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Mário Quintana em quatro idiomas: projeto de aprendizagem em Português como Língua Adicional OS POEMAS SÃO PÁSSAROS QUE CHEGAM NÃO SE SABE DE ONDE 1

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Academic year: 2021

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93 Mário Quintana em quatro idiomas: projeto de aprendizagem em Português como

Língua Adicional

OS POEMAS SÃO PÁSSAROS QUE CHEGAM NÃO SE SABE DE ONDE1

Relato aqui o projeto de aprendizagem que desenvolvi numa disciplina de nível avançado no Programa de Português para Estrangeiros (PPE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A disciplina, ministrada em 2017, contou com sete alunos de quatro países diferentes: China, Colômbia, Equador e Japão. Neste relato, apresento minha perspectiva, como professora e participante, do trabalho desenvolvido com a turma e do projeto, que focalizou o gênero poema e a obra do poeta Mário Quintana. Apresento as etapas do projeto e o trabalho realizado em cada aula.

E POUSAM NO LIVRO QUE LÊS

Com base em Schlatter e Garcez (2012), que propõem o ensino de línguas adicionais por meio de projetos de aprendizagem, e em Simões et al (2012), que defendem o ensino integrado de língua portuguesa e literatura, propus aos alunos do curso avançado de Português como Língua Adicional (PLA) que, dentre as atividades planejadas para o semestre, nos dedicássemos à leitura de poemas, em especial à obra de Mário Quintana. Segundo SIMÕES et al (2012):

O trabalho com Língua e Literatura em um único componente curricular decorre do entendimento de que, em ambas, o centro do trabalho está no texto e ambas são fenômenos eminentemente dialógicos. A união dessas duas disciplinas em um único componente fundamenta-se, ainda, na intensa relação que se estabelece entre os fenômenos da língua representativa de uma

1

Este e os demais títulos das seções do artigo são os versos que compõem “Os poemas”, de Mario Quintana: QUINTANA, Mario. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005. p. 469.

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94 cultura. Além disso, não apenas a linguagem é a

matéria-prima a partir da qual a literatura é constituída, mas a literatura é, entre os diferentes usos da língua portuguesa, o mais vinculado à produção de um conhecimento de si e do mundo especificamente fundado no fenômeno da língua, limitado ao mesmo tempo por seus constrangimentos e viabilizado pelos seus potenciais expressivos. Aprender e ensinar língua portuguesa significa também aprender e ensinar literatura, e vice-versa. (SIMÕES et al., 2012, p. 46).

Além de conhecer e estudar poemas de Mario Quintana, os alunos foram convidados a trabalhar com outros gêneros discursivos (canção e relato)2, bem como a declamar os poemas trabalhados durante o sarau Mário Quintana em quatro idiomas, o produto final do projeto. Escolhemos o sarau - evento aberto ao público - como produto final do projeto para promover a aproximação e a integração dos participantes, os alunos do Avançado, com os demais estudantes da universidade, estrangeiros e brasileiros.

QUANDO FECHAS O LIVRO, ELES ALÇAM VÔO COMO DE UM ALÇAPÃO

O projeto Mário Quintana em quatro idiomas foi desenvolvido em oito aulas de quatro horas (32 horas). As etapas do projeto envolveram:

● leitura, discussão e análise de uma coletânea de poemas de diferentes autores brasileiros;

● estudo do gênero poema: circulação social, modos de composição e componentes;

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Mais adiante, nas etapas do projeto, apresento de que modo os demais gêneros discursivos trabalhados se tornaram relevantes no percurso de estudo.

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95 ● relações entre os gêneros poema e canção: circulação social, modos de

composição e componentes;

● estudo de recursos poéticos (figuras de linguagem, rima, entre outros) e seus efeitos de sentido na performance do poema;

● visita guiada à Casa de Cultura Mario Quintana;

● escrita de um relato da visita guiada para o site do PPE;

● seleção de poemas para serem traduzidos para as línguas dos participantes; ● tradução dos poemas selecionados; e,

● como produto final, apresentação dos poemas em um sarau ao ar livre na VIII Feira Cultural do PPE.

Cada aluno foi responsável por escolher um poema, justificar sua escolha e elaborar uma tradução para seu idioma. No sarau, após cada leitura dos poemas traduzidos para mandarim, espanhol e japonês (sete poemas ao todo), um colega recitava a “resposta” - o poema original em português.

ELES NÃO TÊM POUSO NEM PORTO; ALIMENTAM-SE UM INSTANTE EM CADA PAR DE MÃOS E PARTEM

A seguir, apresento os conteúdos focalizados em cada uma das oito aulas e relato as atividades desenvolvidas pelos participantes.

AULA 1: Figuras de linguagem e introdução à poesia brasileira

Iniciamos a aula com uma tarefa sobre figuras de linguagem em português. Cada aluno recebeu uma folha de papel com uma explicação de alguma figura de linguagem (metáfora, metonímia, catacrese, antítese, paradoxo, eufemismo, hipérbole, ironia e personificação) sem exemplos. No quadro escrevi várias frases que continham as figuras de linguagem focalizadas. Cada aluno lia a explicação que recebeu e tentava identificar, no quadro, a frase que ilustrava a figura de linguagem equivalente.

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96 Após esse momento, iniciamos o contato com a poesia, por meio da leitura de alguns

poemas de Mário Quintana, e realizamos a primeira produção, coletivamente, por meio de uma atividade em forma de “receita de poema”:

na primeira linha, escreva um substantivo de sua escolha;

na segunda linha, escreva dois adjetivos ligados por e para descrever esse substantivo;

na terceira linha, escreva um verbo e um advérbio para descrever esse substantivo em ação;

comece a quarta linha com como ou tal como seguido de uma comparação;comece a última linha com se seguido de um desejo.

A turma escreveu o seguinte poema:

Flor

Colorida e delicada Morrendo lentamente Como nosso amor

Se eu pudesse voltar no tempo...

AULA 2: O gênero poema

Nessa aula os alunos conheceram alguns poetas brasileiros3 e suas obras. Discutimos a poesia concreta e seu importante movimento vanguardista; a poesia moderna e o movimento social e político da época; e a poesia contemporânea e seus traços de brasilidade. A coletânea de poemas foi escolhida pensando em quebrar possíveis paradigmas criados pelos alunos em relação à poesia. “Poesia fala de quê?” foi a pergunta que iniciou a aula. A maioria das respostas versava sobre amor. A escolha dos poemas buscou mostrar o lado histórico, social e político da poesia.

3

Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, Ana Martins Marques, Ana Elisa Ribeiro e Angélica Freitas.

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AULA 3: Poema e canção

O objetivo dessa aula foi estabelecer relações entre poema e canção e (re)conhecer alguns dos grandes nomes da canção brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Vinicius de Moraes e Tom Jobim. As atividades incluíram a escuta e a leitura de canções e de novos poemas, troca de ideias sobre a compreensão dos textos e a discussão sobre a relação entre os gêneros. Entre as atividades desenvolvidas para compreender a composição dos gêneros e o uso de recursos linguístico-discursivos, propus uma análise conjunta de aspectos como rima, métrica, sonoridade e poesia em ambas as modalidades.

AULA 4: Visita guiada à Casa de Cultura Mário Quintana

Para tornar o estudo mais concreto e a fim de ilustrar o que os alunos conheciam apenas em livros, decidimos fazer uma visita à Casa de Cultura Mário Quintana. Agendamos uma visita guiada com uma pessoa responsável por apresentar a casa, uma contadora de histórias. Com ela, os alunos aprenderam sobre a vida do poeta, ouviram os poemas sendo recitados e puderam conhecer de perto vários detalhes e lugares de sua história.

AULA 5: Relato da visita guiada

Esta aula foi dedicada a uma discussão sobre o passeio que haviam feito: impressões, aprendizagens e inspirações causadas pela visita. Depois disso, propus que escrevessem um relato coletivo para ser publicado no blog do PPE. Cada um ficou responsável por escrever a primeira versão de uma parte do relato: vida do poeta, datas importantes, curiosidades, legendas para fotos da visita, etapas da visita, dicas para quem quer fazer o passeio e informações do local. Os trechos foram compartilhados com os colegas, e o texto final foi escrito coletivamente.

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98 Nesta aula, os alunos foram convidados a escolher os poemas de Mário Quintana com

os quais mais se identificaram, justificar suas escolhas e traduzi-los para seu próprio idioma. Tanto a seleção dos poemas quanto as justificativas foram oportunidades de mostrar um pouco de si aos colegas e professora. Ao traduzir os textos, os alunos puderam aproximar ainda mais esses poemas de si, trazendo a sua perspectiva para a versão em seu idioma.

AULA 7: Ensaio para o sarau

Por se tratar de uma atividade oral, consideramos necessário ensaiar a leitura dos poemas em voz alta. Além disso, o gênero poema requer um trabalho de interpretação, entonação e identificação que deve ser explorado. Essa aula foi dedicada a esse trabalho.

Os alunos apresentaram (recitaram) suas traduções aos colegas. Os que compartilhavam os mesmos idiomas puderam ajudar com alguns ajustes finais sugeridos para as traduções. Os demais, escutavam as declamações e tentavam perceber alguma relação com o texto original. Primeiro, os alunos sugeriram ler suas traduções individualmente e depois os colegas, em coro, recitavam a resposta, o poema original em Português. Após algumas tentativas, os próprios alunos descartaram essa prática por não conseguirem encontrar o mesmo tom para realizar o coro. Decidimos, juntos, que cada poema traduzido teria uma resposta em português e que seria recitada por um outro colega, escolhido pelo tradutor. Assim, definimos que para as sete traduções dos poemas haveriam sete respostas. O processo de escolha do recitador da resposta também foi interessante: alguns escolheram por afinidade; outros, por pensar que o poema combinava com o colega, e também houve quem escolheu o poema para presentear um amigo.

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99 Trabalhamos juntos - em espanhol, japonês, mandarim e português - a respiração,

interpretação, entonação e também a emoção, que foi difícil de esconder no penúltimo dia de aula.

AULA 8: Sarau: Mário Quintana em quatro idiomas

O sarau aconteceu no último dia de aula. Decidimos realizá-lo ao ar livre, em frente ao Instituto de Letras, a fim de atrair mais público. Os participantes, além dos alunos da turma e da comunidade PPE, eram também as pessoas que passavam pelo local e paravam para ver. Foram sete poemas declamados em quatro idiomas e em português. Conforme combinado, cada aluno leu a sua versão na sua língua, e outro aluno leu o mesmo poema em português. Ao final, os presentes puderam manifestar suas opiniões e impressões sobre os poemas e as leituras nas diferentes línguas e sobre o evento.

Durante a preparação para o sarau, os recitadores passaram por todas as etapas de uma apresentação oral: nervosismo, ensaio, preparação, interação, apresentação e, ao final do evento, compartilhamento de sua felicidade pela realização do sarau. O público pôde se identificar no momento em que os colegas liam as traduções para seus idiomas e na leitura em português. Para o público que não compreendia as línguas dos alunos, os poemas recitados em espanhol, japonês e mandarim criaram outras possibilidades de interpretação com base nas performances, sentidos que eram confirmados ou desconfirmados na leitura-reposta do poema em português.

E OLHAS, ENTÃO, ESSAS TUAS MÃOS VAZIAS, NO MARAVILHADO ESPANTO DE SABERES QUE O ALIMENTO DELES JÁ ESTAVA EM TI...

A incursão pela poesia e o estudo de poemas de Mário Quintana possibilitaram aos participantes entrar em contato com poetas brasileiros, conhecer a obra do poeta em foco, trocar ideias, conhecer uns aos outros, praticar a criatividade, usar e aprimorar o desempenho na língua portuguesa e vivenciar sentidos e emoções nessa e em outras

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100 línguas: uma singela homenagem ao poeta de Porto Alegre e um toque de poesia na

vida de quem recitou e de quem parou para ouvir.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SCHLATTER, M.; GARCEZ, P. M. Línguas adicionais na escola: aprendizagens

colaborativas em inglês. Erechim, RS: Edelbra, 2012.

SIMÕES, L. J.; RAMOS, J. W.; MARCHI, D. M.; FILIPOUSKI, A. M. Leitura e autoria:

planejamento em língua portuguesa e literatura. Erechim, RS: Edelbra, 2012.

Referências

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