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A minHA VerDADeirA imAgem eStÁ noS liVroS Que eScreVi

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Academic year: 2018

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A MINHA VERDADEIRA IMAGEM ESTÁ NOS LIVROS QUE ESCREVI

Isabel Ponce de Leão (Coord.)

Os dois volumes do livro supracitado, que congregam as comunicações apresentadas no con-gresso comemorativo do centenário do nascimento de Torga e se pretendem documento vivo (para memória futura), não se compadecem com uma leitura à vol d’oiseau, antes reclamam uma leitura ecfrástica (e, concomitantemente, empática). E não só pela representatividade dos participantes - ampla plêiade de estudiosos (51 concretamente) que com um objectivo cla-ramente definido se debruçaram sobre tão poliédrica obra -, mas também, e precipuamente, pela dissecção (quase ecdótica) a que a mesma foi submetida. Motivo por que as palavras de Eugénio Lisboa alusivas ao congresso (“Cobrindo o amplo território do percurso torguiano […] ficará como um testemunho de alto e variado interesse a juntar-se à já vasta bibliografia que tem sido dedicada ao autor”) se aplicam, na íntegra, ao livro dele emanente.

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e repercussões óbvias. Mormente, e desde logo, a inexequibilidade de uma referência

indi-vidual, et pour cause, o imperativo de proceder a uma triagem tendente a seleccionar umas quantas que pela especificidade dos tópicos disquisicionados sejam paradigmáticas, sem menosprezo da prodigalidade e proficuidade das restantes.

Comecemos então por Salvato Trigo. Depois de reconduzir o homem, “o cidadão Adolfo Rocha” à condição (e ao destino) do comum dos mortais, (“passou”), eleva à imortalidade “o poeta, o escritor, Miguel Torga”, que “ficou para honra de uma literatura tão minguante de vozes de lucidez ética e estética e tão carente de tão apurado culto da língua, em que inventariou a sua, a nossa identidade, ibericamente portuguesa”.

A mesma certeza de imortalidade perpassa nas palavras de Eugénio Lisboa (“Miguel Tor-ga […] ficará, na história literária de PortuTor-gal”), que explicita e pormenoriza a via pela qual aquele o conseguirá (“como um dos mais eminentes representantes da brevidade e da con-cisão: a narrativa curta, o poema relativamente curto”).

Importa a propósito sublinhar ser justamente este proficiente conferencista o que mais foge ao panegírico. Logo no prefácio, onde enfatiza haver “neste homem da terra uma estranha e funda sensibilidade, uma sensibilidade de minúcias, quase feminina, que lhe potencia a inteligência e lhe compõe e enriquece o génio criador.”, não se coíbe de também asseve-rar: “Escritor multifacetado, vigoroso e inteiriço, as suas proclamações e os seus juízos nem sempre primaram - há que dizê-lo - pela subtileza e pela justeza”. Apreciação que reforça ao asseverar que “O homem Torga […] não convidava muito ao convívio.”

Afirmação não perfilhada por Bigotte Chorão, que, garantindo não haver em Torga “como em muitos escritores, uma notória dicotomia entre a obra e o homem”, põe a tónica na sociabilidade: “Escritor de monólogo, era porém um homem de diálogo. Gostava de conver-sar a sós com um interlocutor”. Faceta que o próprio Eugénio Lisboa (norteado pelo rigor, apodixe da sua isenção) reconhece, não se inibindo de corrigir (suavizando) a apreciação precedente: “Parece que, afinal, o caçador implacável e manhoso era um tipo abordável e até cordial.” O que faz sem prejuízo de admitir que Torga “acolheu e acarinhou, dentro de si, um mundo de contradições”.

Contradições que Fernando Hilário vislumbra (identifica?) logo no nome: “Miguel e Torga, ou a conciliação, que se diria difícil e penosa, do que é superior e sublime com o que é singelo e terrenal.” E a que também Álvaro M. Machado alude, após frisar haver “escritores cuja ima-gem, ao longo de décadas […] cristaliza”, numa espécie de “figura granítica que impressiona sobretudo pela grandeza humana”, “imobilismo grandíloquo” que por isso conduz a um “es-tereótipo, o qual impede de descobrir pormenores, de atentar em graduações ou mesmo em férteis contradições quer da obra quer do homem.”

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Outrossim assaz peculiar, porque determinado por afinidades profissionais, é o testemunho de um médico, Carlos S. Sousa, que, posicionando-se num ângulo específico, recorre a cam-pos lexicais úberes de vocábulos e expressões do âmbito da medicina, a jogos de palavras (“deste médico escritor, deste poeta operador”) para culminar num convite (ou intimação?): “Continuemos a ler e reler esta obra ímpar […] que nos é legada por Miguel Torga […], otor-rino e artista, poeta e operador…”.

No que a outras facetas da (por demais complexa) personalidade de Torga concerne, são tão variadas e heterogéneas as apreciações ao longo dos trabalhos produzidas e os testemunhos aportados - de Bigotte Chorão, para quem “A forte personalidade de Torga não se dissolve nos seus livros. […] Não se oculta detrás da página”, passando por Fernando J. B. Martinho que, trazendo “ao proscénio a temática da emigração” diz, citando o próprio: “A minha unidade telúrica desintegrou-se: E convivem na mesma carcaça dois seres opostos. Um europeu, de medidas greco-latinas; outro americano, anárquico e transbordante. E nenhum vence o adver-sário” - que desfila perante nós todo um carrossel de abordagens, de pinceladas num quadro policromo, que dificilmente terá deixado algum recôndito sem ser disquisicionado.

Inclusive o iberismo, tratado por Salvato Trigo, mas também equacionado, na vertente “telú-rica”, por Fernando Guimarães e por Isabel Ponce de Leão.

No que respeita à relação do escritor com a política (e a liberdade), temática reiteradamente aflorada em diversas comunicações, duas referências, por paradigmáticas, serão o quantum satis para nos esclarecer acerca da postura prevalecente: a de Eugénio Lisboa e a de Salvato Trigo.

Último prisma de abordagem, indubitavelmente o mais glosado: a linguagem. Justifica-se,

ipso facto, que, antes de nele adentrarmos, nos detenhamos sobre as especificidades do discurso de Torga. Assumidamente exigente consigo próprio (“Sim, esforço-me por escrever bem.”), perfeccionista (“a frase mal lançada que era necessário recomeçar mil vezes”) e em incessante busca do rigor construtivo, predicados estes – exigência, perfeccionismo, rigor frásico – de que não admite prescindir, e aos quais a fidelidade da sua escrita é irrefragável, fica estabelecida a ligação ingénita entre produtor e produto quando, de um rigor inconsú-til, postula que “em vez de um habilidoso disfarce” cada frase tem de ser “uma sedução e um acto. Uma sedução sem condescendências, e um acto sem subterfúgios”, concepção que reforça ao aludir ao imperativo de expurgar escrupulosamente a frase “de todas as impurezas e ambiguidades”.

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Quanto à organização interna do livro - dado o objectivo prioritário ser, no dizer da sua

coor-denadora, torná-lo “um instrumento optimizador da investigação poética de Miguel Torga” - reputamos adequada, porque em total consentaneidade com esse desiderato, a opção por privilegiar a “lógica temática” em detrimento (ou subalternização) da “problemática dos gé-neros literários”, dos “diversos modelos de abordagem crítico-analítica”. Tanto mais que esta opção, coadjuvada pela inclusão dos textos segundo a ordem alfabética dos nomes dos autores e alheia a “hierarquias académicas”, ao mesmo tempo que propicia a passagem pe-rante os nossos olhos de uma “procissão” de comunicações, torna inevitável a comparação das mesmas. E a ilação imediata é nem todos os “andores” seguirem ao mesmo nível - antes estarem em diferentes socalcos - destarte tornando iniludível (e inelidível) uma décalage de aprofundamento (em termos de conteúdos) e uma estratificação que não podem ser obnu-biladas, mormente nas rubricas em que o número de comunicações é maior: 13 em Escrita do Eu e Autoficção, 12 na Narrativa, 11 na Obra em geral e na Poesia.

De salientar, ainda neste âmbito, o (excelente) posfácio de António Leite da Costa, que, em lapidar sinopse, regista os tópicos fundamentais do congresso. E, encomiástico para a UFP, não elide o papel desta, que até 1994 fora “a única universidade portuguesa a dedicar-lhe um congresso”, voltou a ser crucial em 2005, nas “várias iniciativas tendentes a desatar o nó cego do silêncio” que começava a pairar sobre Torga e determinante neste, arcando “com todas as despesas inerentes à edição dos cartazes, programas” e outras. Não menos feliz lembrança foi, também, a da adução das palavras do Presidente da Câmara de Coimbra, Carlos Encarnação, que, referindo-se ao homenageado (“um cidadão em estado puro, um ser inapropriável”) e ao congresso, afirmou perceber-se “muito bem porque tantos quiseram reunir-se durante alguns dias a evocá-lo e a discuti-lo”. E, mesmo a concluir, a do testemunho do Reitor da UFP, para quem “comemorar Torga, escritor e cidadão, além de um imperativo ético, é também celebrar valores perenes da nossa identidade”.

Plasmando as comunicações as proficientes opiniões dos respectivo autores (e, noutros, não menos doutos, as linhas de investigação que desenvolvem), o que, pela sua variedade em torno de um foco aglutinador enriquece sobremaneira o carácter poliédrico do livro, de que ressumbram as mais diversificadas abordagens, a verdade, contudo, é que ao trazerem ao proscénio da reflexão e questionamento académicos a diversidade de pontos de vista e bas-culações conteudísticas (conquanto submetidas a um fio condutor que a todas concatena), mais vincam a diferença assinalada, mas alargando concomitantemente as bases para um mais amplo e profícuo entendimento da temática equacionada.

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Notas finais. De âmbito organizacional as primeiras: para assinalar o equilíbrio da mancha gráfica, quase inconsútil, que, ao agregar tão solidamente as comunicações confere ao mi-crocosmos plasmado pelo livro uma unidade na diversidade que inviabiliza liminarmente que qualquer ruído (malsão) perturbe a polifónica orquestra textual, ao que acresce a origi-nalidade da adução de um conjunto de fotos (17) pelas quais perpassa a composição das mesas, destarte constituindo registo visual dos participantes e, por isso, excelente arquivo para memória futura; e uma menção especial para a capa, através de cuja sobriedade o pregnante óleo de Francisco Simões (com o rosto anguloso, esfíngico e austero de Torga) nos transporta para um universo de genuinidade que consubstancia, de forma lapidar, a dicotomia ser/parecer, de cujo primeiro ramo o homenageado foi, na sua austeridade, ex-poente máximo, arquétipo; conteudístico as segundas: para sublinhar o mérito dos organi-zadores não só na concreção dos objectivos explicitados, na Nota Prévia, mas, outrossim e precipuamente, no sobrepujar dos mesmos, pois se a coordenadora cingiu o anelo priori-tário à consecução de tornar o livro “um instrumento optimizador da investigação poética de Miguel Torga”, como antes referimos, tal foi amplamente excedido: é-o sim, mas da obra como um todo incindível; e para explicar por que não sugerimos que tão ubertoso livro de torne “de cabeceira” - destino que dada a sua idiossincrasia manifestamente não merece: mormente porque o futuro que lhe antevemos é o do que ele constituirá, doravante, uma obra de referência para quem quiser aprofundar o conhecimento do universo torguiano, um imprescindível instrumento de trabalho cuja consulta se tornará imperiosamente recorren-te. Um livro cuja leitura muito enriquecerá mesmo o público em geral.

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