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A prova do crime de embriaguez ao volante e a resolução 4322013 do Contran: uma análise crítica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

REBECA MARTINS ANDRADE

A PROVA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESOLUÇÃO 432/2013 DO CONTRAN: UMA ANÁLISE CRÍTICA

(2)

REBECA MARTINS ANDRADE

A PROVA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESOLUÇÃO 432/2013 DO CONTRAN: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Monografia apresentada ao Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do bacharelado em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

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Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

A57p Andrade, Rebeca Martins.

A prova do crime de embriaguez ao volante e a resolução 432/2013 do Contran : uma análise crítica / Rebeca Martins Andrade. – 2016.

96 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

1. Embriaguez ao volante. 2. Código de Trânsito Brasileiro. 3. Resolução 432/2013 do Contran. I. Título.

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REBECA MARTINS ANDRADE

A PROVA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESOLUÇÃO 432/2013 DO CONTRAN: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Monografia apresentada ao Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do bacharelado em Direito. Área de concentração: Direito Penal.

Orientador: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.

Aprovada em: __/__/____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Me. Sérgio Bruno Araújo Rebouças

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Mestranda Catherine Rebouças Mota

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado sabedoria e força para superar as dificuldades vivenciadas ao longo dos anos de graduação.

A meus pais, Ricardo e Genisia, pelo incentivo e amor incondicionais. Às queridas primas Elenizia, Thaizy e Camila, pela torcida e pelos conselhos.

A Anderson Meneses Lima, pela paciência e pelo suporte.

Às minhas companheiras de faculdade, Alicia e Pryscila, pelas risadas e pelos ensinamentos compartilhados.

Aos colegas do Ministério Público do Estado do Ceará, assim como à própria instituição, por despertarem em mim a admiração pelo Direito.

Ao professor Raul Carneiro Nepomuceno, pela brilhante orientação, que tornou possível a conclusão desta monografia.

Aos demais integrantes da banca examinadora, professor Sérgio Rebouças e mestranda Catherine Mota, pelas contribuições.

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RESUMO

A Resolução 432/2013 do Conselho Nacional de Trânsito, regulamentando a forma de constatação do crime de embriaguez ao volante prevista no art. 306, parágrafo primeiro, inciso segundo, do Código de Trânsito Brasileiro, previu uma série de supostos sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora do condutor de veículo automotor. Evidências genéricas e subjetivas de embriaguez eventualmente manifestadas pelo condutor são analisadas para constatar a materialidade do referido delito. Nessa toada, a partir de características particulares do indivíduo, como sonolência, desordem nas vestes, arrogância, ironia e dispersão, é presumida a alteração das faculdades psíquicas e motoras do condutor em razão da influência do álcool ou de outras substâncias psicoativas que determinem dependência, o que representa flagrante ofensa ao princípio da presunção de inocência. Por outro lado, a mencionada resolução não observou o princípio da legalidade, por ter versado sobre matéria processual penal, cuja disciplina deve ser realizada apenas mediante a edição de uma lei em sentido estrito, e por ter definido que condutas devem ser consideradas para a caracterização do crime de embriaguez ao volante. Outrossim, no que se refere ao poder de polícia, a maneira como se encontram disciplinados os mencionados sinais de embriaguez abre margem à prática de arbitrariedades por parte dos agentes de autoridade de trânsito.

Palavras-chave: Embriaguez ao volante. Código de Trânsito Brasileiro. Sinais de

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ABSTRACT

Resolution 432/2013 from the National Traffic Council, regulating the drunk driving evidences report in article 306, first paragraph, second subparagraph, of Brazilian Traffic Code, established a list of psychomotor capacity change signs. Generic and subjective evidences of intoxication eventually manifested by the driver are analyzed to demonstrate the crime’s materiality. In this tune, based on personal characteristics shown by the driver, such as drowsiness, disorder in clothes, arrogance, irony and dispersion, it is assumed that him/her presents physical and motor faculties’ affectation due to the influence of alcohol or other psychoactive substances, violating the principle of presumption of innocence. On the other hand, that resolution did not observe the principle of legality, for having versed about criminal procedure, which discipline should be performed only by law strict sense, and for having defined which kind of behavior should be considered for the characterization of the drunk driving crime. As regards the police power, the way the signs of drunkenness are disciplined permits the traffic agents the practice of arbitrary acts.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CF Constituição Federal

Contran Conselho Nacional de Trânsito CPP Código de Processo Penal CTB Código de Trânsito Brasileiro

DPRF Departamento de Polícia Rodoviária Federal DPU Defensoria Pública da União

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 09

2 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE... 13

2.1 Breve histórico das alterações legislativas promovidas no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro... 13

2.2 Elementos do tipo penal... 23

2.2.1 Condução de veículo automotor... 23

2.2.2 Local do crime... 24

2.2.3 Capacidade psicomotora alterada... 24

2.2.4 Ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência... 26

2.2.5 Dolo: o elemento subjetivo do tipo... 27

2.3 Objeto e natureza jurídicos... 28

2.4 Consumação e tentativa... 33

3 DA PROVA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE... 36

3.1 Dos efeitos do álcool no organismo humano: reflexões acerca das formas de determinação da embriaguez do condutor... 40

3.2 Dos meios de prova propriamente ditos... 43

3.2.1 Testes de alcoolemia... 43

3.2.1.1 Teste do etilômetro... 45

3.2.1.2 Exame de sangue... 48

3.2.2 Teste toxicológico... 49

3.2.3 Exame clínico... 50

3.2.4 Perícias... 50

3.2.5 Prova testemunhal... 52

3.2.6 Prova de vídeo e outros meios de prova... 53

3.3 Da recusa do condutor à realização de exames de alcoolemia e outros procedimentos e o direito de não produzir prova contra si mesmo... 53

(10)

3.5 Divergências entre os meios de prova em relação à verificação

da alteração da capacidade psicomotora do

condutor... 58

3.6 Dos sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora…. 59

3.7 Outros aspectos procedimentais relativos à prova do crime de

embriaguez ao volante, conforme Resolução 432/2013 do

Contran…...... 62

4 ANÁLISE CRÍTICA DA RESOLUÇÃO 432/2013 DO CONTRAN... 64

4.1 Do poder administrativo regulamentar: conceito e limitações... 64

4.1.1 O regulamento ante o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal... 67 4.1.2 Relação entre regulamento e resolução...69 4.1.3 A Resolução 432/2013 do Contran ante o princípio da reserva

legal...70 4.1.4 A Resolução 432/2013 ante o princípio da legalidade penal... 73

4.2 Da adequação dos sinais indicativos de alteração da capacidade

psicomotora previstos na Resolução 432/2013 do Contran para fins de constatação do crime de embriaguez ao volante e suas implicações jurídicas... 76

4.3 Poder de polícia: conceito, formas de expressão, limitações e sua

relação com a Resolução 432/2013 do Contran... 84

5 CONCLUSÃO... 90

(11)

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o abuso no consumo de bebidas alcoólicas combinado à direção de veículos é uma das principais causas da violência no trânsito. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 71 hospitais que realizam atendimentos de urgência e emergência pelo Sistema Único de Saúde revelou que uma em cada cinco vítimas de trânsito atendidas nos prontos-socorros brasileiros no ano de 2011 ingeriu bebida alcoólica.1 Além disso, de acordo com estudos dirigidos

pelo mesmo órgão ministerial, 30% a 50% das vítimas de acidentes de transportes terrestres ingeriram álcool antes da ocorrência.2

Constata-se, assim, que a ingestão de bebidas alcoólicas está intrinsecamente relacionada com o elevado número de lesões corporais e mortes provocadas em acidentes de trânsito, sobretudo porque o álcool produz alterações nas funções psíquicas e motoras do indivíduo, comprometendo a sua capacidade de conduzir veículo automotor adequadamente, em observância às normas legais e regulamentares de segurança.

Tendo em vista os prejuízos sociais decorrentes do consumo de álcool ou substâncias similares associado à direção, a condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência é definida como ilícito administrativo e penal sendo, nesta seara, caracterizada como crime de embriaguez ao volante.

Buscando reprimir mais rigorosamente o delito acima referido, assim como prevenir a sua prática, são editadas normas cada vez mais severas a fim de responsabilizar os infratores de uma forma mais incisiva e abrangente, às vezes malogrando seu intento, todavia, pelo emprego de terminologias juridicamente inadequadas e técnicas legislativas que vão de encontro ao próprio ordenamento jurídico pátrio.

1 BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Álcool está relacionado a 21% dos acidentes no trânsito. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/profissional-e-gestor/vigilancia/links-vigilancia?start=135>. Acesso em: 1º jun. 2016.

(12)

Nesse diapasão, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com as alterações introduzidas pelas Leis 12.760/2012 e 12.971/2014, ampliou o rol de meios de prova a serem levados em consideração para a comprovação do crime de embriaguez ao volante. Dessa forma, poderá ser atestada a materialidade do referido delito mediante constatação de concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, assim como através de sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Conselho Nacional de Trânsito, a alteração da capacidade psicomotora do condutor.

Disciplinando a última forma mencionada de constatação do crime do art. 306 do CTB, o Contran expediu a Resolução 432/2013, que prevê alguns sinais indicativos da alteração da capacidade psicomotora. Dentre eles, são consideradas evidências de afetação das faculdades psíquicas e motoras, por exemplo, a agressividade, a arrogância, a ironia, a sonolência e a desordem nas vestes do condutor, dentre outras evidências.

A deficiência técnica na regulamentação do crime de embriaguez ao volante, mais especificamente em relação à forma de constatação da materialidade do mencionado delito prevista no art. 306, § 1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro, implicou na escolha de sinais dúbios e subjetivos de embriaguez, que são indevidamente utilizados para presumir a alteração da capacidade psicomotora do condutor, violando, assim, o princípio da presunção de inocência. Outrossim, a referida resolução, ao estabelecer que elementos serão utilizados para caracterizar a embriaguez ao volante, conferindo amplos poderes ao agente de autoridade de trânsito para, a partir de uma análise subjetiva do comportamento do condutor, determinar a ocorrência do crime, transgrediu o princípio da legalidade.

Por fim, constata-se que a Resolução 432/2013 do Contran, ao regular a hipótese prevista no art. 306, §1º, inciso II, do CTB, prevendo os supostos sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora, extrapolou os limites impostos ao exercício do poder administrativo regulamentar, ignorando a regra de competência estabelecida no art. 22, inciso I, da CF/88, no que diz respeito à disciplina de matéria relativa afeta ao direito processual e penal.

(13)

materialidade delitiva do crime de embriaguez ao volante afrontam o princípio da presunção de inocência e o princípio da legalidade.

A metodologia utilizada no presente trabalho foi a dedutiva, a partir do estudo de obras doutrinárias, quais sejam livros, artigos científicos e sites da internet. Também fora realizada pesquisa jurisprudencial especificamente no que diz respeito à interpretação dos Tribunais Superiores quanto à natureza do crime de embriaguez ao volante, assim como à forma como tem as cortes apreciado a prova da autoria e materialidade do delito sob comento.

Assim, primeiramente, foi examinado o histórico de alterações legislativas introduzidas no art. 306 do CTB, desde a sua redação original, estabelecida pela Lei 9.503/1997. Posteriormente, foram analisados os elementos do tipo penal em sua conformação legal mais recente, sua classificação enquanto crime de perigo abstrato, o bem jurídico objeto da tutela penal, o momento consumativo do delito e a possibilidade de prática do crime tentado.

Empós, procedeu-se a uma exposição dos meios de prova previstos no dispositivo legal acima especificado, com análise dos testes de alcoolemia, teste toxicológico, exame clínico, prova pericial e testemunhal, prova de vídeo e outros meios de prova, bem como os sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora do condutor referidos no art. 306, §1º, inciso II, CTB, previstos na Resolução 432/2013 do Contran.

Ao final, buscou-se demonstrar, à luz dos princípios da legalidade e da presunção de inocência, a inadequação da Resolução 432/2013 do Conselho Nacional de Trânsito, por ter disciplinado matéria afeta ao processo penal, concernente na previsão de elementos caracterizadores da elementar do tipo penal do art. 306 do CTB relativa à alteração da capacidade psicomotora do condutor, bem como por ter previsto sinais dúbios e genéricos de embriaguez como indicativos de afetação das faculdades psíquicas e motoras do condutor, que não permitem atestar que o agente encontrava-se efetivamente embriagado.

Buscando facilitar a compreensão do objeto de estudo, o presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos.

(14)

crime, objeto jurídico tutelado e aspectos relativos à tentativa e consumação do delito.

No segundo capítulo, serão estudados, em suma, os meios de prova propriamente ditos do referido delito, bem como os sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora do condutor, conforme disciplina pela Resolução 432/2013 do Contran.

(15)

2 DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

A expressão embriaguez ao volante, consagrada pela doutrina nacional para se referir ao crime tipificado no art. 306 do CTB, remete à ideia de intoxicação por álcool ou substância de efeitos análogos,3 responsáveis por produzirem

alterações na capacidade psicomotora do indivíduo, comprometendo a sua aptidão e seu discernimento para condução de veículos automotores de forma segura.

No Brasil, apenas a partir da edição do Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei 9.503, em 23 de setembro de 1997, passou a ser previsto como crime a condução de veículo automotor sob a influência de álcool ou substâncias de efeitos afins.

Buscando imprimir maior rigor na repressão estatal do referido delito, assim como corrigir falhas técnicas em sua construção legislativa, a redação do art. 306 do CTB já fora alterada três vezes4, por meio das Leis 11.705/2008,

12.760/2012 e 12.971/2014, as quais modificaram a estrutura do tipo penal, bem como a sua natureza jurídica e a forma de comprovação da materialidade delitiva, conforme será abordado a seguir.

Neste capítulo, serão também pormenorizados os elementos do tipo sob enfoque, de acordo com sua configuração legislativa mais recente, bem como questões inerentes ao momento de consumação do crime.

2.1 Breve histórico das alterações legislativas promovidas no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro

Originariamente, o crime de embriaguez ao volante apresentava a seguinte redação:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

3 MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte penal do CTB. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1067.

(16)

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 5

Para a caracterização do crime nos moldes acima delineados, além do ato de conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou substância que provocasse semelhante alteração na capacidade psicomotora do agente, exigia-se que referida conduta colocasse em risco a incolumidade de outra pessoa.

Mudanças significativas foram promovidas na redação do tipo penal do crime de embriaguez ao volante pelas Leis 11.705/2008 e 12.760/2012, popularmente conhecidas como “Leis Secas”. 6

A partir da Lei 11.705/2008, o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro passou a ser assim redigido:

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.7

Antes, quando vigorava a redação original do art. 306 do CTB, dada pela Lei 9.503/1997, bastava, para a configuração do crime de embriaguez ao volante, que houvesse a direção “sob influência de álcool”. A partir da nova dicção do dispositivo em questão, o teor de álcool por litro de sangue foi elevado ao patamar de elementar do tipo, que passou a exigir um grau específico de concentração de álcool8, qual seja pelo menos seis decigramas de álcool por litro de sangue.

Para Damásio de Jesus9, fazia-se necessário que o condutor estivesse

sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determinasse dependência, de forma a provocar uma relevante alteração das faculdades psíquicas do agente.

5 BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de 24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016. 6 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 25. 7 BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016. 8 CABETTE, op. cit., p. 26.

(17)

Em outras palavras: para aquele autor, caso o agente apresentasse concentração de álcool em patamar superior ao legalmente permitido, mas dirigisse normalmente, não haveria crime.10 Contudo, essa corrente não correspondia ao que

a própria literalidade do dispositivo legal determinava.

A Lei 11.705/2008 também introduziu importantes alterações no art. 291 do CTB. De acordo com as disposições contidas na redação original da mencionada norma, permitia-se a aplicação das regras previstas nos artigos 74, 76 e 88, da Lei 9.099/1995, ao crime do art. 306 do CTB.11 Desde a vigência da primeira “Lei Seca”,

contudo, não há mais previsão de aplicação de quaisquer institutos referentes a infrações de menor potencial ofensivo – dentre os quais a transação penal - ao crime de embriaguez ao volante.12

A transação penal pode ser definida como um acordo pactuado entre o autor da conduta delituosa e o Ministério Público ou querelante, nos casos de ação penal privada. Por meio desse acordo, é proposta a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas ao infrator, evitando-se, dessa forma, a instauração do processo.13

A vantagem que o mencionado instituto proporciona ao infrator consiste na possibilidade de o órgão acusatório dispor da ação penal, desde que observadas as condições especificadas na proposta. Além disso, a decisão judicial homologatória da transação penal não acarreta reincidência nem reconhecimento de culpabilidade, sendo registrada apenas para impedir o gozo do mesmo benefício no prazo de cinco anos.14

Conforme exposto, o art. 291 do CTB, alterado pela Lei 11.705/2008, não mais prevê a aplicação do instituto de transação penal ao crime do art. 306 do CTB. Buscou o legislador, assim, punir de forma mais enérgica o condutor infrator, reduzindo os instrumentos de que podia dispor a fim de não ser criminalmente responsabilizado.

10 JESUS, Damásio de. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito. 8. ed. aaSão Paulo: Saraiva, 2009, p. 156.

116CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 16. 12aIbidem, p. 18.

13aLIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador:

aJusPodivm, 2014, p. 1384.

(18)

No entanto, pode ser ainda aplicado ao crime de embriaguez ao volante o instituto da suspensão condicional, com fulcro no art. 89 da Lei 9.099/95, uma vez que a pena cominada a este delito é inferior a um ano.15

Por fim, registre-se que o parágrafo único do art. 306 do CTB, com redação dada pela primeira “Lei Seca”, estabelecia que o Poder Executivo federal estipularia a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para fins de caracterização do delito, o que foi feito com o advento do Decreto 6.488, de 19 de junho de 2008, que prevê a seguinte regra:

Art. 2o Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou

II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.16

Muitas críticas foram tecidas à redação do art. 306 do CTB conferida pela Lei 11.705/2008, sobretudo porque a exigência legal de um teor mínimo de concentração de álcool no sangue para configuração do delito de embriaguez ao volante demandava a submissão do condutor à realização de algum tipo de exame para a aferição exata da presença do quantum legalmente determinado para a configuração do delito, o que facilmente poderia ser negado pelo motorista, com fulcro no princípio de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.17

Nas palavras de Cabette, “[...] nem mesmo da embriaguez do condutor por outros meios de prova ou até mesmo pelo exame pericial médico – legal clínico [...].” poderia ser constatada a concentração alcoólica exigida, uma vez que seria necessário exame químico de sangue ou teste por aparelho de ar alveolar pulmonar para se determinar com segurança a taxa de alcoolemia.18

15aMARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte

acriminal da Lei n. 9.503, de 23-9-1997. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 190.

16aBRASIL. Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008. Regulamenta os arts. 276 e 306 da Lei nº a9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, disciplinando a margem de aolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos ade crime de trânsito. DOU de 20.6.2008. Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, a2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-a2010/2008/Decreto/D6488.htm>. Acesso em: 6 abr. 2016.

17aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 132-133.

(19)

Ademais, havendo dúvida quanto à configuração de todas as elementares do tipo penal – no caso, a existência do quantum de concentração etílica por litro de sangue estipulada em lei -, deve prevalecer a presunção de inocência do acusado.19

Nesse diapasão, assevera Polastri Lima:

Portanto, se antes a influência do álcool poderia ser aferida por qualquer meio de prova, agora se fazia necessária a determinação da dosagem etílica, o que só poderia ser feito através de provas técnicas, invasivas (exame de sangue) ou que exijam a participação ativa do agente (bafômetro), sendo que tal comprovação, para complicar ainda mais, só poderia ser feita dessas duas formas, consoante a regulamentação do Decreto nº 6.488/2008.20

Tentou-se, sem sucesso, contornar os erros do legislador relativamente à redação conferida ao art. 306 do CTB pela Lei 11.705/2008. Nesse sentido, a Advocacia Geral da União emitiu o Parecer Nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ, em que defendeu que o condutor que se recusasse a realizar o teste do “bafômetro” fosse enquadrado no crime de desobediência.21

Anteriormente, o Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, havia publicado nota sobre a análise da legalidade e da obrigatoriedade do uso do etilômetro, cujo entendimento fora acolhido pela consultoria jurídica da AGU ao emitir o citado. 22

Conforme alude a nota da DPRF, na Constituição Federal de 1988 inexiste previsão expressa da garantia de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si. Todavia, esse direito, decorrente do princípio da presunção de inocência, que se encontra insculpido no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, tem previsão no Pacto San José da Costa Rica, introduzido ao ordenamento jurídico pátrio através do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992.23

Com efeito, o art. 8º do Pacto San José da Costa Rica, ao versar sobre garantias individuais, estabelece o seguinte preceito:

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o

19aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 132 e 133.

20aIbidem, p. 133.

21aCABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 35. 22aBRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Consultoria Jurídica aAGU. Parecer nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ de 20/07/09. 2009. Disponível em: <https:// adocs. google.com/gview?url=http://s.conjur.com.br/dl/parecer-agu-etilometro.pdf&chrome=true>. aAcesso em: 16 abr. 2016.

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processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;24

No entanto, o art. 32 do referido pacto estabelece a ressalva de que os “[...] direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.”25

Assim, a partir de uma interpretação sistemática do Pacto de San José da Costa Rica, é possível concluir nenhum direito é absoluto, incluindo-se aí os direitos fundamentais individuais.

Em outras palavras, “[...] o exercício de um direito fica limitado à preservação dos direitos das demais pessoas, da segurança de todos e as justas exigências do bem comum”, de forma que “a proteção dos direitos coletivos se encontra acima da proteção dos individuais”.26

Ademais, a própria CF/88, em seu art. 144, estabelece que a “segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]”.27

Nesse contexto, conforme aduziu o Departamento de Polícia Rodoviária Estadual, ao utilizar o etilômetro, o policial atuaria no sentido de dar cumprimento ao comando constante no dispositivo constitucional supramencionado, cujo objetivo primordial é a proteção da vida e da incolumidade das pessoas, de forma que incumbia ao indivíduo cooperar para a implementação desse objetivo.28

24aORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos

a(“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/ aportugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 17 abr. 2016.

25aIbidem.

26aBRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Consultoria Jurídica aAGU. Parecer nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ de 20/07/09. 2009. Disponível em: <https:// adocs. google.com/gview?url=http://s.conjur.com.br/dl/parecer-agu-etilometro.pdf&chrome=true>. aAcesso em: 16 abr. 2016.

27aBRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. DOU de 5.10.1988. Brasília, DF: Casa aCivil da Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ aConstituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2016.

(21)

O principal argumento utilizado na nota emitida pelo Ministério da Justiça para defender a obrigatoriedade da submissão do condutor ao teste do etilômetro pode ser resumido no seguinte excerto:

[...] o direito de conduzir veículos automotores não é absoluto, mas concedido pelo Estado após a observância de vários requisitos (aulas de auto-escola, aprovação em teste teórico e prático, entre outras). Tudo isso é exigido para proteger a sociedade de possíveis maus condutores que possam colocar em risco a segurança da coletividade e, nessa lógica, o teste de alcoolemia a que devem se submeter os cidadãos não representa mais do que outra exigência legal para que os motoristas possam continuar fazendo jus ao direito de conduzir veículos.29

Consoante as orientações constantes no Parecer Nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ, o condutor que se recusasse a realizar o exame do etilômetro deveria ser enquadrado no crime previsto no art. 330 do Código Penal.30

Ocorre que, pouco tempo após a publicação do parecer supramencionado, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, através da Instrução Normativa nº 03, de 25 de agosto de 2009, que trata do procedimento de fiscalização do consumo de bebidas alcoólicas31, estabeleceu o seguinte preceito:

Art. 19. Não configura crime a recusa do condutor em realizar qualquer um dos procedimentos previstos no art. 1º e no inciso I do art. 2º deste Manual, desde que ele não tenha cometido outra conduta tipificada como crime.32

Por sua vez, os artigos primeiro e segundo, inciso primeiro, do aludido manual, referiam-se ao teste de etilômetro, exame de sangue e exame clínico.33

Percebe-se, assim, que pelas novas regras da Polícia Rodoviária Federal, consubstanciadas na Instrução Normativa nº 03, o condutor que se recusasse a fazer o teste do etilômetro não seria obrigado a produzir provas contra si mesmo,

29aBRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Consultoria Jurídica aAGU. Parecer nº 121/2009/AGU/CONJUR/DPRF/MJ de 20/07/09. 2009. Disponível em: <https:// adocs. google.com/gview?url=http://s.conjur.com.br/dl/parecer-agu-etilometro.pdf&chrome=true>. aAcesso em: 16 abr. 2016.

30aIbidem.

31aBRASIL. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Instrução Normativa

anº 03, de 25 de agosto de 2009. 2009. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/dprf-instrucao-abafometro.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2016.

(22)

tampouco seria preso,34 contrariando o entendimento anteriormente firmado pela

AGU.

Luiz Flávio Gomes, à época da publicação do citado parecer, afirmou que “Se a recusa ao bafômetro é um direito constitucional e internacional, quem exerce um direito pratica ato lícito e quem pratica ato lícito não comete crime”, de modo que a recusa não poderia configurar o delito de desobediência.35

Com efeito, de acordo com o princípio nemo tenetur se detegere, o indivíduo não pode ser prejudicado em sua esfera jurídica por não colaborar em atividade probatória da acusação, o que significa dizer que o exercício do direito de silêncio não pode implicar em presunção de culpa ou na produção de qualquer tipo de prejuízo jurídico ao imputado.36

Constatando-se, pois, que a colaboração pessoal do agente - no que diz respeito à submissão a testes para aferição da alcoolemia - encontrava-se obstada pelo princípio da não autoincriminação, no sentido de que os condutores não tencionavam produzir provas contra si mesmos, bem como que a comprovação da materialidade delitiva por prova testemunhal era inviável, um novo projeto de redação do tipo penal foi sancionado em 2012.37

Assim, com o objetivo de corrigir os equívocos cometidos quando da edição da Lei 11.705/2008, foi aprovada a Lei 12.760/2012,38 a qual conferiu ao art.

306 do CTB a seguinte redação:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

§ 1o As condutas previstas no caputserão constatadas por:

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.

34aCOUTINHO, Filipe. Polícia Rodoviária ignora parecer da AGU. Revista Consultor Jurídico, 14 de asetembro de 2009. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-set-14/policia-rodoviaria-ignora-aagu-nao-prendera-quem-recusar-bafometro>. Acesso em: 16 abr. 2016.

35aGOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante (art. 306 do CTB): um erro atrás do outro. Migalhas,

a19 out. 2009. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI95225,31047-Embriaguez a+ao+volante+art+306+do+CTB+um+erro+atras+do+outro >. Acesso em: 16. abr. 2016.

36aLOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 232.

37aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aSaraiva, 2015, p. 304.

(23)

§ 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova. § 3o O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.39

O art. 306 do CTB teve sua estrutura técnica reformulada, passando a ser composto de caput e três parágrafos, sendo que aquele não mais fazia alusão a níveis de concentração etílica.40 Desde então, para configurar a conduta delitiva,

basta a mera condução de veículo automotor por indivíduo que apresentasse alteração em sua capacidade psicomotora devido à influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

A partir da vigência da supramencionada Lei, a situação normativa do delito mudou e, embora exista a possibilidade, não se faz essencial, como outrora, prova técnica41 para condenação do agente. Isso porque, com o advento da

segunda “Lei Seca”, a hipótese de configuração do delito que exigia a presença de determinada taxa de alcoolemia continuou sendo válida, no caso do art. 306, §1º, inciso I, do CTB.42

No entanto, com a previsão da hipótese disciplinada no inciso II do mencionado dispositivo legal, ampliaram-se as possibilidades de constatação do delito sob comento, de modo a permitir sua comprovação também por meio da análise de sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora, na forma disciplinada pelo Conselho Nacional de Trânsito.

Ademais, o parágrafo segundo previu uma série de meios de prova que poderiam ser utilizados para demonstrar a configuração do crime de embriaguez ao volante.

Sobre as novas possibilidades de constatação do crime de embriaguez ao volante introduzidas pela segunda “Lei Seca”, afirma Eduardo Luiz Santos Cabette:

O intento óbvio é retomar a técnica anterior em que não se fica atrelado a uma concentração de álcool no sangue ou no ar alveolar, mas a comprovação do estado perigoso na direção de automotores pode ser produzida por outros meios legais, com especial destaque para a prova

39aBRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

a24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997. aDisponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016. 40aCABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 52. 41aMARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte

(24)

pericial do exame clínico. Isso, porque esta é uma prova conclusiva e forte com respeito à qual o indivíduo não tem como se negar a colaborar, uma vez que sua realização independe mesmo de sua colaboração.43

Antes da reforma operada pela segunda “Lei Seca”, não restando comprovada a concentração de álcool no sangue ou valor equivalente por ar expelido dos pulmões, a conduta seria atípica.44 Desde o seu advento, houve uma

ampliação das formas de constatação da influência do álcool na condução do veículo automotor, bem como dos meios de prova admitidos para aferição da materialidade do delito.

Outra modificação promovida pela Lei 12.760/2012 diz respeito à retirada da expressão “via pública” do caput do art. 306 do CTB. Dessa forma, o agente poderá incorrer na prática do crime sob comento caso conduzisse veículo automotor em qualquer via ou local45, e não apenas em via pública.

Leonardo Schmitt de Bem, sobre a reformulação do tipo promovida pela segunda “Lei Seca”, reflete:

O novo preceito aborda o que, segundo as estatísticas, constitui uma das principais causas de acidente no Brasil. Como em outros países, o nosso legislador também recorreu ao direito penal com a intenção de diminuir o número de vítimas fatais em razão de sinistros provocados por condutores sob a influência do álcool e/ou das drogas. Não há como afirmar com precisão se o novo preceito já alcançou esse intento, pois os números apresentados ainda são oscilantes.46

A próxima alteração legislativa foi promovida pela Lei 12.971/2014, que alterou os parágrafos segundo e terceiro do art. 306 do CTB, para prever a possibilidade de utilização de teste toxicológico como meio de prova, bem como para conferir ao Conselho Nacional de Trânsito a atribuição para dispor sobre a equivalência entre diferentes testes de alcoolemia ou toxicológicos.47

43aIbidem, p. 51.

44aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aSaraiva, 2015, p. 371.

45aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 129.

46aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aSaraiva, 2015, p. 304-305.

(25)

2.2 Elementos do tipo penal

Para Damásio, “[...] tipo é o conjunto dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal”.48 Os elementos que compõem o tipo penal, por sua vez,

podem ser classificados em três categorias: elementos objetivos, quando concernentes ao aspecto material do ilícito penal, tais como modo de execução, lugar e tempo; subjetivos, quando relativos ao estado anímico ou psicológico do agente,49 e normativos, que são “[...] criados e traduzidos por uma norma ou que,

para sua efetiva compreensão, necessitam de uma valoração por parte do intérprete”.50

Nesta seção, proceder-se-á ao breve exame dos elementos do tipo penal do art. 306 do CTB, de acordo com sua configuração normativa mais recente, conferida pela Lei 12.971/2014.

2.2.1 Condução de veículo automotor

Como requisito exordial para a configuração do delito, impõe-se que o agente conduza um veículo automotor, cujo conceito é apresentado no anexo I do Código de Trânsito Brasileiro nos seguintes termos:

VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico). 51

Conforme preceitua Bem, conduzir significa “[...] colocar o veículo em movimento mediante o acionamento de seus mecanismos”. Dessa forma, exige-se

ada Presidência da República, 1997. Disponível em: a<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503. htm>. Acesso em: 22 jan. 2016).

48aJESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. a309.

49aJESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. a312.

50aGRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. a171.

51aBRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

(26)

que o veículo esteja ligado, em movimento, ainda que curto seja o espaço percorrido.52

2.2.2 Local do crime

Consoante exposto alhures, a segunda “Lei Seca” retirou do art. 306 do CTB a expressão “em via pública”. Dessa forma, a partir de então, não mais se impõe, para a consumação delitiva, que a condução de veículo automotor ocorra em vias abertas ao trânsito. O importante é que a ação seja praticada “...em locais em que haja outros veículos ou pessoas, em vias abertas à circulação ou de utilização comum”.53 Poderá o delito ser perpetrado, pois, caso a conduta delituosa ocorra em

local público ou no interior de propriedade privada.54

Polastri, por sua vez, aduz que, “[...] caso o agente conduza o veículo embriagado em área rural, fora de uma via, ou dentro de uma fazenda, v.g., área interna de prédios, de propriedade privada, o fato agora será típico.”55

No entanto, registre-se que a questão relativa ao local do crime envolve ainda certa controvérsia doutrinária, uma vez que o art. 1º do Código de Trânsito Brasileiro determina que apenas o trânsito nas vias terrestres abertas à circulação é regido por suas disposições. Em outras palavras: suas normas seriam aplicáveis somente nas situações que envolvem o trânsito em vias públicas.56

2.2.3 Capacidade psicomotora alterada

Capacidade psicomotora alterada consiste na “afetação das faculdades psicofísicas de percepção, auto-controle e reação, [...] originada pelo consumo de drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou bebidas alcoólicas”.57

52aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aSaraiva, 2015, p. 352.

53aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aaSaraiva, 2015, p. 359.

54aMARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte acriminal da Lei n. 9.503, de 23-9-1997. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 174.

55aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 130.

56aCABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 25-a26.

(27)

O tipo penal não impõe que a capacidade psicomotora tenha sido completamente anulada, bastando, para a configuração do delito, que esteja fora de seus padrões normais.58

Ademais, a capacidade psicomotora deve estar alterada não por qualquer substância ou ante qualquer situação, mas apenas em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Na hipótese de a referida alteração ter sido provocada por substância diversa do álcool e que não determine dependência, não haverá crime.59

Pela dicção do art. 306 do CTB, pode-se constatar a conduta delituosa, que se perfaz com a capacidade psicomotora alterada do condutor, pela “concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar”60, ou por meio de

“sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.”61

Assim, depreende-se que a constatação, no organismo do condutor, das taxas de alcoolemia legalmente previstas, ou dos sinais previstos na Resolução 432/2013 do Contran, que regulamenta o art. 306, §1º, II, do CTB, gera a presunção de que se encontra o condutor com sua capacidade psicomotora alterada.

Segundo Luiz Flávio Gomes, no entanto, essa forma de interpretação do art. 306 do CTB é inconstitucional por afronta ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista que se presume que o condutor está com sua capacidade psicomotora com base em uma certa concentração de álcool em seu organismo. Para o referido autor, “Tudo que está contemplado objetivamente no texto legal deve ser provado [...].”62, incluindo-se aí a alteração das faculdades psíquicas e motoras

do condutor, que poderia ser demonstrada pela condução anormal do veículo

58aMARCÃO, op. cit., p. 176. 59aIbidem, p. 176.

60aBRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

a24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997. aDisponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016. 61aBRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

a24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997. aDisponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016. 62aGOMES, Luiz Flávio. A nova Lei Seca deve ser interpretada literalmente. Consultor Jurídico, 1º

(28)

automotor, como é o caso de quando o agente conduz o veículo em movimentos irregulares ou quando abalroa seu automóvel em outro.63

Registre-se que não há unanimidade na doutrina no que tange às formas de verificação e demonstração da alteração da capacidade psicomotora do agente.

2.2.4 Ingestão de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência

Para a configuração do delito, exige-se ainda que o quadro de alteração da capacidade psicomotora do agente tenha sido provocado pelo consumo de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

O legislador pátrio, através do art. 6º Lei 11.705/2008, introduziu no ordenamento jurídico o conceito de bebidas alcoólicas:

Art. 6o Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay-Lussac.64

Além de prever expressamente o álcool, o legislador apresentou uma fórmula genérica e abrangente, referindo-se a “outras substâncias psicoativas que determinem dependência” como aquelas que atuam no sistema nervoso de forma a alterar as faculdades psicomotoras do agente.65

Referida expressão engloba todas as substâncias que determinam dependência, sejam elas lícitas ou ilícitas, capazes de alterar os reflexos, a percepção e a atenção do homem, não se restringindo às drogas de que trata a Lei 11.343/2006.66

Bem defende que poderá ser criminalmente responsabilizado até mesmo o condutor que faz uso de medicamentos controlados, ainda que prescritos por

63aIbidem.

64aBRASIL. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997,

aque ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe

asobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, amedicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição aFederal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras aprovidências. DOU de 20.6.2008. Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 2008. aDisponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato 2007-2010/2008/lei/l11705.htm>. Acesso aem: 10 abr. 2016.

65aBEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo: aSaraiva, 2015, p. 359.

(29)

médicos, desde que tais remédios produzam uma alteração em sua capacidade psicomotora e na sua forma de condução do veículo automotor.67

2.2.5 Dolo: o elemento subjetivo do tipo

O elemento subjetivo do tipo penal diz respeito ao estado anímico ou psicológico do agente.68

Para a maior parte dos doutrinadores, o elemento subjetivo do tipo penal em questão consiste no dolo genérico. Nesse diapasão, assevera Leonardo de Bem:

É suficiente, portanto, que o agente apenas tenha consciência de que conduz após o consumo de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência [...]. É o dolo genérico, apreciado no momento em que o agente decide-se pela ingestão da substância e não quando da condução do veículo.69

No mesmo sentido de que é o dolo o elemento subjetivo do tipo: Renato Marcão70, Marcellus Polastri71 e Damásio de Jesus72.

Mitidiero filia-se à corrente minoritária que advoga que o crime sob análise tem como elemento subjetivo do tipo a culpa, sob o argumento de que, ao dirigir veículo automotor nas condições descritas no art. 306, caput, do CTB, “...o condutor não tem, efetivamente, aquela vontade consciente, livre e deliberada de praticar o tipo penal objetivo.73

Filiamo-nos, no entanto, à corrente que reconhece o dolo como elemento subjetivo do tipo, tendo em vista o que dispõe o parágrafo único do art. 18 do Código Penal, in verbis: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.”.74

67aBEM, op. cit., p. 359.

68 JESUS, Damásio de. Direito penal, volume 1: parte geral. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. a312.

69aBEM, op. cit., p. 364.

70aMARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte acriminal da Lei n. 9.503, de 23-9-1997. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 174.

71aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 142.

72aJESUS, Damásio de. Crimes de trânsito: anotações à parte criminal do código de trânsito. 8. ed. aSão Paulo: Saraiva, 2009, p. 167.

73aMITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte apenal do CTB. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1128.

(30)

O mencionado dispositivo expressa a ideia de que a regra em direito penal é a de que todo delito seja doloso, de forma que só cabe falar em crime culposo quando houver previsão legal expressa.75

Constatando-se, pois, que inexiste ressalva expressa na redação do tipo penal sob análise, depreende-se que se trata o art. 306 do CTB de crime doloso.

2.3 Natureza e objeto jurídicos

O bem jurídico objeto da tutela penal consiste na segurança viária, “[...] visando proteger a incolumidade pública, através da proteção da vida, saúde e integridade física dos pedestres, outros motoristas [...].”76

Quanto à natureza do crime de embriaguez ao volante, não há unanimidade entre os doutrinadores. Para Marcão77, Cabette78, Polastri Lima79 e

Rizzardo80, trata-se de delito de perigo abstrato. A partir das alterações introduzidas

pela Lei 11.705/2008, o tipo penal não mais exige que a condução de veículo automotor exponha a dano potencial a incolumidade de outrem. As modificações promovidas pela Lei 12.760/2012 não alteraram essa realidade jurídica, passando a ser classificada a embriaguez ao volante como um crime de perigo abstrato, partindo-se do pressuposto de que a prática da conduta descrita no art. 306, caput, do CTB, produz, por si só, perigo suficiente ao bem jurídico tutelado.81

Segundo o escólio de Aníbal Bruno, citado por Ângelo Roberto Ilha da Silva, crimes de dano são os que “[...] se consumam com a lesão efetiva de um bem ou interesse jurídico, enquanto os crimes de perigo aperfeiçoam-se com a

75aGRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p. a211.

76

aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aAtlas, 2015, p. 142.

77aMARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte

aaacriminal da Lei n. 9.503, de 23-9-1997. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 179.

78

aCABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 46.

79aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo: aa azAtlas, 2015, p. 142.

80ARIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 9. ed. rev., atual. e ampl.

aaSão Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 630.

(31)

probabilidade de dano ao bem jurídico.” 82 Estes, por sua vez, podem ser

classificados como crimes de perigo concreto ou abstrato.

Nos crimes de perigo concreto, deve-se demonstrar a situação efetiva de risco ao bem jurídico, ao passo que nos de perigo abstrato, o perigo não precisa ser provado, bastando a prática da ação típica que se pressupõe perigosa.83

Perigo abstrato pode ser definido, portanto, como “[...] a geral probabilidade de dano material para algum bem fático, ainda que não chegue a ser uma probabilidade imediata ou próxima.”84

O tipo penal previsto no art. 306 do CTB não exige vítima concreta para a sua concretização. No entanto, deve-se comprovar a alteração da capacidade psicomotora do condutor.85

Nesse diapasão, explica Marcellus Polastri:

Assim, apesar de o dano não estar mais no tipo, o legislador exige um crime de perigo, perigo abstrato, mas de perigosidade real [...]. Não se exige [...] que o perigo seja contra pessoa determinada, bastando a potencialidade de dano a pessoas indeterminadas da coletividade, ou seja, a probabilidade de vir a ser causado o dano, em vista da situação concreta [...].86

Registre-se que nem sempre a embriaguez ao volante foi classificada como crime de perigo abstrato. Na redação original do tipo, que trazia em seu bojo a expressão “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”, considerava a doutrina e a jurisprudência nacional, de forma majoritária, que se tratava o art. 306 do CTB de delito de perigo concreto, uma vez que se impunha a ocorrência de um perigo real.87

Em 2008, a primeira “Lei Seca” suprimiu a supramencionada expressão, bastando a condução de veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. Desde então, passou-se a

82

aBRUNO, 1967, p. 222 apud SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos crimes de perigo abstrato em

5face da constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 55.

83aBITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 17. ed. rev., ampl. e

aatual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 108.

84

aPEÑA, 1996, v. I, p. 314 apud MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação

aextratrânsito: comentários à parte penal do CTB. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1093.

85aLIMA, Marcellus Polastri. Crimes de trânsito: aspectos penais e processuais. 2. ed. São Paulo:

aAtlas, 2015, p. 143.

86aIbidem, p. 143.

(32)

inferir a configuração do perigo do próprio teor de álcool no sangue ou da influência de substância psicoativa.88

No que diz respeito à jurisprudência pátria, destaque-se que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o crime de embriaguez ao volante é de perigo abstrato.89

Em recente julgado, o STJ, reafirmou o entendimento de que o art. 306 do CTB se trata de delito de perigo e que sua constatação independe da demonstração de efetiva lesividade da conduta,90 conforme ementa a seguir colacionada:

RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997. DELITO DE TRÂNSITO PRATICADO APÓS A LEI N.º 11.705/2008 E ANTES DA LEI N.º 12.760/2012. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE LESIVA NA CONDUTA. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 DG. VERIFICAÇÃO POR BAFÔMETRO. FATO TÍPICO. PRESENTE JUSTA CAUSA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, reiteradamente, que o crime do art. 306 do Código de Trânsito, praticado após a alteração procedida pela Lei n. 11.705/2008 e antes do advento da Lei n. 12.760/2012, como na hipótese, é de perigo abstrato. É desnecessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta e basta, para tanto, a constatação de que o réu conduzia automóvel, em via pública, com a concentração de álcool igual ou superior a 6 dg por litro de sangue, o que equivale a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões, aferida por meio de etilômetro.

2. Considerando que o recorrido foi submetido a teste de aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) e que o acórdão recorrido traz indícios concretos de que o réu foi flagrado dirigindo veículo automotor com concentração de álcool igual a 0,41 mg de ar expelido pelos pulmões – valor esse superior ao que a lei permite -, não se pode falar em ausência de justa causa para a persecução penal do crime de embriaguez ao volante.

3. Recurso especial provido para, afastada a atipicidade da conduta do recorrido, determinar o prosseguimento da ação penal.91

Mediante análise do relatório e do voto da referida decisão, depreende-se que o recorrido fora acusado de prática do delito de embriaguez ao volante por fato ocorrido em 13 de agosto de 2009, período em que já vigorava a Lei 11.705/2008, e

88aCABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 46. 89aIbidem, p. 57.

90aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ reafirma que crime de embriaguez ao volante não

aexige prova de perigo concreto. 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_

a BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/STJ-reafirma-que-crime-de-aembriaguez-ao-volante-n%C3%A3o-exige-prova-de-perigo-concreto>. Acesso em: 16 abr. 2016.

91BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.528.413. Recorrente: Ministério

(33)

antes do advento da Lei 12.760/2012, que introduziu no art. 306 do CTB a elementar do tipo referente à alteração da capacidade psicomotora do condutor.92

O juiz de primeiro grau absolveu sumariamente o acusado da imputação de prática do crime de embriaguez ao volante, sob o fundamento de que a denúncia era inepta por não descrever conduta indicativa de direção anormal do veículo automotor, o que, segundo o magistrado, seria condição indispensável para que houvesse ofensa ao bem jurídico tutelado.93

A decisão absolutória foi mantida em segunda instância. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para que a conduta praticada pelo agente se adequasse ao tipo penal, seria necessária, além da concentração de álcool exigida pelo tipo penal, que a condução do veículo fosse realizada “[...] de maneira a colocar em risco a segurança viária, o que não é o caso dos autos.”.

Irresignado, o Parquet estadual interpôs Recurso Especial de número 1.582.413, com fulcro no art. 105, inciso III, alínea “a”, da CF/88, por negativa de vigência ao art. 306, caput e parágrafo único, do CTB, dentre outros dispositivos federais. Em suma, argumentou o recorrente que o tipo penal vigente ao tempo da prática da conduta delituosa não exigia mais a direção anormal do veículo automotor, bem como que não se fazia necessária a comprovação de alteração da capacidade psicomotora, sendo suficiente a demonstração da concentração alcoólica referida no tipo.

Segundo o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, para a configuração do crime, é prescindível a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta, bastando a constatação de que o réu conduzia veículo automotor com concentração de álcool igual ou superior aos valores estabelecidos no art. 306 do CTB. Tendo em vista que restou demonstrado, após realização do teste do etilômetro, que o condutor apresentava concentração de 0,41 miligrama de álcool por litro de ar alveolar expelido pelos pulmões, superior ao patamar máximo legalmente permitido, foi conferido provimento ao recurso especial, determinando-se o prosseguimento da ação penal.94

92

aBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.528.413. Recorrente: Ministério aPúblico do Estado do Rio de Janeiro. Recorrido: Ricardo Alexandre Rangel Pinto. Relator: Ministro aRogerio Schietti Cruz. Brasília, 07 de janeiro de 2016. 2016. Disponível em: <www.stj.jus.br/static_ afiles/ STJ/Midias/arquivos/RESP1582413.pdf>. Acesso em: 16 abr. 2016.

(34)

Na mesma toada, tem se manifestado o Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende do seguinte julgado:

Recurso ordinário em habeas corpus. Embriaguez ao volante (art. 306 da Lei nº 9.503/97. Alegada inconstitucionalidade do tipo por ser referir a crime de perigo abstrato. Não ocorrência. Perigo concreto. Desnecessidade. Ausência de constrangimento ilegal. Recurso não provido.

1. A jurisprudência é pacífica no sentido de reconhecer a aplicabilidade do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro – delito de embriaguez ao volante

–, não prosperando a alegação de que o mencionado dispositivo, por se referir a crime de perigo abstrato, não é aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro.

2. Esta Suprema Corte entende que, com o advento da Lei nº 11.705/08, inseriu-se a quantidade mínima exigível de álcool no sangue para se configurar o crime de embriaguez ao volante e se excluiu a necessidade de exposição de dano potencial, sendo certo que a comprovação da mencionada quantidade de álcool no sangue pode ser feita pela utilização do teste do bafômetro ou pelo exame de sangue, o que ocorreu na hipótese dos autos.

3. Recurso não provido.95

A ementa acima colacionada versa sobre o julgamento de recurso ordinário em habeas corpus, interposto pela Defensoria Pública da União.

O paciente do mencionado recurso fora denunciado nas tenazes do art. 306 da Lei n. 9.503/1997, tendo sido absolvido sumariamente em primeira instância. O magistrado de primeiro grau valeu-se do argumento de que a conduta do paciente “[...] não resultou em qualquer evento naturalístico, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do citado preceito de lei, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.705/08.”96

Inconformado, o Ministério Público estadual apresentou recurso apelatório, que foi provido, à unanimidade, pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que determinou o prosseguimento da ação penal.97

Em face da referida decisão, foi impetrado o HC nº 179.900/MG, que foi denegado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual a DPU

95aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 110258. Recorrente: aDefensoria Pública da União. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Ministro Dias Toffoli. aBrasília, 08 de janeiro de 2012. Dje 101. Brasília, 24 maio 2012. Disponível em: <www.jusbrasil. acom.br/jurisprudencia/download?key=U1RGL0lUL1JIQ18xMTAyNThfREZfMTMzODAzNDU2NzA2 aMC5wZGY=>. Acesso em: 17 abr. 2016.

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