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A desobediência civil à tributação no Brasil

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Academic year: 2021

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(1)Revista de Direito Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008. A DESOBEDIÊNCIA CIVIL À TRIBUTAÇÃO NO BRASIL. RESUMO Rodolfo Leandro de Faria Olivo Faculdade Comunitária de Campinas Unidade 3 rodolfo.olivo@terra.com.br. Sergio Gozzi Universidade de São Paulo sergiog@usp.br. Marly Cavalcanti Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza. O Brasil elevou significativamente a sua carga tributária nos últimos anos. Este fenômeno gerou uma reação de ampla rejeição social a esta obrigação, provocando um relevante incremento da economia informal, a ponto de gerar uma situação próxima à desobediência civil tributária. Diversas causas contribuem para explicar este fenômeno, entre as quais destacam-se as causas econômicas, jurídicas e sociais. Este trabalho tem por objetivo investigar estas causas e discutir os efeitos para o Estado e a sociedade brasileira. Para tanto se utilizara a abordagem de comparação entre o referencial teórico do contratualismo e da curva de Laffer com a realidade brasileira da desobediência civil. Palavras-Chave: Tributos, desobediência civil e economia informal.. cavalcanti.marly@gmail.com. ABSTRACT Brazil has elevated its taxes collection during the last years. The phenomenon generated a reaction of social rejection to this obligation, causing a relevant increase of informal economy, to the point of creating almost a civil disobedience of taxes payment. Different reasons contributed to explain the phenomenon, among economic, legal and social reasons are the most relevant ones. This paper’s objective is to investigate these reasons and to discuss its effects to Brazilian State and Society. Therefore the approach used is a comparison of theoretical references, such as contractualism and Laffer’s curve, and Brazilian reality of civil disobedience. Keywords: Taxes, civil disobedience and informal economy.. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 02/05/2008 Avaliado em: 03/07/2008 Publicação: 11 de agosto de 2008 59.

(2) 60. A desobediência civil à tributação no Brasil. 1.. INTRODUÇÃO O Brasil tem apresentado, nos últimos dez anos, uma elevação contínua de sua carga tributária, elevação esta bastante superior à inflação do período e mesmo superior ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Este fenômeno tem gerado uma reação social de repulsa ao pagamento efetivo desta carga tributária, seja via formas de elisão fiscal ou mesmo com evasão fiscal propriamente. A conseqüência mais imediata deste fenômeno é o elevado patamar de informalidade enfrentado pela economia brasileira, patamar este da ordem de 40% da economia (ARVATE; LUCINDA, 2004). Assim, pode-se inferir, que para cada dez reais que deveriam ser pagos em tributos, apenas seis são efetivamente recolhidos aos cofres públicos, sendo que os outros quatro se perdem por elisão ou evasão fiscal, na chamada economia informal ou subterrânea. Assim, estes valores tem se tornado tão altos que chega-se as raias da desobediência civil tributária no Brasil. O presente artigo tem por objetivo buscar explicações para este fenômeno, propondo um modelo explicativo e interpretativo das principais causas da desobediência civil à tributação no Brasil. Em uma primeira análise pode parecer exagerado tratar o fenômeno como desobediência civil, contudo será demonstrado a seguir que o conceito aplica-se perfeitamente bem a realidade tributária brasileira. A fim de esclarecer melhor esta assertiva, serão apresentadas a seguir as visões de importantes autores sobre a desobediência civil e sua possível ligação com a tributação no Brasil.. 2.. O CONCEITO DE DESOBEDIÊNCIA CIVIL Segundo Sá (2006), o conceito de desobediência civil pode ser definido como: Método que permite defender todo o direito que se encontra ameaçado ou violado, uma forma de pressão legítima, de protesto, de rebeldia contra as leis, atos ou decisões que ponham em risco os direitos civis, políticos ou sociais do indivíduo.. Assim a autora interpreta a desobediência civil como um método legítimo de direito, em especial quando este direito está ameaçado por excessos cometidos pelo Estado. Quando não há outra forma de combater tais excessos, a desobediência à lei, de um conjunto significativo de cidadãos pode tornar-se um método válido, mesmo que estritamente ilegal, de lutar por direitos. Assim Sá (2006) justifica a sua interpretação: É consenso entre os juristas o reconhecimento de que em nosso ordenamento jurídico existe uma infinidade de leis que são letras mortas, obsoletas, que não ensejam o ideal de justiça e que inviabilizam os direitos sociais garantidos aos cida-. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(3) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. dãos. Nota-se, também, em nossa sociedade, a busca por meios que sirvam para opor resistência e controlar os atos arbitrários da autoridade constituída e práticas governamentais que extrapolam os limites de suas prerrogativas e acabam entrando na esfera dos direitos sociais, quase sempre restringindo-os. Tendo a concepção do Direito como um mecanismo de mudança social, que deve acompanhar a evolução da sociedade, objetivando saciar os anseios de justiça, gerar a paz social e garantir direitos, quis encontrar em nosso universo jurídico algum instituto que legitimasse a resistência dos cidadãos contra as leis injustas, atos arbitrários e práticas governamentais que não reflitam o interesse da sociedade.. Esta visão de Sá (2006) encontra eco nos escritos de diversos teóricos da desobediência civil, os quais, apesar de algumas divergências, em geral concordam com a idéia básica de que a desobediência civil é algo potencialmente útil à sociedade, se praticado por uma significativa parcela de cidadãos em defesa de direitos legítimos os quais de alguma forma foram ignorados pelos legisladores ou pelo Estado. Neste sentido Thoreau (2002, p. 15) coloca sua visão sobre a desobediência civil: Será que o cidadão deve desistir de sua consciência, mesmo por um único instante ou em última instância, e se dobrar ao legislador? Por que então estará cada pessoa dotada de uma consciência? Em minha opinião, devemos ser primeiramente homens, e só posteriormente súditos. Cultivar o respeito às leis não é desejável no mesmo plano do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo.. Arendt apud Sá (2006) reforça os mesmos princípios defendidos pelos outros autores citados ao explicar que: A desobediência civil aparece quando um número significativo de cidadãos se convence de que, ou os canais para as mudanças não funcionam, e as queixas não serão ouvidas nem terão qualquer efeito, ou então, pelo contrário, o governo está em vias de efetuar mudanças e se envolve e persiste em modos de agir cuja legalidade e constitucionalidade estão expostas a graves dúvidas.. Neste contexto pode-se defender a idéia de que a questão central ligada a desobediência civil é a percepção, por parte significativa dos cidadãos, da ilegitimidade de atos praticados pelo Estado, mesmo que estes atos estejam estritamente dentro do arcabouço jurídico constituído. Assim estes cidadãos, de forma direta ou indireta, recusam-se a cumprir esta obrigação imposto pelo Estado, correndo o risco inclusive das sanções cabíveis pela lei. Esta situação é uma boa aproximação do que ocorre com a tributação no Brasil. Existe uma percepção generalizada na sociedade de ilegitimidade da carga tributária, não por ela em si, visto que o Estado necessita de recursos para cumprir suas obri-. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 61.

(4) 62. A desobediência civil à tributação no Brasil. gações, mas especialmente pelo elevadíssimo custo para as pessoas e empresas, agravada com os desperdícios e incompetência do Estado de gerir bem estes recursos, resultando em péssimos serviços a sociedade. Desta forma, uma parcela significativa das pessoas e empresas no Brasil simplesmente se negam a cumprir suas obrigações tributárias, utilizando-se de brechas legais para reduzir pagamento de tributos ou mesmo omitindo informações e sonegando os tributos. Este alto grau de ilegitimidade percebido pela sociedade brasileira, possui diversos explicativos, para os quais será esboçado um modelo explicativo na próxima sessão.. 3.. MODELO EXPLICATIVO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL TRIBUTÁRIA BRASILEIRA O modelo explicativo da desobediência tributária brasileira, tem como fundamento básico a percepção pela sociedade da ilegitimidade da carga tributária. Esta percepção é decorrente de três fatores principais: a) Fator filosófico-social: descumprimento do papel básico do Estado, de fazer bom uso dos recursos que a sociedade lhe provê, rompendo o “contrato social”; b) Fator jurídico: a excessiva carga tributária gera inclusive elementos de inconstitucionalidade; c) Fator econômico: incapacidade econômica das pessoas e empresas cumprirem rigorosamente suas obrigações tributárias. Desta forma, pode-se esboçar o modelo explicativo da desobediência civil brasileira à tributação o diagrama apresentado na Figura 1:. Fator Filosófico-social. Fator Jurídico. Percep ção social de ilegitimidade. Desobediência civil tributária no Brasil. Fator Econômico Fonte: Os autores. Figura 1. Diagrama do modelo da desobediência civil brasileira à tributação.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(5) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. A fim de propiciar um melhor entendimento do modelo, a seguir, serão discutidos em mais detalhes, cada um dos três fatores causadores da percepção de ilegitimidade da carga tributária.. 3.1. O Fator Filosófico-social O Estado e as leis não existem em um vácuo, nem são fins em si mesmos, mas criações humanas com objetivo de tornar a convivência social pelo menos aceitável, dentro de um conjunto de regras socialmente aceitas e legitimadas. Existem diversos pensadores que refletiram sobre a existência e legitimação do Estado, sendo que os chamados “contratualistas” propuseram a idéia de que o Estado legitima-se mediante um “contrato social” entre Estado e sociedade. Thomas Hobbes (1997) se questiona em sua obra “O Leviatã”, sobre a natureza humana e chega a conclusão que a natureza humana é eminentemente malévola, e que o homem deixado a si mesmo leva ao estado de barbárie, um estado de “guerra de todos contra todos”. Assim para Hobbes o Estado é uma necessidade, a qual surge de um contrato social, na qual os homens abdicam de grande parte de sua liberdade, transferindo poder ao Estado, em troca da sobrevivência, da civilidade, do fim da “guerra de todos contra todos”. Neste contrato o monopólio do uso da violência e coerção é dado ao Estado que cuida da segurança e da integridade física de seus cidadãos (HOBBES, 1997). Cabe observar o imenso potencial conservador desta abordagem, na qual pela natureza malévola do homem, qualquer governo é melhor que nenhum governo, podendo ser utilizada para legitimar governos de quaisquer espécies, alegandose que este governo é melhor que a sua alternativa, a barbárie (ARANHA; MARTINS, 1992). Jean-Jacques Rousseau (1997) é um autor que tem uma visão contrária a de Hobbes. Ao contrário de Hobbes, Rousseau afirma que a natureza humana é benévola, que o homem deixado a si só encontra a felicidade e é eminentemente bom, a sociedade é que o corrompe, estabelecendo a visão do “bom selvagem” (ROUSSEAU, 1997). Assim Rousseau se torna, em certo sentido, mentor intelectual dos revolucionários, e ao contrário do pensamento de Hobbes com alto potencial conservador, o pensamento de Rousseau tem alto potencial revolucionário, na medida que promove a visão do homem como um ser benévolo. Como é a sociedade que corrompe o homem, eliminando-se a sociedade da forma em que está constituída, o homem naturalmente voltaria a sua natureza benigna (ARANHA; MARTINS, 1992).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 63.

(6) 64. A desobediência civil à tributação no Brasil. Contrapondo-se em certa medida a Hobbes e Rousseau cabe destacar o filósofo John Locke (1997), representante do chamado pensamento político liberal. Locke acreditava também, como Hobbes e Rousseau que o contrato social legitimava o poder. Contudo discordava, em especial de Hobbes, sobre a natureza deste contrato. Para Locke havia a necessidade de ordem gerada pelo Estado, porém apenas no sentido de garantir a liberdade individual. Ao contrário de Hobbes, Locke acredita que o Estado tem a função de ampliar a liberdade humana, permitindo aos indivíduos livres e independentes exercerem seus direitos a propriedade. O poder neste sentido é “emprestado” ao governante o qual tem por obrigação garantir estes direitos aos cidadãos e estes cidadãos, na visão de Locke, tem todo o direito de trocar de governante em caso de descumprimento destes deveres, através da insurgência política (ARANHA; MARTINS, 1992; LOCKE, 1997). Assim, os “contratualistas”, Hobbes, Rousseau e Locke, apesar de suas amplas divergências tem como ponto em comum acreditar e advogar que o Estado só faz sentido se serve ao bem da sociedade, cumprindo sua função determinada no “contrato social”. Neste contexto estabelece-se no Brasil o fator filosófico-social, na medida em que o Estado descumpre o “contrato social”. Modernamente pode-se entender como fundamento básico do “contrato social” que a sociedade provê o Estado de recursos (tributos), e em contrapartida, o Estado garante à sociedade serviços básicos ao convívio social, tais como segurança pública, educação e saúde. O Estado brasileiro tem sistematicamente descumprido o “contrato social”, o que leva ao sentimento e percepção de ilegitimidade por parte da sociedade que tem cumprido fielmente sua parte do contrato social, conforme discutido a seguir. •. Papel da sociedade no “contrato social”: prover o Estado de recursos (tributos). A sociedade tem cumprido seu papel neste contrato, sendo que a arrecadação tributária aumentou mais de 43% apenas nos últimos dez anos e quase dobrou se comparada aos últimos vinte anos (IBPT, 2008). No gráfico apresentado na Figura 2, ilustra-se esta evolução.. •. Papel do Estado no “contrato social”: prover a sociedade de bem-estar (serviços básicos). O Estado tem descumprido este papel de provedor de bem-estar para a sociedade, mesmo com o grande aumento de recursos que recebeu nos últimos vinte anos. No mesmo período em que a arrecadação de tributos quase dobrou, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil avançou bem mais modestamente de 0,68 para cerca de 0,80, ou seja, um incremento de apenas 17% (PNUD, 2008).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(7) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. Carga tributária / PIB 40,0% 35,0%. 33% 31%. 30,0%. 27% 25%. 31%. 33%. 33%. 34%. 35%. 36%. 29%. 25%. 25,0%. 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07. 20,0%. Fonte: IBPT (2008) Figura 2. Porcentagem de tributos em relação ao PIB.. Desta forma conclui-se que há um relevante fator filosófico-social que impulsiona a percepção social de ilegitimidade da carga tributária, na medida que apesar de significativos e constantes incrementos de arrecadação tributária, nas quais a sociedade tem se esforçado para prover o Estado com recursos, este tem grandemente desperdiçado os recursos, já que o aumento da tributação tem muito superior aos benefícios sociais, como a melhoria do IDH, por exemplo. A sociedade portanto não vê o devido retorno dos recursos que concede ao Estado, gerando uma percepção natural de ilegitimidade desta tributação. Nos termos de Giambiagi (2007, p. 43): “O Brasil tem uma despesa escandinava com serviços de qualidade africana”.. 3.2. O Fator Jurídico Além do fator filosófico-social, existe o fator jurídico que leva a sociedade a intuir a ilegitimidade da atual carga tributária brasileira. A Constituição Federal de 1988 estabelece de forma clara a vedação a que qualquer tributo seja de caráter confiscatório. Reza a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - utilizar tributo com efeito de confisco;. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 65.

(8) 66. A desobediência civil à tributação no Brasil. Em outras palavras a CF de 1988 proíbe expressamente a utilização do poder de tributação por parte do Estado para fins de confisco de renda ou bens da sociedade. Este entendimento é amplamente suportado e corroborado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sendo inclusive diversas vezes manifestado em suas decisões, tais com a da ADI 1075, conforme citado por Moraes (2005, p. 1827): A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE. - O ordenamento constitucional brasileiro, ao definir o estatuto dos contribuintes, instituiu, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação fiscal dos entes estatais, expressiva garantia de ordem jurídica que limita, de modo significativo, o poder de tributar de que o Estado se acha investido. Dentre as garantias constitucionais que protegem o contribuinte, destaca-se, em face de seu caráter eminente, aquela que proíbe a utilização do tributo - de qualquer tributo - com efeito confiscatório (CF, art. 150, IV). - A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.). - Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária.. Conforme descreve Moraes (2005) apesar de não haver em lei um critério perfeitamente objetivo para definir o que seja confisco, o STF dá-nos algumas indicações do indícios que poderiam ser considerados confiscatórios: •. A insuportabilidade da carga tributária;. •. O impedimento ao exercício a uma existência digna;. •. O impedimento a prática de atividade profissional lícita;. •. O impedimento de regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.). Neste contexto pode-se identificar elementos de inconstitucionalidade da atual carga tributária no Brasil. Estes elementos podem ser basicamente descritos em duas ordens: a insuportabilidade da carga tributária e o impedimento de regular satisfação básica de suas necessidades vitais. A insuportabilidade da carga tributária pode ser verificada, pelo menos de forma indireta, pela própria extensão da economia subterrânea no Brasil. Conforme demonstrado por Arvate e Lucinda (2004) a economia brasileira possui uma extensão. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(9) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. de economia subterrânea estimada em cerca de 40%. Em outras palavras, teoricamente a carga tributária no Brasil é pelo menos 40% acima do que seria suportável, visto que se há economia subterrânea é pela absoluta necessidade de sobreviver. Os agentes econômicos migram da economia formal, na qual possuem segurança jurídica, para a economia informal, na qual não possuem segurança jurídica, estando sujeitos a autuações e multas por pura insuportabilidade da carga tributária. Logo há um elemento de inconstitucionalidade na alta carga tributária brasileira, aspecto este mais direto. Existe ainda um segundo aspecto, mais indireto, de inconstitucionalidade da carga tributária no Brasil, aspecto este explicitado pelo STF, manifestando o caráter confiscatório do impedimento de regular satisfação de suas necessidades vitais como educação, saúde e habitação. Este entendimento pressupõe que o Estado não pode tirar a capacidade do cidadão de manter-se com os serviços básicos a sua existência. Esta implícito neste conceito que as necessidades devem ser satisfeitas, ou seja, não basta o Estado prover educação e saúde, deve-se prover com qualidade compatível com a dignidade do ser humano. Assim, dada a falência e ineficiência, com rara exceções, dos serviços governamentais de educação e saúde, grande parcela da população brasileira opta por escolas particulares e planos de saúde, configurando despesas que poderiam ser “pára-tributárias”, na medida em que são gastos oriundos da incompetência estatal de prover serviços básicos de qualidade, obrigando os cidadãos que desejam qualidade mínima no serviço a pagar por isto. Estes gastos são de ordem significativa para as famílias, conforme demonstrado na Tabela 1. Tabela 1. Renda e Gastos Familiares Médios Mensais no Brasil Renda / Gastos - família média brasileira. Valores mensais em reais (R$). Renda média mensal (1). R$ 2.377,80. Gastos com tributos (2). R$ 856,00. Gastos com pára-tributos (3) Educação (4). R$ 866,00. Saúde (5). R$ 524,50. Total de tributos + pára-tributos (2 + 4 +5). R$ 2.246,50. (%) Tributos + pára-tributos / Renda (1) (2) (3) (4) (5). 94,5%. IBGE - abril de 2008. IBPT - carga tributária de 2007. Pára-tributos: gastos pela ineficiência do Estado em prestar serviços de qualidade. Média de dois filhos em escola particular - amostra selecionada pelos autores. Média de uma família de quatro pessoas.. Conclui-se da tabela apresentada que uma família de renda média brasileira pode chegar a comprometer quase a totalidade desta renda com os gastos tributários e. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 67.

(10) 68. A desobediência civil à tributação no Brasil. pára-tributários (94,5%) caracterizando-se assim o caráter confiscatório da situação, já que praticamente toda a renda familiar fica comprometida com os gastos de origem fiscal e despesas que deveriam ser arcadas pelo Estado. Assim a sociedade percebe o fator jurídico como importante elemento que contribui com para a percepção de ilegitimidade da carga tributária brasileira, uma vez que existem elementos constitucionais para tal. Mesmo que a Constituição Federal de 1988 não limite stricto sensu a excessiva carga tributária, seu “espírito” é o de vedação de caráter confiscatório, o que permite afirmar que a Constituição Federal tem por intenção, pelo menos lato sensu, vedar a tributação em seu conjunto, pelo seu excesso, da forma como é praticada na atualidade.. 3.3. O Fator Econômico Além dos fatores filosófico-social e jurídico, existe ainda um terceiro fator determinante para a percepção social de ilegitimidade da carga tributária brasileira: o fator econômico. A carga tributária brasileira inviabiliza uma parcela significativa da atividade econômica no Brasil, obrigando-a a optar pela informalidade. Este fenômeno não é exclusivamente brasileiro, tendo sido catalogado e estudado em diversos países do mundo. Existe inclusive um modelo econômico explicativo deste fenômeno conhecido como a curva de Laffer (SACHS; LARRAIN, 1995). A curva de Laffer demonstra que nem sempre alíquotas maiores de tributos levam a maior arrecadação, podendo acontecer justamente o oposto. Este fenômeno deve-se ao fato de que quando as alíquotas passam a ser excessivas, ou seja, inviabilizam economicamente determinado empreendimento, este, muitas vezes, ao invés de fechar, opta por entrar na economia informal, sendo que o Estado perde então a tributação. Assim quando o Estado eleva demasiadamente a carga tributária, acaba por forçar parte dos agentes econômicos a optarem pela clandestinidade da economia subterrânea. Neste balanço pode acontecer de que os ganhos que o Estado tenha com o aumento de alíquota para as empresas que permaneçam na economia formal seja inferior a perda de arrecadação para as empresas que saíram da economia formal para a informal. Desta forma um aumento de alíquota pode trazer, neste caso, uma perda líquida de arrecadação para o Estado. A fim de demonstrar tal conceito aplicado ao Brasil, utilizou-se como base os estudos de Arvate e Lucinda (2004), os estudos do IBPT (2008) e as premissas da teoria. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(11) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. da curva de Laffer (SACHS; LARRAIN, 1995), a fim de tornar possível uma estimativa desta curva para a realidade brasileira, cujos resultados obtidos pelos autores encontram-se a seguir: Premissas: a) A curva de Laffer parte dos pontos (0,0) no eixo cartesiano, visto que a arrecadação de tributos para uma alíquota igual a zero tem que ser zero também, a ausência da tributação provocará um resultado nulo de arrecadação (SACHS; LARRAIN, 1995); b) A atual carga tributária brasileira da ordem de 36% do PIB (IBPT, 2008) provoca uma economia informal ou subterrânea da ordem de 39% do PIB (ARVATE; LUCINDA, 2004); c) Uma carga tributária da ordem de 60% do PIB provoca um colapso na economia, a qual tende totalmente para a informalidade, levando a arrecadação novamente próxima a zero. A partir destas premissas foi construído um gráfico, com os pontos cartesianos definidos acima e extrapolado utilizando-se a técnica de regressão estatística de uma função polinomial do segundo grau. O resultado obtido está descrito no gráfico apresentado na Figura 3, cujos dados são detalhados na Tabela 2.. Curva de Laffer- Brasil. Arrecadação (% PIB). 50. y = -0,044x2 + 2,6374x. 40 30 20 10 0 0. 5. 10. 15. 20. 25. 30. 35. 40. 45. 50. 55. 60. Carga tributária (% PIB). Fonte: Estimativa dos autores. Figura 3. Comparação entre Arrecadação e Carga Tributária.. Assim, utilizando-se a técnica estatística, obteve-se a equação de explicação da curva como sendo equivalente a:. y = −0,044 x 2 + 2,6374 x. (1). Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 69.

(12) 70. A desobediência civil à tributação no Brasil. Onde y: arrecadação obtida x: carga tributária imposta à sociedade. A conclusão deste gráfico e da tabela é que o Estado brasileiro tributa excessivamente. Assim seria possível aumentar ligeiramente a arrecadação de tributos dos atuais 36% do PIB para um valor entre 25% a 30% do PIB sem perda de arrecadação, já que esta perda devido a alíquota menor seria compensada pelo estímulo dado as empresas ingressarem na economia formal, aumentando a arrecadação. As estimativas indicam que as alíquotas de 25% a 35% do PIB produzem arrecadações muito próximas (de 38% a 39% do PIB), devido aos efeitos da curva de Laffer. Desta forma, estrutura-se o fator econômico: a sociedade intui que o Estado poderia receber uma arrecadação próxima ao que recebe hoje com uma taxação de alíquotas significativamente menores dos que a as atualmente praticadas, contribuindo fortemente para a percepção social de ilegitimidade e irracionalidade da carga tributária brasileira. Tabela 2. Descrição da Arrecadação em função da Carga Tributária. Carga tributária (% do PIB) 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% 55% 60%. Arrecadação (% do PIB) 0,0% 12,1% 22,0% 29,7% 35,1% 38,4% 39,5% 38,4% 35,1% 29,6% 21,9% 12,0% 0,0%. Fonte: estimativa dos autores baseada na equação da curva obtida.. 4.. CONSIDERAÇÕES FINAIS A carga tributária brasileira tem-se mostrado excessiva, injusta e mesmo contraproducente em diversos aspectos analisados. Considerando o aspecto filosófico-social a carga tributária é ilegítima, na medida em que o Estado se legitima pelo “contrato social”, deixando de cumpri-lo, ao impor a sociedade uma carga excessiva sem devolver a esta os serviços básicos, tais. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

(13) Rodolfo Leandro de Faria Olivo, Sergio Gozzi, Marly Cavalcanti. como segurança pública, educação e saúde na qualidade e quantidade compatíveis com os níveis de tributos pagos. O Estado tem como função primordial, no contrato social, prover a sociedade de serviços básicos tais como segurança, educação e saúde. No Brasil o Estado nem de perto provê estes serviços de forma minimamente adequada. A segurança pública é caótica, gerando um sentimento de medo na população e a qualidade da educação e saúde pública é muito ruim, tanto que parte significativa da sociedade brasileira se propõe a contratar estes serviços privados. No vácuo da atuação do Estado é que proliferam as escolas particulares e os planos de saúde. Na medida, portanto, em que o Estado falha em cumprir sua parte do contrato social é natural que a sociedade, ou parte dela, sinta-se pouco propensa a cumprir a sua parte do contrato, ou seja, fornecer recursos financeiros ao Estado. No que tange ao aspecto jurídico, a Constituição Federal de 1988 tem por princípio vedar todas as formas de expropriações indevidas, confiscos, por parte do Estado. A pesar de nenhum tributo isoladamente poder ser considerado confiscatório, o seu conjunto, a carga total tem se mostrado desta forma, confiscatória, levantando-se a questão da sua inconstitucionalidade, pelo menos em sentido amplo. Por fim no aspecto econômico, a atual carga tributária brasileira mostra-se irracional, já que, seguindo os princípios da curva de Laffer, seria possível ao Estado arrecadar montantes financeiros equivalentes aos arrecadados atualmente com alíquotas significativamente menores de tributos, já que estas alíquotas reduzidas incentivariam as empresas a ingressarem na formalidade, compensando a perda de arrecadação pela diminuição de alíquota. Assim os agentes econômicos tendem a “ajustar” a sua carga tributária, ou seja, sonegar parte de seus tributos de forma a diminuir suas obrigações e torná-las mais compatíveis com a curva de Laffer. Desta forma a situação de quase desobediência civil a tributação no Brasil é conseqüência direta das próprias políticas públicas de tributação, as quais são ilegítimas e irracionais aos olhos da sociedade. O Estado brasileiro necessita reformar todas estas ineficiências sociais, jurídicas e econômicas a fim de poder eliminar, ou pelo menos reduzir, sua falta de credibilidade tributária junto à sociedade brasileira e promover um sistema fiscal mais justo e confiável para o Brasil.. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria L. A.; MARTINS, Maria H. P. Filosofando – Introdução a Filosofia. São Paulo, Moderna, 1992.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72. 71.

(14) 72. A desobediência civil à tributação no Brasil. ARENDT, Hannah. Desobediência Civil. In: Crises da República, 2. ed., São Paulo: Perspectiva, 1999. ARVATE, Paulo R.; LUCINDA, Cláudio. A CPMF ajudou a reduzir a sonegação no Brasil? Um estudo sobre economia subterrânea e sobre a perda de arrecadação potencial do governo. São Paulo: GV Pesquisa, 2004. Disponível em <http://www.eaesp.fgvsp.br/AppData/GVPesquisa/P00321_1.pdf >. Acesso em: abr. 2008. GIAMBIAGI, Fabio. Brasil: raízes do atraso. Rio de Janeiro: editora Campus / Elsevier, 2007. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo, Nova Cultural, 1997, Col. Os Pensadores. INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO - IBPT. Estudo sobre a carga tributária brasileira. Disponível em <http://www.ibpt.com.br/img/_publicacao/6221/119.doc>. Acesso em: abr. 2008. LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo, Nova Cultural, 1997, Col. Os Pensadores. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Saraiva, 2005. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD. Relatório do IDH. Disponível em <http://www.pnud.org.br>. Acesso em: abr. 2008. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do Direito Político. São Paulo, Nova Cultural, 1997, Col. Os Pensadores. SÁ, Mariana Santiago. Desobediência civil: um meio de se exercer a cidadania. DireitoNet, 2006. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/24/65/2465/>. Acesso em: abr. 2008. SACHS, Jeffrey D.; LARRAIN, Felipe B. Macroeconomia. São Paulo: Makron Books, 1995. THOREAU, Henry David. A desobediência civil e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 59-72.

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