• Nenhum resultado encontrado

O olhar do falcão : para uma análsie do pormenor e da visão na poesia de Ted Hughes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O olhar do falcão : para uma análsie do pormenor e da visão na poesia de Ted Hughes"

Copied!
124
0
0

Texto

(1)

O Olhar do Falcão:

Para Uma Análise do Pormenor e da Visão na Poesia de Ted Hughes

(2)

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Rui Carvalho Homem por todo o seu trabalho de orientação desta dissertação, por todos os seus valiosos comentários críticos e por toda a disponibilidade demonstrada. Em segundo lugar, gostaria de agradecer à Dra Glória Vasconcelos pelos seus conselhos, pela sua persistência e amizade. Ainda uma palavra de agradecimento à Secretaria Regional de Educação - Centro de Formação Profissional da Madeira por todo o apoio financeiro prestado.

(3)
(4)

I - Introdução 5 II - A questão do Ambiente: A Causa e a Escrita 26

III - Retratos de Pormenor 47

IV - Conclusão 106 Bibliografia 118

(5)
(6)

I.

Esta tese ocupar-se-á da representação visual de pequena escala na poesia sobre animais da autoria de Ted Hughes. Nas páginas que se seguem dedicarei algum espaço à legitimação do aparelho conceptual que adoptarei no tratamento da referida temática. Sublinho, contudo, que não o farei de forma exaustiva, já que não é propósito primordial desta dissertação examinar posições conceptuais, mas sim 1er a poesia hughesiana de uma perspectiva que por elas se deixe informar.

Por dedicar todo o terceiro capítulo desta tese à análise das formas assumidas pela representação visual de pormenor tendo em vista os textos por mim escolhidos, parece-me necessário desde já aqui esclarecer que o sentido de "representação" em que este trabalho se apoiará se reporta à transmissão de uma imagem mental e individual relativa a um dado objecto ou fenómeno apreendido do meio circundante de um indivíduo. Mas representar é também oferecer a outrem um contributo do nosso entendimento individual e subjectivo do mundo já que, para essa representação, contribuem, sem dúvida, os nossos gostos pessoais, anseios e vivências. Desta forma subscrevo aqui as palavras de Helena Carvalhão Buescu:

[...] toda a questionação moderna da percepção sublinha o carácter eminentemente selectivo, compósito e produtor de sentido.

1 Este entendimento apoia-se, em particular, nas seguintes referências: Helena Carvalhão Buescu, Incidências do Olhar: Percepção e Representação (Lisboa: Editorial Caminho, 1990); James A. W. Heffernan, Museum of Words: The Poetics ofEkphrasisfrom Homer toAshbery (Chicago: The University of Chicago Press,

1993) e ainda Salim Kemal, and Ivan Gaskell, eds, Landscape, Natural Beauty and the Arts (Cambridge: Cambridge University Press, 1993).

(7)

Perceber é sempre optar por "ver" alguns elementos, em detrimento de outros; perceber é uma actividade sempre determinada pelo conhecimento prévio do mundo e pelas expectativas por ele condicionadas; perceber é, afinal conceber o mundo como entendível pelo sujeito, através do estabelecimento de uma estrutura de sentido formulada no interior da própria percepção.2

A expressão "representações visuais", tal como será usada ao longo deste texto, referir-se-á à forma como Hughes percepciona a realidade que o circunda bem como à forma assumida pelos enunciados verbais que o poeta adopta para representar o mundo exterior. Atentarei, em especial, na condução do olhar do autor para o pormenor. Em mais do que um momento o estudo desses processos na poesia de Hughes aproximar-se-á do que, noutro enquadramento genérico, poderíamos designar por "ponto de vista"3. Contudo, a incidência quase exclusiva dos

estudos de "ponto de vista" ou "focalização" no texto narrativo4 leva-me a não invocar este

conceito num estudo cujo corpus é exclusivamente de poesia lírica, optando por me apoiar em

2 Buescu, Incidências do Olhar, 226. Sublinhado meu.

3 Há uma discussão acesa entre os especialistas em teoria da literatura relativamente à terminologia a

usar no campo da perspectiva do narrador; entre outros termos, ora falamos de ponto de vista, ora de focalização. Gérard Genette, por exemplo, substituiu a terminologia "ponto de vista" por "focalização" por achar que este último termo é mais rigoroso. Não obstante, a sua substituição não deixa de ser discutível, uma vez que este autor advoga que não existe diferença alguma de focalização numa história contada por um autor omnisciente e numa em que é a própria personagem principal que conta a sua história. Aguiar e Silva alerta que "[...] num caso e noutro, é bem diversa sob o ponto de vista psicológico, ético e ideológico." (Vítor Manuel de Aguiar e Silva,

Teoria da Literatura, 8a ed. (Coimbra: Livraria Almedina, 1996) 767.)

4 Em jeito de corroboração desta minha afirmação cito Helena Buescu quando esta defende que o ponto

de vista é uma questão "[...] estruturadora de uma determinada forma de organização romanesca" (Buescu,

Incidências do Olhar, 71.), assim como Aguiar e Silva, que afirma: "Um dos elementos mais importantes da

estruturação da diegese é constituído pelo ponto de vista, ou foco narrativo, ou focalização. A focalização compreende as relações que o narrador mantém com o universo diegético e também com o leitor (implícito, ideal e empírico), o que equivale a dizer que representa um factor de relevância primordial na constituição do texto narrativo." (Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, 765. Sublinhado meu.)

(8)

expressões como "referências visuais" ou "condução do olhar", não vinculativas a um quadro teórico tão específico.

Hughes vê a poesia como fruto das experiências individuais, experiências essas que produzem mudança momentânea ou permanente no comportamento do sujeito que as vive. E o próprio Hughes quem revela: "Poetry is not made out of thoughts or casual fancies. It is made out of experiences which change our bodies, and spirits, whether momentarily or for good."5 Para

essa apreensão da realidade é fundamental o papel dos sentidos, pretendendo este trabalho demonstrar a centralidade da visão para os desígnios autorais de Hughes.

Etimologicamente, o substantivo visão deriva do verbo latino "vedere" e o seu significado implica não só ver a forma exterior de determinado objecto ou corpo como ainda ver para além da configuração que esse objecto ou corpo ostenta.6 É por isso que o acto de ver pode

ser entendido como um processo que está longe de ser passivo. Autores como John Berger, por exemplo, defendem que a visão humana das coisas é incessantemente activa, recriada e reproduzida e que a leitura de uma imagem varia consoante o contexto em que aparece e consoante aquilo que o leitor anteriormente viu, ouviu ou sentiu. Partilhando da mesma opinião quanto à actividade que o acto de ver implica, Gyorgy Kepes advoga: "[...] to perceive an image is to participate in a forming process; it is a creative act."7 O papel da visão assume ainda maior

5 Ted Hughes, Poetry in the Making: An Anthology of Poems and Programmes from 'Listening and Writing' (London & New York: Faber and Faber, 1967) 32.

6 Ver Nicholas Davey, "The Hermeneutics of Seeing", ed. Ian Heywood, and Barry Sandywell, Interpreting Visual Culture: Explorations in the Hermeneutics of the Visual (London: Routledge, 1999) 3 - 29.

7 Gyorgy Kepes, Introduction, Education of Vision by Gyorgy Kepes (New York: George Braziller, 1965)

i. Também o capítulo intitulado "Individual, Social and Cultural Variations in Perceptual Organisation" inserido na obra Paul Rookes, and Jane Willson, Perception: Theory, Development and Organisation (London: Routledge, 2000) dá conta do processo criativo que o acto de ver implica bem como dos factores que poderão ter influência

(9)

relevância na concepção do mundo exterior quando associado à verbalização desse mundo apreendido. Berger, uma vez mais aqui mencionado, defende que o acto de ver antecede imperativamente a verbalização8 oferecendo para tal uma justificação muito simples: "The child

looks and recognizes before it can speak."9

Para melhor se entender a capacidade de criação associada à visão é necessário perceber como funciona o complexo mecanismo fisiológico da visão10. Este é descrito pelos físicos como

envolvendo uma série de etapas. O olho, cujos elementos básicos são a lente e a retina, recebe através da lente a luz emitida ou reflectida pelos objectos no ambiente. A retina, uma estrutura nervosa complexa, converte essa luz em energia química e activa os nervos que conduzirão as mensagens captadas pelo olho até ao centro da visão, no cérebro. Uma vez que os olhos estão colocados numa posição ligeiramente diferente um do outro, a imagem de um objecto em ambas as retinas é também distinta, mas o cérebro combina-as de tal forma que essa distinção parece ser inexistente.

A fotografia, uma forma de registo do mundo externo que se revela como tendo um funcionamento semelhante ao mecanismo da visão, é tida em regra como um meio "fidedigno"

no sujeito que percepciona.

8 Pode ler-se no original "Seeing comes before words." [John Berger, Ways of Seeing (London: Penguin

Books, 1972) 7.]

9 Berger, Ways of Seeing, 7.

10 Ver Rookes, and Willson, Perception: Theory, Development and Organisation. A leitura desta obra

é, no meu entender, fundamental para quem pretenda um conhecimento mais alargado do funcionamento do mecanismo fisiológico da visão. Recomendo, igualmente, a leitura de Semir Zeki, Inner Vision: An Exploration

of Art and the Brain (Oxford: Oxford University Press, 1999) e ainda Martha J. Farah, The Cognitive Neuroscience of Vision (Oxford: Blackwell Publishers, 2000).

(10)

e privilegiado de representar o real.11 O fotógrafo, ora desenvolvendo vim trabalho de perícia e

agilidade, ora beneficiando de acasos, tem plena consciência de que a fotografia é resultado do momento certo na hora certa. Hughes, através das palavras, como ficará evidente na análise dos poemas por mim escolhidos, apresenta e representa o mundo e a realidade que o circunda de uma forma que se oferece produtivamente à analogia fotográfica, o que constitui uma das formas de o seu discurso poético construir um sentido do verídico. Acrescente-se ainda que essa apresentação e representação, em muitos casos, é ajudada por procedimentos comparáveis a uma objectiva que permite a ampliação das imagens.

É esse um estímulo importante para que o meu objecto de trabalho seja constituído pelos poemas hughesianos que incidem particularmente no pormenor da natureza visualizada. Esta incidência na particularização guia o leitor para um mundo que, devido às suas dimensões, passa habitualmente despercebido. Mas Hughes, que mais parece retratar o contemplado com o auxílio de uma lupa, transforma o usualmente inobservado em objecto primordial de representação. Refiro-me, naturalmente, a alguma poesia, porque considero que nem todos os poemas hughesianos se oferecem a esta leitura. Assim, não referirei nem incluirei no corpus poemas que apenas nalguns momentos assumam as características apontadas, uma vez que

11 Esta não é somente a minha opinião. A fotografia oferece uma leitura extremamente próxima da

existência que retrata e, por este motivo, muitos são os críticos que a elegem como a mais importante forma de representar o mundo externo. Rudolf Arnheim, por exemplo, defende: "Recording by photography, the most faithful method of image-making, has not really supersed human craftsman, and for good reasons. Photography is indeed more authentic in the rendering of a street scene, a natural habitat, a texture, a momentary expression. What counts in these situations is the accidental inventory and arrangement, the overall quality, and the complete detail rather than formal precision." [Rudolf Arnheim, Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative

Eye (Berkeley: University of California Press, 1974) 157.] Roland Barthes, referindo-se à veracidade da fotografia,

também declara: "[...] a fotografia traz sempre consigo o seu referente." [Roland Barthes, A Câmara Clara, trad. Manuela Torres (Lisboa: Edições 70,1980) 18,19.] Para o leitor que defenda o filme como o meio mais fidedigno para representar o real, relembro que este não é mais que um conjunto de fotografias passadas a uma determinada velocidade, criando a ilusão de movimento.

(11)

somente me importam os poemas que consistentemente têm esse cariz. Poderá parecer surpreendente o facto de a particularização visual ser o que mais cativou a minha atenção e a questão primordial do estudo aqui apresentado, mas parece-me ser um aspecto da obra de Ted Hughes até agora insuficientemente estudado.

II.

Os críticos que tomam como epicentro do seu estudo as questões biográficas vêem em Ted Hughes o seu trabalho grandemente simplificado, uma vez que o percurso individual de Hughes é por ele mesmo delineado em muitas das suas entrevistas e nalguns dos seus livros. Edward James Hughes, de seu nome completo, nasceu a 17 de Agosto de 1930 em Mytholmroyd, uma zona rural de Inglaterra. Desde muito novo Hughes aponta uma relação entre o visual e o verbal nos seus esforços de representação das formas animais. Isto é particularmente evidente quando em Poetry in the Making afirma:

[...] my interest in animals began when I began. My memory goes back pretty clearly to my third year, and by then I had so many of the toy lead animals you could buy in shops that they went right round our flat-topped fender, nose to tail, with some over.

I had a gift for modelling and drawing, so when I discovered plasticine my zoo became infinite, and when an aunt bought me a thick green-backed animal book for my fourth birthday I began to draw the glossy photographs. The animals looked good in the photographs, but they looked even better in my drawings and were mine. I can remember very vividly the excitement with which I used to sit staring at my drawings, and it is a similar thing I feel nowadays

(12)

with poems.12

Quando tinha cerca de oito anos de idade mudou-se, com a família, para uma zona industrial em South Yorkshire, mas a sua ligação ao meio natural não é de todo relegada para um plano inferior. Graças a uma quinta que descobriu nas proximidades do local onde habitava, Hughes vivia repartido entre o mundo rural e o mundo industrial, mas o importante para ele era não perder o contacto com a natureza que até à mudança de residência havia sido constante na sua vida.13 É ainda por este motivo que Hughes caracterizou as suas vivências desta fase como

sendo pertencentes a uma vida de carácter duplo.

A descoberta da escrita por parte de Hughes ocorreu igualmente neste período, no espaço escolar, quando constatou que os seus textos faziam o deleite dos seus colegas e até, nalgumas ocasiões, dos professores. A escrita deste estádio é qualificada por Hughes como consequência directa das leituras de revistas na época categorizadas como sendo para rapazes e que estavam disponíveis na loja que os seus pais mantinham. Paralelamente, Hughes lia livros de carácter mais científico sobre a vida animal no seu estado selvagem, ou melhor, no seu habitat.14

12 Hughes, Poetry in the Making, 15, 16.

13 É Hughes quem, uma vez mais, relata: "I soon discovered a farm in the nearby country that supplied

all my needs, and soon after, a private estate with woods and lakes. My friends were town boys, sons of colliers and railwaymen, and with them I led on my life, but all the time I was leading this other life on my own in the country. I never mixed the two lives up, except once or twice disastrously." ( Hughes, Poetry in the Making, 16.)

14 Ted Hughes, em jeito de exposição autobiográfica, fala daquilo que podemos designar como sendo as

suas origens como poeta bem como do seu variado percurso até 1957, altura em que publicou aquele que é o seu primeiro livro e que estampa a sua entrada no mundo da poesia inglesa do século XX: The Hawk in the Rain. Assim, numa fase inicial marcada pelo interesse pelos animais, Hughes informa o leitor acerca das suas preferências formais: "I found that rhymes were more satisfying to write. They were more special. But for two or three years they were no more than an occasional game." [Ted Hughes, Winter Pollen: Occasional Prose, ed. William Scammel (London: Faber and Faber, 1995) 4.] Essa simpatia pela rima manteve-se e, durante algum

(13)

A sua atitude relativamente aos animais sofreu, contudo, uma alteração quando aos quinze anos começou a ver-se como elemento perturbador dessa vida animal que tantas vezes anteriormente observara. Deixou de contemplar os animais como até então fizera e principiou o processo de condução e educação do seu olhar com o intuito de haver uma exploração de empatias e uma projecção do poeta nos animais observados.

Hughes virá a surgir no meio literário em 1957 com a obra The Hawk in the Rain e, desde logo, se distingue dos poetas do chamado Movement, que grande destaque encontrara na década de cinquenta. O Movement é um movimento literário que surgiu cronologicamente em 1954 com a publicação de um artigo intitulado "In the Movement". Neste artigo dava-se atenção a um grupo de escritores britânicos - essencialmente os poetas Donald Davie e Thorn Gunn e os romancistas Kingsley Amis, Iris Murdoch e John Wain - que surgiam no mundo literário como tendo preocupações novas face àquelas até ao momento apresentadas pelos escritores britânicos. Nos dois anos seguintes, através de antologias poéticas, novos nomes - nomeadamente Elizabeth Jennings e Philip Larkin - eram mencionados, alargando-se, assim, a lista inicial. Blake Morrison argumenta que existiam divisões dentro do próprio grupo e que, por este motivo, estava muito longe de ter uma poética homogénea. Alguns sectores da crítica não pouparam ataques ao movimento e A. Alvarez, embora de uma forma mais branda, referiu que os poetas ligados ao

tempo, o seu interesse poético estava circunscrito a "[...] long lines, a rhythmical heavy beat, and deadlock rhymes." (Hughes, Winter Pollen, 5.) Numa outra rase, graças à descoberta da obra de Yeats, Hughes começa a interessar-se pelas lendas e mitos do folclore irlandês e, simultaneamente, descobre as obras de Eliot e Hopkins. Todos estes vultos da literatura são, certamente, apontados como influências na obra hughesiana. Não me debruçarei em particular sobre estes temas pois considero-os suficientemente vastos para informarem outras dissertações. Para uma leitura mais detalhada acerca das diferentes fases do percurso poético inicial do autor veja-se Hughes, Winter Pollen, 4-1.

(14)

Movement pareciam não conseguir lidar com as pressões do mundo moderno . E neste contexto

que a poesia de Hughes irrompe com um sentido de novidade: enquanto a escrita dos poetas do

Movement se pautava por um registo de urbanidade e de contenção emocional, a escrita de

Hughes é sensorialmente intensa e virada para estados naturais e selvagens. A. Alvarez também se refere a Hughes como sendo um poeta que se distingue dos poetas do Movement e comenta: "Hughes was more self-assured, a man who knew where he was coming from, solidly based, and in the world he inhabited wild animals figured a great deal more prominently than people."16

Como constata Keith Sagar, o crítico que mais tempo e espaço dedicou à publicação de estudos sobre Hughes, este é constantemente rotulado pela crítica literária como poeta da natureza ou, mais particularmente, como poeta que escreve sobre animais. Aliás, os próprios títulos dos poemas deixam antever ao leitor que, salvo algumas excepções - nomeadamente os poemas aqui em estudo, caracterizados pela natureza olhada num pormenor quase microscópico -, estará em presença de textos sobre animais predadores. Não obstante, a crítica hughesiana defende que esses seres são muito mais que meras imagens da natureza animal observada no seu habitat e fala dos poemas que os representam como metáforas da vida. De facto, quase sempre esses animais são metáforas para a representação da força interior do poeta que poderá ser estendida à força interior e contraditória de todo o ser humano. Sagar, por exemplo, fala dos poemas como boletins da batalha das forças interiores não só de Hughes como do homem em geral. Muitos dos poemas deixam transparecer, para além do fascínio pelos animais - presente,

15 Sobre o Movement ver Blake Morrison, The Movement: English Poetry and Fiction of the 1950s

(Oxford: Oxford University Press, 1980).

16 Nick Gammage, ed. The Epic Poise: A Celebration of Ted Hughes (London: Faber and Faber, 1999)

(15)

por exemplo, em "Hawk Roosting"- a quase inveja do autor relativamente à simplicidade da existência animal. É que o mundo destes oscila unicamente entre a vitalidade ou luta pela sobrevivência e a morte, enquanto que o mundo do ser humano é muito mais complexo e a realidade é quase sempre objecto de questionação ou insatisfação por parte deste.

Pela escolha dos animais, quase sempre predadores, sendo os mais emblemáticos da sua obra o falcão, a raposa, o lobo e o jaguar, a poesia hughesiana é frequentemente adjectivada de violenta. Em entrevista a Ekbert Faas e questionado sobre a violência da sua poesia, Hughes afirmou:

The role of this word 'violence' in modern criticism is very tricky and not always easy to follow. (...) poetry is nothing if not that, the record of just how the forces of the Universe try to redress some balance disturbed by human error.17

Ainda relativamente à questão da violência, Terry Gifford e Neil Roberts declaram em tom de defesa de Hughes:

The reason for the problem about 'violence' in Hughes's work is his determination to acknowledge the predatory, destructive character of nature, of which man is a part, and not to moralise about it.18

Apesar de este trabalho se debruçar sobre um outro aspecto da poesia hughesiana é inevitável abordar aqui a questão da violência, já que esta surge, embora de forma menos evidente, em

17 Ekbert Faas, Ted Hughes: The Unaccommodated Universe (Santa Barbara: Black Sparrow Press,

1980) 197, 198.

(16)

alguns dos poemas do corpus. Não obstante, saliento que, ainda que da minha leitura da obra de Hughes resulte inegável que alguma poesia oferece uma imagem violenta da natureza animal, se me afigura que essa aparente violência não é mais que a descrição de um mundo em que, de facto, a sobrevivência é uma questão que a todo o momento se coloca. Penso que a violência de que Hughes é acusado está perfeitamente equilibrada por um sentido de fragilidade e vulnerabilidade nos seres observados, nomeadamente na delicadeza de uma borboleta ou de uma libelinha, figuras de destaque em alguns poemas que neste trabalho serão objecto de estudo.

Podemos conjecturar, por aquilo até aqui exposto, que a obra de Hughes gira em torno de um único assunto: os animais. Mas falar de Hughes não é só falar da sua poesia sobre animais. Irene Worth, designadamente, entende que Hughes não escreve sobre a Natureza, mas que fala de dentro dessa Natureza.19 Por outro lado, Michael Schmidt afirma:

Hughes is hardly an animal poet. His animals, sometimes accurately portrayed, are usually out of focus, or rather, refocused to illuminate some specific metaphorical rather than complex natural truth. They are emblems, analogues, images, the quintessence of the poetic fallacy.20

Outros temas ganham ainda evidência na obra poética de Hughes, tal como a mitologia oriental presente em Wodwo (1967), fruto dos conhecimentos adquiridos aquando do seu estudo de

19 A este respeito veja-se o que diz a autora: "The poet deals with emotion and words alone. Ted's words

and the way they lie on the paper nourish us as nature nourished him. He does not write about nature but within nature. He picks up a badger's tooth, bleached and beautiful, is bitten by a mosquito, understands the law in the country of the cats." (Gammage, ed., The Epic Poise, 157.)

(17)

antropologia em Cambridge, ou a mitologia da criação patente em Cave Birds (1975). Também o xamanismo faz parte da lista dos temas presentes na obra poética deste autor. Para Hughes existe uma ligação profunda entre as experiências poéticas e as experiências xamânicas. O xamanismo é assim definido por Hughes:

[...] it's the whole procedure and practice of becoming and performing as a witch-doctor, a medicine man, among primitive people. The individual is summoned by certain dreams. The same dreams all over the world. A spirit summons him... usually an animal or a woman. If he refuses, he dies... or somebody near him dies. If he accepts, he then prepares himself for the job... it may take years.21

Durante a entrevista a Ekbert Faas, Hughes acrescenta que, habitualmente, o poeta recusa esse chamamento, e menciona Edgar Cayce como um dos raros poetas que o aceitou. Creio que Hughes também entende ter recebido um chamamento para um desempenho como xamã já que, se atentarmos no seu relato acerca de como surgiu o seu primeiro poema sobre animais - "The Thought-Fox" - este é, certamente, o sonho que evidencia as características do apelo para a admissão no mundo xamânico. Hughes não aceitou, porém, esse chamamento e a sua escrita parece ser marcada pela convicção de que a não aceitação desse mesmo chamamento terá sido duramente paga, já que o próprio autor interpreta desastres da sua vida pessoal - nomeadamente o suicídio de Sylvia Plath, sua esposa do primeiro casamento - desse modo22.

Keith Sagar aponta os meados da década de sessenta como correspondendo a uma

21 Faas, Ted Hughes, 206.

22 Ver Leonard M. Scigaj, ed., Critical Essays on Ted Hughes (New York: Macmillan, 1992) 21 e Keith

(18)

mudança de intuito na obra de Hughes no que diz respeito à representação da Natureza: esta começa a ser vista de uma perspectiva ecológica. Sagar aproxima a posição do autor da posição dos ambientalistas que defendem e elegem a educação do ser humano como meio predilecto para alcançar a valorização e respeito do espaço natural.23 Apesar de esta posição se manter desde

então como um dos traços mais evidentes na poesia de Hughes, creio que a obra que melhor espelha as preocupações ecológicas deste autor é River. Datada de 1983, em co-autoria com o fotógrafo Peter Keen, River coloca o leitor em presença de poemas acompanhados de fotografias de um mundo ainda virgem relativamente à presença humana e que levam a afirmar com todo o sentido que Hughes é um autor com preocupações ambientalistas. Aliás, os patrocinadores da obra foram o Countryside Commission e o British Gas - apresentado num pequeno texto nas páginas introdutórias da obra como uma empresa que se esforça por manifestar preocupação quanto às questões do ambiente.24 As preocupações ecológicas de Hughes são também apontadas

por Leonard M. Scigaj25 que descreve a forma como desde a década de sessenta Hughes escreveu

poemas ecológicos, assim como permitiu leilões de alguns dos seus manuscritos como forma de angariar fundos para salvar plantas e animais em vias de extinção.

23 É Sagar quem afirma: "Hughes's poetry shares a basic premise with ecologists and environmentalists:

the only way to save this planet is to change the perceptions of its human inhabitants about Nature." [Keith Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes (New York: St. Martin's Press, 1994) 160.] Sagar declara, ainda, sobre a obra poética de Hughes: "Though there are wonderful poems from both before and after, the body of work on which Hughes' reputation should stand (his equivalent of what Shakespeare got into his plays) is almost everything he wrote in the seventies and early eighties - the poems collected in Season Songs (1974), Cave Birds (1975),

Gaudete (1977), Remains of Elmet (1979), Moortown (1979) and River (1983). These books contain the

inestimable healing gifts which are Hughes' legacy to us all." [Keith Sagar, The Laughter of Foxes: A Study of

Ted Hughes, by Keith Sagar (Liverpool: Liverpool University Press, 2000) xi.]

24 Ver Ted Hughes (Poems), and Peter Keen (Photographs), River (London & Boston: Faber and Faber,

1983)4.

(19)

As preocupações ecológicas são, contudo, uma das vertentes de uma personalidade poética que nem sempre fez de Hughes uma figura querida de todos os auditórios. A dimensão institucional e pública da sua condição de Poeta Laureado parecia talhada para uma imagem de afabilidade que Hughes soube cultivar. Mas a relação que a crítica feminista com ele estabeleceu não poderia oferecer maior contraste. Numa perspectiva radical adoptada pelas feministas, Hughes é apontado como responsável pela morte de Sylvia Plath e todo o seu mérito pessoal e poético parece desaparecer face a esse acontecimento. O que me parece, e não querendo alongar-me relativaalongar-mente a este assunto pois não é uma das áreas eleitas pelo alongar-meu trabalho, é que a crítica feminista parece esquecer que, a acreditar em Ekbert Faas, pelo menos uma parcela da obra de Plath se deve à convivência com Hughes. Faas entende mesmo que Hughes ensinou a Plath a forma de desprender a sua imaginação e, em consequência, tê-la-á ajudado a libertar-se de alguns dos seus maiores pesadelos26. Aliás, o relacionamento de Hughes com Plath foi sempre

um assunto gerador de questionações tanto no público como na crítica: só com a publicação de

Birthday Letters (1998) Hughes afastou o véu sobre aquele que foi o primeiro casamento do

autor.

O percurso de Hughes no mundo literário passa também pela escrita de livros infantis. São cerca de dezassete os livros para crianças. De entre estas obras constam títulos como The

26 Faas declara ainda: "Apparently unfamiliar with similar creeds held by American poets, Sylvia Plath

for a time became the disciple of her husband. Her letters abound with praise of all the things she learned in this all-absorbing working partnership: how she sharpened her impressionistic perceptions according to Hughes' photographic vision, how she enriched her imagination [...] or how she learned to break through a writing block". (Faas, Ted Hughes, 41.) Também Keith Sagar refere sobre este mesmo assunto: "[...] the most important effect Hughes had on her [Sylvia] was to increase her concentration on poetry and to supply her with a fully worked out belief in the poetic mythology of Robert Graves' The White Goddess." [Keith Sagar, The Art of Ted Hughes (Cambridge: Cambridge University Press, 1975) 11.]

(20)

Earth Owl (1963), How the Whale Became (1963), What is the Truth (1984), Frangs the Vampire Bat and the Kiss of Truth (1986), The Cat and the Cuckoo (1987), Meet My Folks!

(1987), entre outros. Alguns dos poemas que serão objecto de estudo nesta dissertação foram originalmente publicados em volumes destinados ao auditório infantil.

Para além disto, Hughes também se dedicou ao drama, tendo publicado dezoito peças de teatro, aproximadamente, entre 1960 e 1971. Porém, o próprio Hughes não se considera um dramaturgo e, tal como declara Fred Rue Jacobs27, a opinião da crítica parece ir de encontro à

do autor quando este último afirma que as suas peças só têm valor pelos poemas que lá surgem ou então pela forma como, de algum modo, deram origem a outros textos poéticos.

Um outro papel que Hughes assumiu foi o de crítico literário e este apresenta já uma posição mais importante.28 Foram muitos os textos de Hughes acerca de autores do seu tempo

ou de outros, como é o caso de Shakespeare. A partir de 1964 Hughes inicia o processo de familiarização com a obra de alguns poetas da Europa de Leste. Assim, em 1966 publica na revista Critical Survey um artigo sobre Vasco Popa no qual apresenta a obra deste ao público britânico29. Três anos mais tarde, poetas de todo o mundo vêm a Londres participar no então

chamado "Poetry International", uma espécie de congresso que, juntamente com outras entidades do meio, teve o cunho e o forte empenho de Ted Hughes no que diz respeito à sua organização

27 Ver Fred Rue Jacobs, "Hughes and Drama", The Achievement of Ted Hughes, ed. Keith Sagar, 154

-170.

28 Keith Sagar, referindo-se à importância de Hughes como crítico literário, afirma: "The versatility of

Ted Hughes does not end with poetry, fiction and drama; he is also a very fine literary critic. His criticism is scattered through numerous introductions, essays and book reviews. When the best of them are collected, the rare quality of his critical sensitivity and expression will appear." [Keith Sagar, Ted Hughes (London: Longman, 1972) 43.] "

(21)

e realização. Foi graças a Hughes, e em consequência dos artigos por ele publicados, que muitos poetas da Europa de Leste viram o seu trabalho divulgado na Inglaterra e, posteriormente, noutros países da Europa Ocidental. Com estes poetas Hughes partilhava a consciência profunda dos malefícios da guerra, malefícios esses que o seu pai lhe havia relatado e cuja consequência poética pôde encontrar também nas obras de Wilfred Owen e de Keith Douglas, poetas respectivamente da I e II Guerra Mundial. Michael Parker, ainda debruçando-se sobre o relacionamento Hughes - Plath, reforça a importância da obra poética dos autores da Europa de Leste no período pós-suicídio de Plath:

His discovery of the poets of eastern Europe was crucial at this time in providing models for survival, through whose experience he was able to come to terms with his own experience and his sense of responsibility.30

Além disso, Hughes assimilou de tal forma a escrita destes poetas que, nomeadamente em Crow (1970), é visível a sua influência no que diz respeito à criação de fábulas e mitos31.

Hughes é nomeado Poeta Laureado a 19 de Dezembro de 1984. A notícia desta sua consagração originou uma subida ciclópica no que diz respeito à venda dos seus livros e, em muitos jornais e revistas do meio literário, é desenhado o seu perfil como poeta. E ainda na semana que é nomeado Poeta Laureado que Hughes publica o conhecido poema "Rain-Charm

Sagar, ed., The Achievement of Ted Hughes, 44.

31 Sobre este assunto leia-se o artigo de Michael Parker intitulado "Hughes and the Poets of Eastern

(22)

for the Duchy: A Blessed, Devout Drench for the Christening of Prince Harry" .

III.

Até ao momento, embora muito superficialmente, apresentei algumas das temáticas mais discutidas da obra e da personalidade poética hughesiana. O trabalho que aqui se segue é fruto da minha leitura da obra poética de Hughes e de algum conhecimento da sua recepção. E meu intuito mostrar os processos pelos quais este autor direcciona o olhar do leitor para uma natureza animal considerada ao nível do pormenor.

A escolha de Ted Hughes, bem como o interesse pessoal por este mesmo autor, vêm na sequência de um Seminário de Mestrado sobre Literatura Inglesa do Século XX. Devo aqui revelar que o fascínio que agora a obra do poeta Ted Hughes exerce sobre mim não foi imediato. De início fiquei pouco encantada com as suas descrições violentas dos animais pois parecia-me um mundo demasiado cruel para ser registado em versos. Contudo, encontrei algum tempo depois numa estante aquele que é, graficamente e visualmente falando, um dos seus mais belos trabalhos: River. As fotografias de Peter Keen, habilmente seleccionadas para a ilustração dos poemas, captaram de imediato a minha atenção. Ao 1er os poemas não tive qualquer dúvida de que estava perante o retrato da Natureza na sua existência eternamente cíclica. O herói - o salmão - mais não me evocou que o próprio homem na sua incessante luta pela sobrevivência. Ao aprofundar algumas leituras de poemas e recorrendo à leitura de alguns textos críticos, pude

32 Ted Hughes, "Rain-Charm for the Duchy: A Blessed, Devout Drench for the Christening of Prince

(23)

modificar a minha primeira impressão: não era somente o salmão a oferecer-se-nos como projecção do ser humano; todos os animais predadores sobre os quais havia lido e cuja descrição havia considerado demasiado acre eram uma metáfora da força interior humana.

Apesar de me agradar a obra hughesiana em geral, resolvi somente tomar como objecto de estudo os poemas que incidem no pormenor, uma vez que achei cativante a forma quase microscópica com que Hughes leva o leitor a visualizar a Natureza, em geral, e a natureza animal, em particular. Além disso, como já referi, pretendo com este trabalho abordar um aspecto da obra de Hughes que me parece que até ao momento não foi devidamente discutido. Contudo, surgiram-me algumas dificuldades, primeiramente de foro bibliográfico, devido a uma quase inexistência de bibliografia em Portugal tanto da obra de Hughes como da crítica hughesiana e, seguidamente, dificuldades relacionadas com a própria localização dos poemas. Deparei com o facto de Hughes publicar muitas vezes os mesmos poemas em obras diferentes, chegando até a alterar os seus títulos. A tarefa de localização da obra em que foram originalmente publicados tornou-se um trabalho exaustivo, só facilitado quando algum tempo depois tive acesso à bibliografia organizada por Keith Sagar e Stephen Tabor33 que considero indispensável para

qualquer estudioso da obra de Hughes.

Tendo em conta o número de estudos publicados recentemente e a atenção dedicada pelos críticos à vida e obra de Ted Hughes, a projecção da obra poética deste autor continua a um nível elevado. Para além de alguns nomes já neste texto referidos, quero salientar as opiniões de Nick Gammage, nomeadamente, que comenta o sentimento de profunda perda que o mundo

33 Keith Sagar, and Stephen Tabor, Ted Hughes: A Bibliography 1946 -1995, 2nd ed. (London & New

(24)

literário experimentou com a morte de Hughes em 1998. No entender deste crítico e estudioso, essa perda é marcante precisamente pelas suas características singulares: "[...] the unique force of his poetic imagination, his reverence for language, and his super-sensitive way of seeing and feeling."34 Também Ann Skea, um nome igualmente importante dos estudos hughesianos,

comenta:

Hughes' descriptions are precise and vividly sensual; the images and symbols which he uses most powerfully are those which derive directly from his own experience; and his creatures have a characteristic energy even whilst they serve symbolic purposes.35

Nas páginas em que desenvolverei a temática já apresentada, encontrará o leitor um primeiro capítulo em que abordarei uma questão já aqui na introdução mencionada e que é fulcral quando se fala da poesia hughesiana: a importância dada pelo autor às questões de defesa e preservação do meio ambiente. Assim, numa primeira secção do capítulo, referir-me-ei à importância da paisagem natural na poesia de Hughes, importância essa justificada tanto pelos críticos como pelo próprio autor; numa segunda secção exemplificarei e mostrarei, com algum pormenor, algumas das obras hughesianas em que o tema da paisagem natural é central. Uma primeira secção do segundo capítulo deste trabalho será dedicado à apresentação das figuras animais em destaque no corpus por mim seleccionado e, numa segunda secção, de dimensões mais extensas e de cariz mais analítico, apresentarei ao leitor as estratégias de representação visual adoptadas por Hughes no corpus escolhido. Devo desde já referir que o corpus desta

34 Gammage, Editor's Note, The Epic Poise, by Gammage, ed., xiii.

35 Ann Skea, Ted Hughes: The Poetic Quest (Armidale: The University of New England Press, 1994)

(25)

dissertação é composto por vinte e três títulos.36

36 Os poemas que fazem parte do corpus são: "Bees", "The Honey Bee", "Buzz in the Window", "The

Fly", "Mosquito", "Gnat-Psalm", "Caddis", "The Mayfly is Frail", "Saint's Island", "A Cranefly in September", "Dragonfly", "Performance", "In the Likeness of a Grasshopper", "Eclipse", "Spider", "Two Tortoiseshell Butterflies", "The Red Admiral", "Sandflea", "Ants", "Ragworm", dois poemas sob o título de "Worm" (um publicado em What is the Truth? e outro que surgiu em 1987 na obra The Cat and the Cuckoo) e "Snail".

(26)
(27)

Yehuda Amichai37

Hughes ' [England] is a primeval landscape where stones cry out and horizons endure.

Seamus Heaney31

When something abandons Nature, or is abandoned by Nature, it has lost touch with its creator, and is called an involuntary dead-end.

Ted Hughes39

37 Gammage, ed., The Epic Poise, 212.

(28)

I.

Para entendermos a obra hughesiana existe, na minha opinião, um aspecto da poesia deste autor de abordagem imperativa: a importância dada por Hughes ao meio ambiente. E por este motivo que, antes de apresentar e analisar o corpus que está na génese da definição temática desta dissertação, apresento este capítulo cujo primeiro propósito é mostrar momentos em que Hughes se referiu explicitamente à defesa do meio ambiente e, num segundo momento, mostrar como essa importância por ele dada ao meio ambiente é a temática principal de algumas das suas obras.

Poetry in the Making (1967), obra que discute e que propõe algumas respostas a

questões que se prendem com a escrita de poesia40, é um dos textos em que Hughes evidencia

a importância do espaço natural e o fascínio que este exerce sobre o homem. É nele que afirma: "Who is to say that we are not all secretly in love with grass and trees, preferably out of sight of houses, or if there are houses then they have to be a country style house, a cottage or a manor."41

Será igualmente em Poetry in the Making, num capítulo intitulado "Writing About Landscape", que Hughes apela para a necessidade de o ser humano se refugiar na Natureza por breves períodos de tempo. Esse refúgio torna-se para este autor imprescindível quando se fala daqueles que habitam nos meios urbanos, justificando Hughes esta sua posição da seguinte

40 Hughes anuncia na Introdução que Poetry in the Making poderá ser usado "as a text and anthology

for the class, or as a general handbook for the teacher." (Hughes, Poetry in the Making, 13.) Keith Sagar refere acerca deste: "Poetry in the Making is the best book I know about the writing (and reading) of poetry in schools. It is about poetry as a natural and common activity; about the fun, but also the seriousness, the centrality, of this activity". (Sagar, Ted Hughes, 19.)

(29)

forma: "It is only there that the ancient instincts and feelings in which most of our body lives can feel at home and on their own ground. It is almost as though these places were generators where we can recharge our run-down batteries."42 Esta afirmação leva-me a concluir que o refugio do

ser humano no meio natural funciona para Hughes como a expressão de um desejo de regresso às comunidades humanas primitivas em que o contacto com a Natureza era mais forte. Do meu ponto de vista, este refúgio no meio natural é para este poeta uma espécie de ritual cujo propósito é a purificação humana de toda a confusão e poluição dos ambientes citadinos. Em forma de conclusão desta sua posição Hughes adopta uma postura que acarreta alguma esperança na Natureza como uma orientadora persistente: "Nature's obssession, after all, is to survive. As far as she is concerned, every new baby is a completely fresh start. If Westernized civilized man, the evolutionary error, is still open to correction, presumably she will correct him. If he is not open enough, she will make the attempt."43

Adoptando um tom exclamativo, Hughes constata ainda em Poetry in the Making: "What a curious fascination landscape must hold for us, if so many of our very greatest painters have spent their lives trying to capture in paint the essence of one landscape after another."44 A

verdade é que não podemos circunscrever aos pintores esta tentativa de captura da Natureza uma vez que está também evidenciada na escrita de Hughes e na de tantos outros escritores. Hughes, porém, distingue-se de alguns destes autores uma vez que não se limitou a retratar a Natureza, como se evidencia na sua adopção de uma postura de tipo ambientalista patente na sua reflexão

42 Hughes, Poetry in the Making, 76. 43 Hughes, Winter Pollen, 135. 44 Hughes, Poetry in the Making, 75.

(30)

crítica sobre The Environmental Revolution de Max Nicholson.

Hughes inicia o seu texto oferecendo ao leitor uma clara definição daquilo que é para ele "Environmental Revolution"45 para, seguidamente, traçar uma breve resenha histórica na qual mostra a razão pela qual a relação homem/Natureza é considerada catastrófica no momento da escrita deste seu texto:

The subtly apotheosized misogyny of Reformed Christianity is proportionate to the fanatic reflection of Nature, and the result has been to exile man from Mother Nature - from both inner and outer nature. The story of the mind exiled from Nature is the story of Western Man. It is the story of his progressively more desperate search for mechanical and rational and symbolic securities, which will substitute for the spirit-confidence of the Nature he has lost.46

Hughes, após ter denominado Max Nicholson de profeta precisamente por prever o estado de declínio na relação homem/Natureza,47 formula a seguinte crítica: "The public ignorance is also a deep resistance, of course. We have a biologically inbuilt amnesia against the fears of extinction. And hunger and greed will always sacrifice almost anything."48 Mas as críticas não

45 Pode ler-se no original: "Basically, it is a history of Conservation, worldwide and from the beginning.

It includes a detailed survey of the movement in modern times in the US and in Britain, where most of the pioneering work was done." (Hughes, Winter Pollen, 128.)

46 Hughes, Winter Pollen, 129.

47 Hughes alerta o leitor para o facto de Nicholson ter escrito durante toda a sua vida como um cientista,

apoiado em métodos científicos e mantendo sempre uma fé inabalável na tecnologia. Relativamente a este assunto Hughes termina advogando: "Yet he is actually a prophet, and all his dedication has been based on a sure intuition of what language would finally carry the weight, when he came to tell his vision." (Hughes, Winter Pollen, 134.)

(31)

são apenas dirigidas aos cidadãos e, mais adiante no seu texto, revestem-se de um tom profundamente acusatório contra os governos:

In so far as the earth's life is being murdered, it is in the hands of Government and departamental committees. If Government could feel the crisis of it, or if the public could make Government feel the experience of it, the industrial poisoning of the water-systems in and around England, for instance, could be cut to something negligible very quickly. A crash programme of legislation and subsidies, of applying technological means already well researched, would cost no more than a few strikes, and would not require much more Government time and attention than did Rhodesia.49

Pelas leituras por mim efectuadas creio ser correcto afirmar que Hughes, tal como Nicholson, acredita que o ser humano, em geral, e o súbdito britânico, em particular, precisa de ser educado na forma como olha para a Natureza, e que esta será a única maneira de resolver os problemas de cariz ambiental.50 Contudo, para que essa educação seja possível, e referindo-se

explicitamente ao caso inglês, Hughes apela à mudança no sistema educativo do seu país, mudança essa que, do seu ponto de vista, não acontecerá enquanto os economistas da sociedade industrial revelarem ignorância e não oferecerem incentivos ao conhecimento da Natureza. Em jeito de conclusão desta sua reflexão da obra de Nicholson, Hughes, tal como anteriormente

49 Hughes, Winter Pollen, 131.

50 É de salientar que Nicholson defende a educação não só da sociedade em geral como dos próprios

agricultores. É por este motivo que Hughes declara: "He [Nicholson] emphasizes the urgent need to educate farmers. Not just our food, but the life of that nine inches of soil, and of much else, is in their case." (Hughes,

(32)

aquele o havia feito, lança um alerta quanto à urgência em salvar o meio ambiente e evitar, assim, não só a sua destruição como a de toda a humanidade. O final deste texto de Hughes dá ênfase ao tom esperançoso com que Nicholson termina a sua obra:

He [Nicholson] makes it very clear that we may well be too late, that our civilization may be too strong for us for too long. In spite of that, he leaves the reader feeling that the wonderful thing might be possible, that the earth can be salvaged, that we are hopelessly in the grip of our abstractions, our stupidity and greed, and our shiftless, imbecile governments.51

II.

Esta importância elevada que Ted Hughes dá à Natureza faz com que autores como Leonard M. Scigaj52 o caracterizem como tendo uma visão biocêntrica da Natureza, ou mesmo que o rotulem como autor da Natureza. Scigaj aponta como factores determinantes para esta visão o facto de Hughes ter passado grande parte da sua infância no Yorkshire bem como ter

51 Hughes, Winter Pollen, 134. Sublinhado meu.

52 Para uma análise mais detalhada desta posição de Scigaj leia-se "Ted Hughes and Ecology: A

Biocentric Vision", capítulo inserido em Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes. O autor refere que a visão biocêntrica, contrariamente à visão antropocêntrica, se caracteriza pelo facto de ver o homem como apenas mais um dos muitos elementos que existem dentro de um ecossistema. Scigaj advoga que Hughes, como se poderá concluir após análise das suas obras, passou por várias etapas: a questionação do antropocentrismo em Wodwo, a crítica desse mesmo antropocentrismo em Crow e, finalmente, desde Gaudete até Wolfwatching, um desenvolvimento e amadurecimento da visão biocêntrica da Natureza patente nas publicações que se seguiram. Scigaj defende que essa visão biocêntrica é particularmente evidente em Moortown Elegies, Remains ofElmet e

River.

Outros autores também evidenciam a importância da Natureza na obra hughesiana e chegam a metaforizar esta naquela, como podemos verificar através das epígrafes que estão no início deste capítulo. Para uma exploração desta posição veja-se o estudo "Ted Hughes's Poetry", de Yehuda Amichai, inserido em Gammage, ed., The Epic Poise, 212, 213.

(33)

estudado antropologia aquando da sua passagem por Cambridge. Seja por um ou outro motivo, o que daqui importa evidenciar é que os estudiosos da obra hughesiana não podem deixar de referir o papel de destaque que a Natureza ostenta na maioria dos seus poemas.

Nem todos os estudiosos se concentram na vertente ecológica e biocêntrica da poesia hughesiana; há aqueles que, após análise detalhada da obra poética deste autor, nela encontram outros tratamentos da Natureza. Neil Corcoran, por exemplo, enquadra a produção poética de Hughes em dois tipos fundamentais:

Hughes writes, essentially, two separable kinds of poem. The first, running through his entire career, and reaching its apogee, to my mind, in the "Moortown" sequence (1979), is the individual lyric which revises a tradition of English "nature" poetry, and specifically animal poetry, towards a discovery within the natural world of forces, energies and instincts which always implicitly, and sometimes explicitly, criticise the rational human intellect.

[...] the second type of characteristic Hughes poem, [is] the longer sequence with mythical or metaphysical ambitious, of a kind possibly encouraged by Vasko Popa's long poem-cycles.53

Como anteriormente nesta dissertação já foi lembrado, é em 1957, com a obra The Hawk in the

Rain, que Hughes começou a publicar. Seguiram-se outros títulos de igual modo importantes,

como é o caso de Lupercal (1960) e Wodwo (1967). Estas obras iniciais são sobretudo marcadas por uma Natureza quase em estado selvagem e cujos animais se encontram em luta pela sobrevivência. Esta impetuosidade da Natureza é adivinhada nalguns dos títulos dos poemas

(34)

desta fase - como "The Jaguar", "Vampire", "Hawk Roosting" ou "Second Glance at a Jaguar"-e KJaguar"-eith Sagar, por Jaguar"-exJaguar"-emplo, rJaguar"-efJaguar"-erJaguar"-e-sJaguar"-e à tJaguar"-emática dJaguar"-esta poJaguar"-esia dJaguar"-eclarando:

In nearly all his poems Hughes strives to find metaphors for his own nature. And his own nature is of peculiar general interest not because it is unusual, but because it embodies in an unusually intense, stark form the most typical stresses and contradictions of human nature and of Nature itself.54

É Keith Sagar quem aponta a década de sessenta como o ponto de viragem na poesia hughesiana, defendendo este crítico que o poeta começa então a preocupar-se em descrever a Natureza de uma perspectiva ecológica. Esta mudança é igualmente acentuada por outros autores, como é o caso de Leonard M. Scigaj que sustenta: "Hughes's poetry since the mid-1960s has been intimately concerned with viewing Nature from an ecological perspective."5'

Sagar advoga ainda que esta "nova" Natureza hughesiana passa a ser celebrada como deusa56 e

54 Sagar, Ted Hughes, 4.

55 Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 160. Mais adiante neste mesmo capítulo, Scigaj prossegue:

"Hughes in his poetry has been suggesting such a change for the past twenty years. Reverence for the nurturing powers of organic Nature and respect for the intrinsic worth of all of Nature's creations have led Hughes to adopt a biocentric vision." (Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 179.) Jonathan Bate também se refere a este assunto declarando: "[...] Hughes in his later years became increasingly angry about the violence wrought by man upon nature. He cared deeply about the pollution of the countryside and the decimation of Britain's wildlife population." [Jonathan Bate, The Song of the Earth (Cambridge & Massachusetts: Harvard University Press, 2000) 27.]

56 Dennis Walder, num capítulo intitulado "Back to Mother Nature", fala também desta viragem da

poesia hughesiana. Walder fala de "(...) [a] delightful, vividly sensual celebration of the goddess Nature in Season

Songs". [Dennis Walder, Open Guides to Literature: Ted Hughes (Philadelphia: Open University Press, 1987)

82.] O autor prossegue defendendo Hughes perante a crítica que o aponta como poeta da violência e argumenta: "In effect what he [Hughes] was doing, was taking us back to the goddess Nature: the aggressive, masculine, satiric view so forcibly embodied in these sequences [Crow, Gaudete and Cave Birds]is countered by a lighter, gentler and more feminine strain, which emerges with the publication of Season Songs". (Walder, Open Guides

to Literature, 80.)

Também Craig Robinson caracteriza a Natureza hughesiana chamando-a: "[...] the goddess we meet everywhere in River and in Hughes' later vision of nature." [Craig Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being

(35)

como elemento criador em detrimento de uma caracterização da Natureza como elemento masculino e destruidor que havia apresentado até então.

III.

Apesar de a Natureza ser um tema recorrente na produção poética de Hughes, existem quatro obras em que os críticos - e daqui destaco Leonard M. Scigaj - são unânimes em afirmar que a Natureza é vista especificamente de uma perspectiva biocêntrica ou ainda ecológica: Season Songs (1976), Remains ofElmet (1979)57, River (1983) e Flowers and Insects (1986). Essa abordagem do tema é feita de dois modos distintos: ora pela divinização da Natureza em oposição à quase insignificância da presença humana nos espaços naturais, ora ainda pelo lamento dos malefícios causados pelo ser humano sobre aqueles.

Season Songs, a colectânea primeira deste conjunto e pelos críticos catalogada como literatura infantil, exemplifica a posição biocêntrica que a Natureza por vezes ocupa na obra hughesiana. Brian Patten destaca-a relativamente a outras construções poéticas de Hughes, valorizando no poeta a sua capacidade de observação dos espaços naturais e a transmissão aos menos atentos daquilo que foi observado:

(New York: St. Martin's Press, 1989) 207.]

57 Esta obra foi posteriormente publicada sob outro título: Elmet. Fay Godwin, num capítulo intitulado

"Ted Hughes and Elmer traça a história da publicação de Elmet: "In 1994, in spite of Faber's reluctance, because of the cost of reproducing the photographs, a completely new edition called Elmet was published, with about one-third new pictures and poems, much better designed and produced." (Gammage, ed., The Epic Poise, 106.) E ainda Godwin, no mesmo artigo, quem relata a posição de Hughes relativamente a Elmet: "that's our classic so we'll keep it in print."

(36)

In Hughes's nature poems specially those in Season Songs -there is an intensity of seeing (...)• To see the natural world so closely and to be able to pass this information on to the less observant in a way that is memorable is one of his major gifts, and one that those of us whose vision is blunted by hurry or enclosed in an urban environment ought to be grateful for.58

Também Craig Robinson realça essa mesma capacidade de observação de Hughes e refere:

"March Morning Unlike Others", in Season Songs (1976), offers a mood new in Hughes. It starts with the poetry of observation, simple registrations, aiming only to offer up such particulars as seem noteworthy and necessary to the definition and evocation of the essence of this day.59

Do meu ponto de vista, de facto Season Songs oferece retratos pormenorizados de uma Natureza pouco ou nada hostil, como na primeira fase da obra poética hughesiana, e evidencia uma Natureza com características singulares em quatro momentos distintos - na Primavera, no Verão, no Outono e no Inverno. Esta divisão em momentos desiguais foi feita pelo próprio autor que se preocupou em agrupar os textos líricos tendo as estações do ano como delimitadoras e diferenciadoras desses momentos. Os poemas divinizam a Natureza, em geral, ou certos elementos desta, em particular, de forma a mostrar toda a sua magnitude face ao homem. Há ainda a sobrelevar o facto de os elementos naturais se encontrarem em harmonia e a Natureza evidenciar uma capacidade de regeneração sublime, nomeadamente no poema "March Morning Unlike Others", do qual cito a última estrofe:

58 Gammage, ed., The Epic Poise, 72.

(37)

The earth invalid, dropsied, bruised, wheeled Out into the sun,

After the frightful operation.

She lies back, wounds undressed to the sun, To be healed,

Sheltered from the sneapy chill creeping North wind, Leans back, eyes closed, exhausted, smiling

Into the sun. Perhaps dozing a little.

While we sit, and smile, and wait, and know She is not going to die.60

Também a importância da união harmoniosa do ser humano com a Natureza não foi esquecida e esta última é vista como figura maternal ou como fonte de vida para com o primeiro. E isto que expressa, por exemplo, o poema "The Golden Boy":

In March he was buried And nobody cried [...]

But the Lord's mother Full of her love Found him underground

And wrapped him with love As if he were her baby

Her own born love She nursed him with miracles

And starry love And he began to live

And to thrive on her love61

60 Ted Hughes, Season Songs (London & Boston: Faber and Faber, 1985) 17. Versos 13-22.

(38)

De resto, relativamente à presença humana, esta é quase inexistente, exceptuando algumas referências num número reduzido de poemas. É o caso do final da obra através de "The Warm and the Cold". Este poema, cujo título anuncia um contraste que será desenvolvido no seu

corpus, retrata um entardecer invernal - "Freezing dusk"62 - e enumera quase exaustivamente

animais e outros elementos do espaço natural enquadrados de forma harmoniosa na Natureza. Os três versos finais, antagonicamente ao até então referido no poema, expressam: "The sweating farmers/Turn in their sleep/Like oxen on spits."63 Como se pode concluir após leitura do excerto,

há aqui uma certa sugestão da insignificância e impotência da presença humana relativamente ao espaço natural. O sono desassossegado destes agricultores contrasta com o aconchego encontrado pelos animais na Natureza e, através da comparação "Like oxen on spits", revela-se um certo desenquadramento por parte do homem no espaço natural.

A segunda obra deste conjunto - Remains of Elmet64 - também é objecto de referência

como exemplificativa da Natureza tratada de forma biocêntrica e ecológica. Uma vez mais cito

62 Hughes, Season Songs, 88. Verso 1. 63 Hughes, Season Songs, 88. Versos 41 - 43.

64 O título escolhido por Ted Hughes é objecto de estudo por parte de alguns críticos. Elmet é um

topónimo particularmente importante pois é uma antiga designação celta para uma parte do West Yorkshire, local onde Hughes passou muito tempo da sua infância (ver Sagar, ed. The Challenge of Ted Hughes, 171.) O próprio Ted Hughes, em notas a Ted Hughes (Poems), and Fay Godwin (Photographs), Elmet (London & Boston: Faber and Faber, 1994) 9 e Ted Hughes, Three Books: Remains of Elmet, Cave Birds, River (London: Faber and Faber, 1993) 181, explicou: "Elmet is still the name on maps for a part of West Yorkshire that includes the deep valley of the upper Calder and its watershed of Pennine moorland. These poems confine themselves to the upper Calder and the territory roughly encircled by a line drawn through Halifax (on the east), Keighley (on the north-east), Colne (on the north-west), Burnley (on the west), and Littleborough (on the south-west): an 'island' straddling the Yorks-Lancs border, though mainly in Yorkshire, and centred, in my mind, on Heptonstall. Elmet was the last independent Celtic kingdom in England and originally stretched out over the vale of York. I imagine it shrank back into the gorge of the upper Calder under historic pressures, before the Celtic survivors were politically absorbed into England."

Leonard M. Scigaj refere-se ainda ao significado de "Elmet" para Hughes ao afirmar: "Elmet [...] became in Hughes's imagination a live ecological system that imprinted its landscape and weather upon all inhabitants." (Sagar, ed., The Challenge of Ted Hughes, 171.)

(39)

Leonard M. Scigaj que salienta:

In Remains of Elmet the ecology of the Pennines, not the human observer, is the protagonist. A main theme concerns the hope that the decomposition cycle in the ecosystem will one day turn all evidence of the Industrial Revolution and its penurious culture into fertile soil for future renewal. [...]

In Remains of Elmet Hughes expresses the hope that the strong base of Nature's pyramid can outlast the ecologically unsound myths that direct contemporary Western culture.65

Contrariamente a Season Songs, o que Hughes oferece em Remains of Elmet é um lamento pela ascensão da Revolução Industrial e, resultante desta, o declínio das indústrias tradicionais e colapso das comunidades que eram responsáveis por essas mesmas indústrias. O poema "Shackleton Hill", o qual evidencia imagens de abandono das quintas e consequente inactividade nas mesmas, exemplifica esta posição hughesiana:

Dead forms, dead leaves Cling to the long Branch of world. Stars sway the tree Whose roots

Tighten on an atom.

The birds, beautiful-eyed, with soft cries, The cattle of heaven,

Visit

(40)

And vanish.'

"The Sheep Went on Being Dead" também se aproxima tematicamente do poema supracitado. Como o próprio título anuncia, este texto lírico é um relato de morte no espaço natural, morte essa descrita da seguinte forma:

It was a headache

To see earth such a fierce magnet Of death. And how the sheep's baggage Flattened and tried to scatter, getting flatter Deepening into that power

And indrag of wet stony death. Time sweetens

The melting corpses of farms

The hills' skulls peeled by the dragging climate -67

De forma semelhante, outros poemas vão mostrando vestígios de um espaço natural que foi gradualmente morrendo devido à acção humana. É o caso de "First, Mills" que se refere explicitamente aos danos provocados pelo comboio sobre a Natureza:

[...]

Then the bottomless wound of the railway station That bled this valley to death.

66 Hughes, Three Books, 41. Versos 1-10.

67 Hughes, Three Books, 31. Versos 9 -17. Em Elmet o poema é ilustrado com uma fotografia do cadáver

(41)

The fatal wound. [...]

Then the hills were requisitioned For gravemounds.

The towns and the villages were sacked.68

Antagonicamente a Remains ofElmet, a terceira obra de destaque neste capítulo - River

-, celebra a vida e a renovação da Natureza sobretudo centrada no espaço fluvial69 e, como

aponta Craig Robinson, essa Natureza é descrita como sendo um elemento feminino : "The female personification of the landscape is frequent, especially in River (1983)".70 Outras considerações

se tecem em torno de River: Leonard Scigaj defende que a obra é fruto de duas décadas de meditação por parte de Hughes sobre o significado e a importância da Natureza nas vivências do ser humano71; outros estudiosos da obra hughesiana apontam apenas os interesses comerciais do

patrocinador de River no uso da imagem ambientalista deTed Hughes. É o caso de Tom Paulin que advoga:

68 Hughes, Three Books, 8. Versos 4 - 12. Em Elmet, Fay Godwin ilustrou este poema com uma

fotografia de um espaço que lembra unicamente a morte: túmulos cobertos de neve. [Hughes (Poems), and Godwin (Photographs), Elmet, 23.]

69 A corroborar esta minha afirmação leia-se o que Leonard M. Scigaj constata: "The sequence celebrates

ecological renewal in the hydrological cycle as well as the conservation and renewal of spiritual energy in the life-and-death cycle shared by all Nature. [...] Each poem in River contains images of unspoiled Nature." ( Sagar, ed.,

The Challenge of Ted Hughes, 173.) Outro crítico - Craig Robinson - advoga que River tern as suas origens nas

primeiras obras hughesianas já que o fascínio deste autor pela água se fez sentir ao longo da consolidação do seu papel como autor (Veja-se Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 203.)

Dennis Walder fala de River como tendo na sua génese uma expedição ao Alaska - feita por Hughes e pelo seu filho - com o objectivo de pescar. (Ver Walder, Open Guides to Literature, 87 - 88.)

70 Robinson, Ted Hughes as Shepherd of Being, 201. 71 Scigaj, ed., Critical Essays on Ted Hughes, 27.

(42)

This ambitious wish to draw together history, the natural environment and human enterprise can be seen most clearly in River, a collection of poems by Hughes which was published in 1983 with funding from British Gas and the Countryside Commission. The volume is a commercial for British Gas's environment friendliness, though it also celebrates fish-farming, a process now regarded as ecologically damaging. The glossy appearance of River and the colour photographs it contains make it resemble a coffee-table book.72

Penso que, de facto, a obra pode ter sido usada com o propósito que acusa Paulin, mas, no que concerne à posição do seu autor, ela assume-se como materialização das preocupações ambientais do cidadão Ted Hughes.

Embora de forma menos evidente - porque o autor não efectuou uma divisão dos poemas tal como havia feito em Season Songs - em River a vida é semelhantemente celebrada de forma cíclica. A agitação no rio e nas suas margens é retratada nas diferentes estações do ano, iniciando-se e tenriinando no Inverno. A exaltação da capacidade de renovação da Natureza faz com que esta se apresente ao leitor como eterna e o poema "The Vintage of River is Unending" testifica esta minha afirmação:

Grape-heavy woods ripen darkening The sweetness.

Tight with golden light The hills have been gathered.

72 Tom Paulin, "Ted Hughes: Laureate of the Free Market?", The Kenneth Allott Lectures, Liverpool,

(43)

Granite weights of sun. Tread of burning days. Unending river Swells from the press To gladden men.73

É ainda de destacar que é no poema de fecho da obra - "Salmon Eggs" - que Hughes inclui o tantas vezes citado verso que caracteriza River. "Only birth matters". O final mostra também o triunfo da Natureza na entidade personificada do rio. A acompanhar "Salmon Eggs" está uma fotografia de Peter Keen e, nas últimas páginas da obra, em jeito de notas explicativas das fotografias, um pequeno texto revela que é possível a convivência homem/Natureza sem qualquer malefício mútuo74. Ann Skea refere-se a esta fotografia final como: "[...] a fitting conclusion to

the River sequence, Keen's photograph of the unscarred serenity of the River Exe [...] beautifully demonstrates that people can work in harmony with Nature".75 Contudo, a crítica não é unanime

relativamente a este assunto. É o caso de Dick Davis que advoga: "[...] the Peter Keen color photographs [...] contribute little to the reader's appreciation or understanding of the poems, unlike the Baskin drawings of the flayed, afflicted spirit in Cave Birds or Fay Godwin's austere, brooding black-and -white photographs in Elmet."76

73 Ted Hughes (Poems), and Peter Keen (Photographs), River (London & Boston : Faber and Faber, 1983)

66. Versos 1 - 9.

74 Na nota que acompanha a fotografia pode ler-se o seguinte: "The River Exe at a British Gas pipeline

crossing. In this case, as with all other river crossings, no scars are evident in the landscape and great care is taken not to disturb the life-cycle of the river bed." [Hughes (Poems), and Keen (Photographs), River, 128.]

75 Skea, Ted Hughes, 234.

Referências

Documentos relacionados

1. No caso de admissão do cliente, a este e/ou ao seu representante legal são prestadas as informações sobre as regras de funcionamento da ESTRUTURA RESIDENCIAL

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

Taking into account the theoretical framework we have presented as relevant for understanding the organization, expression and social impact of these civic movements, grounded on

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

Análise do Tempo e Renda Auferidos a partir da Tecnologia Social Durantes os períodos de estiagem, as famílias do semiárido busca água para o consumo familiar em locais mais

Como visto no capítulo III, a opção pelo regime jurídico tributário especial SIMPLES Nacional pode representar uma redução da carga tributária em alguns setores, como o setor