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CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO DOS IDOSOS VELHOS

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CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NO DISCURSO DOS “IDOSOS VELHOS”

Tatiana Cristina FERREIRA (UEL)

ISBN: 978-85-99680-05-6

REFERÊNCIA:

FERREIRA, Tatiana Cristina. Construção de sentidos no discurso dos “idosos velhos”. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 2150-2159.

1. INTRODUÇÃO

O foco de interesse dessa pesquisa é o estudo da construção e interação do discurso oral, produzidas por idosos com mais de setenta anos. Eles representam um Brasil mais sábio e mais experiente, contudo foi preciso criar a Lei nº. 10.741, de 10 de outubro de 2003 para que a eles fosse assegurada a cidadania plena.

Graças à redução da taxa de fecundidade e à queda do nível de mortalidade, passa o Brasil por um processo a que dá o nome de “envelhecimento populacional”. O IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - publicou, em 14/11/2007, que há, no Brasil, 183,9 milhões de habitantes e desse total, 19 milhões ou 10,2% da população, corresponde a idosos. Porém, dos 19 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, 14,6 milhões (76,6%) são beneficiárias da Previdência. Quando considerados os idosos de 65 anos ou mais, esse percentual eleva-se para 84,6%.

Vemos que esses dados apenas configuram um país idoso, com o qual precisamos e devemos aprender a viver. Esses cidadãos nos fazem não um povo mais velho, mas um Brasil mais confiante, mais sábio, mais experiente, formadores, construtores e defensores de idéias que construíram o atual país. A verdade é que, entre nós, as transformações sociais, principalmente nos centros urbanos, têm influído decisivamente nos hábitos familiares e alteram costumes arraigados no tempo que, repentinamente, perdem sua razão de ser, por motivos vários, entre os quais o excesso de atividades nas grandes cidades.

Gradativamente, ocorre a segregação do idoso, que não tem função na vida dos

grandes centros urbanos (IBGE- 45% das pessoas idosas concentram em: RJ, SP, MG),

e essa passa a ser aceita como um novo comportamento cultural, tolerado pela família,

incentivado pela sociedade e até admitido como necessidade, sob o argumento simplista

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de que “os mais jovens também precisam viver sua vida” ou de que “os velhos já viveram a sua”.

Assim, estudar a linguagem dos idosos tem um caráter cultural, social e psicológico, pois é sob esses aspectos que aparecem as “estratégias especiais” de organização do discurso. Essas estratégias são representadas, principalmente, por fatos que não afloram à memória, seja por uma natural ordem no arranjo dos tópicos e subtópicos que se sobrepõem com facilidade. Cabe salientar que, para muitos autores, a fala de idosos seria uma descontinuidade, uma desorganização, porém o discurso conversacional é um processo que se realiza continuamente durante a interação e só assim é identificável. É na interação e por causa dela que se cria um processo de geração de sentidos, constituindo um fluxo (movimento de avanço e recuo) de produção textual organizado, devido a um contínuo entre interação e condições de produção.

O desenvolvimento da conversa está diretamente ligado ao modo como a atividade interacional se organiza entre os participantes. Essa organização resulta das tais estratégias “especiais”, inferidas a partir de pressupostos cognitivos e culturais, tomadas durante o diálogo.

Sobre isso Brait (2003, p.221) acrescenta que

no texto verbal, não apenas o que está dito, o que está explícito, mas também as formas do dizer permitem uma leitura dos pressupostos, dos elementos que mesmo estando implícitos se revelam e mostram a interação como um “jogo de subjetividades”, um jogo de representações em que o conhecimento se dá através de um processo de negociação, de trocas, de normas partilhadas, de concessões.

Nessa pesquisa, a interação verbal é vista como uma atividade cooperativa, de acordo com Marcuschi (1986), “emergente as seqüência da troca interativa organizada”

(negociação de sentido).

Essa interação não é diferente entre idosos, que segundo Preti (1991, p.16-17), há ocorrências como: excesso de pausas e sua presença em locais absolutamente inesperados do discurso; repetições; abandono de segmentos; maior desorganização sintática; sobreposições de vozes; disfluência; assaltos e entrega de turnos compõem um quadro absolutamente normal, dentro do qual a linguagem dos idosos apresenta marcas específicas que podem ser observadas ou estudadas nos campos prosódicos, sintático, léxico e, sobretudo, discursivo ou conversacional.

Essas ocorrências devem-se ao fato da língua falada não possuir um planejamento prévio, é planejada localmente. Assim, segundo Schegloff (1981, p.73), a conversação possui três elementos fundamentais: realização (produção), interação e organização (ordem). O discurso conversacional é um processo que se realiza continuamente durante a interação e só assim é identificável. É na interação e por causa dela que se cria um processo de geração de sentidos, constituindo um fluxo (movimento de avanço e recuo) de produção textual organizado.

Dado o caráter de imprevisibilidade em relação aos elementos estruturais, o texto falado deixa entrever plenamente seu processo de organização, tornando-se possível perceber sua estrutura, bem como suas estratégias organizacionais, o que veremos nessa pesquisa.

Dessa maneira, a coerência conversacional não se dá no nível de um interlocutor

nem nas relações coesivas, mas nas relações interativas estabelecidas durante a

atividade dialógica. Assim, torna-se primordial considerar o modo de organização do

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texto, pois, as estratégias para efetivação da coerência conversacional atuam de maneira conjunta com as formas lingüísticas e podem ser considerados esquemas interpretativos.

Para analisar esses esquemas, é preciso observar como o texto está organizado.

Nesse sentido, a unidade de análise mais adequada é o tópico discursivo: assunto ou tema da interação, que se caracteriza principalmente por apresentar relações de relevância entre seus enunciados seqüenciais e por ser um dos principais norteadores e estruturadores do texto oral. Para haver entendimento entre os interlocutores, é preciso que eles sejam coerentes no que dizem e, principalmente, saibam sobre o que dizem (tópico discursivo).

Nessa perspectiva, a pesquisa busca verificar a fala de idosos e suas particularidades, pois um dos problemas mais importantes no estudo da interação de idosos é o das estratégias textual-discursivas de construção de sentido. Ao adotar-se uma abordagem interacional de base sociocognitiva, postula-se que o processamento textual, quer em termos de produção, quer de recepção, é um processamento estratégico, isto é, os participantes da interação colocam em ação um conjunto de estratégias para melhor construir o sentido.

Numa avaliação preliminar, as estratégias textual-interativas têm a função contextualizadora e fática. Muitas vezes, a digressão aparece no texto em forma narrativa, pois permite a inserção das informações no universo sociocognitivo dos idosos e facilita a interação, contato entre os participantes do ato conversacional. Essas estratégias (inserções parentéticas e digressões) estão presentes na fala de idosos e são decorrentes dos dados da memória.

Essa avaliação preliminar proporcionou a observação de certos traços recorrentes nos inquéritos, como fenômenos lingüísticos e discursivos que caracterizam a fala dos idosos. Para a execução desta pesquisa, foram selecionadas duas estratégias de alta recorrência em textos falados, quais sejam as inserções parentéticas e as digressões.

2. DESENVOLVIMENTO

O córpus é constituído pelos inquéritos do tipo D2 (diálogos entre dois informantes) nº 396, e do tipo DID (diálogo entre informante e documentador) nº. 317, pertencentes ao córpus do Projeto NURC/SP (Norma Urbana Culta – São Paulo), o primeiro, e NURC/RJ (Norma Culta – Rio de Janeiro), o segundo banco de dados. Deles foi extraído um fragmento correspondente a, respectivamente, 75 e 50 minutos de gravação. A idade dos informantes é 70 anos (DID), e 81 e 85 anos (D2).

Esses diálogos não podem ser classificados como conversações espontâneas, já que foram monitorados por documentadores, a quem coube sugerir o tema, no caso desses inquéritos, vestuário. Em todo caso, esses inquéritos apresentam as características básicas de um diálogo “natural”: neles se verifica a simetria na participação dos interlocutores (caracterizada pela alternância nos papéis de falante e ouvinte) e ocorre um engajamento efetivo dos participantes na construção do ato conversacional (há continuidade do assunto e momentos de fala do ouvinte).

Assim, o córpus é exposto a partir da proposta de Castilho (2004), que menciona três processos dessa modalidade de exteriorização lingüística:

a) Construção por ativação: processo central de construção de língua falada e

também da escrita. Nesse item trata do tópico ou assunto e suas propriedades, da

construção do enunciado (unidades discursivas) e dos marcadores conversacionais.

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b) Construção por reativação: característica da fala, representa uma volta ao já- dito, por meio da retomada ou reformulação de porções do tópico ou do enunciador.

c) Construção por desativação: é representada pelos truncamentos de palavras ou frases e pela ruptura total ou parcial do tópico em andamento.

Assim, toda conversa tem um assunto e as pessoas só interagem porque têm algo a dizer às outras, nem que sejam futilidades ou frases soltas, para preencher o silêncio.

Na conversação, os interlocutores centram-se no desenvolvimento de um tópico, pois esses o constroem cooperativamente, e ele pode ser definido previamente ou introduzido no decorrer da conversação.

O tópico discursivo possui propriedades: a primeira, centração ou focalização, os falantes falam acerca de algo que lhes é mutuamente acessível e, para tanto, utilizam referentes explícitos ou inferíveis. A centração norteia o tópico, de modo que à introdução de um novo tópico corresponde uma nova centração.

A segunda propriedade relevante é a organicidade, a relação entre tópicos sucessivos ligados a um tópico mais abrangente ou supertópico (plano horizontal) e entre os tópicos mais particulares ou localizados (subtópicos) com tópicos mais amplos (plano vertical).

O desenvolvimento dos tópicos na conversação dos idosos, diálogos gravados para o NURC, passa por um controle contínuo por parte da documentadora que realiza a gravação. Embora esse controle nem sempre seja rigorosamente obedecido, o certo é que os interlocutores recebem, ao começar, o tema sobre o qual irão conversar e põem- se a falar sobre ele. Seria o que podemos chamar de tópico principal.

O andamento da conversação, que é de esperar, gera quebras de tópico, digressões, mudanças. Mas o tópico principal da conversação volta, por meio ou não de marcadores de mudança ou de reintrodução de tópico. Às vezes, próprio informante reintroduz tópico remetendo ao assunto já tratado. Quando isso não ocorre, cabe à documentadora fazer essa reintrodução, retomando a conversação sobre o tópico proposto no início. Essa intervenção, porém, é, em geral, rara, pois o diálogo flui normalmente de um tópico para outro e somente às vezes a documentadora entra com algum marcador reintrodutor de tópico (“voltando aqui ao assunto do vestuário”; “e assim em termos de... de... de roupas... de vestuário...eh”). Assim, por exemplo, quando a conversação passou a girar em torno da gripe espanhola, o tópico permanece longamente, até que a documentadora intervém:

Doc. (...) dona A.: :... e voltando ao assunto vestuário...

éh: : como é que as crian: :ças seus Filhos: :..

éh: : :... se trajavam assim para... para todo di: :a para ir para a esco: :la num dia de fes: :ta... como era?

(L.1423-1437- inquérito 396- D2/SP)

Ex. 2. A Conversa sai dos vestidos usados em cerimônias especiais, como bodas de ouro e prata, e passa a uma longa fala sobre o como se respeitava os mais velhos, ao como os pais de hoje têm medo dos filhos.

Doc. e assim em termos de... de... de roupas... de vestuário... eh Loc. [

não... eu gosto ( ) olha... eu vou dizer uma coisa a você

Doc. [

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quando você era crian...ça...

como

é que fazia? como é que ... que que você usava?

(L.275-281 – inquérito 317- DID/RJ)

Ex. 3. O falante vinha se referindo ao problema do desmatamento de regiões próximas de São Paulo, quando da Segunda Guerra Mundial, para produzir gasogênio.

L1 então mudou

Doc. [ é capaz de voltar...

L1 mudou completamente o clima de São Paulo... e os hábitos também mudaram porque houve então... o que aconteceu...

houve a ::... inVASÃO:: de São Paulo... (por)... por por pessoas::

... não só de fora... principalmente de fora... cresceu muito depois da guerra... imigração... e::... e do Norte sobretudo do Norte... então aí mudou mudaram-se os hábitos mudou...

aquela::... eu por exemplo quando ia à cidade... mo: :ço e mesmo depois de casado mesmo depois de ter filhos da - - aliás meu filho até esta/... sempre deu/... ch/eh ch/ch/me chamava a atenção nisso - - ... mesmo quando eu vinha do interior depois de ter morado no interior eu atravessava a cidade... “T. como vai?...

T. como vai?... como vai os B. como vai?”... no centro da cidade a gente encontrava ce/cenTEnas de : :... Todo mundo se conhecia...

L2 ahn

L1 até mil nó/até mil novecentos e quarenta todo mundo se conhecia em São Paulo....

Doc. ( ) éh: :?

(L. 617-638- inquérito 369)

O inquérito D2, 396, ao esquematizá-lo, linha 617-638, percebemos que o falante, referindo-se ao desmatamento das regiões próximas à cidade de São Paulo, introduz o tópico da mudança de clima. Dele surge o condutor de tópico: mudança. Esse servirá para conduzir o discurso para uma sucessão de subtópicos encadeados: mudança de hábitos, mudança de população, mudança do relacionamento entre pessoas. O segmento termina com exemplos pessoais e um referente habitual centrado no tempo (aliás, já mencionado antes, quando o falante alude à Segunda Guerra Mundial): em 1940, todo mundo se conhecia no centro de São Paulo.

Vê-se que, aparentemente, o trecho é bem organizado. Entretanto o entendimento de sua estrutura tópica depende do ouvinte atento e com boa compreensão do contexto em que se situa a fala, porque, devido ao dinamismo da fala, verifica-se que não há linearidade na seqüência dos subtópicos: o mesmo tópico pode corresponder a segmentos que não são contíguos ou justapostos. No entanto, nesse trecho, não há ruptura, uma vez que os subtópicos relacionam-se com o tópico genérico analisado.

Contudo, o córpus centra-se nos processos de desativação, procedimentos que representam uma ruptura total ou parcial na formulação do texto, e podem ser verificados tanto no plano da construção do enunciado, como do tópico discursivo.

O processo de desativação é assinalado por dois fenômenos, a digressão e as

inserções parentéticas. A digressão constitui uma porção tópica que não se relaciona

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com o tópico em andamento ou, de acordo com Jubran (2006: 100) é a introdução de um tópico que se contrapõe a um tópico dominante.

Ex. 4. O falante está falando do como adora a juventude, seu modo usar roupas, apesar de não gostar de certas atitudes.

digo...não perdi noite de sono os criando ((fala feminina “deseja alguma coisa?”)) não...um cafezinho... não quer... M. H.?

Doc. hum...hum...

Loc. não perdi noite de sono os criando...não gastei dinheiro com (L.112-L.116- inquérito 317- DID-RJ)

Esse desvio foi motivado pela chegada da empregada, ou seja, esse tipo de digressão não apresenta nenhuma relação de conteúdo com o tópico em andamento.

O tipo de digressão a seguir não possui motivação interacional, e é caracterizado por apresentar uma relação de conteúdo entre o tópico principal e o digressivo, pode ser observado no trecho abaixo:

Ex. 5

L.1 então tinha o chapéu tinha o charlotte...

Doc. uhn uhn

L1 que era uma espé/ era um chapéu de rendas... mais ou menos caídas Charlotte... e tinha( ) usava-se também os... os:: chapéus...ahn::...

L2 com plu::mas(em tudo)

L1 é::((riu))...chapéu de palha muito comum chapéu de palha para moças e de veludo também...

L2 no teatro [(então é que)

L1 NÃO...éh éh::...a não ser para a esco::la a não ser (para ir)... era obrigatório o chapéu para uma moça...para ir à cidade ou qualquer lugar a não ser quando era as estudantes que iam para a escola et cetera....

(L.165-L.178- inquérito 396- D2)

Pode-se observar que, na explicação de Charlotte, o falante se estende numa longa digressão sobre os costumes das meninas com relação ao uso do chapéu e a rigorosidade do cumprimento desses usos.

As inserções parentéticas ou parênteses ocupam sempre uma posição intratópica, e configuram-se como segmentos que promovem desvios momentâneos do quadro de relevância tópica de uma unidade textual. Por meio dos parênteses, são explicitados dados do processamento discursivo, de forma que seja dado observar a dinâmica da atuação interacional.

Por esse motivo, as inserções parentéticas não podem ser consideradas como desvios descartáveis do texto, visto que a contextualização do que é dito, orienta a compreensão do ouvinte-falante.

O inquérito 396-D2 é um diálogo entre dois informantes e uma documentadora

(irmãos: homem – 81 anos, viúvo, dentista; mulher – 85 anos, viúva, professora), sob o

tema vestuário e diversões. Nesse inquérito, as inserções parentéticas são dirigidas ao

ouvinte e têm por objetivo levá-lo a participar do seu e no seu diálogo.

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Ex. 6

L1 foi foi bárbara foi medo::nha a gripe...éh:::as pessoas eram::...até::enterradas até semi-viva<s...

alguns semi-vivas... e diziam então que nos hospitais eram tan::to tanto tanto tanto que dava-se o chá da meia-noite...((risos do documentador)) ouviu falar no chá da meia-noite?

Doc. ouvi falar esse termo?

L1 [era o chá da meia-noite...

(L.1303 – 1310, grifo nosso)

Ex. 7

L1 Sabe o que é baeta?

Doc. [(é um) tecido (escuro)?

L1 [é uma lã peluda...

Doc. ahn:::...

(L 1805-1808, grifo nosso)

Além do uso da inserção parentética, utiliza uma paráfrase metalingüística para melhor explicar o termo utilizado.

Observa-se que os interlocutores estão preocupados com a organização das informações no diálogo, com sua compreensão, pois realizam em conjunto, mais do que um simples diálogo: um depoimento sobre o passado, regulado pela compreensão da documentadora. Isso se deve também, a atenção dada pela documentadora, há uma real interação-verbal.

No inquérito 317, NUR/RJ (informante: mulher – 70 anos, carioca, médica), com tema vestuário, as inserções parentéticas aparecem como auto correção do que se diz.

EX. 8

Loc. bom...eu sou...nessa...engraçado...eu sou um temperamento muito engraçado... porque pouco... antes da...da viagem...eu já ponho tudo que é necessário... eu tenho uma:...uma bolsinha onde eu tenho uns apetrechos de toalete...então...ali boto..logo depois o pijama...roupão... eh... uma roupa eh interna e sapato no fundo...

(L.37-42, grifo nosso)

Ex. 9

...porque meu pai era louro...louro...loiro...loiro é porque eu li aí um livro de ... por tradução portuguesa...que eles dizem loiro... nós dizemos louro...

(L.525-527, grifo nosso)

Já no exemplo 6 e 7, do inquérito 317 do NURC/RJ, há uma inserção parentética gradativa do termo pouco usado ao mais usado.

Observa-se a necessidade de esclarecer um termo que acredita ser ultrapassado

para sua ouvinte. Isso decorre da insegurança do idoso manifestada nas autocorreções

constantes, na aflitiva refeitura da frase.

(8)

O tópico vestuário, tema proposta aos dois inquéritos, presta-se a interrupções fáceis, introduzindo-se outros tópicos que fazem alusão aos costumes, em geral aos princípios morais:

Ex. 10

L1. no tempo de: : calor não casaco L2 [no calor tinha L1 da mesma fazenda casaco ( )

L2 [blusas: :...aquelas: : blusas... de CAssa que a gente chamava de organdi: :...não é?... blusas brancas...

mas: : : éh: :...

L1 [NÓS rapazes... então (vamos lá já que está-se a falar) em toalete... era: :... nosso ponto ficava na rua Direita aLI al/ali na esquina da: :... da: : da rua José Bonifácio... rua José Bonifácio que encaixa na rua Direita justamente... ali era o ali tinha um tinha tinha o: :... a drogaria... Drogaria Amarante... e ali o bo/ o bonde (segue)o bonde se/... era um ponto de bonde o bonde parava ali... então nós rapazes ficávamos ali para ver as moças descer... para ver dois dedos de perna das moças... nada mais do que dois dedos porque está/estava (oculto) ((riu))

L2 é: : hoje é diferente...

(L.190-207- inquérito 396- D2, grifo nosso)

Em determinado momento, o tópico vestuário é interrompido para descrever-se um fato que tem implicações morais. L1 interrompe com um marcador de introdução de tópico (“vamos lá já que está-se a falar”) e passa a descrever uma cena de seu tempo de moço, em que os rapazes se agrupavam no ponto de bonde da Rua José Bonifácio, só para ver as moças descerem, ocasião em que, levantando levemente o vestido, mostravam “dois dedos de perna”. Trata-se da digressão baseada no enunciado precedente

1

, o fragmento refere-se ao enunciado precedente, existe uma relação de conteúdo conservada com o enunciado principal, assim não existe a ruptura tópica que caracteriza a interação. O fato inserido tem um objetivo crítico direto, porém L2 é quem sugere como um tópico incorporativo, valendo-se de implícitos conhecidos pelos interlocutores e pela documentadora.

Ex.11

bonito... de modo que houve uma... uma fase que eu estranhei essa coisa de ...de eles não usarem paletó... nem que seja um blaser... uma coisa... nem isso... porque... ah... houve uma ... uma época aí que me espantava... porque eles iam mesmo em manga de camisa... mas isso passou... hoje em dia acho que é válido e ...

Doc. agora... na época assim... por exemplo... de faculdade... sua Loc. olha... eu sempre respeitei muito os mais velhos... e sempre

fui muito irreverente... muito moleca... muito levada...

piadista e ....mas eu por exemplo respeitava os mais velhos... quando eu fui trabalhar no bromatológico... tinha um diretor velhinho... quando ele chegava... eu me levantava... e me espantava colegas mais novas do que

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eu... que estavam sentadas em cima... que fosse babyzinha não... heim...

pouco mais mo...ca do que eu... talvez uns dez anos mais... mas rece...

mais nova na casa... estavam sentadas... porque mesa de laboratório é alta... ela estavam sentada ali... chegava o velhinho diretor... a menina continuava sentada... sabe que aquilo... eu sempre respeitei os mais velhos... isso... então eu achava assim uma desconsideração da parte dela... se

(L.235-L247- inquérito 317- DID)

O tópico vestuário é interrompido para descrever a falta de respeito aos mais velhos, tendo um objetivo crítico com relação ao comportamento das pessoas de hoje.

Esse caráter didático do discurso do idoso ocorre ao longo das duas gravações, que se mostram repletas de inserções e digressões, devido o desejar ser mais claro e ao fato do idoso mostrar como no seu tempo eram rigorosos no cumprimento de seus compromissos e regras.

Assim, o idoso na ânsia por ser ouvido, entendido e ter participação do interlocutor, cumpre seu papel, até certo ponto didático, de explicar os termos, palavras, expressões desconhecidas de seu ouvinte e trazer fatos de sua lembrança embasados nesse enunciado de explicação, muitas vezes tem um objetivo crítico direto.

3. CONCLUSÃO

Nos dois inquéritos, as inserções parentéticas co-acontecem com as digressões de forma que o interlocutor acione seu frame e chegue ao sentido. Em toda a conversação, os falantes, mantêm o desenvolvimento textual em torno de um conjunto de referentes comuns que estabelecem pontos de convergência da atividade verbal.

Desse modo, o analista busca detectar o elemento focal nos segmentos textuais, elemento este que o auxilia a perceber quando os interlocutores centram a atividade em um ponto de um conjunto, resultante de uma interdependência semântica (associativa, exemplificativa, implicativa) ou pragmática.

Dessa forma, a digressão deixa surgir no texto outro domínio de relevância. Ao suspender temporariamente o tópico central, cria uma cena em que o foco é direcionado para um propósito de natureza pessoal (digressão lógico-experiencial), contextual (digressão interpessoal incidental e digressão interpessoal imediata) ou textual (digressão retórica didática e digressão retórica persuasiva). No caso desses inquéritos, há uma predominância no foco textual.

Com relação às inserções parentéticas, que focam no assunto, no falante, no interlocutor e na situação de interação verbal, há uma predominância no interlocutor/

assunto. É possível, assim, perceber que tanto as inserções como as digressões aprecem em número maior quando o falante centra-se no interlocutor/assunto/ contexto, sendo esses os referentes no diálogo.

Para que essas estratégias discursivas sejam sentidas como coerentes, é preciso observar a atividade em curso: o foco de um elemento depende do interesse e necessidade do interlocutor, podendo ser determinada somente no contexto situacional.

Isto é, por meio do contexto, da interação e da subjetividade, as estratégias discursivas

(digressões e inserções) entrelaçam o texto de forma a mostrar que a relação com o

outro é que traça o caminho (tópico) a ser seguido. O contato, a relação com o outro cria

o fluxo conversacional de forma coerente e viva.

(10)

Não há propriamente a descontinuidade textual, pois na interação um deve sentir o outro de forma a complementar, explicitar, esclarecer para que não haja falta de entendimento. Assim, as estratégias não provocam rupturas ou descontinuidades no fluxo conversacional, pois os falantes se utilizam de recursos coesivos como repetição e marcadores conversacionais (e, mas, então, sabe, né, agora) para volta ao tópico prévio.

E são essas marcas formais que permitem precisar a identificação e delimitação de um tópico discursivo. Portanto, são essas estratégias que dão vivacidade ao jogo textual- interativo e permite um envolvimento maior dos participantes.

4. Notas

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Dascal e Katriel, 1982:82.

REFERÊNCIAS

BRAIT, B. O processo interacional. In: PRETI, D. (Org.). Análise de textos orais. São Paulo: Humanitas, 2003, v.1, p.215-244.

CASTILHO, A. T. A língua falada no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2004.

DASCAL, Marcelo; KATRIEL, Tamar. Digressions: a study in conversational coherence. In: PETÖEFI, S. Janos. Text versus Sentence. Hamburg: Buske, 1982, p.76- 95.

JUBRAN, C. C. A. Parentetização. In: ___________(Org.). Gramática do português falado. Campinas: UNICAMP, 2006, v.I, p.301-357.

MARCUSCHI, L. Análise da conversação. Série princípios. São Paulo: Ática, 1986.

PRETI, D. A linguagem dos idosos. São Paulo: Contexto, 1991.

SCHEGLOFF, E. Discourse as na interactional achievement: some uses of ‘uh huh’ and

other things that come between sentences. In: TANNEN, D. (Org.).Analysing

discourses: text and talk. Washington: Georgetown University Press, 1981, p.71-93.

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