorrego. Gentilmente cedido por: Estela  Fourmantin
+3

Referências

Documentos relacionados

• The definition of the concept of the project’s area of indirect influence should consider the area affected by changes in economic, social and environmental dynamics induced

Hoje o gasto com a saúde equivale a aproximada- mente 8% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que, dessa porcentagem, o setor privado gasta mais que o setor público (Portal

O estudo múltiplo de casos foi aplicado para identificar as semelhanças e dissemelhanças na forma como as empresas relacionam seus modelos de negócios e suas

Resposta: para traçar os efeitos de curto prazo e longo prazo de uma redução na demanda agregada real por moeda na taxa de câmbio, taxa de juros e nível de preços, é necessário

O artigo 2, intitulado “Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC): Estar fora da família, estando dentro de casa”, foi resultado da realização de uma pesquisa de

RESUMO: Tendo em vista a Tendo em vista a exploração das ferramentas gráficas disponíveis em softwares de exploração das ferramentas gráficas disponíveis em softwares de

Assim, em Medicamentos Não Sujeitos a Receita Médica (MNSRM) o farmacêutico deveria ter o cuidado de assegurar a dispensa de quantidades corretas de medicação (de acordo

[r]