• Nenhum resultado encontrado

Futebol, identidade nacional e construções midiáticas 1 O futebol-arte na imprensa nacional quando vence e quando perde

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Futebol, identidade nacional e construções midiáticas 1 O futebol-arte na imprensa nacional quando vence e quando perde"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 1

Futebol, identidade nacional e construções midiáticas1

O futebol-arte na imprensa nacional quando vence e quando perde

Filipe Mostaro2

Resumo: Este artigo apresenta algumas considerações preliminares da pesquisa que

tem como objetivo principal identificar como o chamado futebol-arte é abordado pela imprensa no caso de vitória e no caso da derrota. Tido como um elemento típico da brasilidade construída nos anos 1930, o jogo bonito é frequentemente usado pela mídia como uma forma de tornar a equipe “representante autêntica do futebol nacional”. Estudaremos os discursos midiáticos em torno da seleção de 1970 e da seleção de 1982, tidas pela própria imprensa como símbolo deste futebol. A criação de identidades durante as Copas do Mundo pela imprensa será nosso objetivo principal neste trabalho, fundamentando-se basicamente nos referenciais teóricos e na metodologia que serão utilizados ao longo da pesquisa.

Palavras-chave: futebol, identidade nacional, futebol-arte, Copa de 1970, Copa de

1982

Introdução

“Nós somos o país do futebol”. A afirmação é constantemente reproduzida na mídia e às vésperas da Copa do Mundo que será realizada no Brasil esse argumento é reforçado. A ideia de que além de sermos o país do futebol somos o maior exemplo da escola do futebol-arte “bailarino” e “dionisíaco”3 é abordada pela mídia desde a Copa do Mundo de 1938. Durante este mundial, os jornais franceses se maravilharam com jogadas consideradas como malabarismos executados com a bola pelo jogador Leônidas. O sociólogo Gilberto Freyre, também afirmou em seu artigo Football

Mulato que pela primeira vez o país mandava ao exterior um “team francamente

1

Trabalho apresentado no GT 4 Representação Social e mediações Socioculturais do VI Congresso

de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria pós-graduação. UERJ, Rio de Janeiro, outubro de 2013.

2 Mestrando em Comunicação pela Uerj.

3

O termo “futebol bailarino” e “dionisíaco” foi utilizado pela primeira vez pelo sociólogo Gilberto Freyre em seu artigo “foot-ball mulato” publicado no dia 17 de junho de 1938 no Diário de

(2)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 2

brasileiro”. Essas ideias das verdadeiras raízes nacionais foram difundidas por Getúlio Vargas em torno de um nacionalismo exacerbado.

Anos depois, podemos observar que a ideia do futebol tipicamente nacional, tendo a miscigenação como o fator de diferenciação do brasileiro frente a outros povos ganhou destaque com o título de 1958. Pelé, negro e Garrincha, descendente de índios simbolizariam o futebol-arte vencedor do Brasil que concretizava o destino do brasileiro: “nascido para jogar futebol”. Essa ideia foi reforçada no bicampeonato de 1962, já que “com brasileiro ninguém podia4”. O discurso midiático, então, se tornou mais presente com a presença da televisão durante a copa de 1970. A conquista do tricampeonato revalidou a teoria de que não só tínhamos o melhor futebol do mundo, mas também o futebol-arte, que nenhum outro pais possuía, um elemento típico de nossa nação. “...a vitória no Mundial de 1970 consolidou o futebol como elemento de identificação cultural, fortalecendo o sentido de pertencimento à nação durante as Copas do Mundo.” (HELAL, CABO E SILVA, 2011, p.203-204)

Passados 12 anos, a seleção de 1982 surgiu como a representante do suposto futebol-arte e entrou na Copa como favorita. A derrota para a Itália ficou conhecida como a tragédia do Sarriá5 e exaltou a discussão no Brasil entre futebol-arte e futebol força. O presente projeto buscará identificar qual é o tratamento dado pela imprensa nacional ao futebol-arte quando ele perde, como na Copa do Mundo da Espanha em 1982 e quando vence, como na Copa de 1970.

A criação de identidades no cenário esportivo

O nosso objeto de estudo, futebol, possui um valor ímpar na consolidação de uma identidade nacional ao longo dos anos 1930. Mesmo não vencendo a Copa de 1938, a ideia da miscigenação e por consequência o futebol-arte, ganhou eco e se consolidou no discurso midiático. Às vésperas de sediarmos pela segunda vez o

4 O termo se refere a música composta por Wagner Maugeri, Lauro Müller, Maugeri Sobrinho e Victor

Dagô durante as comemorações da conquista da Copa do Mundo de 1958 pela seleção brasileira

5 No dia 5 de julho de 1982, o Brasil perdeu para a Itália por 3 a 2 e foi eliminado da competição, ainda

(3)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 3

Mundial da FIFA, o tema se torna relevante, principalmente ao identificarmos o quase dever cívico da seleção nacional em jogar o futebol-arte durante uma Copa do Mundo. Acreditamos que a pesquisa desenvolvida nesta dissertação contribuirá para as percepções dos valores que o futebol-arte desempenha na sociedade brasileira.

Entretanto é preciso pontuar o surgimento desta ideia. No artigo “A Imprensa e a memória do futebol brasileiro” (2007), os autores Soares, Bartholo e Salvador, indicam o “embrião” do futebol-arte e algumas características que vão defini-lo como tipicamente nacional.

No futebol brasileiro, a idealização do estilo de jogo do futebol-arte, representação que permanece muito forte até os dias atuais quando se refere à seleção brasileira, tem seu embrião em um artigo do intelectual Gilberto Freyre, escrito para o Jornal o Diário Associados de Pernambuco durante a Copa do Mundo de 1938 na França. “Foot-ball mulato” atribui características dionisíacas ao estilo de jogo brasileiro que estariam diretamente relacionadas aos elementos culturais de um povo miscigenado. Criatividade, espontaneidade, malemolência seriam atributos do futebol brasileiro, oriundos da mistura das raças que formariam a Nação. (SOARES, BARTHOLO e SALVADOR, 2007, p.5)

(4)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 4

Os trabalhos de Gilberto Freyre possibilitaram uma visão original dos fundamentos do povo brasileiro. Neles, o negro, o índio e o colonizador português sempre tiveram fundamental importância numa sociedade ajustada ás condições do meio tropical e da economia latifundiária. A sua mensagem, de um Brasil anti-racista e democrático, representou um divisor de águas no processo cultural brasileiro, influenciando a ideologia oficial do Estado Novo ao compor a figura da democracia racial ( SOUZA: 2008, 187)

Segundo Gordon (1995:75) a presença do negro neste esporte fez com que se acreditasse que as qualidades do futebol brasileiro fossem oriundas de “predisposições raciais”, tais como malícia, ginga e musicalidade. Para Soares e Lovisolo (2003) a imagem do que se determinou chamar de “estilo brasileiro de futebol” são da alegria, do improviso, dos dribles, das firulas e serviu para construção dos sentimentos de pertencimento a uma nação miscigenada. Dessa forma, a miscigenação se tornaria elemento principal de nossa singularidade e o futebol passaria a ser visto como sintetizador de nossa cultura. “O futebol leva a marca profunda da cultura, música, da dança e da luta, dos que dela se apropriaram em cada contexto nacional ou regional.” (LOVISOLO, 2001, p. 96)

Através da miscigenação, o estilo brasileiro (beautiful game) é narrado como um modo singular de uso do corpo, uma técnica corporal, interpretada ora como socializada culturalmente (MAUSS, 1974), ora como um produto da miscigenação racial, na versão da fábula das três raças. Segundo a qual o cultural se confunde com a expressão biológica. (BARTHOLO e SOARES, 2011, p.53)

(5)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 5

argumento é frequentemente abordado e reforçado pela mídia como forma de retorno às “raízes nacionais”, construindo um discurso de identidade nacional.

As observações sobre a Copa do Mundo de 1938 proporcionaram ao autor de Casa-Grande e senzala a identificação de um estilo autêntico de se jogar futebol no país. Em notas do seu livro Sociologia (1943), Gilberto Freyre contrapõem o futebol-arte brasileiro ao futebol científico europeu. Ao amoldar o esporte bretão ao jeito típico de jogar do mulato, o brasileiro privilegiou a qualidade individual em detrimento da organização coletiva. A diferença baseada na habilidade e na surpresa seria a chave decifradora do sucesso brasileiro apresentada pela equipe em partidas internacionais (HOLANDA:2004,62)

Percebe-se que estabelecer a fronteira entre “nós” e “eles” foi fundamental na formação dos estados nacionais latino-americanos. Dessa forma, o futebol seria um terreno fértil para a produção de significados, símbolos e representações do que é “ser brasileiro”.

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. (HALL, 2011, p.51)

Ao se produzir sentidos sobre o brasileiro, o futebol teve um papel chave ao construir estereótipos relacionados ao jogo que ultrapassavam a esfera esportiva e marcavam a sociedade brasileira. (SOARES et al:2007)

Tais narrativas são repetitivas e refletem, historicamente, os desejos de afirmação da identidade nacional, a tensão entre os ideais civilizatórios e de afirmação da autenticidade cultural e as contradições na afirmação da cidadania. As narrativas tomam o futebol como espelho dos dilemas da sociedade brasileira, deixando de explicar a singularidade das técnicas corporais que distinguiriam o estilo de jogo brasileiro. (LOVISOLO, SOARES, 2003, p.130)

(6)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 6

meio acadêmico, cujos debates sobre a invenção de tradições em torno dessa obra sugerem uma ampla discussão sobre os estudos do futebol no Brasil6.

O termo tradição inventada é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Incluí tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado no tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez. A transmissão radiofônica real realizada no natal da Grã- Bretanha (instituída em 1932) é um exemplo do primeiro caso; como exemplo do segundo, podemos citar o aparecimento e evolução das práticas associadas à final do campeonato britânico de futebol. (HOBSBAWN :1997,9)

O futebol-arte vai ser defendido como algo tipicamente nacional, em contraste ao modelo europeu, denominado futebol força. Fatores como ginga, samba e jogo de cintura, serão incorporados ao estilo de jogo, tornando cada vez mais, uma tradição nacional. Não jogar o futebol-arte, seria negar a nossa brasilidade.

Futebol-força exprime um estilo onde a ênfase no treino consequentemente na racionalidade é maior e mais intensa. Já a ideia do futebol-arte fala de carisma, de sorte, de malandragem, de jogo-de-cintura, de beleza e de sedução carnavalizante. De um lado há a ideia Ocidental do exercício como base de tudo; doutro, a ideia reprimida pelo Ocidente capitalista, liberal e burguês, de um mundo encantado, onde os deuses existem e falam com os homens. (DAMATTA, 1995, p. 7)

O sucesso deste esporte, sua massificação e a construção de uma narrativa positiva sobre o Brasil formaram, como afirmam Soares e Lovisolo (2003), “um belo casamento”. “O futebol passa a ser visto como um desses espaços de sintetização da cultura nacional, isto é, local de assimilações, de encontro entre classes antagônicas, de cadinho das diferentes raças e tradições culturais que diferenciavam o Brasil das outras nações” (FREYRE Apud SOARES, LOVISOLO, 2003). Este trecho do artigo Football Mulato, de Freyre, embrião de toda essa construção de um estilo brasileiro de praticar o futebol, demonstram as intenções de autor e ajudam a entender o debate no meio acadêmico em torno do futebol-arte:

6

(7)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 7

...uma das condições de nosso triunfo, este ano, me parecia a coragem, que afinal tivéramos completa, de mandar à Europa um time fortemente afro-brasileiro. Brancos, alguns, é certo; mas grande número, pretalhões bem brasileiros e mulatos ainda mais brasileiros. [...] O nosso estilo de jogar futebol me parece contrastar com o dos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo tempo de espontaneidade individual em que se exprime o mesmo mulatismo de Nilo Peçanha que foi até hoje a melhor afirmação na arte política. Os nossos passes, os nossos pitu‘s, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, o alguma coisa de dança ou capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e adoça o jogo inventado pelos ingleses e por eles e por outros europeus jogado tão angulosamente, tudo isso parece exprimir de modo interessantíssimo para psicólogos e sociólogos o mulatismo flamboyant e ao mesmo tempo malandro que está hoje em tudo que é afirmação verdadeira do Brasil (Freyre, 1938, s/p).

Com a construção desta ideia e deste estilo tupiniquim, que trazia traços de brasilidade, não é difícil entender a identificação do brasileiro com o futebol. Nesse mesmo prisma, observamos a Seleção Nacional como a representante deste estilo, como objeto de adoração e com o status de símbolo nacional.

...depositamos na seleção muito mais do que uma simples vontade de vencer uma partida de futebol: fazemos dela um símbolo dos nossos desejos e temores. Por isso, as construções das vitórias e das derrotas da nossa seleção sejam tão reveladoras de sentimentos mais profundos, que não se esgotam em análises técnicas de partidas de futebol. (HELAL, 2001, P.153)

(8)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 8

Assim, pontuadas as questões em torno do futebol-arte no Brasil, entendemos que o momento no qual seu discurso mais se emerge na sociedade brasileira é durante as Copas do Mundo FIFA. Durante este período a dicotomia entre futebol-arte e futebol-força é mais exaltada, exigindo-se a presença desse suposto estilo quando se fala de seleção.

Ocorre que a seleção brasileira tem o poder de se transformar em metáfora da nação, na “pátria de chuteiras”, como muito bem alcunhou o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues décadas atrás. Aqui, principalmente em Copas do Mundo, tendemos a valorizar o lado mais estético, alegre, criativo, e “artístico” do futebol, como sendo características típicas da sociedade brasileira. (HELAL, 2003a, P. 29)

Também é notório que, durante este evento, o nacionalismo em torno da seleção se torna mais exacerbado. “É nítido que os brasileiros ficam mais unidos em torno de um ideal a cada quatro anos. (...) as Copas do Mundo de futebol nos despertam de nossa catarse coletiva, numa espécie de nacionalismo cíclico.” (HELAL, CABO E SILVA, 2011, P.195). E ainda, segundo Maranhão (2011), as celebrações periódicas, como as Copas do Mundo, vão contribuir ativamente para um forte sentimento de coletividade, ancoradas em símbolos, rituais e práticas, reforçando o processo de construção de uma nação.

E é em épocas de Copa do Mundo que o discurso sempre retorna com mais força. Essa afirmativa deriva do fato de que o futebol é, efetivamente, um evento aglutinador de emoções, parte da construção do espírito nacional. É sempre durante os maiores eventos do futebol (copas do mundo, etc.) que as avaliações são mais plausíveis, quer para os atos de heroísmo, quer para os insucessos, fracassos e falhas no desempenho esperado. Por ser uma questão nacional, quando a seleção brasileira de futebol sofre um insucesso em competições importantes, tende-se a procurar culpados e muitas vezes o “estilo” apresentado e derrotado é questionado. Não raras vezes criticado por não ser “o verdadeiro estilo brasileiro”.(MARANHÃO, 2011, p.6)

(9)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 9

manifestações deste esporte tornam-se muito mais intensas e dramáticas”. (HELAL, 2001,p.151).

Partiremos, então, da ideia de que jogar o futebol-arte seria uma característica nacional. Assim, como o discurso midiático atuará no momento em que jogamos como “brasileiros” e vencemos nossos adversários? Por outro lado, como a mídia atuará quando exibimos o futebol-arte e perdemos a Copa do Mundo?

Para tentar elucidar essas questões, optamos por estudar duas seleções emblemáticas neste contexto. A primeira será a seleção de 1970, por partirmos do pressuposto que a definição da imprensa está correta e que esta seleção é o modelo para quem quer definir o que seria o futebol-arte. A segunda será a seleção de 1982, que recheada de craques, supostamente simbolizaria e recuperaria o estilo nacional de jogar futebol.

Sendo assim, observamos uma necessidade de compreender a produção midiática da auto-percepção e do senso de pertencimento coletivo. Analisar e pesquisar o papel dos meios de comunicação nesse processo é peremptório para compreendermos a própria contemporaneidade e a atuação dos mesmos na delimitação do espaço imaginário, condicionando a construção, desconstrução ou reconstrução de sentidos nos ambientes urbanos. Já que “refletir sobre o papel da imprensa esportiva como formadora de cultura é fundamental para que possamos observar como os jornais ratificam e constroem mitologias e discursos identitários.” (CABO e HELAL, 2011, p.95)

(10)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 10

Estudar o passado das construções midiáticas em torno do futebol-arte é importante por entendermos que “o passado é a referência comum que mantém a coesão interna dos grupos, permitindo formação de quadros de representação simbólica que lhes permitem significar o presente, a atualidade”. (RIBEIRO, 2003, p.94) Nessa reconstrução de discursos e resgate de memória coletiva, os eventos esportivos possuem uma dimensão histórica para Boyles e Raynes (2000): “One of the particular appeals of sport, for both media and supporters, is the extent to which the narratives or stories which surround sport act as a bridge between the present and the past. Sporting events need to have a longevity to feel important”.7

Hobsbawn, também vai afirmar que um dos aspectos da invenção de tradições resulta em “uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado”. Portanto, procuraremos identificar como as ideias do futebol-arte dos anos 30 foram reproduzidas em 1970 e em 1982 para fornecer esta continuação de sentidos em torno da Seleção Nacional.

Metodologia Empregada

A principal proposta desta pesquisa é identificar como o discurso midiático aborda o que se convencionou chamar de futebol-arte quando ele ganha e quando perde. Investigaremos as formas com que a mídia, possivelmente, buscou nas identidades nacionais construídas nos anos 1930, fatores para reatualizar o discurso de brasilidade através do futebol durante a Copa de 1970 e a Copa 1982, uma vez que essas seleções são conhecidas, até hoje, como símbolo do suposto estilo de futebol nacional. Compararemos os relatos jornalísticos de 1970 com os de 1982, identificando os elementos de identidade nacional presentes nos dois discursos e as possíveis diferenças de abordagens em consequência do resultado das equipes. Como objetivos específicos, analisaremos os recursos acionados pela narrativa midiática

7

(11)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 11

quando o futebol-arte perde e quando ele ganha. Também analisaremos o futebol-arte como fator de identidade nacional no discurso dos jornais selecionados.

Será realizada uma análise comparativa sobre as narrativas da imprensa na cobertura da Seleção Brasileira de futebol durante as Copa do Mundo de 1970 e 1982, para assim descrever o processo de brasilidade e identificação nacional que contribui como fator preponderante para a formação da cultura brasileira. Outrossim, buscaremos identificar se o chamado futebol-arte e os aspectos típicos da brasilidade construída nos anos 1930 e supostamente consolidados em 1970, foram resgatados pelo discurso da mídia em 1982, como forma de tornar a equipe “representante autêntica do futebol nacional”.

Entender e analisar o discurso midiático em torno de uma identidade nacional é um dos pontos de partida deste trabalho. Formulamos a problematização com os seguintes questionamentos: a) como a ideia de coletividade, de nação, do ser brasileiro, apontadas através de um futebol-arte, é tratada no momento que ele é vitorioso e no momento em que ele sai derrotado? b) a “pátria de chuteiras” sente mais a derrota quando jogamos de acordo com o nosso autêntico estilo, ou o discurso midiático “entende” a derrota quando praticamos a “verdadeira escola brasileira” de futebol?

Dessa forma, tendo essas perguntas como “pontapé inicial” de nossa pesquisa acreditamos que seja possível contribuir com novas informações acerca da formação da identidade nacional dos anos 1930 através do futebol e como a mídia reconstrói esse discurso, seja em 1970 ou em 1982.

Apontada a problematização de nosso trabalho, formulamos as hipóteses de que: a) A cobertura jornalística ajuda a reconstruir e reafirmar o discurso de futebol-arte como algo tipicamente nacional, principalmente durante as Copas do Mundo. b) Quando se joga o futebol-arte a mídia “aceitaria” a derrota por ser o “real” estilo de jogo brasileiro.

(12)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 12

fazem dele uma das maiores fontes de definição de realidade em nossa sociedade.” Também concordamos com Becker (2011) que:

o papel da mídia e do jornalismo é cada vez mais relevante na significação e compreensão do mundo, modeladas por palavras e imagens que constituem em suas combinações relações complexas na produção de sentidos sobre o cotidiano social, independentemente dos suportes e das linguagens utilizadas. (BECKER, 2011, p.22)

Concordamos também com Cabo e Helal (2011, p.95) e entendemos que é importante refletir sobre o papel da imprensa esportiva como formadora de cultura para que possamos observar como os jornais ratificam e constroem mitologias e discursos identitários, apesar da objetividade jornalística, que se constitui um dos pilares da profissão. Assim, para analisarmos a ideia de futebol-arte no Brasil durante as Copas de 1970 e 1982, buscaremos nos jornais impressos as informações necessárias para elucidarmos as questões propostas acima.

Os jornais são um dos guardiões da memória social na modernidade. Rememorar qualquer evento que ligue o presente ao passado se tornou um dos motes do jornalismo. No caso do futebol, as narrativas jornalísticas apresentam sua memória resgatando fatos, imagens, ídolos, êxitos e fracassos anteriores, no sentido de construir uma tradição, como um elo entre as gerações dos aficionados pelo esporte. (SOARES et Al, 2007)

Ao analisarmos os discursos midiáticos de identidade nacional e brasilidade presentes nos jornais durante as Copas do Mundo de 1970 e 1982 pela vertente da Escola Francesa (CHARAUDEAU e MAINGUENEAU), pensaremos o discurso num contexto ideológico. Para Orlandi (2005) esta corrente, trabalha na construção de sentidos, sendo a dialética lembrar e esquecer, fundamental na construção de memórias e identidades sociais. Estes pontos serão decisivos em nossa análise.

(13)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 13

jornais impressos durante a realização da Copa do Mundo de 1970 e a Copa de 1982. O corpus será concentrado nos jornais O Globo e Jornal do Brasil, por terem, na época pesquisada, uma ampla circulação nacional. Iniciaremos a pesquisa um mês antes e encerraremos uma semana depois da Copa do Mundo.

Os jornais têm sido um dos mais relevantes veículos de manutenção e “construção” da memória. Rememorar qualquer evento que ligue o presente ao passado tornou-se um dos motes do fazer jornalismo. No caso do futebol, as narrativas jornalísticas apresentam sua memória resgatando fatos,imagens, ídolos, êxitos e fracassos anteriores, no sentido de construir uma tradição, como um elo entre as gerações dos aficionados pelo esporte. (SOARES, HELAL e SANTORO, 2004, P.63)

Também elencamos os dois periódicos supracitados por conta das colunas dos principais jornalistas esportivos da época fazerem parte destes jornais. Nomes como João Saldanha, Sandro Moreyra e Armando Nogueira influenciavam de forma decisiva os discursos dos jornais.

Ao se analisar o papel dos colunistas, também se trabalha com a concepção de que eles exercem o papel de “guardiões da tradição, atuando como construtores da memória de uma determinada época, num processo de permanente reelaboração. É importante registrar que a trajetória da seleção brasileira ao longo dos anos, bem como a representação identitária, é em grande medida, forjada pela imprensa. É que esse processo se dá, ora pelo lado do silêncio, ora pela lembrança de determinados fatos e acontecimentos, que vão sendo construídos, em sintonia com uma visão de mundo num processo não-estático e dialético. Tanto o esquecimento, quanto a lembrança são construções que ajudam a referendar o poder simbólico e real da imprensa na sociedade, e neste caso, dos colunistas em particular. (SOUTO:2007,304)

Ao analisarmos as mídias como reguladores do sentido social, buscaremos entender os efeitos esperados pelo discurso. Entendemos também que os discursos identitários de representação alimentam e tornam possível a máquina midiática e influenciam na construção e reconhecimento de identidades. Segundo Charaudeau: “o discurso de informação é uma atividade de linguagem que permite que se estabeleça nas sociedades o vínculo social sem o qual não haveria reconhecimento identitário.” (CHARAUDEAU, 2010, p.12)

(14)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 14

BARROS, Antonio Teixeira de; JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A elaboração do projeto de pesquisa. In: DUARTE, Jorge e BARROS, Antonio (orgs). Métodos e

Técnicas de pesquisa em Comunicação. 2°ed. São Paulo: Atlas, 2009

BECKER, Beatriz. Repensando o jornalismo na atualidade com imagens e palavras. Brazilian Journalism Research (BJR), vol.7, n.1, 2011

.

BOYLE R., RAYNES R. Power Play: sport, the media and popular culture. Edinburgh: Pearson Education Limited, 2000.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. 2. Ed. São Paulo: Contexto, 2010.

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. DAMATTA, Roberto. Brasil: futebol tetracampeão do mundo. Pesquisa de campo, n. 1. Rio de Janeiro, UERJ, 1995, p.7.

FRANZINI, Fábio. Corações na ponta da chuteira: capítulos iniciais da história do futebol brasileiro (1919-1938). Rio de Janeiro: DP&A editora. 2003.

FREYRE, Gilberto. Foot-ball mulato. Diário de Pernambuco, Recife, 17 jun. 1938, p.4.

GASTALDO, Édison L. Um Tempo Para Jogar: O 'Ser Brasileiro' na Publicidade da Copa do Mundo de 1998. Campos 1:123-146, 2001.

GASTALDO, Edison Luis. Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir

de um jogo. ano 1 - nº 10 - 2003 - 1679-0316 Cadernos IHU Idéias UNISINOS Ano

1 . Nº 10 . 2003.

HALL, Stuart – A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Rio de Janeiro, DP& A Editora, 2011.

HELAL, R.; SOARES, A. J; LOVISOLO, H.;. A invenção do país do futebol: Mídia,

Raça e Idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.

HELAL, Ronaldo e GORDON JR., Cesar. Sociologia, História e Romance na

Construção da Identidade Nacional Através do Futebol (com César Gordon

Júnior) - Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1999. HELAL, Ronaldo; LOVISOLO, Hugo e SOARES, Antonio Jorge. Futebol,

(15)

VI Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação – UERJ | UFF | UFRJ | PUC-RIO | Fiocruz Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro. 23 a 25 de outubro de 2013.

www.conecorio.org 15

HELAL, Ronaldo e LOVISOLO, Hugo. Jornalismo e Futebol: argentinos e brasileiros ou do “odiar amar” e do “amar odiar. In: Comunicação e esporte: diálogos possíveis/ org José Carlos Marques. São Paulo: Artcolor, 2007.

HOBSBAWN, Eric J. e Ranger, Terence. A Invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

MAINGUENEAU, Dominique; CHARAUDEAU, Patrick. Dicionário da Análise do

Discurso. 2ª ed., 2ªreimpressão. São Paulo, Contexto, 2008.

MARANHÃO, Thiago. O Mulatismo Flamboyant - Apropriações do futebol como expressão da formação social brasileira Anais do XXVI Simpósio Nacional de História

– ANPUH. São Paulo, julho 2011.

RIBEIRO, Ana Paula Goulart. A mídia e o lugar da história. In: HERSCHMANN, Micael, Carlos Alberto Messeder (orgs.). Mídia, memória e celebridades: Rio de Janeiro: Ed. E-papers, 2003.

SALVADOR, Marco Antônio Santoro e SOARES, Antonio Jorge Gonçalves. A

memória da Copa de 1970 - esquecimentos e lembranças do futebol na construção da

identidade nacional. Campinas: Autores Associados, 2009.

SOARES, Antonio Jorge Gonçalves e LOVISOLO, Hugo. Futebol: a

construção histórica do estilo nacional. In: Revista Brasileira de Ciências do

Esporte, v.25, n.1, Campinas, Autores Associados, p.129-143 set. de 2003.

SOARES, Antonio Jorge G.; BARTHOLO, Tiago L.; SALVADOR, Marco S.. A imprensa e a memória do futebol brasileiro. In: Rev. Port. Cien. Desp., Porto, v. 7, n. 3, dez. 2007.

SOUTO, Sérgio. Imprensa e memória da Copa de 50: a glória e a tragédia de

Barbosa. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal Fluminense.

SOUTO, Sérgio. Colunistas em campo pela tradição: as memórias da seleção brasileira na Copa de 2002. In: Mídia e Memória (org) Ana Paula Goulart Ribeiro e Lucia Ferreira. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.

SOUZA, Denaldo Alchorne. O Brasil entra em campo! Construções e reconstruções da identidade nacional (1930-1947). São Paulo: Anablume, 2008.

Referências

Documentos relacionados

A fuga de organismos do ambiente de cultivo também pode gerar impacto ambiental, quando a espécie cultivada não é nativa da bacia de drenagem, ou seja, está se introduzindo

INSTRUÇÕES. Esta prova contém 40 questões objetivas. Em cada questão existe apenas uma resposta certa. Leia cuidadosamente cada uma das questões e escolha a resposta correta.

Fica claro que, ao apontar a fragilidade do ensino em leitura e escrita de textos, não temos como intenção desqualificar as práticas docentes, reduzindo suas intenções ou

Aquêles, que tomam a si a tarefa de executar um programa de plane- jamento de lucros, logo reconhecem o seu grande valor como um edu- cador de todos os níveis administrativos.

200 ml de água de coco 200 ml de água de coco 1 folha de couve 1 folha de couve Hortelã a gosto Hortelã a gosto Modo de preparo Modo de preparo Bater todos os. Bater todos os

Quer seja para energia em regime contínuo, de emergência (standby), de ponta ou cogeração, também chamada de aplicações de Calor e Energia Combinados (CHP), nossas soluções

Dessa forma, indicaremos como o futebol e nosso “estilo nacional” se tornou um dos pilares da construção de uma identidade nacional nos anos 1930 e um

Resumo: Neste artigo, destacaremos a importância do futebol na construção da identi- dade nacional nos anos 1930. Nosso suposto estilo de jogo, o futebol-arte, foi construído