O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária - CEU.
Reza o “caput” do artigo 70 da Constituição Federal que:
“A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida
pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder”.
Tal artigo correspondia ao artigo 70 da Emenda Constitucional nº
70 e 71 da Constituição de 1967, cuja dicção era a seguinte:
“A fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida
pelo Congresso Nacional através de controle externo, e dos
sistemas de controle interno do Poder Executivo, instituídos por
lei”.
No direito comparado, alguns países adotam o sistema de controle e
fiscalização de receitas e despesas governamentais por Tribunais de
Contas, lembrando que os artigos 114 (Constituição Alemã), 67
(antiga Constituição Argentina), 87 e 89 (Constituição Chilena), 136
(Constituição Espanhola), 47 (Constituição Francesa), 81 e 100
(Constituição Italiana), 165 (Constituição Portuguesa), 211
(Constituição Uruguaia) e 234 (Constituição Venezuelana) cuidam
do sistema fiscalizatório externo das finanças públicas e do
orçamento.
O artigo 70 é dedicado à fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial da União e de sua
Administração direta ou indireta, seja pelo controle externo, seja
pelo controle interno de cada Poder
(1).
(1) Harold M. Groves coloca o início deste tipo de fiscalização na política tributária.
Escreve: "Unos cuantos ejemplos servirán para hacer ver con claridad lo mucho que abarcan las raíces de la política financiera. Primeramente, como muestra de sus concomitancias con las ciencias políticas, basta observar que desde hace un tiempo se ha reconocido que existe una relación recíproca entre la imposición de tributos y el ejercicio del sufragio. El grito de guerra de la revolución norteamericana fue: "La imposición de tributos sin representación es tirania". (Quizá sea igualmente acertada la inversa de esta afirmación; es decir, que la representación sin la imposición de tributos es tiranía, ya que, cuando menos, conduce al derroche irresponsable del dinero ajeno). La estrecha asociación entre el pago de impuestos y la exención de los mismos está confirmada elocuentemente por la historia constitucional británica, la cual consiste, en gran parte, en una lucha tenaz entre el rey y el parlamento por la disposición de los fondos nacionales. Y es un hecho curioso el de que la victoria de los Comunes perdure en el precepto contenido en nuestra Constitución, según el cual el llamado papel moneda debe tener su origen en la Cámara de Representantes" (Finanzas Publicas, Editorial Trillas, México, 1972, p. 17).
A dicção inicial demonstra que pretendeu o constituinte erradicar
qualquer dúvida a respeito da extensão do controle pretendido, na
medida em que faz menção à fiscalização orçamentária,
acrescentando a contábil, operacional, financeira e patrimonial.
Ora, no orçamento há previsão para todos os aspectos
mencionados, que, de resto, o compõem. Assim sendo, a mera
fiscalização orçamentária implicaria fiscalização contábil, financeira,
operacional e patrimonial. Poderia, pois, o constituinte ter adotado
discurso mais escorreito, tendo preferido, todavia, a enunciação
longa para afastar dúvidas a respeito.
Já sobre o Orçamento longamente tratei ao comentar os artigos 165
a 169 da Constituição Federal, no volume 6, tomo II, dos
comentários elaborados com Celso Bastos pela Saraiva. Sendo um
instrumento técnico, jurídico, econômico e financeiro, abrange todas
as previsões de receita e despesas para o exercício, assim como a
radiografia patrimonial da União. Por esta razão, o controle do
orçamento é tão abrangente, sendo, pois, a fiscalização de suas
diversas partes, essencial para que o Estado preste os serviços
públicos à coletividade, dentro dos limites da legalidade
(2).
(2) Escrevi: "No atual Texto, os arts. 145 a 192 cuidam do direito tributário, financeiro e econômico. Os arts. 146 a 156, do sistema tributário propriamente dito. Os arts. 157 a 162, de matéria pertinente ao direito financeiro e tributário, não mais à luz da relação entre o sujeito ativo e passivo da relação tributária, mas na partição das receitas tributárias obtidas do sujeito passivo.
Os arts. 163 a 169 são dedicados à matéria tipicamente financeira, e os arts. 170 a 192, ao direito econômico, pela primeira vez assim reconhecido pelo constituinte, que o separou da ordem social e do direito do trabalho para efeitos de delimitação de sua área de atuação.
A fiscalização, portanto, é consequência da aprovação orçamentária.
De nada valeria aprovar-se um orçamento que não fosse aplicado,
por falta de controle ou fiscalização.
A fiscalização contábil diz respeito ao controle das contas públicas
de acordo com as regras da contabilidade pública, que seguem as
normas gerais dos lançamentos contábeis com as peculiaridades
próprias do direito público
(3).À evidência, tal colocação não inclui seja o Texto Constitucional povoado de outros dispositivos pertinentes aos três ramos, mas o núcleo de sua escultura encontra-se nos três blocos, inclusive o sistema financeiro corretamente colocado como o último capítulo da ordem econômica, por dizer respeito a disciplina da moeda e do crédito mais a este ramo do que ao direito financeiro.
É que o direito tributário cuida das relações impositivas entre o pagador de tributos e o Estado impositor; o direito financeiro, da participação do Estado na economia para obtenção das receitas necessárias à sua existência e administração de tais recursos na consecução de seus objetivos; e o direito econômico, da disciplina jurídica da macroeconomia.
A intenção constituinte sobre a realidade mencionada demonstra que os dois títulos, VI e VII, foram cuidados por técnicos de maior envergadura que aqueles que produziram as normas das demais áreas.
O art. 163, portanto, explicita a necessidade de lei complementar para regular o direito financeiro" (Comentários à Constituição do Brasil, 6º volume, tomo II, ed. Saraiva, 1991, p. 119/121).
(3) Celso Ribeiro Bastos ensina: "O reconhecimento da atividade financeira como
instrumental não nos deve levar à errônea conclusão de que tudo que tem caráter de meio na atuação do Estado é de natureza financeira. Na verdade o Estado é uma complexíssima engrenagem de serviços humanos. Nem tudo, pois, que é meio de atuação administrativa do Estado constitui atividade financeira. O traço diferenciador parece residir no objeto sempre presente na atuação financeira, que é o dinheiro. Rodriguez Bereijo enfatiza bastante essa realidade: "A ... nota característica da atividade financeira, é aquela que a distingue da atividade
A fiscalização financeira está vinculada às questões pertinentes a
moeda, ao crédito, ao endividamento público e quantias
ingressadas, com particular cuidado sendo ofertado ao equilíbrio do
nível de endividamento, para que seus impactos não gerem inflação
ou provoquem desequilíbrio na administração da moeda.
A fiscalização operacional concerne a execução orçamentária, isto é,
ao cumprimento do projeto estabelecido no orçamento entre
previsões de receitas e despesas e sua real obtenção e aplicação
(4). administrativa pelos mecanismos ou instrumentos através dos quais atua. Neste sentido a atividade financeira se caracteriza por ser uma atividade de gestão direta movimento do dinheiro público, abarcando o ciclo financeiro completo, que começa no momento em que o Estado retira rendas monetárias das economias privadas, as administra ou gestiona, fixando-as para o atingimento de determinados fins, e termina no momento em que o Estado emprega ou gasta os ingressos obtidos na forma de bens ou serviços públicos com objeto de satisfazer necessidades coletivas. Neste sentido a atividade financeira aparece qualificada precisamente pela nota característica de referir-se ao manejo de um bem instrumental por excelência, que é o dinheiro" (Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário, ed. Saraiva, 1991, p. 8).(4) James M. Buchanan analisa a integração entre as finanças públicas e a
economia global, dizendo: "En los años posteriores a la segunda guerra mundial se ha propuesto una regla de política fiscal, y en cierto grado se ha adoptado, que representa un compromiso entre el principio del equilibrio presupuestario anual y el uso premeditado del presupuesto para la política macroeconómica. Esta regla o principio propuesto es el del equilibrio presupuestario al nivel más conveniente para la renta nacional, con desequilibrio ínsito o automático en las épocas de recesión o inflación.
En cualquier época se necesita una cierta renta nacional total o PNB para producir el mayor nivel de empleo de los recursos que sea consistente con la estabilidad en el valor del dinero. Como se puntualizó anteriormente, el grado
Por fim, a fiscalização patrimonial está ligada à manutenção,
crescente ou redução do patrimônio da União pelos fatores previstos
no orçamento ou independentes de orçamento, entre os quais
fatores imprevisíveis decorrentes de calamidade pública, "acts of
God" ou caso fortuito e força maior.
O artigo faz menção a uma fiscalização exercida sobre todos os
organismos do governo, estejam na Administração Direta ou
Indireta, inclusive no que diz respeito à participação nominativa da
União em empresas privadas (aspecto patrimonial), nada podendo
ficar de fora.
Tal fiscalização será exercida, à luz da legalidade da execução
orçamentária, de sua legitimidade (muitas vezes verbas aprovadas
preciso de desempleo dependerá de la estructura institucional. El primer paso para aplicar esta regla fiscal es el de estimar el PNB "más deseable" respecto al más efectivo, junto con el pleno empleo. El rendimiento producido por los diversos sistemas fiscales elegibles puede determinarse partiendo del supuesto de que la renta nacional se genera al nivel deseado. La regla establece que las decisiones con respecto a los impuestos y a los gastos deben hacerse siempre, bajo el supuesto de que la renta elevada debe mantenerse y de que debe existir equilibrio entre los dos lados de la cuenta. Para cada nueva partida de gasto público que se acepte, el Congreso debe aumentar los tipos de los impuestos en forma suficiente para financiar completamente el gasto con la renta correspondiente al nuevo nivel. De este modo, mediante el acoplamiento de los incrementos en el gasto con los aumentos en los impuiestos se espera que el princípio del equilibrio presupuestario, con su conveniente secuela de control, puede ser sostenido" (Hacienda Publica, Editorial de Derecho Financiero, Madrid, 1968, p. 141/142).
para determinadas atividades no exame de sua aplicação
mostram-se ilegítimas, como ocorreu com aquelas examinadas na CPI do
Orçamento), de sua economicidade (possibilidade material de
aplicação nos termos de sua aprovação)
(5).Legalidade, legitimidade e economicidade são, portanto, os
parâmetros da execução orçamentária, cabendo rígida fiscalização
de tais pressupostos, na operacionalidade das proposições
aprovadas pelo Congresso. O mesmo se diga em relação às
subvenções e renúncia de receitas, que, ao serem aplicadas ou
negadas, devem ser inspiradas pelos princípios da legalidade,
legitimidade e economicidade.
(5) Alain Barrere lembra que: "Las relaciones entre ingressos y gastos están inscritas dentro del cuadro del Presupuesto. Cuando se establece entre ellos un ajuste, se dice generalmente, que el equilibrio presupuestario se ha realizado. El presupuesto aparece así como el cuadro formal de este ajuste elemental. Pero el ajuste financiero, económico y social, desborda el cuadro del presupuesto, como veremos cuando se estudie la realización del equilibrio de la economía pública en el seno del equilibrio de la economía nacional (Tomo II, terceira parte).
De la citada definición, resulta que todo gasto ha de ser regulado por el presupuesto? Ocurre lo mismo con cualquier clase de ingreso?
En principio, sí; por lo menos en lo que se refiere a los ingresos fiscales y a los obtenidos del empréstito. Pero veremos que por el juego de la tesorería y el sistema de los anticipos del Banco de Emisión, este principio puede ser, de hecho, tergiversado, si no lo es de derecho. El presupuesto domina, pues, toda la materia financiera; así, no debemos asombrarmos de que revista caracteres múltiples: político, económico, técnico" (Economia Financiera, ed. Derecho Financiero, Madrid, 1969, p. 97).
A fiscalização do orçamento, portanto, será feita mediante duas
espécies de controle, o denominado controle externo e o controle
interno de cada Poder
(6).
(6) José Cretella Júnior esclarece: "O exocontrole ou controle externo, no que diz respeito à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, será exercido em conjunto pelo Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União.
E pelo sistema de controle interno de cada Poder. Analisando o art. 70 da Carta Política de 1969, Pontes de Miranda (cf. Comentários, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, vol. III, p. 221) procura explicar que o Congresso Nacional tem de exceder a fiscalização financeira e orçamentária da União, através de controle externo e dos sistemas de controle interno do Poder Executivo. A Carta Política de 1988 menciona não apenas o Poder Executivo, mas o sistema de controle interno de cada Poder (art. 71). Pontes de Miranda repele a expressão controle externo, preferindo, por entender melhor, a expressão fiscalização externa. Afora o pseudogalicismo "controle", há muito aceito na língua, as duas expressões são sinônimas, tendo exatamente a mesma acepção. Controle ou fiscalização externa é o exercício da vigilância orçamentária e financeira de outro Poder, que não o fiscalizante, com o objetivo de verificar a probidade da Administração, a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e o cumprimento preciso da lei de meios, conforme preceitua a Lei Federal nº 4.320/64. Em 1967-1969, o Congresso Nacional e os sistemas internos do Poder Executivo já exerciam a fiscalização financeira e orçamentária da União, cabendo ao primeiro o exercício do controle externo. Em 1988, o art. 31 da Constituição vigente atribuiu ao Poder Legislativo Municipal a fiscalização, mediante controle externo, dos dinheiros municipais, exercício feito com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do próprio Município, ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver, como em São Paulo e no Rio de Janeiro. No âmbito Federal, a fiscalização, financeira e orçamentária externa cabe ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art. 71) recaindo o controle sobre inúmeros pontos assinalados nos incs. I a IX do mesmo art. 71. Nenhum ato administrativo --portaria, circulares, instruções, avisos--, mas apenas lei federal poderá instituir, na esteira da Constituição, os meios de controle externo e interno. Ou de cada um deles.
As expressões controle externo e controle interno aparecem na Constituição de 1967 (art. 71 e § 1º) e de 1969 (art. 70 e § 1º), sendo conservadas na Constituição de 1988 (arts. 70 e 71)" (Comentários à Constituição de 1988, ed. Forense Univ., 1991, p. 2789).