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Poeticamente o homem habita esta terra: a construção do espaço em Chove nos Campos de Cachoeira

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS – ESTUDOS LITERÁRIOS. SAMANTHA COSTA DE SOUSA. “POETICAMENTE O HOMEM HABITA ESTA TERRA”: A construção do espaço em Chove nos campos de Cachoeira. BELÉM 2016.

(2) SAMANTHA COSTA DE SOUSA. “POETICAMENTE O HOMEM HABITA ESTA TERRA”: A construção do espaço em Chove nos campos de Cachoeira. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de PósGraduação em Letras – Estudos Literários da Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Gunter Karl Pressler.. Belém 2016.

(3) Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFPA. Sousa, Samantha Costa de, 1990Poeticamente o homem habita esta terra: construção do espaço em Chove nos campos de Cachoeira / Samantha Costa de Sousa. - 2016.. Orientador: Gunter Karl Pressler. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Letras e Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Letras, Belém, 2016. 1. Jurandir, Dalcídio, 1909-1979 - Chove nos Campos de Cachoeira - Crítica e interpretação. 2. Literatura brasileira - História e crítica. 3. Espaço na literatura. I. Título. CDD 22. ed. 869.909.

(4) SAMANTHA COSTA DE SOUSA. “POETICAMENTE O HOMEM HABITA ESTA TERRA”: A construção do espaço em Chove nos campos de Cachoeira. Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de PósGraduação em Letras – Estudos Literários da Universidade Federal do Pará, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras.. Dissertação defendida e aprovada em 29 de Fevereiro de 2016.. Banca Examinadora:. _________________________________________________________________ PROF. DR. GUNTER KARL PRESSLER – UFPA Orientador _________________________________________________________________ PROFª. DRª. MARIA DE FÁTIMA DO NASCIMENTO – UFPA Banca examinadora _________________________________________________________________ PROFª. DRª. CAMILA DO VALLE FERNANDES – UFRRJ Banca examinadora _________________________________________________________________ PROF. DR. ANTÔNIO MÁXIMO VON SÖHSTEN GOMES FERRAZ – UFPA Banca examinadora.

(5) Aos meus pais Antônio Eneas e Nalva, Ao meu sobrinho Samuel, e à Família Nunes, minha segunda família..

(6) AGRADECIMENTOS Agradeço sinceramente ao professor Gunter, pelas orientações, apoio e confiança que tem me prestado. Agradeço aos meus pais, Antônio Eneas e Nalva, que mesmo de longe tem me dado muito apoio nesta minha jornada e construíram o alicerce para que eu chegasse até aqui. Agradeço de coração à família Nunes, que tem sido minha segunda família e que me apoiam sempre e que me acolheram quando eu mais precisava, a D. Rama e ao seu João que têm sido como pais, a Jane, Jamylle, Josi, Josiel, Janicy e Jackson, que tem sido como irmãos para mim. Agradeço ainda ao Josa, ao Vanilo e ao Júnior pela amizade. Aos meus sobrinhos postiços, Bia, Jorge, Hugo e Helyda pelos momentos de alegria que me proporcionaram num momento de tanta pressão que foi a produção deste trabalho. Meus agradecimentos também aos meus grandes amigos Mateus Carvalho e Joaquim Andrade pela força e carinho que me dão, mesmo que na distância geográfica. Agradeço muito mesmo ao meu querido amigo Francisco Queiroz, que sempre me ouve e me dá bons e maus conselhos, além de me dar muito apoio na produção desta pesquisa..

(7) O caminho não percorrido Num bosque amarelo dois caminhos se separavam, E lamentando não poder seguir os dois E sendo apenas um viajante, fiquei muito tempo parado E olhei para um deles tão distante quanto pude Até onde se perdia na mata Então segui o outro, como sendo mais merecedor, E sendo talvez melhor direito, Porque coberto de mato e querendo uso Embora os que por lá passaram Os tenham realmente percorrido de igual forma, E ambos ficaram essa manhã Com folhas que passo nenhum pisou. Oh, guardei o primeiro para outro dia! Embora sabendo como um caminho leva pra longe, Duvidasse que algum dia voltasse novamente. Direi isto suspirando Em algum lugar, daqui a muito e muito tempo: Duas estradas bifurcavam numa árvore, Eu trilhei a menos percorrida, E isto fez toda a diferença. Robert Frost.

(8) RESUMO. O romance Chove nos campos de Cachoeira, publicado em 1941 pelo escritor Dalcídio Jurandir tem como espaço principal uma terra repleta de mistérios imbricados na existência dos personagens, seus habitantes, uma existência que pode ser resumida em medos, angústias e misérias. A proposta deste trabalho é verificar como o espaço na narrativa é construído, para isto, analisaremos minuciosamente cada espaço que aparece no romance, além dos vocábulos que demarcam a existência de um espaço e da perspectiva sob a qual este elemento é construído, além de categorizar os tipos de espaços possíveis no romance. Também verificaremos as relações afetivas traçadas entre personagens e espaço, é o que chamamos de topofilia e topofobia, o primeiro termo refere-se ao amor pela terra, o segundo é a aversão. Para a elaboração desta pesquisa, baseamo-nos num aporte teórico que define algumas concepções de espaço, que aqui estabelecemos como algo que vai além do conceito geométrico, compreendemos espaço como todas as informações que situam os personagens geografica, social e psicologicamente. Os principais teóricos escolhidos para esta abordagem foram Alicia Llarena (2007), Otto Friedrich Bolnow (1969), Milton Santos (1988), Yi-Fu Tuan (1983), além de teóricos que trabalham o espaço enquanto elemento narrativo como Osman Lins (1976), Antonio Dimas (1987) e Oziris Borges Filho (2007), que nos dão aparato para analisar nosso objeto de estudo sob o enfoque da topoanálise. Recorremos ainda aos teóricos Tomachevski (1976) e Genette (2011) que nos dão embasamento para analisar as articulações do texto, tais como descrição e foco narrativo. Destarte, esta pesquisa visa a análise do espaço da narrativa como elemento textual, como o espaço pode ser determinado e criado dentro do texto, quais as configurações estabelecidas para dar ao leitor a noção de espaço. Palavras-chave: Chove nos campos de Cachoeira. Dalcídio Jurandir. Espaço fictício. Topoanálise..

(9) ABSTRACT. The novel Chove nos campos de Cachoeira, published in 1941 by Dalcídio Jurandir writer's main space a land full of mysteries intertwined in the life of the characters, its inhabitants, a life that can be summed up in fears, anxieties and miseries. The purpose of this study is to see how the space in the narrative is built for this, thoroughly analyze each space that appears in the novel, beyond the words that mark the existence of a space and the perspective from which this element is constructed, and categorize the possible types of spaces in the novel. Also will check the personal relationships drawn between characters and space is what we call topofilia and topofobia, the first term refers to the love of the land, the second is aversion. For the preparation of this research, we rely on a theoretical framework that defines some conceptions of space, here established as something that goes beyond the geometric concept, we understand space as all the information that situate the geographical characters, socially and psychologically. The theoretical main chosen for this approach were Alicia Llarena (2007) Otto Friedrich Bolnow (1969), Milton Santos (1988) Yi-Fu Tuan (1983), and theoretical working space as narrative element as Osman Lins (1976 ), Antonio Dimas (1987) and Oziris Borges Filho (2007), which give the apparatus to analyze our object of study with a focus on topoanálise. Even resorted to theoretical Tomachevski (1976) and Genette (2011) that give us grounds to examine the joints of the text, such as description and narrative focus. Thus, this research aims to analyze the narrative space as text element, as the space can be determined and created within the text, which the settings set to give the reader a sense of space. Keywords: Chove nos campos de Cachoeira. Dalcídio Jurandir. Fictive space. Topoanálise..

(10) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 10. 1. TEORIAS DO ESPAÇO...............................................................................................13 1.1. O habitar: a construção do espaço..............................................................................13 1.2. Espaço e linguagem....................................................................................................14 1.3. Focalização.................................................................................................................20 1.4. As funções do espaço.................................................................................................21 1.5. Espaço na Narratologia e Topoanálise.......................................................................23. 2. A CLASSIFICAÇÃO DO ESPAÇO.............................................................................36 2.1. O Macroespaço: A Vila..............................................................................................36 2.2. Os Microespaços: As Casas........................................................................................44. 3. AMBIENTAÇÃO E TOPOANÁLISE..........................................................................56 3.1. O percurso de Alfredo.................................................................................................56 3.2. O percurso de Eutanázio.............................................................................................64. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................89 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA................................................................................... 90.

(11) 10. INTRODUÇÃO. Dalcídio Jurandir Ramos Pereira nasceu na vila de Ponta de Pedras, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará, em 10 de Janeiro de 1909. Sua obra estende-se ao longo dos 11 romances publicados entre 1941 e 1978: Chove nos campos de Cachoeira, Marajó, Três Casas e um Rio, Belém do Grão Pará, Passagem dos Inocentes, Primeira Manhã, Ponte do Galo, Os habitantes, Chão dos lobos e Ribanceira, todos ambientados no norte do país, particularmente entre Belém e Marajó, não esquecendo o romance Linha do Parque, datada de 1959, que está ambientada no sul do país, na cidade de Rio Grande. Este conjunto de obras é marcado por elementos culturais, sociais e econômicos vivenciados pelo escritor nos lugares por onde passou, além disso, as obras que têm como cenário a região Norte trazem um retrato singular do povo e da cultura amazônica. Chove nos campos de Cachoeira apresenta uma composição espacial que na maioria das vezes traz um aspecto negativo. A narração começa com os campos assolados pela queimada, a terra negra denota a destruição e conota a derrocada dos personagens. No decorrer da narrativa observamos esta terra diluir-se e ser tomada pelas águas das chuvas violentas e frequentes. Os cenários revelam a pobreza do lugar. Ler a obra Chove nos campos de Cachoeira e não perceber as dimensões do espaço que se reproduz é praticamente impossível. O espaço em que a narrativa desenvolve-se não é um mero plano de fundo para o enredo, vai muito além disso, o espaço está fortemente relacionado aos personagens, aos seus sentimentos e configurações psicológicas. Outrossim, não nos limitemos ao conceito matemático de espaço, compreendamos aqui que espaço também relaciona-se à condição social e emocional daqueles que o habitam ou por ele transitam. O espaço está ao redor dos transeuntes, influencia suas ações e comportamentos e também é por eles “construído” num processo mútuo de composição. Esta discussão, portanto, abordará o espaço em seus diversos segmentos, mas, sobretudo, tentará compreender como o texto literário configura-se para a reprodução do espaço enquanto elemento narrativo. Para compreender a composição do espaço no texto narrativo é preciso compreender as articulações do texto, além do mais, a nossa própria compreensão e evocação de espaço está condicionada à linguagem. Para reproduzirmos a ideia de direção, localização e posição, recorremos às palavras. Sendo assim, para a execução desta pesquisa, baseamo-nos em diversos teóricos que colaboram para a conceituação do espaço, tais como os geógrafos.

(12) 11. Milton Santos e Yi-fu Tuan, além dos estudiosos da literatura e da linguística que se ocupam da teorização das articulações textuais do texto ficcional, como Tomachevski, Genette, Osman Lins, Oziris Borges Filho, entre outros. Desta forma, no primeiro capítulo deste estudo pretendemos elencar teorias acerca do conceito de espaço, sobretudo teorias que se apliquem à noção de espaço dentro do texto literário. Usaremos como base, dentre outros teóricos, os seguintes estudos: Espacio, identidade y literatura em Hispanoamérica (2007), de Alicia Llarena, que faz uma importante abordagem da relação entre o homem, o espaço e a linguagem; textos de Genette (1989) e Tomachevski (1976) que nos ajudam a compreender as articulações textuais na composição do espaço narrativo; Lima Barreto e o Espaço Romanesco (1976), de Osman Lins, que elabora noções de composição espacial dentro da narrativa; a obra Espaço e Romance (1985), de Antônio Dimas, que elenca algumas das principais abordagens sobre o espaço dentro da literatura; e o método da topoanálise elaborado por Ozíris Borges Filho em Introdução à Topoanálise (2007), que será nosso principal veículo nesta análise, pois além de organizar os fundamentos teóricos do espaço, também elabora uma técnica minunciosa de estudar-se a composição do espaço da narrativa. Ainda neste primeiro capítulo, a preocupação será, além da elaboração dos conceitos que nortearão a análise, verificar os tipos de espaços que podem surgir na narrativa, organizando assim uma seleção de classificações do espaço. Definiremos ainda, algumas funções que o espaço pode desempenhar no texto, elencando apenas aquelas que convém à obra em estudo. Além do mais, trabalharemos com as relações articuladas entre os personagens e o espaço, são as relações afetivas da topofilia (amor pelo espaço) e da topofobia (aversão ao espaço), este vínculo entre personagem e espaço é uma constante na obra, tanto que a imagem que se forma do espaço não se desvincula das sensações transmitidas pelo personagem que nos guia na percepção do espaço. O segundo capítulo é a primeira etapa da análise do espaço, que, baseada nas teorias revisadas no capítulo anterior e no método de Borges Filho (2007), aborda a segmentação do espaço em Chove nos campos de Cachoeira, dividindo-o, assim, em macro e microespaços. Analisaremos, então o espaço da vila de Cachoeira e as várias casas onde ocorrem as principais ações. Será uma análise minuciosa de cada espaço que compõe a narrativa. Os lugares abordados nesta segmentação serão o chalé de major Alberto, a casa de seu Cristóvão, a barraca de Felícia, a casa de D. Duduca e a de Domingão. Observaremos como estes espaços configuram-se, quais as funções que executam e como podem classificar-se..

(13) 12. A terceira parte corresponde à segunda etapa da análise, que é a aplicação dos conceitos de ambientação e o estudo da espacialização abordado por Borges Filho (2007). Nesta etapa, convém observar como a noção do espaço compõe-se enquanto discurso, atentando-nos para os vocábulos e efeitos de linguagem. Para isso, traçaremos o percurso espacial seguido pelos personagens Alfredo e Eutanázio e demonstraremos como o espaço compõe-se ao redor deles. Nesta etapa verificaremos que a noção de espaço é construída sob a perspectiva destes personagens, sofrendo, portanto, influência dos aspectos emocionais vividos pelos personagens. Ao longo da análise, observaremos que Chove nos campos de Cachoeira apresenta um espaço em transformação, que estamos diante de um processo que serve como marcador do tempo, pois a obra inicia-se no período das queimadas e finaliza-se com as grandes chuvas, períodos típicos e bem demarcados na região amazônica. A vila de Cachoeira vai encharcando-se no decorrer da obra, a terra úmida torna-se uma marca importante do espaço. Esses detalhes da composição do espaço na obra, desde o macro, até os microespaços, serão estudados no decorrer deste trabalho..

(14) 13. 1 TEORIAS DO ESPAÇO. Depois de engolir quarenta e dois morros, oitenta lombadas nove lagoas, dezenove cursos d’água, a Cerca leste rastejou ao encontro da Cerca oeste. O altiplano não era infinito: a Cerca sim. Manuel Scorza. 1.1 O habitar: a construção do espaço “O povo desta terra vive mais seriamente, mais concentrado, menos em superfície, menos em mudanças e coisas frivolamente exteriores.” Esta passagem pertence ao romance Morro dos ventos uivantes, da inglesa Emily Brönte, mas bem poderia também pertencer ao Chove nos campos de Cachoeira1, pois é assim que habita o povo da vila de Cachoeira, profundamente marcado por um alheamento de um possível mundo exterior, mas, tal quais as aranhas de uma masmorra, embora escondidos da superfície, encontram neste subterrâneo um pulsar de vida muito mais pujante. Não à toa que esta passagem tenha sido utilizada por Dalcídio Jurandir como epígrafe para o romance. Os personagens criam neste habitar uma terra impregnada de humanidade. No decorrer da narração, a vila desempenha diversas funções e torna-se muito mais que um cenário para os acontecimentos do romance. Retornando à epígrafe, demarca-se nela a relação do homem com a terra e é justamente este ponto que mais nos chama a atenção para um estudo sobre CCC, pois também é evidente no romance uma estreita relação entre os personagens e o espaço que habitam ou por onde transitam. O filósofo alemão Martin Heidegger, em seu ensaio Construir, Habitar, Pensar (2012 [1951]), nos ajuda a refletir sobre este vínculo que o homem mantém com a terra que habita. Analisando semanticamente os termos, Heidegger resgata a antiga equivalência entre as ideias de “construir” e “habitar” e a partir daí é que ele tece o seu pensamento, a etimologia refere-se à língua alemã, mas conservemos a tese de que o homem constrói para o seu próprio habitar, e que mesmo as construções que não são residências servem ao homem como um aperfeiçoamento do seu habitar. Habitar é ter sob domínio um espaço, é manipulá-lo a seu favor, o construir é a edificação do habitar, é um deixar-se habitar. Não apenas o aspecto físico e fatores funcionais estão relacionados a este construir, pois ao mesmo tempo em que o homem constrói o espaço ao seu redor, ele constrói a si mesmo. O homem também pode ser fruto do espaço e também pode estar à mercê deste, é o 1. Doravante, utilizaremos a sigla CCC para nos referirmos ao romance em estudo..

(15) 14. que veremos em CCC, uma relação mais de domínio da terra sobre o homem do que deste sobre aquela. Na verdade, há um trânsito nesta relação homem-espaço, uma vez que os papéis de dominador e dominado por vezes invertem-se. Este espaço onde a vivência humana concretiza-se e que se constrói na medida em que o homem o habita é o que Otto Friedrich Bolnow (1969) chamou de “espaço vivencial”, estamos falando aqui de um espaço que está muito além das referências matemáticas de medidas e direções, estamos falando de um espaço que é feito de ações e vínculos afetivos e psicológicos, o espaço vivencial é o aquele que só existe no habitar, nesta estreita relação do homem com a terra. Ainda, segundo Bollnow (1969), neste espaço de vivência é que se constitui a vida pessoal e a vida coletiva em sociedade, nem homem nem espaço são indiferentes um ao outro. Esta mesma ideia é defendida pelo geógrafo Milton Santos (1988). Para ele, o espaço não se mantém neutro aos acontecimentos, nem é simplesmente o reflexo daquele que o habita, é, pois, um “condicionamento condicionado”, pois em seu dinamismo próprio propicia os eventos e sofre as consequências disso. Podemos, ainda, ir além, o espaço e o habitante tornam-se indissociáveis à medida que um constitui o outro. Assim, nas palavras do geógrafo:. O espaço deve ser considerado um conjunto indissociável do qual participam, de um lado, um certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais e, de outro, a vida que os anima ou aquilo que lhe dá a vida. Isto é, a sociedade em movimento” (SANTOS, 1988, p. 16).. Desta forma, espaço e homem constroem mutuamente um ao outro. O espaço não é apenas o estático e o visível, participam de sua composição todas as relações possíveis que o homem que o habita pode estabelecer.. 1.2 Espaço e linguagem O espaço é o que está à nossa volta, é o que nos condiciona, é o que vemos, tocamos, pisamos, mas também pode denotar alguma classificação social. Mas não basta o espaço ser percebido, ele precisa ser representado de alguma maneira, assim como todas as outras coisas ganham sua representação e abstração através da linguagem, nossa noção espacial também pode ser definida através da palavra. Aliás, em nossa sociedade não há como fugirmos a esta categorização das coisas. Homi Bhabha (2000) nos diz acertadamente que a textualidade e a escrita são poderosas estratégias de estabelecimento e conformação do espaço e das nações. O que define as fronteiras de países, cidades, quintais, senão acordos políticos, acordos escritos?.

(16) 15. Mesmo no mundo real, a ideia de espaço está condicionada à palavra. É a palavra que usamos para nos localizarmos, criarmos referências espaciais: os nomes dos lugares, advérbios, pronomes, a linguagem articula-se na produção do espaço. Desta forma, nossa produção do espaço enquanto produto da linguagem acontece num plano morfológico e sintático, torna-se um fator imprescindível da coesão textual. A nossa ideia de espaço está vinculada à cultura e também ao discurso artístico, Alicia Llarena (2007) defende que a linguagem artística é essencial para a percepção da realidade e fortalece a sensação de “pertencença”. É através deste discurso que o espaço pode ser conhecido e reconhecido, seja por quem está do lado de fora, seja pelos próprios habitantes. Evidentemente, a literatura regionalista colabora para este reconhecimento da terra e fortalecimento da identidade, quando, além dos aspectos físico-geográficos, retratam também os aspectos culturais e históricos muitas vezes ignorados e desconhecidos. Destarte, o espaço fictício, como um tecido textual, resultado de operações verbais e de escolhas estilísticas, é um fenômeno explicável e suscetível de análise no plano morfológico da obra, é o que nos explica Llarena (2007). É possível desconstruirmos o texto, observar nele as seleções vocabulares e semânticas responsáveis pela composição deste elemento:. [...] el espacio como fenómeno explicable em orden morfológico del texto, como resultado de sus operaciones estilísticas, y como principio organizador de su nível temático y composicional, constituye el primer objeto de la espaciología literária, el terreno más obvio de expressión espacial, el que se halla em la superfície del relato, en el ámbito de su misma enunciación, y el que habrá que tener em cuenta especialmente el plano de la “descripción”, del “cenário” y de los “sentidos añadidos”, porque entre todos ellos se fragua la representación del espacio (LLARENA, 2007, p. 77).2. Assim, no campo literário, podemos verificar pelo menos duas relações do espaço com o texto, quem nos dá suporte para tal afirmação é Yves Reuter (1995), que afirma que o espaço pode ser compreendido na sua verossimilhança com o espaço real ou nas suas funções dentro do próprio texto. A respeito disso, podemos demarcar uma relação com a exterioridade e com o interior do texto. 2. Tradução livre: O espaço como fenômeno explicável na ordem morfológica do texto, como resultado de suas operações estilísticas, e como princípio organizador de seu nível temático e composicional, constitui o primeiro objeto da espaciologia literária, o terreno mais óbvio de expressão espacial, o que se encontra na superfície da narrativa, no âmbito de sua enunciação e o que se deve levar em consideração principalmente no plano da “descrição”, do “cenário” e dos “sentidos agregados”, porque dentre todos eles é que se constrói a representação do espaço..

(17) 16. A primeira acepção espacial, tal qual também verificou Llarena (2007), procura verificar o quão realista o espaço criado no texto é em relação àquele espaço que representa. Essa verossimilhança é obtida através do recurso da descrição. É este recurso que propicia a criação das imagens mentais dos elementos que compõem o espaço. Reuter (1995) lembra ainda que o espaço representado pode não existir no mundo real, pode-se criar um espaço imaginário completamente fictício, mas suas paisagens, objetos, organização, seus elementos composicionais encontram de alguma forma uma correspondência com o mundo real, mantém-se, através da descrição, uma lógica que obedece a mesma lógica do mundo factual. Tal descrição pode estar entremeada à narração, quando os elementos são apresentados conforme as ações desenvolvem-se, assim como também pode apresentar-se como uma interrupção do fluxo narrativo. Podemos estabelecer ao menos duas funções para o recurso descritivo, tal como afirma Gérard Genette (2011). A primeira função é de ordem decorativa, que não representa informações cruciais ao fato narrado, apenas nos faz visualizar através das palavras o objeto descrito. A segunda função é de ordem simultaneamente explicativa e simbólica, aqui o recurso descritivo já traz uma representatividade maior, pois trata-se de informações capazes de modificar a narração e nos traz dados importantes sobre o contexto cultural ou psicológico no qual se encontram os personagens, ou ainda podem tratar-se de informações que justificam o encadeamento das ações. Este conceito explorado por Genette vai ao encontro do que Boris Tomachevski (1976) chama de “motivo” e classifica como “motivo associado” e “motivo livre”. O primeiro é aquele que não pode ser excluído da narração sem o risco de afetar-lhe a coerência, o segundo diz respeito às informações que podem ser excluídas sem afetar o desenvolvimento da narrativa. É possível ainda classificá-los de acordo com a ação que descrevem, podendo, assim, serem “motivos estáticos”, que não modificam a situação narrada, ou “motivos dinâmicos”, que modificam a ação e funcionam como o motor da narrativa. Assim, um elemento que aparece durante uma descrição pode não modificar a ação narrada, mas é imprescindível para a caracterização do personagem, tornando-se um motivo associado e estático, bem como podem aparecer elementos que são capazes de modificar a trajetória dos personagens. Por isso é que afirmamos que a elaboração de uma descrição não se faz ingenuamente, os elementos escolhidos para tal composição organizam-se de forma a desempenhar alguma função no texto. Como a descrição pode organizar-se para obtermos uma ideia sobre o espaço na narração é outro ponto crucial nesta pesquisa. A descrição pode acontecer num grau de.

(18) 17. afastamento maior ou menor em relação à narrativa, quem nos explica isso é Osman Lins (1976), que elabora uma classificação das formas como a descrição é desenvolvida no texto. Ele explicita que em algumas narrativas o espaço é “rarefeito” e “impreciso”. Mesmo nesses casos há uma razão para esta apresentação espacial, seja para dar ênfase às personagens ou às motivações psicológicas que as compõem, seja para intencionalmente não fixar o personagem em um tempo ou espaço, e neste caso é a ausência do espaço que vai ganhar relevância. Lins (1976) apresenta-nos como exemplo de espaço inacessível a obra O Castelo, de Franz Kafka, na qual se sobressaem descrições do cenário, mas não há uma localização geográfica que torne exato o espaço onde se desenvolve a narrativa, o personagem K. chega à vila que fica nos arredores do castelo, mas não há referência de que vila é aquela, qual castelo é aquele, assim, o espaço fica em suspenso, ao leitor fica apenas algumas impressões daquele lugar, isso apenas enfatiza o caráter “a-histórico” e “não-circunstancial” da narrativa. Lins (1976) afirma que tudo na narrativa sugere um espaço, mesmo que não se evoque um nome, a narrativa exige um mundo no qual se localizem as ações e personagens, este espaço pode ainda ser constituído pelos próprios personagens, objetos que tenham em mãos, ações que executem, a maneira como se caracterizam, tudo isso colabora na apreensão do espaço. O autor entende por espaço tudo o que se encontra intencionalmente disposto, envolve personagens e tanto pode ser absorvido como acrescentado por eles, podendo ser constituído por figuras humanas coisificadas ou pela personificação das coisas:. Excetuando-se os casos, hoje pouco habituais, de intromissão do narrador impessoal mediante o discurso abstrato, tudo na ficção sugere a existência do espaço – e mesmo a reflexão, oriunda de uma presença sem nome, evoca espaço onde a proferem e exige um mundo no qual cobra sentido (LINS, 1976, p. 69).. É necessário, no estudo do espaço, lembrar-se sempre de “que seu horizonte, no texto, quase nunca se reduz ao denotado” (LINS, 1976, p. 72). Pode-se encerrar o enredo em um único cenário, fato que ocorre bastante em histórias policiais ou de terror, entretanto, o espaço também está naquilo que não é dito pelo texto ou nas pistas espalhadas na narrativa. Neste ponto é que o autor nos chama a atenção para o fato de que o espaço não é apenas físico, pois fatores sociais, econômicos e até mesmo históricos podem adquirir relevância na construção espacial da narrativa. Neste sentido é que surge o conceito de “atmosfera”, que seria a manifestação do espaço, a significação que o espaço adquire para o desenvolvimento da ação. É totalmente de.

(19) 18. caráter abstrato e envolve o emocional da personagem (alegria, angústia, medo, ódio), é a sensação emanada no ambiente, surge da relação personagem-ação-espaço:. [...] a atmosfera, designação ligada à ideia de espaço, sendo invariavelmente de caráter abstrato – de angústia, de alegria, de exaltação, de violência etc. –, consiste em algo que envolve ou penetra de maneira sutil as personagens, mas não decorre necessariamente do espaço, embora surja com frequência como emanação deste elemento, havendo mesmo casos em que o espaço justifica-se pela atmosfera que provoca (LINS, 1976, p. 76).. Por vezes a atmosfera pode confundir-se com o conceito de “ambientação”, a diferença é deveras sutil, é possível compreender que a ambientação é um efeito da atmosfera, mas só isso não basta. O autor define a ambientação da seguinte maneira: “por ambientação, entenderíamos o conjunto de processos conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um determinado ambiente” (LINS, 1976, p. 77). Assim, a ambientação seria a caracterização, as emoções envolvidas na relação entre personagem e espaço e é um processo que pertence à arte narrativa. Antônio Dimas (1985) explica de forma mais clara e até didática o conceito de ambientação e a diferencia do espaço:. O espaço é denotado; a ambientação é conotada. O primeiro é patente e explícito; o segundo é subjacente e implícito. O primeiro contém dados de realidade que, numa instância posterior, podem alcançar uma dimensão simbólica (DIMAS, 1985, p. 20).. Neste âmbito, Lins (1976) reflete sobre a divergência entre a ação e a descrição e até que ponto pode-se discerni-las em uma narração. O autor defende que tanto a ação quanto a descrição podem ser igualmente importantes no texto, podendo, inclusive serem inseparáveis no conjunto textual. São justamente os diversos modos de atrelagem entre o narrar e o descrever que construirão a ideia de ambientação, cabendo ao narrador e ao personagem a modulação deste recurso, como podemos verificar nos excertos do corpus deste trabalho, a obra Chove nos campos de Cachoeira:. A ambientação, no que concerne às suas relações com o desenrolar da narrativa, interessando, portanto, narrador e personagens, repousa normalmente sobre três princípios básicos, empregados isoladamente ou conjugados (LINS, 1976, p. 79).. Assim, o autor nos apresenta três tipos de ambientação: “ambientação franca”, “ambientação reflexa” e “ambientação dissimulada”..

(20) 19. A ambientação franca é introduzida pelo narrador, há uma interrupção do fluxo narrativo para ser construída uma descrição objetiva da paisagem, o narrador observa o exterior e verbaliza-o, como podemos perceber na seguinte passagem de CCC:. Mais para longe já eram os campos queimados, a terra preta do fogo e os gaviões caçavam no ar os passarinhos tontos. E a tarde parecia inocente, diluída num sossego humilde e descia sobre os campos queimados como se os consolasse (CCC, p. 117).. A ambientação franca não interfere na compreensão da narrativa, funciona mais como um plano de fundo que vai situar a ação. Já na ambientação reflexa há um cuidado maior para unir a descrição do espaço e a ação narrada, evitando o hiato que caracteriza a ambientação franca. A ambientação reflexa, própria das narrativas em terceira pessoa, seria uma maneira de manter o personagem em foco, sendo o espaço reconhecido através do personagem, vejamos outro trecho de CCC:. Bita passa pela barraca de Felícia. Pensa então que Felícia é mais feliz do que ela. [...] Bita achou uma tranquilidade tão boa naquele quarto de Felícia, mal iluminado pela lamparina já seca. Um quarto esburacado, cujos buracos eram inutilmente tapados de papel por Felícia (CCC, p. 277).. É através do olhar do personagem que temos acesso ao cenário, diferente da ambientação franca, será uma descrição subjetiva, pois vai ser influenciada pela emoção vivida pelo personagem naquele momento, tal como podemos verificar no trecho a seguir, num momento em que o personagem Alfredo observa o clarão do fogo que consome os campos:. E Alfredo, maravilhado, contemplava o clarão na grande noite nos campos. Ali estava todo o seu sonho da cidade de bondes elétricos, arraial de Nazaré, largo da Pólvora, as lojas de brinquedos, a Torre Malakof, das senhas vermelhas. Aquele clarão chamava-o. Era o sonho de viagens. Alfredo vivia sonhando e desejando (CCC, p. 204-205).. Tanto a ambientação franca, quanto a reflexa podem ser reconhecidas pelo seu caráter compacto e contínuo, constituem-se em blocos e em unidades temáticas facilmente reconhecíveis. Entretanto, a ambientação dissimulada ou oblíqua constrói-se de maneira bem diferente, ela exige uma personagem ativa e está entremeada entre espaço e ação. A.

(21) 20. ambientação dissimulada surge conforme a ação desenvolve-se, o espaço vai revelando-se a partir dos gestos das personagens, podemos conferi-la no seguinte fragmento:. Major Alberto na alcova põe o candeeiro junto da rede em cima dum banco e folheia seus catálogos. Quantos planos em torno daqueles catálogos. Major Alberto mergulha nos catálogos todo o seu sonho, o seu romantismo, o seu impossível. Major ajeita o candeeiro e tosse (CCC, p. 133).. O espaço parece diluir-se no fluxo narrativo, ação e ambientação constroem-se reciprocamente, por isso este tipo de ambientação requer uma leitura mais atenta para ser percebida. O conceito de ambientação foi um dos principais legados que Osman Lins (1976) deixou para os estudos literários, sobretudo acerca do espaço.. 1.3 Focalização A narração de CCC é um entremeado de olhares, tanto para o lado de fora quanto para o interior dos personagens. O narrador nos conduz através dos olhos dos personagens pelos campos de Cachoeira, mostra-nos as casas, as ruas e as pessoas. Nenhuma espacialização apresenta-se ingenuamente, está sempre no campo da visão de alguém, principalmente dos personagens Alfredo e Eutanázio. Este campo restritivo de onde se seleciona o que é percebido é o que Gerárd Genette (1989, p. 241) chama de “ponto de vista” ou “focalização”. O ponto de vista é construído na articulação entre o narrador e o elemento narrado. Estamos, assim, diante da relação de troca entre um narrador onisciente que dá voz aos pensamentos dos personagens narrados e personagens que emprestam seus olhares e sensações ao narrador que nos conduz. É através da voz narrador de CCC que tomamos conhecimento de cada detalhe da narrativa, ele conhece os personagens mais do que eles mesmos. O narrador invade a memória, os sentimentos, os pensamentos de cada personagem, apropria-se das suas vozes e externaliza o que há por dentro deles:. E Eutanázio pensava que doença do mundo ele tinha era na alma. Vinha sofrendo desde menino. Desde menino? Quem sabe se sua mãe não botou ele no mundo como se bota um excremento? Sim, um excremento. Teve uma certa pena de pensar assim sobre sua mãe. Não tinha grandes amores pela sua mãe. Morrera, e quando o caixão saiu, ele, sem uma lágrima, sentiu sede e foi fazer uma limonada. Aquele choro das irmãs, dos parentes, lhe pareceu ridículo. Enfim, sua mãe tinha morrido. Ele saltou de dentro dela como um excremento. Nunca dissera isso a ninguém (CCC, p. 124)..

(22) 21. Numa mescla de discursos direto e indireto, a narração vai sendo tecida de modo a revelar uma multifocalização. Num momento estamos diante das memórias dos personagens, revirando o passado, conhecendo seus desejos, visitando os lugares por onde estiveram, é assim que nos aparece a cidade de Belém na narração, uma cidade ora imaginada, ora relembrada por Alfredo e Amélia, é assim também que conhecemos a Muaná das lembranças de Eutanázio e Major Alberto. Noutro momento, por vezes, sem interromper o fluxo narrativo, nossa atenção dirige-se ao espaço habitado, por onde os personagens transitam e constroem suas vivências. Outrossim, esta multifocalização também transita de personagem para personagem. Algumas vezes encontramos a ausência de focalização, quando o narrador distancia-se dos elementos narrados e mostra-os sem interferência dos fatores emocionais dos personagens, mas o mais frequente é que observemos o espaço narrado através dos olhos e sentidos de Alfredo e Eutanázio. É possível, desta forma, traçarmos pelo menos dois trajetos quase paralelos que norteiam a narrativa. Podemos mapear todos os espaços visitados pelos dois personagens e obter a caracterização de todos os cenários da obra, é o que faremos no terceiro capítulo, posicionando-nos diante da perspectiva de Alfredo e Eutanázio.. 1.4 As funções do espaço Podemos agora retomar à segunda acepção do espaço literário para Yves Reuter (1995), que já diz respeito ao papel desempenhado pelo espaço dentro do próprio texto, enquanto parte da estrutura deste. Dependendo do texto que tenhamos em mãos, podemos destacar diversas funções que o espaço pode desempenhar, assim, Reuter (1995) elenca duas funções que o espaço pode desempenhar na narrativa: pode caracterizar por metonímia os personagens ou simbolizar seu status e desejos, pode também funcionar como facilitador de ações e diálogos. Em Introdução à Topoanálise, Oziris Borges Filho (2007) elenca sete funções: caracterizar os personagens, influenciar os personagens e sofrer suas ações, propiciar a ação, situar os personagens geograficamente, representar os sentimentos dos personagens, estabelecer contraste com os personagens e antecipar a narrativa. Osman Lins (1976) também organiza diversas funções para o espaço, tais como modificar os personagens, refletir seus sentimentos, revelar necessidades e deflagrar emoções. Nesta pesquisa não nos debruçaremos em todas estas funções, abordaremos aqui apenas aquelas que podemos verificar em CCC..

(23) 22. Ratificando uma ideia já mencionada, nenhum espaço abordado numa narrativa é vazio de funcionalidade, as escolhas que circundam os objetos escolhidos para compor o cenário, o período do dia em que se passa uma cena, a condição social que caracteriza o lugar elaborado, até mesmo a localização geográfica da narração, não são tomadas ingenuamente, há fatores que justificam cada escolha. Tomemos como exemplo nosso objeto de estudo: os cenários escolhidos pelo autor foram lugares miseráveis, tomados pela pobreza, estes cenários situam-se num lugarejo no interior no Marajó, a pequena vila de Cachoeira, lugar que nem ao menos tem status de cidade. Outra característica curiosa do lugar é o período escolhido para desenvolver-se a narrativa: o período das cheias, a narração começa com os campos queimados e aos poucos vamos presenciando esta terra inundando-se com as grandes chuvas, ambiente propício à melancolia e angústia e também ao medo. Todas estas escolhas de composição coadunam-se com os personagens que vivem, cada um em seu particular, pequenas e grandes derrotas. É neste lugar repleto de pobreza e que Alfredo angustia-se com o desejo de ir embora e não se tornar um prisioneiro da vila, são as chuvas e as cheias que dão a Amélia o constante medo de perder mais um filho para as águas, é este lugar marcado naturalmente pelo trágico que Eutanázio escolhe e é acolhido para morrer de forma lenta e masoquista ao preencher suas horas visitando as casas e barracos de outros personagens que exalam miséria, fome e sadismo. Assim, podemos afirmar que o espaço desenvolvido em CCC executa a função caracterizadora dos personagens. Numa análise mais minuciosa veremos no segundo capítulo como cada uma das casas descreve seus habitantes. O “chalé de madeira, assoalhado e alto”, embora sem pompas, caracteriza sutilmente a superioridade social de Major Alberto em relação aos demais habitantes da vila, o próprio vocábulo “chalé” nos dá a impressão de tratar-se de uma casa maior, cuja condição financeira de seus habitantes é de certa forma mais elevada, no interior do chalé encontramos uma pequena biblioteca, na qual Major leva horas folheando os catálogos, agora além da superioridade social, temos uma prova da superioridade intelectual dos moradores do chalé em meio a uma vila povoada de analfabetos. As demais casas descritas na narração revelam também em sua caracterização a condição social dos personagens, como a casa de seu Cristóvão e de Domingão e a barraca de Felícia, observemos novamente a nuance dos vocábulos utilizados para referirem-se às habitações, a palavra “barraca” denota um nível de pobreza maior que a palavra “casa”, que já nos dá uma vaguidão acerca do caráter social de que se trata..

(24) 23. Ademais, os cenários escolhidos também descrevem o caráter psicológico dos personagens. O melhor exemplo disso é a articulação da transformação dos cenários e o processo de corrosão de Eutanázio, à medida que o personagem definha, a terra é substituída pelas águas das chuvas violentas, o clima torna-se mais melancólico e fúnebre, como se a própria vila aguardasse a morte de Eutanázio ou externalizasse a destruição interna do personagem. O cenário da saleta também apresenta-se de forma singular, quando todos já esperam a morte de Eutanázio e este reluta em estender o sofrimento, percebemos através de seus olhos os objetos da saleta perdendo a forma, como se o espaço se diluísse tal quais os sentimentos do personagem. Além da função caracterizadora, podemos destacar no espaço de CCC a função de influenciar as ações dos personagens. Alfredo está descontente com a vila por causa da sensação de aprisionamento que ela lhe causa, não pelo fato de ser localizada em uma ilha, mas toda aquela pobreza impregnada no lugar gera desconforto no menino. Então a aversão não é contra o lugar enquanto localização geográfica, mas enquanto um lugar habitado por pessoas que limitam o menino: as crianças fedidas pedindo em sua porta, o irmão doente, a pouca fartura, a escola que não ensina nada, tudo isso gera em Alfredo um desejo de partir, desejo que ele alimentará por toda a narrativa. O espaço social, assim, propicia este aspecto psicológico do personagem, este só é possível e justificável diante do espaço em que Alfredo convive. Ainda podemos destacar dentre as funções do espaço na obra CCC, o contraste que ele pode estabelecer com a cena desenvolvida. Citemos como exemplo o jasmineiro branco e perfumado na entrada da casa de seu Cristóvão que em nada condiz com o caos que Eutanázio encontrará lá dentro, nem com o estado psicológico perturbado do personagem. Outro exemplo de espaço contrastante é composto não por objetos, mas por pessoas, é o velório da mulher de Domingão, embora o caráter festivo do velório seja algo cultural da região, a tristeza do viúvo é ofuscada e ignorada por todas as pessoas que adentram sua casa, antes misteriosa aos olhos dos outros, reúnem-se ali diversas pessoas que estão a rir, jogar, brincar, conversar, demarcando uma ausência da morte naquele lugar. Por último, não podemos ignorar a função mais óbvia que o espaço desempenha que é a de situar os personagens. A localização mais evidente dos personagens da obra é a vila de Cachoeira, seguem-se a ela outras pequenas localizações, como as orientações espaciais que levam Eutanázio à casa de seu Cristóvão, os rumos tomados pelo personagem em sua.

(25) 24. caminhada. O chalé, as casas, a barraca de Felícia, a Rua das Palhas, os campos, são algumas das localizações citadas no desenvolvimento da narrativa.. 1.5 Espaço na Narratologia e Topoanálise Como o conceito de espaço é muito amplo, mesmo quando o delimitamos para o campo da literatura, é possível subdividi-lo em diversas categorias, de acordo com sua funcionalidade. Marie-Laure Ryan (2012, p. 1) elabora uma síntese dos conceitos de espaço baseando-se em alguns teóricos importantes no ramo são utilizados como referência, bem como pontos de vista acerca do conceito e forma de análise deste elemento, tais como a ideia de mental space explorada por Gilles Fauconnier, o spatial reading trabalhado por Susan Stanford Friedman, ou ainda o spatial story estudado por Mark Turner. Ao trabalhar com os elementos espaciais do texto, a Narratologia procura diferenciar os conceitos literais e metafóricos de “espaço”, disto se compreende, simultaneamente, o espaço explorado na produção tipográfica do texto ou o espaço enquanto uma referência que se depreende na narração (localização dos eventos, posicionamento sócio-histórico-geográfico dos personagens, etc), nesta pesquisa, o que mais nos interessará será este segundo conceito, o espaço como um elemento composicional da narrativa. Em seu artigo, Marie-Laure Ryan (2012) chama a atenção para quatro conceitos de espaço textual analisados no ramo da narratologia, cada um tem uma maneira singular de tratar este objeto. O primeiro conceito é o narrative space (espaço da narrativa). A ênfase recai, aqui, no estudo do lugar por onde os personagens movimentam-se, os cenários em que as ações ocorrem, é um elemento abstrato, pois pertence ao texto enquanto discurso: “in written narrative we can distinguish the individual locations in which narratively significant events take place from the total space implied by these events” 3 (RONEN, 1986 apud RYAN, 2012, p. 2) Cinco categorias são desenvolvidas dentro deste conceito: spatial frame, que seria os locais mostrados na narrativa, isto inclui os objetos e as relações que mantém entre si, trata-se de espaços mais restritos, se tomarmos como exemplo nosso corpus de análise, a obra CCC, poderíamos classificar como spatial frame a saleta onde Eutanázio definha, as casas frequentadas pelos personagens (o chalé do Major Alberto, a casa de Domingão, a da família de Irene, o barraco de Felícia), cada pequeno cenário que restringe a localização dos personagens em determinado momento da narrativa; a categoria setting inclui, além da noção 3. Tradução livre: Na narrativa escrita, podemos distinguir as localizações individuais em que os eventos narrados ocorrem a partir do espaço total implícito nestes eventos..

(26) 25. geográfica, a localização sócio-histórica, trata-se de uma noção mais geral e ampla, pois abarca todos os spatial frames, podemos dizer que em CCC teríamos como setting o Brasil (espaço geográfico), as primeiras décadas do século XX, período pós-ciclo da borracha na Amazônia (espaço histórico), e a comunidade ribeirinha, dividida entre mais pobres do que ricos (como espaço social); o story space é o espaço mais relevante na narrativa, que pode aparecer como um spatial frame ou pode ser apenas citado, no caso de CCC, podemos dizer que tanto a Vila de Cachoeira, quanto Belém são exemplos de story space, pois a obra gira em torno destas duas localidades; temos ainda a categoria narrative/story world, que é o espaço que vai além dos dados fornecidos pela narração, necessita do conhecimento do leitor para que seja apreendido no texto, logo, para o leitor de CCC conhecer o story world da obra, precisa saber que a vila de Cachoeira localiza-se no Marajó, arquipélago paraense que fica à cerca de 90 km de Belém, cujo acesso só é possível através de barco ou avião, além das características climáticas peculiares, como o fato de que entre os meses de janeiro e maio dois terços do território ficam submersos por causa das chuvas intensas. E, finalmente, a categoria narrative universe, que é construída a partir das relações afetivas que os personagens estabelecem com o espaço, podemos exemplificar com a sensação de aprisionamento de Alfredo em relação à ilha, ou a sua ideia e libertação e realização em Belém. O segundo conceito que Ryan (2012) aborda é a spatial extension of the text que seria a organização espacial do texto enquanto um objeto concreto: “[…] it refers to the spatiality of the text as material object and to the dimensionality of the interface to with the reader, spectator or user”4 (RYAN, 2012, p. 3). A ideia surge com Seymour Chatman (1978 apud RYAN, 2012, p. 3) que sugere a distinção entre story space e discurse space, tal como ocorre em relação ao tempo, cujos estudos lhe conferem as categorias story time (tempo de duração dos eventos da narrativa) e discurse time (tempo de duração da narração). Para Chatman a correlação seria a seguinte: o story space equilavaleria ao story time, contudo, a ideia de discurse space não equivale à ideia do discurse time, por tratarem de forma diferente seus objetos, enquanto que o discurse space concentra-se no espaço de elaboração do discurso (teríamos aí uma ideia abstrata de espaço já que o discurso é algo abstrato) o discurse time seria o tempo de duração do discurso (embora a ideia de tempo não seja exatamente concreta, podemos, neste caso, medi-lo tal qual na física):. 4. Tradução livre: refere-se à espacialidade do texto enquanto objeto material e à dimensão de sua interface para com o leitor, espectador ou usuário..

(27) 26. Chatman (1978: 96–107) proposes a distinction between ― story space and ― discourse space through which he tries to transpose into the spatial domain the well justified distinction between ―story time (―the duration of the purported events of the narrative) and ―discourse time (―the time it takes to peruse the discourse; 62). ―Discourse time is a useful concept because language (or film) is a temporal medium. But Chatman„s notion of ―discourse space does not involve space in the same way as ―discourse time involves time, for it does not concern the space physically occupied by narrative discourse but, rather, describes the disclosure by discourse of the space in which the story takes place (RYAN, 2012, p. 3). 5. Assim a materialidade dos conceitos não é condizente, por isso a Narratologia prefere o termo spatial extension of the text, pois este faz compreender a ideia de medida: The concept of ―spatial extension of the text offers a more satisfactory spatial correlate of the notion of ―discourse time, since it refers to the spatiality of the text as material object and to the dimensionality of the interface to with the reader, spectator or user (RYAN, 2012, p. 12).6. O terceiro conceito de espaço diz respeito a este elemento como contexto e como continente para o texto. O espaço seria, aqui, elemento produtor do texto, serviria como motivação para a construção da narrativa.. Narratives are not only inscribed on spatial objects, they are also situated within real world space, and their relations to their environment go far beyond mimetic representation. When a nonfictional story is told where it happened, gestures and deictic elements may be used to point to the actual location of events. By telling us how certain striking landscape features came into being or what happened on certain sites, narratives of myth, legend and oral history build a ―spirit of place, what the Romans called genius loci. (RYAN, 2012, p. 4. Grifo do autor.)7 5. Tradução livre: Chatman (1978: 96-107) propõe uma distinção entre – espaço da narração e – espaço do discurso através do qual ele tenta transpor para o domínio espacial a distinção bem justificada entre o tempo – tempo da narração ( -a duração dos eventos narrados ) e – tempo do discurso ( -o tempo que leva para ler o discurso ; 62). O tempo do discurso é um conceito útil porque a linguagem (ou filme) é um meio temporal. Mas a noção de Chatman de espaço do discurso não envolve o espaço da mesma forma como o tempo do discourse envolve tempo, pois não diz respeito ao espaço físico ocupado pelo discurso narrativo, mas sim descreve a divulgação pelo discurso do espaço em que a história se passa. 6. Tradução livre: o conceito de extensão espacial do texto oferece um correlato espacial mais satisfatória da noção de tempo do discurso, uma vez que se refere à espacialidade do texto como objeto material e a dimensionalidade da interface para com o leitor, espectador ou usuário. 7. Tradução livre: Narrativas não são apenas inscritos em objetos espaciais, elas também estão situadas dentro do espaço do mundo real, e suas relações com o seu ambiente vão muito para além da representação mimética. Quando uma história não-ficcional é contada, onde aconteceu , gestos e elementos dêiticas podem ser usados para apontar para a localização real dos acontecimentos. Podemos dizer como certas características marcantes da paisagem vieram a ser ou o que aconteceu em determinados lugares, narrativas de mitos, lendas e narrativas orais constroem um espítiro do lugar, o que os romanos chamavam genius loci..

(28) 27. Assim, a narração construir-se-ia, não apenas em forma de discurso, mas também através dos objetos que mantém alguma relação mimética com a narrativa. O texto constrói-se na composição do espaço. O último conceito abordado por Ryan (2012) é o spatial form of the text, que também analisa o espaço material do texto, a sua disposição formal: The term ―spatial form was introduced by the literary critic Frank (1945) to describe a type of narrative organization characteristic of modernism that deemphasizes temporality and causality through compositional devices such as fragmentation, montage of disparate elements, and juxtaposition of parallel plot lines. The notion of spatial form can be extended to any kind of design formed by networks of semantic, phonetic or more broadly thematic relations between non-adjacent textual units (RYAN, 2012, p. 4).8. Dentre os quatro conceitos elencados, apenas o primeiro tem como objetivo estudar o espaço no texto como algo imaterial, elemento da narrativa em si. O conceito de narrative space compreende o espaço na literatura como algo que vai além da escrita e do registro tipográfico. Borges Filho (2007) também traz uma importante colaboração para a categorização do espaço, subdividindo-o em macro e microespaço. A primeira categoria, o “macroespaço”, diz respeito à extensão espacial que engloba todos os pequenos núcleos. Já os “microespaços” são as divisões espaciais presentes na narração, diz respeito às casas, cômodos, ruas, tudo o que se encadeia formando um todo espacial na narrativa. Estão relacionados a estes conceitos as classificações de cenário, natureza, ambiente, paisagem e território. Assim Borges Filho (2007) explica o que ele chama de “segmentação do texto”:. Detectada a presença do macroespaço, cumpre verificar os microespaços que o compõem. Nesse caso, toma-se por base a característica específica dos dois tipos essenciais do espaço, a saber: o cenário e a natureza. E ligados a esses dois tipos de espaço, temos o ambiente, a paisagem e o território (BORGES FILHO, 2007, p. 46-47. Grifo do autor).. 8. Tradução livre: o termo forma espacial foi introduzido pelo crítico literário Frank (1945) para descrever um tipo de organização da narrativa característica do modernismo, que dá ênfase à temporalidade e à causalidade através de dispositivos de composição, como fragmentação, montagem de elementos díspares, e justaposição de tramas paralelas. A noção de forma espacial pode ser entendida como qualquer projeto formado por redes semânticas, fonéticas ou, mais amplamente, relações temáticas entre as unidades textuais não adjacentes..

(29) 28. Borges Filho compreende a noção de “cenário” como o espaço modificado pela ação humana, em contraposição à “natureza”, que não sofreu tal influência. Assim, o pesquisador precisa verificar neste caso quais as relações entre os personagens e o espaço, que elementos o compõem, quais os valores estão presentes nele, de que maneira a ação humana interfere na sua representação. Em nosso objeto de estudo não há uma divisão elementar entre natureza e cenário, uma vez que a região geográfica trabalhada na obra constrói-se a partir da interação do homem com a natureza, o homem modifica o espaço, mas ao mesmo tempo adapta-se a ele e às suas transformações naturais, seria o que Borges Filho (2007) chama de “espaço híbrido”, onde natureza e cenário coadunam-se. A ideia de “ambiente” explorada por Borges Filho (2007) aproxima-se do conceito de ambientação adotado por Osman Lins (1976), pois resulta das relações entre o espaço físico (seja cenário ou natureza) e as emoções que envolvem o personagem, ou seja, trata-se da interação entre o clima psicológico dos personagens e o espaço por eles ocupado. Borges Filho (2007) traça ainda um paralelo entre sua ideia e o conceito de motivação composicional de Tomachevski (1976):. Estes detalhes característicos podem se harmonizar com a ação: através de uma analogia psicológica (a paisagem romântica: luar para uma bela cena de amor, tempestade ou borrasca para as cenas de morte ou crime). Por contraste (o motivo da natureza indiferente, etc.) (TOMACHEVSKI, 1976, p. 186).. Assim, de acordo com Borges Filho (2007), apenas a motivação composicional por analogia psicológica constituiria ambiente, já que a ideia e ambiente baseia-se na conjunção entre espaço e ação. Ao conceituar “paisagem”, o autor presta-lhe um caráter subjetivo, pois está ligada diretamente ao olhar do narrador, seja heterodiegético ou homodiegético. Outrossim, a paisagem é a noção espacial que obtemos a partir daquilo que está ao alcance do olhar de quem narra e descreve. Borges Filho (2007) destaca ainda que para que o espaço construído na narração seja considerado paisagem, é necessário que possua as seguintes características: extensão, vivência e fruição:. A ideia de paisagem estará ligada ao olhar da personagem e/ou narrador. Quando ela estiver olhando uma grande extensão de espaço aí teremos a presença da paisagem. Como se sabe, nenhum olhar é neutro, daí a vivência da personagem e ou narrador determinará o conceito que esta terá do espaço.

(30) 29. que vê. Tal conceito circulará entre dois pólos: o de beleza e o de feiúra (BORGES FILHO, 2007, p. 52 – 53).. A extensão diz respeito a todos os caracteres que nos dão a noção de percurso possível em determinado espaço. A vivência está relacionada à ideia que o personagem ou o próprio narrador nos dá sobre o espaço, seja uma ideia positiva ou negativa. A fruição é a forma como o personagem lida com o espaço. Sendo assim, a paisagem não é apenas o espaço descrito, mas o espaço transformado em ambiente, sobre o qual convêm as relações psicológicas traçadas com os personagens. Por último, nesta etapa, Borges Filho (2007) conceitua “território”, que seria o espaço delimitado e dominado por algum tipo de poder, seja político, cultural, econômico ou qualquer outra relação de poder. Ou seja, quando se fala em território, não nos referimos ao aspecto concreto da extensão espacial, mas às relações de domínio às quais o espaço está submetido. Outra concepção importante nesta discussão é a de “lugar”. As ideias de espaço e lugar por vezes confundem-se e até mesmo são tomadas como sinônimas. Entretanto, o geógrafo chinês Yi-Fu Tuan (1983) tece uma tese de diferenciação destes conceitos, que podemos definir em linhas gerais da seguinte maneira: quando se fala em espaço estamos fazendo referência a uma ideia mais abstrata, enquanto que lugar refere-se a algo mais concreto. Assim, o lugar e definido pelas relações de experiência, é onde se transita ou se repousa, é onde o simbólico constrói-se. O espaço é constituído de lugares. Nas palavras do geógrafo: O “espaço” é mais abstrato do que “lugar”. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor [...] as ideias de “espaço” e “lugar” não podem ser definidas uma sem a outra. A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço, e viceversa. Além disso, se pensamos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível uma localização em lugar (TUAN, 1983, p. 6).. Ricardo Gullón (1980) também faz uma importante colaboração para a compreensão das classificações do espaço, o autor elabora cinco tipos de espaços que podem aparecer no texto literário. Gullón (1980) classifica como “espaço-metáfora” aquele que tem um poder representativo que vai além de sua composição física, voltando-nos para nosso objeto de estudo, podemos dizer que a saleta, quando no momento de definhamento de Eutanázio,.

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