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3 DA PROVA DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE

3.4 Do direito à contraprova

Com o advento da Lei 12.971/2014, passou o art. 306 do CTB, mediante seu parágrafo segundo, a prever expressamente o direito à contraprova, com o objetivo de contraditar a prova que revelou alteração da capacidade psicomotora do condutor.203 A título de exemplo, caso o resultado do teste do etilômetro indique que

o agente apresenta concentração alcoólica superior ao limite máximo legal, poderá o condutor solicitar a repetição do teste após curto intervalo de tempo, ou até mesmo solicitar a realização de exame de sangue. Poderá valer-se também de prova testemunhal para refutar declarações de agente de trânsito ou de polícia de que apresentava sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora.

Cabette defende a possibilidade de o condutor se submeter a exame realizado por perito particular, devendo ser o resultado do laudo apreciado pelo juiz ou delegado de polícia, no momento da formação de suas convicções.204

Entendemos que o direito à contraprova constitui reflexo das garantias processuais da ampla defesa e do contraditório, previstos no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna. Isso porque o contraditório traduz o comando segundo o qual, em relação a toda alegação ou apresentação de prova, feita por uma das partes no processo, cabe ao oponente o direito de se manifestar.205 O contraditório, pois,

compreende não só o direito de ser informado de todos os atos processuais, como também o de participar do processo206, produzindo provas a seu favor. A ampla

defesa, por sua vez, assegura ao réu o direito de se valer de amplos e extensos métodos e formas para se defender da imputação que lhe é feita.207

3.5 Divergências entre os meios de prova em relação à verificação da alteração da capacidade psicomotora do condutor

O crime de embriaguez ao volante, como já detalhado, poderá ser comprovado através da realização de testes de alcoolemia, ou da análise de sinais

203 BEM, Leonardo Schmitt de. Direito penal de trânsito. 3. ed. ampl. atual. e rev. São Paulo:

Saraiva, 2015, p. 412.

204 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 63. 205 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 10. ed. rev., atual. e

ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 94.

206 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 223. 207 NUCCI, op. cit., p. 92.

que indiquem alteração da capacidade psicomotora do condutor, conforme disciplina pela Resolução 432/2013 do Contran. Na maioria dos casos, haverá a produção de apenas um meio de prova e, quando realizado mais de um, estes geralmente indicarão resultados convergentes.208

Excepcionalmente, porém, poderá ocorrer situação em que haverá divergência entre resultados obtidos em dois ou mais meios de constatação da embriaguez. A título de exemplo, veja-se o caso do indivíduo que, após realização do teste do “bafômetro”, é flagrado com concentração de álcool por litro de ar alveolar de 1 miligrama por litro. No entanto, ao ser submetido a exame clínico, o médico avaliador conclui que o condutor não está embriagado. Nessa hipótese, que meio de prova deve prevalecer? Houve crime de embriaguez ao volante?209

Cabette210 responde a esta dúvida afirmando que, a priori, deve

prevalecer o resultado obtido no teste do “bafômetro”, devendo-se averiguar as condições do etilômetro e os motivos pelos quais o exame clínico indicou a não configuração de embriaguez. Caso subsista a dúvida acerca da embriaguez do condutor, este deverá ser absolvido.

O direito à produção da contraprova é direito subjetivo do condutor, sendo dever do agente de polícia de trânsito ou de segurança pública propor ao condutor o exercício desse direito. Para Mitidiero, caso não se ofereça a proposta, “[...] derrui-se a prova consistente nos sinais da capacidade psicomotora alterada do condutor, isto e, torna-se juridicamente insubsistente [...]”, pois estar-se-ia negando a oportunidade de exercício de direito público do condutor.211

3.6 Dos sinais indicativos de alteração da capacidade psicomotora

Ao tratar das competências do Conselho Nacional de Trânsito, o art. 12, inciso I, do CTB, determina que compete a este “estabelecer as normas regulamentares referidas neste Código e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito”. Dessa forma, por ser o órgão ao qual foi expressamente atribuído o poder de expedir atos administrativos normativos referentes a matérias disciplinadas pelo

208 CABETTE, op. cit., p. 64. 209 Ibidem, p. 63.

210 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova lei seca. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, p. 64. 211 MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte

Código de Trânsito Brasileiro, o Contran regulamentou a hipótese prevista no inciso II, § 1º, do CTB, regulando-a por intermédio da Resolução número 432, de 23 de janeiro de 2013.212

Os sinais aos quais o aludido dispositivo legal faz referência são “[...] todos os que demonstram e revelam a capacidade psicomotora al-terada do condutor de veículo automotor em razão da influência de álcool ou de outra droga psicoativa”, e não apenas aqueles previstos na Resolução 432/2013 do Contran tendo em vista que o texto legal não especifica nem delimita os sinais aos quais se refere.213

Os referidos sinais são definidos da seguinte forma por Mitidiero:

No sentido em que empregado pelo legislador no texto do art. 306, CTB, sinal cor-responde aquilo que possibilita a alguém conhecer ou reconhecer a capacidade psicomo-tora alterada de condutor de veículo automotor em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência (§ 1o, II); ao mesmo tempo em que e aquilo que manifesta ou prova existente essa capacidade assim alterada.214

Os sinais da capacidade psicomotora alterada pelo álcool, antes de tudo, são manifestações físicas, neurológicas e psíquicas215, sendo considerados, por

alguns autores, mais importantes do que a determinação da alcoolemia para a verificação da alteração da capacidade psicomotora do condutor.

Conforme estatui o art. 5º da Resolução 432/2013 do Contran, os sinais de alteração de capacidade psicomotora do motorista poderão ser constatados por:

I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.216

A hipótese prevista no inciso já foi tratada no tópico referente ao exame clínico, realizado por médico perito.

212 BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. DOU de

24.9.1997 (retificado em 25.9.1997). Brasília, DF: Casa Civil da Presidência da República, 1997.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm>. Acesso em: 22 abr. 2016.

213 MITIDIERO, op. cit. p. 1181-1182.

214 MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte

penal do CTB. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1176.

215 Ibidem, p. 1777.

216 CONSELHO NACIONAL DO TRÂNSITO. Resolução Contran nº 432, de 23 de janeiro de

2013. 2013. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%

No que diz respeito à hipótese do inciso II, a Resolução 432/2013 introduziu, em seu Anexo II, um rol exemplificativo de sinais de alteração da capacidade psicomotora, a serem verificados pelo agente da autoridade de trânsito.

Nos termos da Resolução 432/2013 do Contran, o agente de trânsito deverá colher algumas informações do indivíduo averiguado, como nome, endereço e número da CNH, bem como eventual relato acerca do consumo de bebida alcoólica ou outra substância psicoativa.217 Deverá o agente também observar a

existência dos seguintes sinais alteração da capacidade psicomotora:

[...] Sinais observados pelo agente fiscalizador: a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta: i. Sonolência; ii. Olhos vermelhos; iii. Vômito; iv. Soluços; v. Desordem nas vestes; vi. Odor de álcool no hálito. b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta: i. Agressividade; ii. Arrogância; iii. Exaltação; iv. Ironia; v. Falante; vi. Dispersão. c. Quanto à orientação, se o condutor: i. sabe onde está; ii. sabe a data e a hora. d. Quanto à memória, se o condutor: i. sabe seu endereço; ii. lembra dos atos cometidos; e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta: i. Dificuldade no equilíbrio; ii. Fala alterada [...].218

Nos termos do art. 5º, II, §2º, da resolução sob comento, em se tratando de verificação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente de trânsito, deverá ser considerado um conjunto de sinais que atestem a situação do condutor infrator. 219

Assim, a constatação de um único sinal não é suficiente para caracterizar a alteração da capacidade psicomotora do condutor e, consequentemente, o crime de embriaguez ao volante. O que comumente ocorrerá será a verificação da existência de vários sinais indicativos da referida alteração. Nessa conjuntura, poderá tratar-se de sinais previstos ou não no Anexo II da referida resolução.220

Nessa modalidade de constatação do crime de embriaguez, a prova da presença dos referidos sinais poderá ser feita mediante gravação de imagem em vídeo, exame clínico, prova testemunhal ou qualquer outro meio de prova admitido em direito. Nesse caso, não se objetiva atestar que o agente conduziu veículo

217 Ibidem.

218 CONSELHO NACIONAL DO TRÂNSITO. Resolução Contran nº 432, de 23 de janeiro de

2013. 2013. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%

C3%A3o%20432.2013c).pdf>. Acesso em: 5 mar. 2016.

219 Ibidem.

220 MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte

automotor de forma anormal, mas que, ao ser abordado, apresentava alteração em sua capacidade psicomotora.221

Segundo Mitidiero, “Os agentes da polícia de trânsito, em determinadas circunstâncias, os da polícia voltada à preservação da segurança pública, sempre, e quaisquer pessoas [...] que constatem a existência de dois ou mais sinais [...]” caracterizadores da capacidade psicomotora alterada do condutor poderão ser testemunhas do crime de embriaguez ao volante.222

Contudo, defende o autor, nos casos em que os referidos sinais sejam verificados apenas por agentes da polícia de trânsito e/ou da polícia de segurança pública, para que tal constatação seja válida, que seja esta complementada por outro meio de prova, como a própria confissão do condutor, prova testemunhal, danos materiais provocados em veículo próprio ou de terceiros, ou em elementos que integram a via (como postes e canteiro central), lesões corporais provocadas em outras pessoas, bem como filmagens, fotografias, teste de etilômetro, exame clínico e de sangue, dentre outros elementos de convicção.223

3.7 Outros aspectos procedimentais relativos à prova do crime de embriaguez ao volante, conforme Resolução 432/2013 do Contran

A Resolução 432/2013 do Contran prevê, ainda, outras normas procedimentais a serem observadas pelas autoridades de trânsito na fiscalização do consumo de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. A primeira delas a ser destacada é a que determina que, nos procedimentos de fiscalização, seja priorizado a realização do teste do etilômetro, em detrimento dos demais meios de prova, nos termos do art. 3º, § 2º, da referida resolução. 224

O art. 7º, § 1º da referida norma regulamentar, por sua vez, estipula que a configuração do crime de embriaguez ao volante não afasta a aplicação da penalidade e medida administrativa prevista relativas à infração prevista no art. 165 do CTB, relativa à conduta de “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra

221 MARCÃO, Renato. Crimes de trânsito: anotações e interpretação jurisprudencial da parte

criminal da Lei n. 9.503, de 23-9-1997. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 183-184.

222 MITIDIERO, op. cit. p. 1199.

223 MITIDIERO, Nei Pires. Crimes de trânsito e de circulação extratrânsito: comentários à parte

penal do CTB. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1199 e 1200.

224 CONSELHO NACIONAL DO TRÂNSITO. Resolução Contran nº 432, de 23 de janeiro de

2013. 2013. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/(resolu%C3%A7%

substância psicoativa que determine dependência”. O parágrafo segundo do mesmo artigo determina que, configurado o crime do art. 306 do CTB, o condutor e as testemunhas, se houver, sejam encaminhados à Polícia Judiciária, acompanhados dos elementos probatórios.225

225 Ibidem.

4 ANÁLISE CRÍTICA DA RESOLUÇÃO 432/2013 DO CONTRAN

O crime de embriaguez ao volante pode ser constatado por vários meios de prova. Consonante exposto no capítulo anterior, a Lei 12.760/2012 introduziu a regra insculpida no art. 306, §1º, inciso II, do CTB, o qual determina que a alteração da capacidade psicomotora do condutor poderá ser constatada por sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Conselho Nacional de Trânsito, a alteração da capacidade psicomotora.

Atualmente, o referido dispositivo encontra-se regulamentado pela Resolução 432/2013 do Contran, que prevê diversos sinais indicativos de alteração da capacidade física e motora do motorista para fins de imputação do crime de embriaguez ao volante, além de outras normas procedimentais a serem adotadas pelos agentes públicos na realização de atividades de fiscalização de trânsito.

No presente capítulo, será feita uma análise crítica da Resolução 432/2013 do Contran, tanto no que diz respeito à possibilidade de um órgão que compõe o Poder Executivo, ao exercer o poder administrativo regulamentar, dispor sobre questões relativas à prova no processo penal, bem como no que se refere aos sinais elencados na resolução para se aferir a embriaguez do condutor sobre o qual existe suspeita de prática do crime do art. 306 do CTB, na hipótese de a constatação dos referidos sinais ser realizada por agentes da autoridade de trânsito.

4.1 Do poder administrativo regulamentar: conceito e limitações

Para que o Estado realize os fins aos quais se destina, seus agentes são imbuídos de prerrogativas especiais de direito público,226 consubstanciadas em uma

série de poderes administrativos. Esses poderes são inerentes à Administração Pública de todas as esferas de governo, nos limites de suas atribuições institucionais, e podem ser usados de forma isolada ou cumulada para a consecução do mesmo fim.227 Dentre eles, insere-se o poder administrativo regulamentar.

O poder regulamentar consiste em uma das formas através das quais o Poder Executivo expressa sua função normativa, e pode ser conceituado como “[...]

226 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev. ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 69.

227 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. atual. São Paulo: Malheiros,

o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua fiel execução.”228 A Administração

Pública não pode, através da edição de regulamentos, alterar a lei, sob o argumento de estar regulamentando-a. Do contrário, restará configurado abuso de poder, por invasão de competência do Poder Legislativo.229

O regulamento, na ordem jurídica pátria, pode ser definido como ato geral e, via de regra, abstrato, “[...] de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais [...] necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública.”230

O poder regulamentar se formaliza, basicamente, por meio da edição de decretos e regulamentos. Nesse diapasão, estabelece o art. 84, IV, da CF/88 que ao Presidente da República compete expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.

Tendo em vista o princípio da simetria constitucional, a mesma prerrogativa prevista no dispositivo constitucional é atribuída a outros chefes do poder executivo, tais como governadores e prefeitos, para as mesmas finalidades, de modo que são também considerados meios de exteriorização do poder regulamentar determinados atos normativos editados por outras autoridades administrativas diferentes do Chefe do Poder Executivo, como é o caso de resoluções, portarias, instruções normativas, etc. Em geral, referidos atos tem âmbito de aplicação mais específico, mas também trazem em seu bojo normas gerais e abstratas para a explicitação de leis.231

Em relação aos tipos de regulamento, a depender da corrente doutrinária considerada, são basicamente dois: o executivo e o autônomo ou independente.232

O regulamento executivo objetiva complementar a lei, garantindo a sua fiel execução. Essa modalidade de regulamento não pode inovar no ordenamento jurídico, criando direitos e deveres não previstos em lei, em observância ao princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II, da CF/88, in verbis: “II - ninguém será

228 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 91. 229 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev. ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 52.

230 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev. e atual. São

Paulo: Malheiros, 2013, p. 347.

231 Ibidem, p. 52-53.

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Já o regulamento autônomo não complementa lei já existente, pelo contrário: estabelece normas sobre matérias não regradas em lei, inovando na ordem jurídica.233

Segundo Di Pietro, no direito brasileiro, o regulamento autônomo tem previsão no art. 84, VI, da CF/88234, inciso incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, o qual atribui ao presidente da república a competência privativa para, mediante decreto, dispor sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; 235

José dos Santos Carvalho Filho236, por sua vez, defende que não são

admitidos regulamentos autônomos na ordem jurídica brasileira, a despeito do que dispõe o dispositivo constitucional acima transcrito. Para tanto, apresenta o postulado da reserva legal, previsto expressamente na carta constitucional, para a exigibilidade de obrigações:

[...] a questão dos decretos e regulamentos autônomos deve ser colocada em termos mais precisos. Para que sejam caracterizados como tais, é necessário que os atos possam criar e extinguir primariamente direitos e obrigações, [...] sem prévia lei disciplinadora da matéria [...]. Atos dessa natureza não podem existir em nosso ordenamento porque a tanto se opõe o art. 5º, II, da CF, que fixa o postulado da reserva legal para a exigibilidade de obrigações. [...] decretos e regulamentos autônomos estampariam poder legiferante indireto e simulado, e este não encontra suporte na Constituição.237

No mesmo sentido, posiciona-se Celso Antonio Bandeira de Mello238, para

quem a hipótese prevista no art. 84, VI, da CF/88, é uma exceção que discrepa do regime comum dos regulamentos na ordem jurídica pátria. Sustenta o referido autor que a função regulamentar, no Brasil, abarca exclusivamente a produção de atos normativos editados para garantir fiel execução da lei, uma vez que “[...] não há

233 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 92. 234 Ibidem, p. 93.

235 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. DOU de 5.10.1988. Brasília, DF: Casa

Civil da Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 22 jan. 2016.

236 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev. ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 58-59.

237 Ibidem, p. 58-59.

238 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev. e atual. São

lugar senão para os regulamentos que a doutrina estrangeira designa como ‘executivos’.”239

4.1.1 O regulamento ante o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal

A Carta Magna consagrou em nosso Direito Constitucional, em seu art. 5º, inciso II, o princípio da legalidade. Com efeito, referido dispositivo traduz a ideia de que, aquilo que não se encontra proibido aos particulares por lei é juridicamente permitido.240

De outro lado, o que por lei não se encontra permitido à Administração Pública, esta, ipso facto, proibido, de forma que a sua atuação “[...] depende integralmente de uma anterior previsão legal que lhe faculte ou imponha o dever de atuar.”241 Em sua atividade funcional, o administrador público sujeita-se aos

mandamentos da lei, não podendo dela se afastar ou desviar.242

Reforçando o princípio da legalidade como cânone diretor da atuação da Administração Pública, o art. 37 da CF/88 estabelece, in verbis: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].”243

O princípio da legalidade é, assim, o princípio basilar em que se funda a atividade administrativa, traduzindo a ideia de que a Administração Pública só pode atuar em conformidade com a lei, sobretudo quando da expedição de atos normativos que lhe são complementares.244 Sobre o assunto, explana Celso Antonio

Bandeira de Mello:

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô- las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que

239 Ibidem, p. 347-349.

240 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. rev. e atual. São

Paulo: Malheiros, 2013, p. 350.

241 Ibidem, p. 351.

242 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. atual. São Paulo: Malheiros,

2003, p. 86.

243 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. DOU de 5.10.1988. Brasília, DF: Casa

Civil da Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

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