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O PENSAMENTO VISCERAL DE MICHEL MAFFESOLI 1

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Academic year: 2021

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O PENSAMENTO VISCERAL DE MICHEL MAFFESOLI

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THE VISCERAL THINkINg OF MICHEL MAFFESOLI

Eduardo Portanova Barros* Um dos últimos livros publicados pelo sociólogo francês Michel Ma- ffesoli no Brasil, “A república dos bons sentimentos” (Iluminuras/Itaú Cul- tural, 2009, 96 p.), é fiel ao seu estado de espírito crítico. Sim, Maffesoli, o teórico da Sociologia Compreensiva e do imaginário, também é crítico. E por que não? O “compreensivismo” em Maffesoli é o de não julgar a nature- za dos fatos sociais. Não quer dizer, com isso, que ele tenha de se anular ou se alienar criticamente. Esta é uma primeira impressão que o livro nos causa.

Isto é, o de haver uma possível contradição entre os termos “compreensivo”

e “crítico”. A crítica, na verdade, faz parte do universo maffesoliano, que conhecemos por meio de seus mais de 20 livros publicados no Brasil, entre eles “O conhecimento comum”, “No fundo das aparências” e “A transfigu- ração do político”.

Para além de uma contradição, poderíamos ver na posição de Maffe- soli o “contraditorial”, algo orgânico, um ensaísmo crítico, uma espécie de revolta contra o politicamente correto que ele parece sentir dentro da sua natureza e que se transforma, por isso mesmo, em um trabalho – a exemplo de sua obra – autoral. Conforme Teixeira Coelho, o curador do Museu de Arte de São Paulo (e responsável pela direção da Coleção Os Livros do Observatório da Editora Iluminuras, que publicou o livro), “este é um Ma- ffesoli diferente”. Mas nem tanto, poderíamos acrescentar.

De fato, é diferente no sentido de fazer deste livro uma espécie de desa- bafo. Se ao longo de sua obra Maffesoli criticava, no decorrer dos livros, com frases esparsas ou na introdução ao assunto, os intelectuais que não aceitam uma nova forma de fazer ciência, forma nova baseada na já mencionada So- ciologia Compreensiva ou na chamada Sociologia do Cotidiano, da qual seria o fundador, agora ele parece ter contra-atacado. Deixa de lado o aprofunda- mento teórico para responder, ainda com elegância e erudição inegáveis, as críticas que diz receber. Fala, por exemplo, da má reputação do seu livro “A sombra de Dionísio: contribuição a uma sociologia da orgia”, nos anos 1970.

* Pós-doutorando PNPD/CAPES e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos. E-mail: eduardoportanova@hotmail.com

1 Resenha da obra MAFFESOLI, Michel. A República dos Bons Sentimentos. Tradução de

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Segundo ele, fora acusado de frivolidade. Mas se defende afirmando que o assunto tinha um fundo prospectivo, isto é, apontava para o futuro, o que, hoje, se confirma nos fenômenos sociais “orgiásticos”, nos shows de música popular, nas “raves”, nos eventos esportivos como a Copa de Mundo de Futebol e, por que não nos encontros religiosos e nas fofocas políticas!

Este é um Maffesoli diferente, sim, mas nem tanto (reitero). A diferença é que, até então, não escrevera um livro inteiro, do início ao fim, criticando seus opositores. Mas a crítica sempre esteve lá nos livros que publicou, só que agora está reunida em um só volume. Os oito capítulos exploram esse estilo crítico em Maffesoli.

O autor não escreve bloqueado por referenciais lineares ou, melhor dizendo, recorrentes em uma mesma escola de pensamento (positivista, es- truturalista etc.). Nisto, ele utiliza uma tática semelhante à do filósofo da ci- ência austríaco Paul Feyerabend, já falecido, que postulava a ideia do “tudo vale” para fazer da ciência um campo pluralista do conhecimento. Exemplo:

mesmo não sendo positivista, Maffesoli procura no trabalho de Auguste Comte um lado coerente e plausível em relação à pós-modernidade. Ele dis- se, em Porto Alegre, durante a realização de um seminário, que é contrário ao positivismo, mas viu nele muitos elementos sobre a temática do encontro (comunicação e imaginário).

Um destes elementos em Comte, por exemplo, é a percepção de um aspecto do cotidiano. Para Maffesoli, Comte contribui ao refletir sobre o vitalismo da coletividade e o retorno às raízes, e também procura ver na sociedade – e isso é extremamente positivo – invariâncias, e mais: como isso tudo se concretiza em determinadas culturas. Em Comte, ainda, Maffesoli afirma ter encontrado indícios para compreender o que é a vida, reforçando a sua tese, no caso a de Maffesoli, da “socialidade” (uma forma de reunião pelo prazer do encontro). É o estilo ensaístico que o permite falar de assun- tos transversais. É um tipo de raciocínio diferente da linha-mestra vigente tanto na informação jornalística quanto no trabalho acadêmico clássico.

Maffesoli faz relações inadmissíveis para as mentes cartesianas que reforçam o corte e a separação de elementos aparentemente antagônicos.

Hoje, porém, exploram-se, em todas as áreas e em todos os níveis (da gra- duação ao pós-doutorado), formas de elaboração de pesquisa não tão rígidas ou esquemáticas, e sim mais fluidas e menos comprometidas com o pensa- mento “instituído”, digamos. E é esta a importância do trabalho de Maffeso- li: dar liberdade de pensamento aos seus alunos e inspirar, nas suas palestras, um método de pesquisa “lateral”. O referido autor faz da sua facilidade de comunicação, da sua inteligência afiada e do seu prestígio as armas da sua luta. Se fizermos uma analogia com o jogo de xadrez, este movimento de Maffesoli (o de escrever um livro crítico) sinaliza um xeque-mate.

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Maffesoli procura imobilizar o Rei – simbolizado pelos intelectuais com os quais polemiza – e terminar o jogo, que, porém, nunca termina.

Algumas expressões são curiosas na sua crítica aos detratores de seu traba- lho, como a de “cérebros reptilianos judaico-cristãos que têm desprezo pela vida” (p. 17), a de “sabedoria mortífera de dinossauros modernos” e a de

“onfaloscopia dessa intelligentsia que contempla o próprio umbigo” (ambas à página 18), entre outras coisas no decorrer do livro. Livro que parece rai- voso, se não fosse escrito por um sociólogo que tem o dom de polemizar.

Por isso, este perfil crítico não é de todo estranho. A maior crítica dele é di- rigida ao que chama “elite intelectual” (p. 19), principalmente jornalística e política, por ignorar a vitalidade do homem banal e da sensibilidade trágica da existência.

Para Maffesoli, a elite intelectual, da qual os jornalistas fazem parte, adota uma postura arrogante, escancarada por uma falta do que dizer traves- tida por um tom peremptório, assertivo, e pela tentativa, apaziguadora mo- ralmente, mas inútil empiricamente, de ouvir o “outro lado”, como se numa pauta (para usar um termo do jargão jornalístico) isso bastasse. O que Ma- ffesoli critica, na verdade, é a falta de complexidade (no sentido que Morin dá ao termo, o de uma palavra-problema e não o de uma palavra-solução).

Do capítulo 1, intitulado “Do víride”, ao oitavo (“Ruptura”), Maffesoli nos oferece uma leitura cristalina: a sua impaciência é nítida (ao melhor estilo nietzschiano). A França – berço do racionalismo europeu – nos deu, parado- xalmente, um Rimbaud, um Bachelard, um Bataille e um, agora, Maffesoli.

Aos 66 anos de idade, Maffesoli tem uma obra importante para os estudos do imaginário. Sua formação em Sociologia segue os ensinamentos dos mestres. Entre os mais próximos, destaca-se a figura do antropólogo Gilbert Durand, seu orientador da tese de doutoramento em Sociologia pela Universidade de Grenoble em 1973, intitulada “L´histoire commme fait social total”), e na de Letras e Ciências Humanas, em 1978 (“La dynamique sociale”). Hoje, Maffesoli leciona na Universidade de Paris René Descar- tes (Sorbonne) e dirige o Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano (CEAq), um laboratório de pesquisas focalizado no tema do imaginário e da linhagem, se é que se pode dizer assim, bachelardiana (professor, aliás, de Durand).

Ao contrário de muitos professores que se dizem influenciados por ele, mas não o entendem, Maffesoli tem um lado generoso de aceitar a orientação de alunos egressos dos mais diferentes campos do conhecimento, como fez com uma famosa astróloga francesa, Elisabeth Teissier. A tese dela foi motivo de escândalo na França por ser acusada de fraudulenta, e comparada, por alguns articulistas franceses, ao caso Sokal, o de um físico que escreveu um artigo com anotações consideradas incongruentes, aceito e publicado em revista científica no ano de 1996 (escândalo que não é o mo-

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mento de aprofundar). Nietzsche, uma das maiores influências de Maffesoli, por quem admite uma admiração incomum, disse, certa vez, que “o que não mata fortalece”. Pois Maffesoli, no Caso Teissier, saiu fortalecido.

Fortalecido no sentido de que a polêmica é seu combustível. No en- tanto, como referimos anteriormente, essa maneira de proceder é visceral.

Se ele não assumisse o jeito que é, não teríamos um Maffesoli que é chama- do carinhosamente por estudantes brasileiros de “maffesa”. Maffesoli tem carisma (ou o “dom da graça”, como diria o sociólogo alemão Max Weber em “A política como vocação”) e não seria exagero considerá-lo, no Brasil, um autor “pop”. Nem por isso é um sociólogo menor, superficial ou fútil.

Nas atuais circunstâncias, o de uma sociedade que preza a visibilidade, como o próprio Maffesoli admitiria, a popularidade de um intelectual como ele, sobretudo no Brasil, só reforça uma identificação com suas teses, entre elas a do “presenteísmo” (viver intensamente o aqui-e-agora). Há quem diga que na França a popularidade dele não é tão grande e que ele não tem autorida- de, por ser francês, para falar do Brasil.

Esta observação, porém, é irrelevante, porque ele nunca parece ter demonstrado querer ter mais conhecimento sobre o Brasil do que os pró- prios brasileiros. É uma postura, aliás, também generosa, mas longe de ser criticável. Aliás, é oportuna a leitura do livro porque Maffesoli não teme os burocratas da ciência. Para ele, como o próprio Maffesoli já falou anterior- mente, o desafio metodológico é ter a capacidade de retornar ao passado para vislumbrar no futuro os elementos da totalidade social, e dizer “sim à vida” (Nietzsche) com poesia – assim como a maneira com que ele próprio escreve. Paradoxalmente, o poético é um traço fundado ao mesmo tempo entre a individualidade e o ambiente coletivo. Já não estamos vivendo o ego cartesiano estável, segundo ele, que sempre lembra a ideia do “eu-outro” na poesia de Rimbaud.

Outra característica de Maffesoli que aparece no livro é a de um tex- to que procura ser a “mostração”, e não a de “demonstração” de algo. A diferença entre mostração e demonstração, conforme Maffesoli, é a mesma que separa a modernidade da pós-modernidade. A modernidade, primeira- mente, se preocupava em querer concluir qualquer ideia, tese ou argumento, o que, na opinião dele, sufocava um pensamento plural. “[...] o mundo, sua retórica, seus feitos são, essencialmente, plurais, não se prestam a uma conclusão, mas sim a uma abertura. [...] Não devem, portanto, constituir objeto de uma demonstração, mas sim de uma mostração” (MAFFESOLI, 1998, p.114). As noções – e este termo, o de noção, é um assunto caro a este sociólogo francês – não pretendem ser prova de algo, e sim um exercício da subjetividade, daí a correspondência com mostrar, e não demonstrar.

Todo o trabalho de Maffesoli é uma tentativa inclusivista de informa- ções, relações e devaneios. Nem por isso, deixa de existir uma metodologia

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na sua produção. Só que o elemento principal da heurística maffesoliana é o intangível ensaísmo. Ensaiar é buscar, testar, aproximar, arriscar. E é isso o que Maffesoli parece fazer não só neste livro, mas também nos seus trabalhos de natureza teórica, aqueles nos quais está mais preocupado em lançar as bases movediças de suas teses com as quais se identifica, entre elas a do nomadismo, a do tribalismo e a do inclusivismo, do que se posicionar no ataque. Para ele, finalmente, é importante observar as raízes das coisas. A etimologia latina ou grega das palavras significa muito para Maffesoli, como a conjunção de coisas opostas que ele encontrou no termo “sociologia”, e que é uma pista para o entendimento de seu trabalho: pensar com as tripas.

Referência

MAFFESOLI, Michel. Elogio razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.

Resenha recebida em 07/06/2011 e aceito para publicação em 06/10/2011.

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