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Filosofia da linguagem e psicanálise : contribuições a partir dos perlocucionários

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Academic year: 2021

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Cláudia Carneiro

Maria Nilza Campos

(Organizadoras)

Fronteiras

em

Psicanálise

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM E PSICANÁLISE: UMA CONTRIBUIÇÃO A PARTIR DOS ATOS PERLOCUCIONÁRIOS

Valeska Zanello42

Resumo

Freud ap o n ta a “m agia” das palavras com o âm ago do processo de análise, seja na associação livre do paciente, seja nos efeitos da interpretação do analista. O presente artigo tem com o fito utilizar o conceito de ato perlocucionário (Austin, 1991), proveniente da filosofia da linguagem ordinária, p ara co m p reen d er os usos e efeitos da palavra sobre o paciente, no processo analítico. Segundo Austin (1991), o ato perlocucionário é o efeito causado no ouvinte p o r se dizer algum a coisa. D efendeu-se a idéia de qu e a qualificação do m odo de dizer, isto é, a en to n aç ão (prosódia) do co n teú d o proferido pelo falante (no caso, a interpretação do analista) é fundam ental p ara a com preensão desses efeitos.

Palavras-chave: processo analítico; atos perlocucionários;

prosódia.

42 Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (com doutorado sanduíche na Université Catholique de Louvain - Bélgica), psicóloga e bacharel em Filosofia pela Universidade Brasília.

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Abstract

Freud points out the “m agic” of w ords as the co re of the process of analysis, either in the free association of the patient o r in th e effects of the analyst's interpretation. The objective of th e present article is to use the concept of perlocutionary act (Austin, 1991), from the philosophy of the ordinary language, to u n d erstan d th e uses and effects of the w ord over the patient, in the analytical process. According to Austin (1991), the perlocutionary act is the effect caused on the listener from utterance. A defense w as m ade to the idea that the qualification of th e m ode of saying, i.e., the intonation (prosody) of the contents expressed by th e speaker (in the case, the analyst's interpretation) is essential to the understanding of such effects.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM E PSICANÁLISE

Freud, já em 1905, apontava a im portância da palavra p a ra o p erar a “cura" naqueles casos cujo sofrimento era de ordem psíquica:

D e prim eira im portância entre tais m edidas é o uso de palavras; e as palavras são o instrum ento essencial do tratam ento m ental. Um leigo sem dúvida achará difícil com p reen d er de q u e form a os distúrbios patológicos do corpo e da m ente p odem ser elim inados p o r 'meras' p a la v r a s . (...) A g o ra , ta m b é m c o m e ç a m o s a co m p reen d er a 'mágica' das palavras. As palavras são o mais im portante m eio pelo qual um h om em busca influenciar outro; as palavras são um bom m étodo de produzir m udanças m entais na pessoa a quem são dirigidas. N ada mais existe de enigm ático, portanto, na afirmativa de qu e a m ágica das palavras p o d e eliminar os sintom as de doenças, e especialm ente daquelas que se fundam em estados m entais. (Freud, I90S, pp. 302- 306)

Q ue m ágica é essa das palavras a que ele alude com o “enigm a”? A questão da linguagem e de suas funções não é um problem a novo, d a contem poraneidade; m as antes, rem onta às nossas raízes na Grécia Antiga. Platão (séc. IV. a.c.), em sua

República, já definia a linguagem com um pharmakon, substância

q u e poderia ser considerada tanto com o rem édio, quanto como veneno, a d e p e n d e r d e quem a utilizasse, da quantidade e com qual sab er a respeito daq u ele no qual se ministrava a “ dose”.

Em A ristóteles (IV a .c.), firma-se, no pensam en to ocidental, a função especular da linguagem, isto é, a idéia d e que a linguagem , quan d o utilizada de m aneira séria e rigorosa (leia-se: filosófica e depois cientificam ente), deveria ser um espelho do m undo. Nela, a proposição ocuparia o coração da Lógica, sendo o âm bito no qual se daria a v erdade e a falsidade. Afirma-se, portanto, u m a n o ção esp ecu lar en tre linguagem e realidade, entre proposição e m undo, situando-se a v erdade com o correspondência entre am bos (Rorty, 1994).

O ápice desta tradição se deu, séculos depois, na realização do Tractatus Lógico-Pholosophicus, d e W ittgenstein (1994). Nesta obra, característica da prim eira fase d e seu pensam ento, o filósofo postula a existência de um a relação isomórfica entre linguagem e m undo, sendo que a linguagem ordinária disfarçaria esta isomorfia, surgindo daí a necessidade de um a linguagem formal. A cada proposição deveria relacionar-se um estado de coisas possíveis (afirm ação d a sem ântica). Neste sentido, se a proposição representa

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“a existência e a inexistência dos estados d e coisas” (W itgenstein, 1994, p. 177), então “a totalidade das proposições verdadeiras é toda a ciência natural (ou a totalidade das ciências naturais)” (Wittgenstein, 1994, p. 177).

No entanto, o problem a de d enom inação das cores (dos graus de suas tonalidades) impôs a W ittgenstein (1995) repensar a sua própria form a d e conceber a linguagem. Isso o levou àquilo que é conhecido com o a “virada lingüística” (“lingüistic tu m ”). É nesta fase que o filósofo escreve as Investigações Filosóficas (1995).

Nessa obra, o autor rom pe com a tirania sem ântica e especular do enfoque da linguagem, colocando em cen a seu aspecto pragm ático. Em outras palavras, afirma-se aqui a idéia de que o sentido da palavra é seu uso e, tam bém , de q ue podem os fazer muitas coisas com a linguagem além de representar o m undo, com o p or exemplo: rezar, prom eter, ofender, bajular, etc.

A partir das idéias de W ittgenstein, consolida-se então um a corrente conhecida n a filosofia com o “Filosofia da Linguagem Ordinária". Esta corrente visa co m p reen d er e explicitar as regras que regem nosso uso da linguagem, os atos q ue ela realiza e os efeitos de seu uso.

Buscamos, neste artigo, instrum entarm o-nos dos aportes trazidos por essa vertente para repensarm os alguns aspectos da idéia originária d e Freud.

Austin, seguidor das idéias d e W ittgenstein, propôs a teoria dos atos de fala, justam ente para n o m ear o uso d a linguagem pelo qual realizamos atos. Segundo ele, os atos de fala são constituídos p or 3 elem entos: o ato locucionário, o ato ilocucionário e o ato perlocucionário. O ato locucionário seria com posto pelo ato fonético (produção d e ruídos), ato fático (proferim ento d e certos vocábulos ou palavras, num a determ inada entonação) e ato rético (ato de utilizar tais vocábulos com um certo sentido e referência mais ou m enos definidos).

J á o ilocucionário seria o proferim ento da locução que, ao ser dita, realiza um ato. Por exemplo, o proferim ento d e “vocês estão casados”, feita po r um padre, e preenchidos os pré-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos não sejam já casados com outras pessoas, que o padre não seja um farsante sim ulando ser um padre, dentre outros), é a realização do próprio ato d e casar.

Q u an to aos p erlo cu cio n ário s, Austin nos diz q u e poderíam os traduzi-los ainda que não sem algum problem a, pela frase “po r dizer algo, fez tal coisa”.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM E PSICANÁLISE

Em suas palavras:

Há um outro sentido (C) em que realizar um ato locucionário, e assim um ato ilocucionário, p o d e ser tam bém realizar um ato de outro tipo. Dizer algo freqüentem ente, ou até norm alm ente, produzirá certos efeitos o u c o n seq ü ên cias sobre os sentim entos, pensam entos ou ações dos ouvintes, ou de quem está falando, ou de outras pessoas. E isso p o d e ser feito com o propósito, intenção o u objetivo de produzir tais efeitos. Em tal caso podem os dizer, então, p ensando nisso, que o falante realizou um ato qu e p o d e ser descrito fazendo-se referência, m eram ente oblíqua (Ca) ou m esm o sem fazer referência algum a (Cb) à realização do ato lo c u c io n á rio o u ilo c u c io n á rio . C h a m a re m o s a realização d e um ato deste tipo d e realização de um ato perlocucionário ou perlocução. (Austin, 1991, pp. 89- 90)

In te re s s a -n o s , n o p r e s e n te a r tig o , n ã o os a to s ilocucionários (atos que ao se dizer algo, faz-se algum a coisa), mas os perlocucionários, visto qu e estes se ligam aos efeitos d a fala sobre o ouvinte (tem a fundam ental p ara com preenderm os, por exemplo, os efeitos d e um a interpretação em análise).

A u stin a p o n t a c o m o u m im p o r ta n te e le m e n to diferenciador entre os atos ilocucionários e os perlocucionários, a convencionalidade. Para ele, “os efeitos co nseqüentes das perlocuções são realm ente resultados, q ue não incluem efeitos convencionais” (Austin, 1991, p. 90), ou seja, “produzim os porque dizemos algo" (Austin, 1991,p.95). J á osato s ilocucionários “podem estar ligados a convenções” (Austin, 1991, p. 93). Os atos ilocucionários possuem assim certa força convencional. Esta distinção visa, segundo o próprio Austin, separar bem a ação que fazemos (no caso um a ilocução) d e sua conseqüência. Neste sentido, os atos ilocucionários se ligariam a efeitos, diferentem ente da produção d e efeitos, efetuada pelos perlocucionários.

Austin coloca a e n to n ação com o elem ento perten cen te ao a to fá tic o . A e n to n a ç ã o é u m a s p e c to e sse n c ia l p a ra com preenderm os o ato ilocucionário, ou com o cham ará mais tarde Searle (1984; 1995), a força ilocucionária dos atos de fala em geral. N o e n ta n to , será ta m b ém um fato r fund am en tal p a ra a com preensão dos atos perlocucionários, com o verem os adiante.

A gram ática, em geral, possui um a construção limitada p ara traduzir as com plexidades da entonação, presentes no uso vivo da fala (nas perguntas, nas afirmações, nas ordens, etc).

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Searle (1995) construiu um a taxonom ia geral da força ilocucionária através de grandes conjuntos (assertivos, expressivos, declarativos, compromissivos e diretivos), os quais perm item classificações muito vastas acerca do q ue se faz ao dizer certos proferim entos. Tom em os com o exem plo a e n u n c ia ç ã o do proferim ento “A m anhã irei à sua casa”. Trata-se d e um ato d e fala com prom issivo. No e n tan to , p o d e ser p ro n u n c ia d a com o en to n aç õ es diferentes, p ro v o can d o outros efeitos além da expectativa (convencional) no ouvinte de qu e o falante cum pra sua prom essa. É o caso do ouvinte se sentir am eaçado, convencido, etc. Enfim, poderia ser com preendida com o algum a “conseqüência sobre os sentim entos, pensam entos ou ações dos ouvintes” (Austin, 1991, p. 89) n ã o d ire ta m e n te re la c io n a d a ao c o n te ú d o locucionário. Em outras palavras, um m esm o ato de fala, apesar da m esm a força ilocucionária, p o d e ser realizado através de entonações diferentes (mas n ão qualquer entonação), com efeitos perlocucionários distintos. O efeito de espera do cum prim ento da prom essa estaria assim relacionado, na visão de Austin, à convencionalidade do ato ilocucionário compromissivo. No entanto, sentir-se am eaçado, convencido, etc seria o efeito perlocucionário, tendo, portanto, caráter não convencional.

O que se pretende mostrar, neste artigo, é que o efeito perlocucionário no ouvinte possui um a relação com a ento n ação do falante (pode-se afirmar a m esm a locução com tons bem diferentes), tendo um caráter de convencionalidade, presente na com unidade lingüística, em sua interpretação. Trata-se agora de perguntar d e q ue m odo isso se daria. O autor que nos fornece grandes contribuições nesta área é o psicanalista Ivan Fónagy (1983).

Segundo Fónagy (1983), a fala, en q u an to fonação, tem bases psico-pulsionais. Isto é, não é p o r acaso q ue os term os m etafóricos que atribuím os aos sons são os adjetivos “leves” ou “pesados”, “frios” ou “grossos”, “duros” ou “m oles”, “lisos” ou “rugosos”, “secos” ou “úm idos”, “transparentes” ou “o pacos”, “fem ininos” ou “m asculinos”, mas antes isso aponta p ara um a profunda im bricação entre corpo, pulsão e linguagem .O som seria, segundo o autor, o caráter gestual do conteúdo pulsional presente na entonação. Fónagy m ostra existir assim um a passagem do gesto

corporal para um a m ini-perform ance dram ático-bucal no plano do

a p arelh o fonatório. Em o u tras palavras, o c o rre to d o um engendram ento específico das relações entre a glote, as cordas vocais e a laringe para possibilitar a entonação. Esta última seria o veículo privilegiado p ara a transm issão d e m ensagens em ocionais.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM E PSICANÁLISE

Fónagy (1983) sublinha que a glote, enquanto órgão totalizador d e m ovim entos corporais expressivos, reproduz no curso das em oções os m ovim entos essenciais de tal ou tal atividade ancestral. N este sentido, ela reage sensivelm ente às m udanças em ocionais, p erm an e cen d o o órgão por excelência das m ensagens vocais não-articuladas. O au to r descreve d e m aneira incrivelm ente articulada a “b atalh a ” opressiva que se passa no aparelho fonatório q u an d o em itim os proferim entos perm eados d e cólera, ou a doçura e a harm onia quan d o o que se faz presente é a ternura.

O gesto se incorpora assim à própria linguagem verbal. O “gesto” na fala (sua entonação) é ressentido pelo ouvinte enquanto tal devido a um a m odulação ou distorção da realização habitual dos fonem as.

Neste sentido, as pesquisas de Fónagy têm levado a pensar a existência de dois m ecanism os, segundo ele universais, que utilizamos q u an d o o assunto é a entonação:

- Reforçam os a ênfase acentuai p ara exprimir um a em oção mais forte (no caso de em oções ternas, prolongam os as vogais; no caso das em oções agressivas, prolongam os as consoantes). No entanto, m esm o as m udanças n a en to n aç ão e n a verbalização respeitam um q uadro linguístico definido pela língua. (Fónagy, 1983);

- D eslocam os o acento, para exprimir um a em oção particularm ente intensa.

A m aneira d e falar, d e pronunciar, seria, portanto, um a espécie d e atividade “parasitária” enxertada sobre a atividade em preendida com um a finalidade consciente e precisa, que seria, p o r exemplo, a realização do ato ilocucionário (e a prescrição dos g ra n d e s “c o n ju n to s” d e e n to n a ç ã o , rela c io n a d o s à força ilocucionária). Com o ap ontou Austin, nos perlocucionários teríam os com o característica que a resposta ou seqüela desses atos possam ser obtidas adicionalm ente ou inteiram ente por meios não locucionários, p o r exemplo, os gestos. Trata-se agora dos gestos nas palavras, segundo Fónagy. A m aneira de falar, d e pronunciar, pod eria ser com preendida, assim, com o um a espécie de atividade “o cu lta” e reveladora ao m esm o tem po, muitas vezes um a “dedo- d u ro ” de certos estados páthicos do falante! E mais: a entonação seria, de um lado, n ão convencional (é m otivada), po r outro lado, com o apontam os antes, h á um a decodificação convencional por p arte d o ouvinte! Em outras palavras, a ento n ação p o d e ser um m eio d e estudo dos atos perlocucionários e de seus efeitos.

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D esde já podem os vislum brar a infinidade d e questões que tal perspectiva p o d e ap o rtar para um a clínica das palavras cujo

setting pressupõe um a suspensão do olhar. D entre estas questões

destacam os a que aqui nos interessa.- com o a en to n ação do analista ao proferir sua interpretação p o d e facilitar d eterm inados efeitos

pharmakológicos (e perlocucionários) de suas palavras?

Poderíamos nos perguntar sobre a possibilidade ou não de que ele utilize este fator como parte de sua intervenção terapêutica, já que o tom parece escapar a um controle consciente. Os estudos de Fónagy aportam um interessante ponto de partida: face à dificuldade de registros reais de situações de fala hum ana, o pesquisador utilizou- se, sobretudo, da atuação de atores am adores e profissionais, em peças de teatro, o que se mostrou bastante profícuo. Isto é, a intencionalidade do ator de dar à sua fala um a certa entonação não alterava a “com preensão” do ouvinte, antes pelo contrário, parece que para ser um bom ator há que se poder “jogar” com estas nuances de diferentes entonações e os efeitos por elas produzidos.

A entonação pode ser com preendida, no caso da análise, como catálise da interpretação: não importa apenas o que é dito, mas, sobretudo, como é dito. O “com o” (entonação) altera o efeito perlocucionário sobre o paciente, e este se expande não apenas como efeito da palavra no psiquismo, mas como m ediador do próprio calor transferencial e da resistência ao processo analítico. Um exemplo importante, neste sentido, seria a diferenciação entre hum or e ironia, no que diz respeito à entonação.

Fónagy aponta que, nesta última, há um a forte contração muscular relacionada tam bém à raiva (que, segundo ele, seria a cólera contida), aum entando a duração das consoantes, e alongando, sobretudo, a duração das oclusivas surdas, e reduzindo por outro lado a duração relativa das vogais (nas entonações tem as teríamos o processo inverso, com alongam ento das vogais e encurtam ento das consoantes e oclusivas; se opõe, neste sentido, ao registro do feminino ou infantil). No humor, o que ocorre é a condensação de conteúdos de caráter opostos, com a ajuda dos mesmos meios prosódicos, num a espécie de jogo vocal antitético.

Na ironia, portanto, há um a agressividade q u e n ão se encontra presente no humor. Tal ingrediente, ap aren tem en te invisível (m as d e sd e já au d ív el!), p o d e le v a r a efeito s p e rlo c u ic io n á rio s b e m diversos d o m esm o c o n te ú d o d e interpretação sobre o paciente, aum en tan d o a resistência e m ediando um a transferência negativa...

Para pensarm os acerca da in terp retação hum orada, peguem os com o exemplo o caso de um a jovem de 28 anos. Sua queixa inicial é am orosa, dirigida contra um a relação q ue persiste há 15 anos e n a qual a paciente n ão se implica n em se desliga. Isto é,

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM E PSICANÁLISE

apesar de estar h á 15 anos com o m esm o nam orado, ela não consegue nem m o rar junto com ele, nem fazer plano a dois (ainda m ora com os pais), m as tam bém não consegue se “livrar” dele, num a relação en tão que lhe traz um profundo sofrim ento e da qual se acha extrem am ente dependente. N ão entrarem os em maiores detalhes. O qu e nos interessa aqui é qu e este tem a retorna durante praticam ente todas as sessões. Nelas, a paciente descreve, ainda que sem saber, sua tentativa d e m odificar seu parceiro, suas “lições” sobre ele, enfim, suas mil e um a peripécias p ara transformá-lo no que ele n ão é, m as qu e ela desejaria q ue ele fosse. Em m eio a este contexto, num a destas sessões, a paciente retom a o q ue lhe havia passado n o dia anterior, num a situação o nde novamente ela tentava dizer ao n am o rad o com o ele deveria ser. Conta-m e num tom tenso, som brio, enfurecido a m esm a história de sem pre: repetição... Digo- lhe en tão com um p o u co de riso, num tom hum orado: “Mas tu é um a p edagoga de véééio heinü Pedagogo de criança já é tarefa difícil, mas p edagoga d e véio é mais difícil ainda!”. Ela fica verm elha e ri, logo m e dizendo: “E o pior é q ue eu sou pedagoga mesmo!!! Fiz m agistério...” (nunca havia m e dito isso). Ri m uito, suspira e retom a suas associações, com eça p o r sua lem brança na qual, quando criança, adorava brincar d e professora, q uerendo sempre ser a professora. Algo nesta interpretação a tocou profundam ente, pois esta m etáfora foi retom ada outras vezes, em outras sessões. Gostaríam os de ressaltar qu e o tom de hu m o r foi aqui fundam ental. D estacam os desde já, juntam ente com Freud, que se o paciente com o adulto, p o d e refletir sobre a intensa seriedade com que realizava seus jogos na infância; equiparando suas ocupações do presente, ap aren tem en te tão sérias, aos seus jogos de criança, p ode livrar-se d a pesada carga im posta pela vida e conquistar o intenso prazer p roporcionado pelo hum or (Freud, [1908 (1907), p. 150.).

A e n to n a ç ã o é, assim , u m a sp e c to essen cial n a com preensão do ato perlocucionário e de seus efeitos, e se faz presen te n a in terpretação do analista com o exemplo daquilo que Freud d enom inou de enigm a da palavra. Tratamos aqui de pontuar um a das vias pela qual a filosofia da linguagem ordinária pode contribuir p ara a elucidação, a com preensão e o estudo desse enigm a.

Referências

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