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CANTANDO E DANÇANDO A CANÇÃO SAGRADA DA TERRA

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Academic year: 2021

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CANTANDO E DANÇANDO A CANÇÃO SAGRADA DA TERRA

Autora: Mariclécia Bezerra de Araújo1 Orientadora: Maria Brígida de Miranda2

Mergulhada em um universo feminista, e inspirada pelos conceitos vistos em sala de aula durante o Seminário Temático I: Introdução ao Teatro Feminista: dramaturgias, encenações e ativismos, ofertado pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro – Mestrado e Doutorado (PPGT) UDESC;

acabei despertando em busca de uma relação do termo ecofeminismo com uma prática cênica realizada na disciplina. Nesta comunicação, portanto, desaguo no mito de Micaela, índia fugida e caçada a dentes de cachorro e cascos de cavalo na época da colonização na região do Seridó Potiguar no sertão Rio Grande do Norte/RN. Percebi a partir de um trabalho com o sagrado feminino e o teatro ritual, o surgimento do arquétipo da mãe terra, pois ao acessar minhas imagens oníricas, dei vida a uma mulher que se harmoniza com a terra, que se conecta consigo mesma, redescobrindo nas camadas da alma, uma dança mística que protege a natureza das ações destruidoras do humano. As abordagens de Campbell (2014), Estés (2012), Daniela Rosendo (2012), entre outros, me norteiam numa relação entre o sagrado feminino e o ecofeminismo;

considerando estas duas vertentes como um mecanismo de ligação ao elo feminino, que nos faz (re)descobrir a mulher que nos habita, guiada pelas ancestrais, que nos abraça em sua totalidade.

Assim, este trabalho revela em si um mergulho cíclico no universo da figura feminina.

Palavras-chave: Sagrado Feminino, Ecofeminismo, Arquétipos, Mito.

Introdução

A cena ENTERRASER3 nasceu de um canto, um mantra, instrumentada por um tambor, que vagarosamente percorreu o espaço, sacralizando as folhas, o vento, a água e os caminhos. A mãe terra: nordestina/sertaneja/seridoense chegou entoando um canto harmonioso, mas em um tom rude e bravo, ao ver a vida que ali se reverberava sofrer, afirmou:

Sou como as plantas da terra – o cardeiro, o xique-xique... Elas é assim pra resistir à secura do sertão. Como podiam ser macia, delicada, se tem de viver num chão duro e esturricado,

1 Artista docente, professora de Arte, graduada em Letras (FIP/PB), mestre em Linguagem em Ensino (UFCG), graduada em Teatro (UFRN/RN) e doutoranda em Teatro (UDESC/SC). Rio Grande do Norte/RN: BrasilEmail:

clerisrn1@hotmail.com

2 Professora Associada da Universidade do Estado de Santa Catarina, graduada em Educação Artística pela Universidade de Brasília (1993), Mestre em Artes pela University of Exeter (1995) e doutora em filosofia pela La Trobe University (2004). Santa Catarina/SC: Brasil. Email: brigidaudesc@gmail.com

3 EmTerraSer é uma cena que sacraliza uma proteção profunda a Pachamama. Ao firmar pés no chão, dança-se em busca do sagrado feminino por meio da abundância e ancestralidade, e, ao renascer por meio do estopim dourado da terra, enfeitiça-se com cânticos, a alma da mulher que nos habita.

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2 sem água que amoleça o barro donde tiram seu sustento? – Mesmo assim sou eu – enfrento a secura de meus dias, sem refrigério de palavra amiga, sem ajuda de um ombro ou mão que me sustente nas fraqueza, que me acarinhe a cabeça cansada de pensar, de padecer as agonia de ta só, de viver só o resto de meus dias4 (RAMALHO, 2010, p. 26).

A terra não pode ser macia, nem delicada quando padece frente ao egoísmo humano. Neste processo, busquei uma relação com a matriz arquetípica da velha La Loba; e da índia Micaela5- cabocla braba caçada a dentes de cachorro e cascos de cavalo na época da colonização na região do Seridó Potiguar no sertão Rio Grande do Norte/RN. A índia Micaela surge com muita força neste processo, chegando, sobretudo, pelas vias da ancestralidade.

Foto: João Vitor Ferreira6

Nesta perspectiva, o trabalho teve como mote criador o pressuposto do ecofeminismo, ungido ao sagrado feminino que em mim já se reverberava; e isso me permitiu criar uma dramaturgia, fomentada, principalmente por: Lourdes Ramalho, dramaturga Seridoense erradicada na cidade de Campina Grande/PB. Através da peça teatral: As velhas; pelo conto: A Mulher Esqueleto citado no livro de Clarisse Pinkola Estés: As mulheres que correm com os lobos; e por minhas próprias relações, mediante uma reconexão com a mulher que existe em mim; dei vida à dramaturgia que norteou a encenação. Assim, esta comunicação relata o processo vivido durante a disciplina de Teatro Feminista/UDESC-2019.

A Feminilidade e sua Política Sagrada

4 Primeira cena de EnterraSer. (trecho extraído da dramaturgia: As Velhas de Lourdes Ramalho).

5 A referência a Micaela está em: MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão do Rio Grande do Norte (século XVIII e XIX). Recife, 2013.

6 João Vitor Ferreira Nunes é aluno do programa de Pós- Graduação (UFESC). Ele foi responsável pelo registro cênico.

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Quando penso em árvores, penso em mulheres. Penso nelas sendo cortadas e arrancadas de suas raízes, de seu lugar tão somente concedido pela natureza. Para mim, o corpo da mulher é como uma árvore: frondosa, robusta, fértil. Por exemplo:

As velhas matriarcas, as avós, são as raízes destas árvores. Elas que nos sustentam com sua força incomparável e, nos fazem, destemidamente, enfrentar a fúria humana. Sem elas, nós não conseguiríamos aprender como sustentar nosso corpo, que escorrega aos se equilibrar, mas existe um liquido que nos fortalece e que nos une para sempre – a seiva. Esta seiva se iguala ao nosso sangue, oxigenando-nos como unas.

No caule ficam as mães, e elas vão nos sustentando com muita força, sem perder a força vibracional que nos seguram para que possamos nascer em paz e harmoniosamente. As folhas são as verdes jovens meninas. Elas que nascem com a alegria esmeralda em seus olhos, carregando o sabor da juventude no ar. Pena elas terem que amadurecer rápido demais, caindo uma atrás da outra com o sopro do vento; voando sem direção e tombando em mãos maliciosas. Delas sobram apenas seus frutos, e eles mal nascem e tornam-se a escoria de uma nação.

Este pensar sobre como podemos nos assemelhar a uma árvore, me leva a cena, quando busco uma dança cíclica da vida em equilíbrio com a natureza. Gestos nascem de uma sintonia do meu útero com a terra, circulando sobre o ar a partir de uma energia mítica, ancestral, pertencente às antigas deusas. Girar em ciclos constantes assevera Estés (2014), é dispor de um significado tão potente e deslumbrante, que quanto mais dançamos, mais nos reconectamos aos mistérios da criação.

Acessando o arquétipo da velha La Loba, a mulher selvagem original, senti um encontro com a natureza selvagem feminina, tocada pelo sagrado que há em mim, pois a pelves, região do corpo esquecida por tantas mulheres, é justamente, segundo Estés (2014), o lugar perfeito para a mulher morar, ao lado de seus óvulos, de suas sementes femininas.

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4 Foto: João Vitor Ferreira

A dança em si celebra uma oração e guia o corpo selvagem de volta ao lar, para que ele busque forças diante de tais enfermidades psicossomáticas existentes neste plano terrestre. Este ritual me leva a acreditar na possibilidade de criar uma energia que proteja a natureza, levando-me a sentir uma forte presença de união entre meu ser e a ecologia.

Para Daniela Rosendo, em sua dissertação sobre o ecofeminismo, a partir dos pressupostos de Karen Warren, as mulheres possuem uma reconexão muito forte com a natureza, sendo elas os seres mais afetados pela degradação ambiental. São as ecofeministas e sua filosofia ambiental as mais responsáveis em preservar os cuidados com a terra, e com outros seres que dela fazem parte.

Assim, Rosendo pautada em Warren, nos diz:

A filosofia ecofeminista, portanto, baseia-se: 1) no feminismo; 2) na ecologia e no ambientalismo; e 3) na filosofia, com sua análise dos sistemas humanos de dominação injustificada, o que a autora chamada de “ismos” de dominação. Considera-se que tal dominação não é justificada, tampouco inevitável. (ROSENDO, 2012, p.37).

Por meio de sensações que nos ligam a uma determinada força é imprescindível resgatar uma politica de fomento que cuide da premissa filosófica que tais ecofeministas defendem. Não é só promover uma reflexão numa cena, é atravessar tais saberes, os fazendo rever os posicionamentos perante as existências que fazem parte do nosso ecossistema. Em minha cena, busco olhar o ser humano e acionar nele o botão que o liga a natureza. Pois é preciso lutar, assim:

Dizem que o homem é que constrói o mundo – constrói e destrói também, nessa sede de botar pra baixo, de descontar, de ser o salvador, o herói... E lá se vão eles, e muitos nem volta; vai-se o marido, vai-se o pai, vai-se o filho... Fica as mulher, na espera... heróis...

heróis que nem se importam com as mãe que chora, com as noiva que suspira, com os filho

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que pode ficar na orfandade... Mas ai a gente levanta a cabeça e recebe nos peito toda a desgraça que possa acontecer... a gente cria coragem e enfrentar tudo: a compaixão ou o abandono; a bênção ou a maldição – mas a gente luta, ah de se lutar sempre....(RAMALHO, 2010, p. 34).

A cena relatada acima lamenta a desumanidade do homem frente a suas obrigações. A mulher enfrenta tudo: solidão, medo, abandono, buscando em meio às diversas opressões sexistas, meios para sobreviver. Nesta leva, mantem relações diretas com o divino, com as feminilidades que lutam para se livrar das amarras sociais que as oprimem de todas as formas.

Foto: João Vitor Ferreira

Em EmTerraSer há uma ligação com as deusas e o sagrado feminino, pois o próprio ato de rezar, faz parte do lamento da mulher nordestina. Elas são as hereges, as rezadeiras que somem das igrejas e vão as matas orar, lavar roupa, acender fogueiras e dançar para a lua, agradecendo pela plantação, pela terra que nasce a cada amanhecer. Elas são a resistência, a negação da sociedade, a bruxa temida e renegada.

Foto: João Vitor Ferreira

As hereges femininas que escaparam das amarras masculinas, segundo Federici (2017, p.

199) são nossas únicas fontes de informação. De acordo com esta autora, “ao longo dos séculos XVI e XVII, as mulheres perderam terreno em todas as áreas da vida social”. Foi a maior perda do

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corpo feminino. A metáfora do terreno citado pela autora nos revela que, além de perder seu direito a sua própria vida, perdeu também o respeito enquanto ser vivo atuante deste universo. Para os homens, as mulheres não mereciam salários, empregos, voz em decisões dentro da comunidade, podendo perder até a guarda de seus filhos. Elas eram insignificantes.

Ainda de acordo com Federici (2017), o clero foi o maior responsável na guerra contras às mulheres. Criou uma nova ordem que destruía a autonomia feminina, arruinando ventres por onde passasse. Dentro desta premissa, determinou que muitas mulheres fossem queimadas, a partir do viés da inquisição, afirmando que elas estabeleciam relações com o demônio e outras formas de acontecimento. A única forma de extinguir a pobreza e a heresia no mundo; era destruindo o único veiculo que concebia a vida – o ventre. Nesta concepção, a heresia foi um movimento consciente que tentou criar uma nova ordem social. Os hereges desejavam a liberdade de expressão cultural e religiosa, aspirando à democratização acima de tudo, pois,

[...] Denunciavam as hierarquias sociais, a propriedade privada e a acumulação de riquezas, e difundiu entre o povo e a concepção nova e revolucionaria da sociedade que, pela primeira vez a Idade Média, redefinia todos os aspectos da vida cotidiana (o trabalho, a propriedade, a reprodução sexual e a situação das mulheres), colocando a questão da emancipação em termos verdadeiramente universais (FEDERICI, 2017, p. 70).

Quando era menina e nas aulas de catecismo, aprendi que hereges eram as pessoas que não amavam a Deus. Pessoas más, que praticavam bruxaria e que blasfemavam contra a igreja e os padres. Nunca imaginei que eles fossem um sistema político de repressão social, destinados a mudar as regras sociais e as perversidades religiosas. Passei muito tempo da minha vida brincando de ser um herege, sem saber o que era um. Gostava de desafiar a família e os amigos quando tais brincadeiras me distraiam.

A verdade era que eu me sentia melhor com o fato de querer ser uma bruxa, do que uma religiosa beata. Minha mãe me castigava cada vez que soletrasse a palavra herege, e me fazia pedir perdão a Deus, diariamente. Engraçado como a mente infantil funciona sem receio frente a tais ordens, porque eu pedia muito perdão a Deus, mas não me sentia culpada; pelo contrário, minha relação com Deus nunca teve nada a ver com culpas ou castigos. No fundo da minha alma, o sermão católico me incomodava, e eu sempre duvidava do que eles falavam na igreja, pois mesmo com crises de consciência, devido a duvidar de tais hierarquias, não me sentia errada.

Participei muito de grupos pastorais, mas nunca me acostumei com o que lá acontecia.

Tentei me acostumar ao fato de ser normal o poder da igreja frente às outras religiões e outras

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formas de poder. O fato de acolher mais ricos que pobres, de discriminar homossexuais e pessoas deficientes, ou seja, o fato de nunca acolher e sempre se favorecer em cima do próximo, destruiu meus sonhos de jovem pastora. Afastei-me, mas não neguei todo o aprendizado que lá obtive. Foi na igreja onde conheci a arte, a partir da paixão de cristo, e comecei a atuar. Conheci ótimas pessoas, amigos leais, viajei com eles pra encontros religiosos e entendi fortemente minha relação com o divino quando sai de lá.

O Deus no qual eu acreditava não habitava aquele lugar. Ele morava na natureza, no ar, na água, na força do meu pensar. Na minha intuição e no poder de sentir minhas percepções femininas.

Meu Deus era uma Deusa; uma força assexuada que se metamorfoseia sem distinções. Quando entendi isto, senti o véu de Maia cair dos meus olhos e passei a enxergar melhor a vida e a mim mesma.

Assim, essa forte relação do feminino com a metáfora da mulher árvore, da existência de uma politica ecofeminista, e do fato de sermos mais severas e resistentes frente aos dogmas religiosos de opressão, demostram como podemos fazer uma arte que alcance os horizontes de expectativas e fortaleçam essas premissas. Precisamos resgatar as relações sagradas entre as mulheres, revigorando os laços que nos unem, sem distinções alguma.

Foto: João Vitor Ferreira

Ouvindo o Chamado: a profundidade da alma feminina

Eu nasci num silêncio escuro e frio. Cresci calada, afastada do que eu gostaria de dizer, e me tornei adulta, pronta para ser o que eles queriam que eu fosse. O silêncio me conduziu muito bem.

Educada para servir, para nunca sugerir, prestando sempre atenção para não ser chamada de burra.

Calei-me, mas dentro de mim gritos ecoavam de agonia; e por isso, deixei um deles sair, ouvindo o chamado para um despertar.

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Não foi fácil dar voz a mim mesma. Ficar em silêncio não traz liberdade, porém, permite- nos sobreviver. Então, cansei de sobreviver, e tive um encontro com o caos que me habitava, deixando-o assumir as rédeas do meu destino.

La Loba, a velha. Aquela Que Sabe, está dentro de nós. Ela viceja na mais profunda alma- psique das mulheres, a antiga e vital Mulher Selvagem. A história de La Loba descreve sua casa como aquele lugar no tempo no qual o espírito das mulheres e o espírito dos lobos se encontram — o lugar onde a mente e os instintos se misturam, onde a vida profunda da mulher embasa sua vida rotineira. É o ponto onde o Eu e o Tu se beijam, o lugar onde as mulheres correm com os lobos (ESTÉS, 1999, p. 25).

Encontrar La Loba e a deixar vicejar aos meus ouvidos, despertando meus próprios mitos adormecidos, foi essencial para que eu mesma me reconectasse a mãe terra – Pachamama. Quando a deixei entrar, o arquétipo da velha se reverberou de tal forma que a inspiração para a criação da dramaturgia foi registrando uma escrita que misturava feminismo e natureza, ou seja - ecofeminismo. Poetizar este caos me levou a certos questionamentos sempre que tocava o solo nos ensaios. Que dor seria esta? Por que esta conexão com a natureza despertou em mim um corpo inquieto e reflexivo? Por que falar disto?

Nisto, me vinham pensamentos:

Eu senti a alma afundar nas profundezas escuras do meu ser; rodopiando feito fumaça, se espedaçando pra todos os lados, devido à dor que sentia. Deixei que ela adoecesse todo meu o corpo, deixei ela virar a fumaça que tanto queria...(trecho da dramaturgia de EnTerraSer).

Foto: João Vitor Ferreira

Reacender a chama dos mitos podem responder as perguntas de nosso consciente/inconsciente. Como afirma Campbell (2014, p.58), a nossa “miologia tem a ver com a

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sabedoria da vida”, tem a ver com nossa integridade enquanto seres atuantes, pois o mito nos coloca em uma posição de confronto e nos leva a descobrir os mistérios escondidos no mais profundo de nosso inconsciente.

Por isso reviver mitos e realizar rituais é uma questão inerente ao ser humano. Por mais que a sociedade levante-se contra tais referências de nossos ancestrais, em algum momento, o mito se manifestará, cabendo a nós mantê-los vivos. Devemos tentar alcançar a transcendência, pois “o segredo do mito é ensiná-lo a penetrar no labirinto da vida de modo que os seus valores espirituais se manifestem” (CAMPBELL, 2014, p. 122).

A partir disto, escrevi:

Agora é continuar, acreditar que esta terra renascerá a cada extinção. Mesmo que eles nos queimem, que nos estraçalhem como cristais, que usurpem nossos lugares, arruínem com estorvo nosso ventre e nos façam chorar sangue, eu vou continuar me renovando. Nós vamos. Nossas lágrimas vão nos renovar. Cada humano que nasce é um descaso no corpo do outro. E a de se beber dessa fonte mágica para sempre, porque somos o estopim dourado desta terra e a magia renascerá, mudando de cor, de formato, e afirmando mudança. Cada ser que nasce traz em si uma Deusa, ou um Deus responsável. Hoje uma me alimentou, amanhã pode ser você. Não desperdicem a minhas lágrimas. (trecho da dramaturgia de EnTerraSer).

As imagens primordiais nascidas da força feminina fazem dela um ser capaz de equilibrar as formas que se projetam na mente. É através desse encontro consigo mesma que ela entrará em estado de preservação do próprio ser, sendo ela um recipiente mágico que controla sua feminilidade.

Deixar-se levar pela simbologia dessa relação com o mito lhe ajudará a traduzir suas metáforas, aproximando-a do autoconhecimento.

Foto: João Vitor Ferreira

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Conclusão

Prestar atenção aos símbolos que se apresentam pode ser fundamental para as revelações diárias. Nosso mundo interior exige de nós certos cuidados na hora de nos investigarmos. É um espaço que exige paciência acima de tudo, é uma escuta cuidadosa, porque estamos lidando com a nossa verdadeira essência e, ser fiel a ela, é uma questão de tempo.

É importante entender que a mulher, segundo Estés (2014) pautada nas afirmações de C. G Jung, possui uma natureza psíquica em que a Mulher Selvagem7 deve atuar como um instrumento regulador. É ela que auxilia os instintos femininos, lhe mostrando que sua sobrevivência depende deste contato entre mente e espírito, pois ao romper este vínculo, ela entra num estado onde seus ciclos naturais são perdidos, esquecidos, contidos nos confins de seu universo.

Esta cena me levou a acreditar na potencialidade do teatro ritual8 como um lugar de possibilidades, de encontros, de parcerias. A chama permanece acesa, iluminando novas descobertas que se fundirão em novos processos da busca pela autotransformação. Renascer como uma atriz que apoia o ecofeminismo é um desafio crescente de ser árvore, de ser terra, de ser lua, de ser sol e chuva, de me transformar através dos elementos, pois somos parte integrante deste ciclo que não cessa nunca de renovar-se. Assim, encerro cantando dádivas a Pachamama.

Um dia eu perguntei a Wiracocha De onde eu vim? Quem eu sou? Pra onde vou?

E ela me deu a resposta mais linda, Quem alguém podia dar ao seu amor,

Eu vim com a terra, Eu vim com o vento,

Eu vim as águas,

O amor me chamou, o amor me chamou...

Eu vim com o fogo, Eu vim com tempo, Eu vim com aves, Eu sou o amor, eu sou o amor...

Nina iacoara pachamama aê Nina iacoara pachamama aaá

Nina iacoara pachamama aê Nina iacoara pachamama...

7 A Mulher Selvagem como arquétipo é uma força inimitável e inefável que traz para a humanidade um abundante repertório de idéias, imagens e particularidades. O arquétipo existe por toda a parte e, no entanto, não é visível no sentido comum da palavra. O que pode ser visto dele no escuro não é visível à luz do dia. (ESTES, 1999, p. 25).

8 “O teatro ritual surge de uma ação mágico-simbólica que é realizada pelo performer e que redimensionada no tempo e no espaço na presença de um observador, que participa do ato ritualístico. A proposta do teatro ritual foi sistematizada ao longo de 10 anos de pesquisa pelo Arhhétypos Grupo de Teatro da UFRN” (HADERCHPEK, p. 12, 2021). Eu sou

integrante deste grupo.

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Foto: João Vitor Ferreira

Referências

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2014.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. As mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

FEDERCICI, Silvia. Calibã e a Bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução:

Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.

HADERCHPEK, Robson. O Teatro Ritual e os Estados Alterados de Consciência. São Paulo, Giostri: 2021.

MACEDO. Helder Alexandre Medeiros de. Outras famílias do Seridó: genealogias mestiças no sertão do Rio Grande do Norte (século XVIII e XIX). In: OS PRIMEIROS TEMPOS: NATIVOS, CONTATOS E MISTURAS. p. 87-113. Recife, 2013. p. 360. Tese. Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).

RAMALHO, Lourdes. As Velhas. Campina Grande: Bagagem, 2010.

ROSENDO, Daniela. ÉTICA SENSÍVEL AO CUIDADO: Alcance e limites da filosofia ecofeminista de Warren. In: FEMINISMO, GÊNERO E ECOFEMINISMO. p. 25-37. Florianópolis, 2012. p.

155. Dissertação. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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Abstract

SINGING AND DANCING TO THE SACRED SONG OF THE EARTH

Immersed in the feminist universe and inspired by concepts presented in class during the Thematic Seminary I: Introduction to the Feminist Theater: dramaturgies, performances, and activisms, offered by the Postgraduate Program (Master and Doctorate) in Theater (PPGT) of the State University of Santa Catarina (UDESC); I awakened looking for a relation between the ecofeminism term with a scenic practice performed in class. In this paper, I land on the myth of Mikaela, a runaway and hunted Indian for dog teeth and horse hooves in the colonization era in the Seridó region of the state of Rio Grande do Norte, Brazil. From works about the sacred feminine and the ritual theater, I realized the appearance of an archetype of mother earth because by accessing my oneiric images, I gave life to a woman who harmonizes with earth and connects with herself, rediscovering in layers of her soul a mystical dance that protects nature from human destructive actions. The approaches of Jung (2000), Éstes (2012), Vandana Silva (2003) and Daniela Rosendo (2012), Federici (2017) guided me through the relation between the sacred feminine and ecofeminism; considering these two sections as a linkage mechanism to the feminine link, which enables (re)discovering of the woman in us, guided by ancestors that embrace us in their totality.

Thus, this work reveals a cyclical dive into the feminine universe.

Keywords: Sacred feminine. Ecofeminism. Archetypes. Myth

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