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Quem são os médicos especialistas no Brasil?

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Academic year: 2021

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Eliane dos Santos de Oliveira1 Luiz Felipe Pinto2

Junho - 2000

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Mestre em Saúde Pública. Pesquisadora Colaboradora do Núcleo de Recursos Humanos em Saúde – NERHUS/DAPS/ENSP/Fiocruz. (oliveira@ensp.fiocruz.br)

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Resumo

A tendência à superespecialização dos médicos como forma de garantir e aumentar a eficiência produtiva, não é um fato isolado: estende-se por toda a sociedade moderna. Pode-se dizer que a dinâmica do próprio mundo do trabalho e a necessidade dos médicos em adquirir maior competência num determinado campo de atuação foram as determinantes deste processo.

Como já demonstrada por vários autores, a intensa especialização dos médicos no Brasil, está levando a uma maior divisão técnica do trabalho e com isso a incorporação na equipe de saúde de novos profissionais até então alheios ao setor. Portanto, os objetivos desse estudo é demonstrar através de dados oriundos da pesquisa “Perfil dos Médicos no Brasil”, as novas tendências do mercado dos médicos especialistas, baseando-se em variáveis como: perfil demográfico, setor de atuação, número de atividades na Medicina, renda mensal declarada, atividade em plantão e as novas subespecialidades no mercado.

O propósito é conhecer a situação atual do processo de especialização e suas alterações, assim como, comparar as especialidades que mais crescem, e qual o setor que elas estão sendo absorvidas (consultório, setor público, setor privado) a fim de que se identifique padrões de especialistas, pelas grandes regiões e estados brasileiros e, com isso se possa propor alternativas de políticas regulatórias.

Palavras-chave: especialização médica, mercado de trabalho médico, profissão médica

Abstract:

The trend to a high level of medical specialization as a way to garantee and increase the productivity eficiency is not na isolated fact: it extends to all modern society. The dynamics of the labour world itself and doctor need to acquire more competence on a specific labour field were the determinants of this process.

As it was demonstrated by several authors, the intense specialization of physicians in Brazil is getting to a high technical division of work and so incorporating to the health team new professionals even then “strange” to the sector. So, the goals of this paper is to demonstrate from the data generated by the Physician Profile in Brazil Research (Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil), new market trends of specialists physicians, using variables such as: demographic profile, labour place, number of activities in medicine, professional earnings, night shift activity and new “underspecialties” in the labour market

The purpose is to discuss the current situation of specialization process and its changes in the same that to compare the specialties that are increasing and in which sector they are being absorbed (physician’s office, public and private sector) in order to identify specialty trends by regions and states of Brazil and, with this, propose alternative regulatorian politics. Keywords: medical specialization, medical labour market, medical profesion

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Introdução

No Brasil, desde o princípio da década de 60, o aumento do número de profissionais em saúde, em especial, dos médicos, vem sendo proposto como solução parcial para a melhoria dos serviços e do atendimento do sistema de saúde. Diversos relatórios desenvolvidos por órgãos nacionais e internacionais - como a Carta de Punta del Este [1961] e os Anais da 3ª Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas [1972] em termos internacionais, e a 4ª Conferência Nacional de Saúde [agosto de 1967] e a IX Reunião Anual da Associação Brasileira de Escolas Médicas [setembro de 1971], em termos nacionais - denunciavam a existência de desigualdades nas relações médicos/habitantes em todo o território brasileiro (Médici, 1987).

Nos anos 70 já havia cerca de 45.000 médicos distribuídos principalmente na região sudeste (63,6%), nordeste (17,6%) e sul do país (15,6%). De forma residual apareciam profissionais no centro-oeste (2,5%) e norte (0,7%). Transcorridos dez anos, observa-se um incremento bruto do número de profissionais em atividade na ordem de 125%, passando o Brasil a ter cerca de 102.000 médicos. Curioso é notar que houve um ligeiro movimento de desconcentração regional, particularmente na região sudeste, que teve sua participação reduzida de 63,6% do total de médicos brasileiros em 1970, para 52,0% em 1980. Mesmo com um menor crescimento de médicos observado nesta região, ela continua sendo o principal pólo formador de profissionais tanto da área médica como de outras áreas da saúde, “exportando-os parcialmente para outras regiões do país” Tendo em vista que das 90 escolas médicas existentes hoje no país, a metade localiza-se nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais. (Machado et alii, 1992:67).

Segundo dados do Conselho Federal de Medicina, em 1994 já possuía cerca de 200.000 médicos. O crescimento observado, em particular, nos anos setenta, com o

boom das escolas médicas, não foi acompanhado na mesma proporção por uma melhoria

de atendimento de saúde. A concentração de 78% dos médicos em grandes centros urbanos,(como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e Pernambuco) tem sido apontado como o mais importante motivo para a falta de acessibilidade aos serviços médicos nas demais Unidades da Federação do país.3.

Diversas são as teses que tentam explicar o processo de especialização na medicina. A primeira relaciona-se com a moderna complexidade gerada pelo

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desenvolvimento tecnológico que ampliou o campo de conhecimento das ciências médicas, criando um paradoxo na profissão, no que tange à incapacidade dos profissionais de exercê-la em sua plenitude.

No caso brasileiro, uma segunda explicação foi o incentivo dado pelo setor privado na década 70, formando segmentos específicos para o mercado de trabalho em algumas especialidades. Este fato forçou o rebaixamento dos salários pela sobreoferta de médicos nas grandes cidades, e a facilidade de se acumular empregos públicos e privados com a atividade. (Médici, 1987). Para este autor a multiplicidade de empregos não foi propriamente uma estratégia de sobrevivência no mercado, apesar de ter contribuído para a queda dos salários médicos. Um dos pontos mais negativos, é que o processo de especialização não atendeu às necessidades essenciais da população menos favorecidas.

A terceira explicação diz respeito ao papel que a Previdência Social teve no direcionamento das políticas setoriais nas últimas décadas, tanto no financiamento, como na questão da compra e execução das ações de saúde. Contribuindo também no relevante ordenamento de recursos humanos para a saúde, sobretudo no processo de especialização médica. (Varella, 1996)

No nosso entender, o uso crescente do aparato cientifico e tecnológico tem influenciado intensamente no processo de especialização, no mundo como um todo, proporcionando uma maior expectativa de vida e, trazendo consequentemente sérias implicações nos custos de assistência médica hospitalar. Desta forma, o alto custo do modelo da medicina atual, “superespecializada” é cada vez mais questionado, tanto em relação ao seu poder de resolutividade, quanto a sua eficácia frente aos contrastes sociais e regionais.

Reconhece-se no setor saúde a especialização precoce dos recém-formados, exigida pelo próprio mercado de trabalho, que se orienta para o uso direto da tecnologia, contrastando com uma enorme parcela de milhões de brasileiros, que não tem sequer acesso aos serviços básicos de saúde. A própria categoria não consegue dar conta de reverter esta situação, conforme depoimento de um médico:

“Estamos nos tornando cada vez mais operadores de máquinas (...)

3 Ver: Oliveira, J. S. et alii, “Mudanças no perfil do mercado de trabalho e rendimento no Brasil”. In: Indicadores

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nos sentimos culpados em não atender as ansiedades e necessidade da população (...)” (médico ortopedista, 42 anos, MT)

Para Médici (1987), a especialização foi um mecanismo criado para permitir a expansão mercado de trabalho médico e assegurar o status quo da categoria. No entanto, ainda segundo este autor, a especialização pode ser encarada como uma situação de complementariedade e dependência entre os profissionais, como uma forma de preservar os nichos profissionais e consequentemente a autonomia profissional. O médico que detinha conhecimento do indivíduo como um todo, passou a dividi-lo com outros profissionais, tratando apenas de parte específica, reduzindo a sua noção de totalidade, tanto do objeto de seu trabalho, o paciente, quanto do produto de seu trabalho, afastando-se da relação direta com o paciente.

Sendo assim, o objetivo central do presente artigo é descrever algumas das principais mudanças ocorridas no mercado de trabalho dos médicos especialistas no Brasil ao longo da década de 90, utilizando as especialidades de atuação declaradas observadas através da Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil4.

1. Médicos especialistas no Brasil

1.1. A Residência Médica

Ser um médico especialista em nosso país, não há necessidade da aquisição de um conhecimento especializado homogêneo ou pelo menos uniforme, nas diversas instituições que oferecem este tipo de ensino.

A especialização médica pode ser obtida por várias modalidades, desde o simples exame de ordem realizado pelas sociedades de especialistas, até as residências médicas em tempo integral, por um período não inferior a dois anos.

4

Para maiores detalhes, ver Machado et alii. “Perfil dos Médicos no Brasil”. Relatório Final (Médicos em Números). 28 volumes. Vol. I. Brasil e Grandes Regiões. Rio de Janeiro: Fiocruz/CFM/MS-PNUD, 1996, e também, Machado et alii. “Médicos no Brasil: um retrato da realidade”. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997 e a home page da Pesquisa em: http://www.ensp.fiocruz.br/perfil.

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Sabe-se também que existe um contingente expressivo de médicos que atuam no mercado como especialistas, sem no entanto possuírem uma especialidade formal5.

Pelos dados da Pesquisa, Perfil dos Médicos no Brasil, a residência médica apresenta-se como a principal modalidade de formação de médicos especialistas em nosso país. Cerca de 75% dos profissionais fizeram algum programa de residência no Brasil (com destaque para as regiões sudeste e sul); 40,7% tem curso de especialização; 7,7% tem mestrado e 3,7% tem doutorado. Curioso é observar algumas características dos profissionais que cursaram mais de um programa de residência. Conforme assinalam Machado & Pinto (1996:4), “quando o médico faz uma segunda ou terceira residência,

estas geralmente são em especialidades cirúrgicas especializadas (...) Ou então em áreas especializadas do ramo da clínica médica.”

Pode-se dizer que esta “superespecialização” é um reflexo das políticas adotadas pelo governo de incentivo à residência médica, maior formadora de mão-de-obra especializada no Brasil, segundo dados da Secretaria Executiva da Comissão Nacional de Residência Médica para a década de 80. (Machado et alii, 1995).

1.2. Distribuição dos especialistas

Os especialistas somam 183.052 médicos no país e estão localizados em sua maioria no sudeste (58,8%), seguido do nordeste (16,0%), sul (15,4%), centro-oeste (6,8%) e norte (3,1%). Nas capitais do país vivem cerca de 66% do total de profissionais em atividade.

5

Em 1992, foi realizada uma pesquisa com o apoio do CGDRH/Ministério da Saúde, que revelou um quadro de baixo controle e regulação do exercício profissional pelas instituições e entidades: Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, INAMPS, IBGE, CAPES, CNPq, Conselho Federal de Medicina, Cadastros RAIS/MTb, FUNDAP, Associação Médica Brasileira, Sociedades de Especialistas (nacionais e regionais), Associações, Sindicatos e Conselhos Regionais de Medicina, Academia Nacional de Medicina, Comissão Nacional de Residência Médica e Associação Nacional dos Médicos Residentes. (Machado et alii, 1995)

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Mesmo havendo sessenta e quatro especialidades médicas6, cerca de 39% dos médicos estão atuando em especialidades básicas: pediatria (13,5%), gineco-obstetrícia7 (11,8%); medicina interna (8,0%) e cirurgia geral (5,5%). Constituem áreas matrizes na profissão médica, fundamentais para qualquer estrutura de assistência à população. Além disso, são especialidades mais “flexíveis” para um mercado cada vez mais competitivo, especialmente porque estamos falando de jovens médicos que não podem e não têm ainda uma efetiva definição do que, onde e como exercerão a atividade profissional.

Acompanhando este progresso, além das especialidades consideradas como “básicas” pelo Ministério da Saúde que mantém uma elevada participação desde a década de 40; existem outras ditas “modernas” como a genética clínica e a medicina de tráfego, que aparecem principalmente na região sudeste; as “alternativas”, como a homeopatia e a acupuntura, esta última recentemente incorporada ao conjunto de especialidades médicas; e as que atuam com a “tecnologia de ponta”, como neurofisiologia clínica e cirurgia cardiovascular, que completam o leque de diversidade existente e, retratam o complexo e intenso processo de especialização médica desencadeado no Brasil.

Há outras que formam nichos próprios não reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, consideradas como “subespecialidades”, como: ultra-sonografia, medicina ortomolecular, cirurgia experimental, videoendoscopia e neonatologia, dentre outras, mencionadas pelos médicos.

Algumas especialidades estão localizadas basicamente nas áreas urbanas da região sudeste, detendo quase a totalidade dos médicos, como: medicina esportiva (97,7%), medicina do tráfego (89,8%), tisiologia (88,8%), genética clínica ( 87,1%), homeopatia (78,4%), cirurgia de mão (74,6%); fisiatria (74,3%); neurocirurgia (73,5%); cirurgia de cabeça e pescoço (73,2%); hemoterapia (72,4%); terapia intensiva (72,0%); broncoesofagologia (71,7%); cirurgia cardiovascular (71,2%); e neurologia (71,1%).

6

Existem hoje sessenta e cinco especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina. Ressalta-se que na época da realização da pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil, a Acupuntura ainda não era reconhecida como especialidade médica.

7

Apesar das especialidades de Ginecologia e Obstetrícia serem reconhecidas separadamente pelo Conselho Federal de Medicina, optou-se por analisar os dados referentes às duas especialidades conjuntamente. Isto porque elas se complementam e, ainda pelo fato de que a maioria dos médicos entrevistados na Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil declarar as “duas” como uma única especialidade por eles desempenhada.

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Podemos citar ainda outras especialidades que apresentam discrepâncias regionais, como as que agregam mais de 80% nas duas maiores regiões (nordeste e sudeste), de que são exemplos a administração hospitalar, a angiologia e a mastologia.

Não há, como se poderia imaginar, uma distribuição homogênea ou regular na escolha de especialidades pelos médicos. Os dados sugerem a existência de um processo bastante desigual, uma estrutura típica de ‘sazonalidade’, configurando a opção de

gerações de médicos por determinadas especialidades, isto é, os médicos nas diversas

faixas etárias escolhem suas especialidades seguindo uma tendência do mercado de sua época, levando em consideração alguns aspectos8, que podem ser identificados facilmente como: a) decorrentes das transformações epidemiológicas observadas no país; b) decorrentes do modelo de assistência médico-sanitária implantado; c) secundária à incorporação tecnológica observada na medicina e da atração efetiva que ela exerce sobre os profissionais; d)oriundas da organização político-ideológica das diversas especialidades frente às questões de ordem médica. Esta tendência corrobora com a tese dos médicos como “filhos de seu tempo”, sem lugar para romantismos ou idealizações teóricas.

2. Características sócio-demográficas

2.1. O aumento da participação feminina na profissão

Hoje, embora a profissão ainda seja marcadamente masculina (67,3%), o processo de “feminização” vem ocorrendo de forma gradual na maioria dos estados da região nordeste (41,1%), além dos estados do Pará (38,6%), Rio de Janeiro (38,1%) e Distrito Federal (37,2%). Em termos absolutos, tanto homens como mulheres aparecem com maior freqüência em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. As mulheres com menos de 45 anos já representam 41% do total de profissionais desta

faixa etária do país. A série temporal com o ano de formado dos médicos por gênero

explicita melhor o fenômeno de “feminização” e sugere que dentro de pouco tempo,

8

A distribuição das especialidades segundo faixa etária - excluídas as especialidades básicas - seguem um modelo que nos aventuramos a propor como inovador, requerendo alguns cuidados metodológicos e, em especial, precauções para a análise, pois ao se considerar as especialidades com pouca freqüência de médicos, o erro estatístico relativo às estimativas desejadas poderá ser elevado.

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provavelmente 20 anos, seja atingida a mesma proporção entre homens e mulheres em todas as faixas etárias. Nas capitais do país, este fenômeno já era visível no final da década de 70, enquanto que nos municípios que compõem o interior, somente no final da década de 80, a participação de mulheres graduadas na profissão se equiparou a de homens. (GRÁFICOS 1 e 2). Excluindo-se as especialidades básicas, praticadas por todas as gerações de médicos, as profissionais mais jovens (com menos de 40 anos) atuam com mais freqüência em cardiologia, anestesiologia, ortopedia/traumatologia, oftalmologia e radiologia. As médicas com 60 anos ou mais têm importante participação nas especialidades de anestesiologia, medicina geral comunitária, cirurgia plástica, patologia e cardiologia.

GRÁFICO 1

MÉDICOS DISTRIBUIDOS POR ANO DE FORMADO SEGUNDO GÊNERO - BRASIL – CAPITAIS – 1995

0 20 40 60 80 100 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Ano de formado ( % ) Homens Mulheres

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GRÁFICO 2

MÉDICOS DISTRIBUIDOS POR ANO DE FORMADO SEGUNDO GÊNERO - BRASIL – INTERIORES – 1995

0 20 40 60 80 100 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 Ano de formado ( % ) Homens Mulheres

Fonte: Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil. Fiocruz/CFM.

2.2. Uma profissão feita por jovens

Considerando-se a idade média de entrada no mundo do trabalho de 28 anos (em geral após a conclusão de um programa de residência), observa-se que 47% dos médicos tem menos de 40 anos de idade. A jovialidade é maior nas regiões sudeste e sul, com ênfase nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. Por outro lado, dos profissionais que vivem na região norte, “apenas” 39,5% tem menos de 40 anos, indicando ser este um local onde os médicos graduam-se com uma idade mais avançada.

Os médicos com 60 anos ou mais vivem principalmente no Rio de Janeiro (16,5%), Pará (11,4%), Pernambuco (10,5%) e São Paulo (8,8%), Paraná (8,7%) e Distrito Federal (7,2%).

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2.3. Médicos urbanos

A questão da localização do médicos nos grandes centros urbanos já é fato notório, desde há algum tempo. Já em 1975, Gentile de Mello, denunciava que não existiam políticas atrativas para os médicos se fixarem no interior do país. Falta de condições de trabalho adequadas, mercado limitado, infra estrutura e capacidade instalada reduzidas constituem alguns fatores que impedem que os médicos migrem para outros locais. O sudeste e o sul, juntos, respondem por cerca de 65% dos médicos brasileiros, enquanto que o norte e o centro-oeste somam apenas 12%. Esta situação retrata e aprofunda as desigualdades de acesso e de toda a esfera da vida sócio-econômica da população brasileira. Medicina esportiva, medicina de tráfego, neurofisiologia, sexologia, medicina nuclear, hansenologia e radioterapia são algumas das especialidades onde quase a totalidade de seus praticantes se concentram nas capitais do país.

Machado et alii (1997) mostraram que as escolas médicas localizadas no interior do Brasil vem atuando no sentido de fixar o profissional neste local, com uma “política de interiorização” e melhor distribuição espacial dos médicos, ainda que estes residam nos municípios localizados ao redor destas faculdades de medicina. No entanto, sabemos o quanto é difícil os médicos viverem sem os atrativos das grandes metrópoles.

2.4. Médicos migrantes

Em recente estudo sobre deslocamentos populacionais no estado de São Paulo, tendo como perspectivas as dimensões demográficas e socioeconômicas daqueles que migram, Patarra (1997:14) afirma que “(...) a dinâmica econômico-regional propiciou, na rota

das migrações intra-regionais, a inserção das cidades de porte intermediário e de pequeno porte, [além disso, os] indicadores de qualidade de vida, transformaram-se em um dos elementos considerados na decisão de migrar.” Com dados dessa mesma

pesquisa, Antico (1997), ao comentar as razões pelas quais as pessoas decidem migrar, registra como principal fator os motivos profissionais. Apresentamos aqui, a migração

médica em suas três dimensões distintas (FIGURA 1), que às vezes se fundem, ou seja,

o mesmo profissional, pode ter participação simultânea nos três fenômenos migratórios descritos a seguir:

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(1) migração natural ou familiar, com um volume de 26,9% do total de médicos em atividade no País;

(2) migração por motivo de formação profissional (a qual denominamos ‘migração de

formação’9), com um contingente de 25,7% dos profissionais;

(3) migração por melhores condições de trabalho ou migração profissional, que engloba 24,4% do total de médicos brasileiros.

FIGURA 1: DELIMITAÇÃO DOS TIPOS DE MIGRAÇÃO

Obs.: Os tipos de migração apresentados correspondem aos fluxos:

(1) – migração natural; (2) migração de formação; (3) migração profissional, definidos a partir da mobilidade geográfica entre unidades da federação diferentes, abrangendo a mudança do local de moradia, ainda que às vezes esta se apresente de forma temporária.

Portanto, cerca de um em cada quatro médicos brasileiros em atividade participaram em algum momento de suas vidas de pelo menos um dos fenômenos migratórios descritos anteriormente.

9

Para maiores detalhes a respeito deste tipo de migração, ver PINTO, L,F. Médicos e migração: a Residência

em foco. Dissertação de Mestrado em Saúde Pública. RJ,ENSP/Fiocruz, 1999. LOCAL (unidade da federação)

Especialização Mercado de serviços médicos ≠ (7,2%) (2) (3) (3) Formação Básica (25,7%) ≠ ≠ (17,2%) Naturalidade (1) ≠ (26,9%)

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2.5. Um negócio em família

Possuir algum parente médico é outra característica marcante entre os profissionais de ambos os gêneros e de todas as faixas etárias10. Nas capitais do país, essa característica é típica da metade dos médicos, enquanto que nos municípios que compõem o interior, 44,6% afirmaram ter algum familiar na área médica (avós, pais, filhos, irmãos, tios, primos, sobrinhos ou netos), não havendo diferenças significativas entre as regiões do Brasil11. Dentre aqueles com parentes médicos, a maioria são primos (30,1%), seguidos por irmãos (27,5%), tios (13,1%), pais (10,4%), filhos (6,5%), sobrinhos (4,6%), avós (2,0%) e netos (0,3%).

Ao longo das décadas de 1940 a 1990, observa-se também um crescimento da proporção de profissionais cujos pais são médicos bem como o número de avós médicos, ainda que mais timidamente12. O número de irmãos médicos evoluiu ao longo das décadas consideradas, tendo estacionado na faixa dos 25% para os profissionais graduados na década de 90. Dentre estes recém-formados, a participação daqueles com

primos médicos já é da ordem de 30% para as capitais e 40% para os interiores.

Reafirmando a idéia da Medicina como “um negócio em família”, nas capitais do país, dos profissionais com 60 anos e mais que possuem parentes médicos, 34,6% possuem filhos médicos, enquanto que nos interiores esse percentual é de 50,1%. Isso mostra que o apelo familiar para o exercício da profissão ainda é muito grande. Manter um consultório, antes de tudo é um investimento que, como sugerem os dados da pesquisa, passa de pai para filho.

3. As características do mercado de trabalho em saúde

10

Dentre aqueles que afirmaram ter algum parente médico, encontrou-se uma média de dois parentes por médico, sendo composto pela figura do pai e de um irmão. É importante salientar que o mesmo médico podia declarar ter até três parentes médicos como avós, primos, irmãos, tios, filhos, sobrinhos ou netos, e, obviamente apenas um pai ou mãe; portanto para a construção dessa “tipologia” (pai/irmão) foram ponderados estes fatores.

11

Em um estudo de caso, realizado com estudantes de medicina do 4º e 6º anos do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1993, Rego (1994) encontrou cerca de 20% dos acadêmicos possuindo pai ou mãe exercendo atividade médica.

12

As décadas consideradas seguem uma associação com a geração dos médicos formados e a respectiva faixa etária. Dessa forma, os médicos formados na década de 40, correspondem àqueles com 70 anos ou mais; os da década de 50, correspondem àqueles com 60-69 anos; os da década de 60, àqueles com 50-59 anos; os da década de 70, àqueles com 40-49 anos; os da década de 80, àqueles com 30-39 anos e, finalmente os médicos da década de 90 correspondem aos profissionais que têm menos de 30 anos de idade.

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“A estrutura de um mercado profissional é determinada pela maior estrutura social dentro do qual ele se situa. O estágio de desenvolvimento econômico, o volume e a distribuição de renda nacional, a estrutura de classes e a composição étnica, o padrão médio de vida, a natureza do Estado e de sua ideologia - incluindo uma variedade de tradições culturais - definem o potencial, as características e a dinâmica de um mercado profissional.” (Larson,

1977:50, tradução nossa)

3.1. A conformação do mercado de trabalho

Para analisar a estrutura do mercado da medicina, primeiramente deve-se avaliar como a natureza dos serviços médicos determina, pelo menos em parte, o tamanho do mercado, os modos habituais de troca, a intensidade e variedade de competição e as atividades das autoridades públicas frente a regulação. O mercado de trabalho em saúde possui particularidades descritas por Larson (1977) e Machado (1996b) que estudaram especificamente o mercado de serviços médicos. Suas principais características são: • fundamenta-se numa necessidade vital, universal e inesperada. Seu potencial de expansão é ilimitado, pelo menos a princípio;

extrema competitividade ( tanto externa - inovações tecnológicas, como interna - entre os membros da corporação );

natureza privada e individual de transação13;

controle monopolístico sobre a prática médica exercido pelas autoridades públicas. O fato da medicina atuar em uma área de preocupação vital para o indivíduo e para a sociedade leva o Estado a intervir, tendo neste um forte aliado, que regula, cria e concede prerrogativas monopolistas aos profissionais;

ascensão profissional individual, ao contrário por exemplo, da engenharia, onde essa ascensão é coletiva, através das organizações.

13

Os médicos não são contestados e os serviços médicos não são comparáveis (“cada caso é um caso”). A privacidade do consultório faz os serviços médicos serem impenetráveis à análise das pessoas. O paciente fica sozinho com o médico e deve confiar exclusivamente no seu próprio julgamento desinformado. Ele julga o médico subjetivamente, vendo se está ou não melhorando, através da experiência de outros pacientes, outros médicos. (Larson, 1977:22)

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Dessa forma, o mercado de serviços médicos apresenta facetas diferentes, derivadas da ênfase e da universalidade da necessidade a que ele serve. O potencial de expansão ilimitado, a extrema competitividade antes do sucesso do monopólio do mercado, bem como a prontidão do Estado em agir como agente patrocinador do setor dominante da profissão, surge da natureza da necessidade individual por esses serviços.

Pode-se dizer que a universidade desempenhou um papel fundamental nesse processo de reestruturação da educação médica e na formação do mercado de trabalho dos serviços médicos. “(...) uma vez que o modelo de monopólio profissional esteja

estabelecido e, acima de tudo, uma vez que os sistemas acadêmicos tenham ascendido como monopólios reconhecidos da legitimidade cognitiva, a universidade fornece a melhor justificativa para o clamor por um mercado institucional. O treinamento do monopólio é importante, mas monopolizá-lo em nível universitário fornece uma legitimação incorporada ao monopólio em termos de superioridade cognitiva.” (Larson,

1977:48, tradução e grifo nossos)

É esse mercado de serviços de saúde tão aleatório e complexo, que continua ainda hoje a atrair a atenção de milhares de jovens estudantes que buscam uma profissão. Ao mesmo tempo, que em nossos dias, cerca de 60% dos médicos vêem o futuro da medicina com pessimismo ou incerteza, enquanto somente 18,5% estão otimistas com a profissão que exercem.

3.2. O perfil do mercado de trabalho médico

As mudanças estruturais que vêm ocorrendo nesta última década no mundo do trabalho em geral, foram decisivas para as atividades dos médicos, afetando diretamente sua autonomia, a sua prática e o seu comportamento profissional e ético. O poder e o saber médicos foram, de certa forma, também questionados e partilhados com outros profissionais da equipe de saúde, até mesmo com técnicos que lidam com os sofisticados equipamentos utilizados para determinados diagnósticos. A medicina é um exemplo típico de uma profissão que conseguiu de forma espetacular, desenvolver um exclusivo mercado de trabalho com forte credibilidade social. No entanto, esta poderosa corporação tem sofrido abalos constitutivos na sua estrutura.

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Hoje o debate gira em torno de questões como a deterioração das condições de trabalho, o progressivo assalariamento e a presença acentuada de empresas de convênios, favorecendo o aparecimento de novas especialidades.

Como abordamos no início, os médicos, pela natureza de sua atividade tem uma forma singular de estar no “mundo do trabalho”. Assim sendo, ao analisar as formas de inserção do médico no mercado de trabalho é necessário enfatizar que trata-se de um setor de serviços essenciais a sociedade com mais de 200 mil profissionais que atuam em estabelecimentos de saúde (hospitalares e ambulatoriais), num sistema constituído de uma sólida rede pública, de serviços privados e consultórios particulares.

O setor público (esferas federal, estadual e municipal) é um mercado importante e estável, absorvendo 127.514 médicos (ou 69,7%), que trabalham em postos, centros de saúde, ambulatórios e, principalmente em hospitais ( a maioria universitários voltados para ensino e pesquisa ). Seguindo as mesmas tendências da distribuição da capacidade instalada14 os médicos que atuam neste segmento o fazem majoritariamente nas capitais do nordeste e do norte do país. As precárias condições de trabalho médico e os baixos salários são as características mais marcantes, a renda declarada pelos médicos é a mais baixa do mercado. Roraima, Acre, Amapá, Tocantins e Amazonas, na região norte; Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte, no nordeste; Espírito Santo, no sudeste; Santa Catarina, no sul e Distrito Federal na região centro-oeste são as unidades da federação onde há maior atuação de médicos neste segmento do mercado.

Já o setor privado é um mercado em ascensão e agrega 108.462 médicos (ou 59,3%), que trabalham basicamente em clínicas, policlínicas e hospitais de grande porte. Situa-se predominantemente no sul e no sudeste, tendo uma presença significativa nos interiores dessas regiões. Pode-se dizer que é a forma capitalista mais avançada de exploração da saúde no país, favorece direta e amplamente não só os produtores de bens (medicamentos e equipamentos) como também atende aos interesses dos empresários dos planos de saúde. Apesar de dispor de melhor estrutura de trabalho e melhores salários, os médicos que atuam neste segmento, não diferem muito do perfil dos médicos do setor público. Rondônia e Tocantins, na região norte; Sergipe e Bahia, no nordeste; Minas Gerais, no sudeste; Paraná, no sul; Goiás e Mato Grosso na região

14

-Mais detalhes sobre a distribuição dos serviços de saúde no Brasil ver: OLIVEIRA, E.S. & PINTO LF.

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centro-oeste são as unidades da federação onde há maior participação de profissionais atuando neste setor.

A atividade em consultório é a forma de trabalho em que o médico atua como profissional liberal. É um mercado financiado majoritariamente através da medicina de grupo, cooperativas médicas e planos de autogestão. Concentra 136.660 médicos (ou 74,7%), que estão atuando principalmente no sul e no sudeste. Os médicos com atividades em consultório declararam uma renda superior aos demais segmentos do mercado de trabalho. Acre e Amapá, na região norte; Bahia e Piauí, no nordeste; Minas Gerais e Espírito Santo, no sudeste; todo o sul do país e Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na região centro-oeste são as unidades da federação onde há maior atuação de médicos em consultório.

Tendo descrito brevemente os setores de atuação dos profissionais e a participação em cada um deles, vamos traçar agora um perfil desse mercado, destacando algumas características.

Em todos os cantos do país, a primeira forma de inserção dos médicos no mundo do trabalho é o setor privado, isto é, os médicos que atuam nesta fatia do mercado têm uma idade média inferior aos demais setores de atuação. No entanto, na segunda opção, distinguem-se três padrões entre as regiões: enquanto no norte e nordeste a atividade em consultório aparece em segundo lugar, no sudeste e sul do país, os médicos entram no setor público. A região centro-oeste é um caso singular, pois nela os profissionais, atuam ao mesmo tempo no setor público e iniciam seu trabalho em consultório.

Assim sendo, uma característica que se destaca em primeiro lugar no perfil do mercado de trabalho médico é que se trata de um mercado “multifacetado”, isto é, os setores público, privado e o consultório descritos anteriormente, combinam-se simultaneamente na prática médica de 33,1% dos profissionais. Individualmente o setor público é o maior empregador de médicos nas regiões norte, centro-oeste e nordeste. A prática em consultório é hegemônica nas regiões sul e sudeste (FIGURA 2).

Na década de 80, a queda da qualidade do atendimento setor público, tanto nos estabelecimentos próprios, como nos contratados, favoreceram o surgimento de um mercado para o setor privado, o da medicina de grupo.

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FIGURA 2: OS MÉDICOS E SUAS MÚLTIPLAS FACETAS NO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL - 1995

REGIÃO NORTE 2066 (36,3%) 298 (5,2%) 335 (5,9%) 475 (8,3%) 1242 (21,8%) 82 (1,4%) (19,1%)1087 W = 5698 (*) BRASIL 60619 (33,1%) 12538 (6,8%) 15634 (8,5%) 28690 (15,7%) 31717 (17,3%) 6615 (3,6%) 22640 (12,4%) W = 183052 (*) Setor privado Setor público Consultório Setor privado Setor público Consultório REGIÃO NORDESTE 10896 (37,3%) 2295 (7,8%) 1558 (5,3%) 2432 (8,3%) 5439 (18,6%) 685 (2,3%) 5093 (17,4%) W = 29249 (*) Setor privado Setor público Consultório REGIÃO SUDESTE 32647 (30,4%) 8520 (7,9%) 9653 (9,0%) 18412 (17,1%) 18767 (17,4%) 4873 (4,5%) 11909 (11,1%) W = 107565 (*) Setor privado Setor público Consultório REGIÃO SUL 10161 (36,1%) 338 (3,3%) 3323 (11,8%) 5516 (19,6%) 4678 (16,6%) 722 (2,6%) 2193 (7,8%) W = 28108 (*) Setor privado Setor público Consultório REGIÃO CENTRO-OESTE 4849 (39,0%) 487 (3,9%) 765 (6,2%) 1855 (14,9%) 1591 (12,8%) 253 (2,0%) 2358 (19,0%) W = 12432 (*) Setor privado Setor público Consultório

(*) W = universo populacional. A diferença observada entre a soma de cada uma das parcelas que compõem a área de atuação dos médicos em relação ao total geral para cada região e Brasil, refere-se a médicos aposentados, afastados, desempregados e aqueles que eventualmente não declararam sua situação no mercado de trabalho.

Fonte: Pesquisa Perfil dos Médicos no Brasil, Fiocruz/CFM.

Segundo dados recentes da Associação Brasileira de Empresas de Medicina de Grupo (Abramge), estas empresas possuem cerca de 41,5 milhões de clientes, ou seja, 27% da população brasileira, com destaque para as 320 cooperativas médicas do tipo UNIMED (com 10 milhões de clientes) e os 150 planos de autogestão (com 9 milhões de clientes), além da Golden Cross (com 2,5 milhões), Sul América

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(com 1,7 milhões), Saúde Bradesco (com 1,6 milhões), Amil (com 800 mil), Amico (com 500 mil), Intermédica (com 400 mil) e outros tipos de convênio (com outros 15 milhões)15

Logo, em segundo lugar, configura-se em um mercado onde os médicos possuem forte dependência dos convênios do tipo medicina de grupo, cooperativas médicas ou planos de autogestão para se sustentarem:79,1% do total de profissionais aque atuam em consultório participam de alguma destas modalidades. Em termos regionais esta participação oscila de 80,7% para a região norte, até 83,2% para o nordeste; 74,3% para o sudeste; 88,6% para o sul e 85,6% para o centro-oeste. Nos interiores este fenômeno é ainda mais acentuado que nas capitais do país.

A metade dos médicos que atuam nos setores público e/ou privado desenvolvem funções relacionadas à atividade de plantão16, quer seja, de “sobreaviso”, “presente no local”, ou ambos. Isto levanta uma questão, relacionada ao desgaste com o exercício profissional. Os médicos plantonistas sentem mais desgaste do que seus colegas que não atuam nesta atividade17, relacionando como possíveis causas do mesmo: o excesso de trabalho/multiemprego, baixa remuneração, más condições de trabalho e responsabilidade com a “vida”.

Assim sendo, em terceiro lugar é um mercado típico de médicos plantonistas, que atuam principalmente nos municípios do interior do país (56,2%), com uma jornada de trabalho sob regime de plantão de mais de 24h (50,8%). Na região centro-oeste, três de cada cinco médicos desenvolvem este tipo de atividade, atuando preponderantemente em uma jornada de até 24h (56,7%).

Acre e Tocantins, na região norte; Piauí e Maranhão, no nordeste; Minas Gerais no sudeste; Santa Catarina no o sul; Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na região centro-oeste são as unidades da federação onde há maior concentração de médicos atuando em plantões.

Cabe salientar, que já na década de 80, as formas de participação dos médicos no mercado de trabalho caracterizavam-se pela multiplicidade de atividades (Donnangelo,

15

Dados da Abramge, citados pelo Jornal O Globo, 30 de agosto de 1997.

16

A atividade em plantão pode ser desenvolvida em UTI, Emergência/Pronto Socorro, Enfermaria, Serviços de Apoio Terapêutico e Diagnóstico, Maternidade ou Ambulatório/Serviços de Pronto Atendimento.

17

Para maiores detalhes, ver Campos (1997) que propôs um estudo sobre o desgaste profissional entre os médicos, mostrando que os médicos mais jovens, aqueles com atividade no setor público, com 4 ou mais atividades na área médica, os plantonistas com funções de emergência/pronto socorro no setor público, os que percebem baixa renda

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1982)18. A autora analisou essas formas de participação a partir de quatro categorias básicas: trabalho liberal, assalariamento, propriedade e trabalho autônomo. E, afirmou que apenas 38,2% dos profissionais da região metropolitana de São Paulo detinham uma forma homogênea, podendo ter vários empregos dentro desta forma. Cerca de 61% conciliavam duas ou mais formas de participações diferentes19.

Segundo (Machado,1996a), a erosão da autonomia através do assalariamento progressivo da categoria, a visível interferência do Estado e a presença das megacorporações de saúde no setor e na dinâmica do mercado atuaram no sentido de estabelecer condições de trabalho e definindo regras, até então privativas da categoria. Esta tese pode ser confirmada através dos dados que demonstram que os médicos exercem diferentes atividades ao mesmo tempo: 45,3% tem até duas atividades e, um número considerável, 54,7% conciliam três ou mais formas de participação no mercado20.

Há algumas especialidades onde os médicos exercem uma só atividade, como: hansenologia, medicina do tráfego, eletroencefalografia, hemoterapia, homeopatia dentre outras. Com duas atividades podemos destacar como principais: genética clínica, sexologia, alergia/imunoterapia, broncoesofagologia, e medicina do trabalho.

A grande maioria dos especialistas que atuam em angiologia, endoscopia digestiva, cirurgia pediátrica, fisiatria, medicina esportiva, neurocirurgia, medicina nuclear, pneumologia e tisiologia possuem três atividades.

No entanto, há médicos que exercem mais de três atividades e não possuem as maiores rendas do mercado, como os que atuam em nutrologia, cirurgia torácica, broncoesofagologia, hematologia, urologia, cirurgia de mão e mastologia.

Em quarto lugar, (relacionado à primeira característica) é um mercado de

multiempregos, ou seja, o mesmo profissional atua em mais de uma atividade simultaneamente, com destaque para as regiões nordeste e sul. A proporção daqueles que trabalham em três ou mais atividades é de cerca de 60%. Sem considerar os estados do

mensal e aqueles que avaliam as condições de trabalho como péssimas ou precárias são os profissionais que apresentam com mais intensidade o desgaste com o exercício da profissão médica.

18 Entre agosto de 1980 e abril de 1981, a professora Cecília Donnangelo coordenou uma pesquisa na região

metropolitana de São Paulo sobre a natureza e as condições em que se realizava o trabalho médico no Brasil.

19

Na pesquisa realizada por Donnangelo, a atividade liberal difere da autônoma. Enquanto a primeira pressupõe a posse de consultório por parte do médico, a segunda considera apenas o trabalho executado independentemente sob a forma de prestação de serviços ou consultas, desde que não seja realizado em consultório de propriedade do médico. Em nossa análise, o conceito de autônomo, inclui o trabalho liberal.

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Piauí, Espírito Santo, Santa Catarina e Mato Grosso, onde um em cada três profissionais desenvolvem quatro ou mais atividades na área médica.

Em quinto lugar, trata-se de um mercado altamente segmentado no que tange a

renda obtida com a atividade médica. Analisando-se a distribuição da renda mensal declarada pelos profissionais segundo as unidades da federação, a participação daqueles que ganham mais de 4.000 dólares aparece principalmente na região sul, seguida pela região centro-oeste21. Os que ganham menos de 1.000 dólares sobressaem-se nos estados de Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Ressalta-se, no entanto, que em sua maioria trabalham em média em três atividades. Porém, a renda mensal

modal varia de 1.000 a 2.500 dólares na região norte; 500 a 1.500 dólares no nordeste;

1.200 a 1.500 dólares no sudeste; 1.200 a 2.200 dólares no sul e; 900 a 2.300 dólares no centro-oeste. Os dados indicam portanto, uma distribuição assimétrica da renda mensal obtida pelos médicos em todas as regiões e capitais/interiores; o que sugere a elaboração de novos estudos mais aprofundados sobre a questão, para que se possa avaliar qual o estimador que melhor avalia a renda mensal declarada pelos profissionais. Estudos preliminares indicam que provavelmente a renda mensal mediana desempenharia esta função.

20

No Brasil, os médicos atuam em média em três atividades na área médica. As exceções são os estados do Pará, Rio de Janeiro e o Distrito Federal, onde os profissionais atuam em média em duas atividades.

(22)

Algumas considerações sobre o perfil dos médicos especialistas

No processo de trabalho em saúde cabe ao médico as tarefas mais complexas, e as que exigem maior qualificação técnica, como também a responsabilidade das funções específicas e estratégicas na organização e dinâmica deste processo (Médici, 1987).

Para Nogueira (1983),o setor saúde tem uma divisão técnica do trabalho, não do tipo fabril, mas manufatureiro; a decomposição do processo de trabalho em tarefas isoladas e sua integração através de uma hierarquia de profissionais é o fundamento da produtividade deste setor. Esta divisão técnica é muito acentuada na medicina, que possui como já mencionamos, sessenta e cinco especialidades reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, muitas das quais se originaram daquelas consideradas matrizes na profissão: medicina interna, cirurgia geral, gineco-obstetrícia e pediatria. Apesar desse grande número de especialidades, o mercado de trabalho médico no Brasil é representado em sua grande maioria (62,1%) por apenas dez especialidades: as quatro básicas, que abrangem 38,8% do total de profissionais em atividade, e mais seis típicas dos principais problemas de saúde que atingem a população como a cardiologia, ortopedia/ traumatologia, oftalmologia, psiquiatria, medicina geral comunitária e anestesiologia, juntas são responsáveis por 23,3% dos médicos em atividade. As demais cinqüenta e quatro especialidades correspondem por 37,9% do mercado médico existem de forma residual, concentrando mais na região sudeste.

Resumidamente, quanto ao perfil dos médicos especialistas no Brasil, podemos dizer que:

(a) trabalham principalmente em centros urbanos;

(b) vivem e atuam nas regiões mais desenvolvidas, sudeste e sul; (c) o sexo masculino predomina;

(d) são médicos jovens, com menos de 45 anos;

(e) metade dos médicos possui parente exercendo a medicina;

(f) 25% dos médicos participou de algum processo migratório ao longo de sua vida; (g) é um profissional ‘multifacetado’, ou seja, atua em média em três vínculos

simultaneamente (setor público, privado e consultório);

(23)

(i) dependem dos convênios/cooperativas para sua subsistência nos consultórios;

(j) a atuação em plantão está diretamente ligada à faixa etária, isto é, quanto mais jovens maior a participação nesta atividade;

(k) a renda obtida é diferenciada conforme o estado em que atua.

Neste estudo apresentamos como se distribuem os médicos especialistas, com o objetivo de contribuir para o planejamento de políticas de recursos humanos no Brasil. O setor saúde como vimos tem uma oferta de serviços altamente especializados. A medicina hoje têm uma natureza múltipla, ou seja, os médicos de um modo geral atuam em várias instituições de saúde em diversas especialidades. No entanto, sabemos que essa superespecialização além de produzirem efeitos positivos na credibilidade social, como na precisão diagnostica, tratamento e prognósticos, levam, por outro lado, a uma progressiva dependência do médico a técnicas e recursos cada vez mais sofisticados. Esses progressos, vêm promovendo silenciosa transformação na conduta desses profissionais e, em especial na relação médico-paciente. Cada vez mais diminui a atenção dada à anamnese e ao apurado exame físico, ocasionando assim, progressivo abandono de alguns procedimentos essenciais na consulta médica. (Machado et alli,1997)

Por fim, é fato também que essas tecnologias são desenvolvidas e controladas não só pela medicina, mas, também por outras profissões alheias a corporação, provocando abalos na soberania médica não só na dinâmica interna da profissão como e, especialmente, na visão que a sociedade passa a produzir sobre os médicos em geral.

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