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O jornal como lugar de memoria: um debate sobre a memoria coletiva e a aceleração do tempo

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(1)

moria desinteressada, voltada para 0 conhecimento pure edescompromissado do passado. (Seixas, 2001 :53)

Referenc;as BibliQgrdflcas

Historia e Memoria dos Ressentimentos. In: M. (org).

Memoria e (Re) Sentimento:

uma questao sensivel.

Campinas, SP: Editora da

Os Parceiros do Rio Bonito.

SP: Livraria Duas Regina R. A construr,:ao da identidade: urn momen­

Revista

Brasileira de Historia.

Sao Paulo: Marco \ ago. 92.

p.

0

Trabalho

na

Demao: maos soliddrias em afao.

1997. (Monografia).

lTJ'<'leTt£aU,U;

transformafoes

da

cultura popular ru­

(1950-1990).

Uberlandia: Instituto de Historia/ arta<;~lO de Mestrado).

Percursos de Memoria em Terras de Historia: pro­

n: BRESCIANI, S. NAXARA, M. (org).

Memoria

indagafoes sabre uma questlio sensivel.

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~.u4", 1989.

WOORTMAM, Klaas. 0

Trabalho

da

Terra.

UnB, 1987.

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

o

J'ornal

Como

Lugar de Memoria: Um Debate So­

bre a Memoria Coletiva e a Acelera<;ao do Tempo

Regma Maria dos Santos

1

Resumo: Resume:

Propomos neste texto apresentar al­ Nous proponsons dans ce text

gumas reflex6es sobre 0 jornal como presenter quelques reflexions sur Ie

Lugar

de memoria, a partir das ana­ journal comme Lieu de memoire ,

a

lises de autores como Halbwachs e partir de las analises de auteurs

Pierre Nora. comme Halbwachs et Pierre Nora.

Atualmente, aideia de memoria, soma-se ou acrescenta-se a de preservar,:ao, conservar,:ao. Nada mais pertinente que essa ideia apa­ rer,:a com tanta forr,:a e seja 0 principio norteador da noyao de durayao diante da instabilidade de uma epoca em que 0 solido se dilui, esfumaya­ se, dissolve-se.

Q seculo XX, com sua rapidez e brevidade, foi 0 exemplo melhor acabado dessas preocupa<;oes. Nunca destruiu-se tanto em nome do progresso, nunca foram construidas tantas coisas para nao durar.

No entanto, essa preocupar,:ao com a possibilidade de preser­ var a memoria, implica em uma nova concepyao do tempo e da histo­ ria. Exemplificando essa questao, encontramos no jornal

Diario de

Minas

de 26/05/1916 a seguinte descrir,:ao do tempo:

o dia de ontem rompeu Umpido, cantando festivo no azul sem nuvens da esphera. Durante 0 dia, houve um instante de transformafao em que 0 ceu apareceu nublado e triste. A tarde linda e a noite lindissima. Essa era a forma como se descreviam as condir,:oes climaticas do temoo na imnrt'nsa do inicio do seculo XX, revel an do, de forma

(2)

litedria, como se comportaram os elementos da atmosfera do dia ante­ rior.

Se hoje, ao abrirmos 0 jornal enos depararmos com previ­ soes meteoro16gicas para 0 tempo de amanha, ou de toda a semana em graus Celsius, distribuidos por diferentes espas:os do pais, isto nao sera .

apenas 0 resultado de uma simples mudans:a, mas algo que resulta da

chamada

acelerafao do tempo.

It

claro que poder se fazer previsoes sobre 0 tempo, ou sobre

as condis:oes meteorol6gicas num futuro breve, e resultado de um so­

fisticado desenvolvimento tecmco e cientifico. Mas as alteras:oes dai decorrentes alcam;:am dimensoes culturais e sociais de ampla ressonancia.

o

livro de Halbwachs Memoria

Coletiva,

sera utilizado como

ponto de partida para esta reflexao que contempla os conceitos de tempo e hist6ria.

Escrevendo ainda no inicio do seculo XX, a ideia de

acelera­

faO

do tempo

nao

e

uma problematica central na obra de Halbwachs, mas aparece evidenciada na rela<;ao entre campo e cidade. Em suas· palavras:

Ora, no campo, 0 tempo se divide conforme uma ordem de OCUPtlfoes que se regulam segundo 0 curso da natureza animal e vegetal.

t

preciso aguardar que 0 trigo brote, que os animais tenham posto seus avos ou nascido seus /ilhotes, que as tetas das vacas estejam cheias. Nao hd mecanismo que possa apressar essas operaroes.

(...J

Mas a cidade e a cidade, quer dizer um meio onde 0 mecanismo se introduziu

nao

somente nos trabalhosprodutivos, mas regula tambem os deslocamentos, as distraroes e 0 jogo do espirito. 0 tempo estd dividido como deve ser, ele eo que deve ser, nem muito rapido, nem muito lento, ja que estd em conformidade com as necessidades da vida urbana. (Halbwachs, 1990:119-120)

Dialogando com Halbwachs, podemos perceber que, atualmen­ te, no inicio de urn novo milemo, nao apenas inicio de seculo, e possi­ vel situ, acelerar sob condis:oes tecnicas espedficas, 0 trabalho da natu­

reza. 0 gada e criado em confinamento, as galinhas chocam em incu­

badoras e 0 campo e irrigado, produzindo durante todo ano. Tambem na cidade esse tempo por ele considerado nem muito rapido, nem mui­

to lento, e hoje acelerado.

Isso significa que existem tempos mUltipl e se conjugam, de maneira a permitir que ativida( em no resultado de a<;oes coletivas.

Ourro aspecro relativo

a

esta questa.

presentificas:ao do tempo, de ac?rdo co~Norv

<;3.0 do tempo traduz ainda a ansle~ade sofrega ~ sabe lidar com seu presente, supnme-o, e por 1

objeto de cuho e adora<;3.o."(Baitello Jr., 1996: 1:

o

passado torna-se as situ irrelevante e • jeto dos historiadores, nUID sentido em que a hist< a ordenadora das cronologias, dos fatos e dos a( Halbwachs

ja

formulara suas criticas

a

e t6ria e nela se baseia para contrapor seu conce relas:ao

a

hist6ria nos diz este autor que:

parece que ela precisa esperar,

sapare~am, que seus pensamel nham des'Vanecido, para que I imagem e a ordem de sucess.i unica capaz de conservar. (H

Em outro momento, nos diz Halbwacl se apoia na hist6ria vivida, e

n~o ~6. n~,

hi:t6ria

tao que se deve entender por histona: nao ~

de acontecimentos e de datas, mas tuclo aquil periodo se distinga dos outros".

(Halbw~ch~'.1

Halbwachs chega a comparar a ruston: espa<;o

e

medido para que novas s~pul~as s imobilidade da hist6ria

e

urn concelto delinea< por referencia as critic as feitas por historiadot

2citaltao da apresentaltao do Iivro de Malena Segur Neste livro encontramos urn interessante e~emplO pretendida, quando a autora se refere ao ntmo VI

antecipando 0 jomal de domingo, como acontece 0

Estado de Sao Paulo, que ja circulam no 5abado, ~ t

(3)

~nlp()r~lraJm os elementos da atmosfera do dia ante­ jornal enos depararmos com previ­ abrirmos 0

do tempo.

, .

.

para 0 tempo de amanha, ou de toda a semana em por diferentes espa~os do pais, isto nao sera . de uma simples mudan~a, mas algo que resulta da poder se fazer previsoes sobre 0 tempo, ou sobre num futuro breve, e resultado de urn so­

"'".UlU tecnico e cientifico. Mas as a1tera~oes dai dimensOes culturais e sociais de ampla ressoruincia.

J.lUl}WiI.l:U:-;

Memoria Coletiva,

sera utilizado como

esta reflexao que contempla os conceitos de tempo ainda no inicio do seculo XX, a ideia de

acelera­

uma problemitica central na obra de Halbwachs,

na te\a~ao entre campo e cidade. Em SUItS

no campo, 0 tempo se divide conforme uma ordem

II'IE~ OOtfJfM~Oesquese ~egulamsegundo 0 curso da natureza .,umat e vegetal. E preciso aguardar que 0 trigo brote,

os animais tenham posto seus ovos ou nascido seus

.lrJULe,), que as tetas dds vacas estejam cheias. Nao hd

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que possa apressar essas opera~oes. (...

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Mas a e a

cidade,

quer dizer um meio onde 0 mecanismo introduziu nao somente nos trabalhosprodutivos, mas os deslocamentos, as distraroes e 0 jogo esp{rtto. 0 tempo estd dividido como deve ser, ele eo dev,e ser, nem m~ito rdpido, nem muito lento, jd estd em conformtddde com as necessidades da vida

(Halbwachs, 1990:119-120)

Halbwachs, podemos perceber que, atualmen­ milenio, nao apenas inicio de seculo, e possi­ bOI:!1cl:>es tecnicas espedficas, 0 trabalho da natu­ em coofinameoto, as galinhas chocam em incu­ produzindo durante todo ano. Tambem de considerado nem muito nipido, nem mui­

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

to lento, e hoje acelerado.

Isso significa que existem tempos multiplos, que se sobrepoem e se conjugam, de maneira a permirir que atividades isoladas influenci­ em no resultado de a~oes coletivas.

Outto aspecto relativo

a

esta questao se liga

a

chamada presentifica~ao do tempo, de acordo com Norval Baitello: "a acelera­ ~ao do tempo traduz ainda a ansiedade sofrega de uma epoca que nao sabe lidar com seu presente, suprime-o, e por isso 0 transforma em objeto de cuIto e adora~ao."(BaitelloJr., 1996: 12)2

o

passado torna-se assim irrelevante e constitui-se como ob­ jeto dos historiadores, num sentido em que a historia e vista ainda como a ordenadora das cronologias, dos fatos e dos acontecimentos.

Halbwachs

ja

formulara suas criticas

a

essa concep~ao de his­ toria e nela se baseia para contrapor seu conceito de memoria. Com rela~ao

a

historia nos diz este autor que:

parece que ela precisa esperar que os antigos grupos de­ sapareram, que seus pensamentos e sua memoria se te­ nham desvanecido, para que ela se preocupe em fixar a imagem e a ordem de sucessiio dos Jatos que agora

e

a unica capaz de conservar. (Halbwachs, 1990: 109) Em outro momento, nos diz Halbwachs que a nos sa memoria se apoia na historia vivida, e nao so na historia aprendida, citando en­ tao que se deve entender por historia: " nao uma sucessao cronologica de acontecimentos e de datas, mas tudo aquilo que faz com que urn periodo se distinga dos outros". (Halbwachs, 1990: 109)

Halbwachs chega a comparar a historia a urn cemiterio, onde 0 espa<;o e medido para que novas sepulturas seja feitas. Essa visao de irnobilidade da historia e urn conceito delineado por Halbwachs tendo por referencia as criticas feitas por historiadores franceses como Marc

2 Cit~ao da apresen~ao do livro de Malena Segura Contrera, 0 ~jto 00_Midia:

Neste livro encontramos urn interessante exemplo que ilustra a dlscussao aqUl

pretendida, quando a autora se refere ao ritmo veloz imposto pe~a imprensa, antecipando 0 jornal de domingo, como acontece com a Folha de S~o Paulo ~.o

Estado de Silo Paulo, que ja circulam no sabado, 0 que a leva a conslderar que 0

(4)

Bloch ao tipo de historia praticado ate entao. 3

Ainda nos esbarrando nas formula<;oes de Halbwachs sobre 0 conceito de historia 0 vemos defmir que: "ao lado de uma historia escrita, hi uma historia viva que se perpetua ou se renova atraves do tempo e onde epossive! encontrar urn grande numero dessas corren­

tes antigas que haviam desaparecido somente na aparencia." (Halbwachs,

1990: 67)

Isso significa que a historia nao e tudo 0 que resta do passado, pois a historia escrita nao consegue atingir as dimensoes do vivido. Em seu entendimento, a historia nao con segue captar os tra<;os do pass ado, que se revdam nas expressoes dos rostos, nos aspectos dos lugares e nos modos de pensar e sentir que foram inconscientemente preserva­ dos. E enfatiza Halbwachs: "Mas, basta que a aten<;ao se volte para esse lado, para que nos apercebamos que os costumes modernos re­ pousam sobre antigas camadas que afloram em mais de urn lugar." (Halbwachs, 1990: 68) 4

Partindo dessa concep<;ao de historia, Halbwachs sentencia a dissocia<;ao entre historia e cotidiano, deixando de referenciar as arti­ cula<;oes e rela<;oes possiveis entre estas. Nesse sentido, 0 jornal apare­ ce

a

de apenas como lugar de memoria da na<;ao, como podemos ob­ servar neste trecho: "em nossas sociedades nacionais tao vastas, muitas das existencias se desenrolam sem contato com os interesses comuns do maior numero daqueles que leem os jornais e prestam alguma aten­ <;ao nos negocios publicos." (Halbwachs, 1990: 55-6)

Em outro momento quando trata da percep<;io da crian<;a com re\a<;ao ao munao externo Halbwachs coloca que esta: "quando se en­ volvet em cmwerSi\S se.tias com adultos, quando ler os )ornais, teri 0 sentimento de descobrir uma terra desconhecida." (Halbwachs, 1990: 64)

3 Eimportante destacar que Halbwachs realiza urn diiilogo importante e pertinente com seus contemporaneos, no sentido sustentar suas formula90es teoricas. Explicitamente influenciado por Durkheim e sua ideia de razao da sociedade, dialoga com Bergson ao criticar 0 subjetivismo indi vidualista de seu conceito de memoria.

Ao citar Marc Bloch podemos inferir que se vale de suas criticas

a

historia-aconte­ cimento.

4 Nesse sentido sao interessantes as referencias ao texto de Carlo Guinzburg Sinais no livro Mitos, Emblemas e Sinais, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1989 . E em seu livro 0 Queijo e as Vermes: 0 cotidiano e as ideias de urn moleiro perseguido

pela Inquisi9iiD." Sao Paulo, Companhia das Letras, 1987.

Ainda com rela<;ao ao jornal, Halbwachs enquanto documento para os historiadores, mas estes esperam que 0 grupo desapare<;a para que quem referencias ou rastros que subsistem em tt nais da epoca e na memoria escrita no periodo. E a escolha que deles faz, na importancia que lhes se deixa guiar por razoes que nao tern nada a ' entio, porque esta opiniao nao existe mais; ni leva-la em conta." (Halbwachs. 1990: 109)

No sentido de entender outras &menso o discurso jornalistico,

e

fundamental citar 0

Braudel. que ao falar do tempo breve 0 considel a medida das individuas, da v sas rdpidas tamadas de COM tencia do cranista, do jornal~ em canta que a cronica ou 0

com as grandes aconteciment(J mediocres acidentes da vida c urna catdstrofe ferrovidria, 0

presentaf/io teatral, uma inu1l4 Nada disso escapa ao historiador. Partindo dessas considera<;oes, pc Halbwachs contrapoem Ii memoria urn tipo d

substituida por uma historia problema, que

ru

de quadros, mas assume-se como represepta<;a guntas feitas ao passado sao !~su\tad~ de :eflJ movimento dialetico que permae ao histonad( "verdades" inquestionaveis, mas construir inti

5 As pesquisas sobre historia oral, tern provocru; discussao sobre a memoria coletiva. Antonio Torr proferida sobre 0 tema considera que a historia

e

UIlU passado aponta para fOfmas de explic~ao do preS€ operar pr6prio do fazer hist6rico na socledade, enco processo interior semelhante (presente/p~sad~f Diferentemente de Halbwachs, veriamos a hist6na I

(5)

praticado ate entao. 3

~lalJ:UU nas formulac;oes de Halbwachs sobre 0

vemos definir que: "ao lado de uma hist6ria viva que se perpetua ou se renova atraves do encontrar urn grande numero dessas corren­ ~saplare:ddlo somente na aparencia." (Halbwachs, a historia nao etudo 0 que resta do passado, consegue atingir as dimensoes do vivido. Em nao consegue captar os trac;os do passado, .Iess6es dos rostos, nos aspectos dos lugares e sentir que foram inconscientemente preserva­

"Mas, basta que a atenc;ao se volte para apercebamos que os costumes modernos re­ .'(:amlad:as que afloram em mais de urn lugar."

concepc;ao de historia, Halbwachs sentencia a e cotidiano, deixando de referenciar as arti­

entre estas. Nesse sentido, 0 jornal apare­ de memoria da naC;ao, como podemos ob­ nossas sociedades nacionais tao vastas, muitas .rolam sem contato com os interesses comuns que leem os jornais e prestam alguma aten­

(Halbwachs, 1990: 55-6)

quando trata da percepc;ao da crianc;a com Halbwachs coloca que esta: "quando se en­

com adultos, quando ler os jornais, tera 0 terra desconhecida." (Halbwachs, 1990: 64)

Halbwachs realiza urn dialogo importante e pertinente no sentido sustentar suas formula~5es teoricas.

poeDurkheim e sua ideia de razao da sociedade, dialoga indi vidualista de seu conceito de memoria. inferir que se vale de suas criticas

a

historia-aconte­

as referencias ao texto de Carlo Guinzburg Sioois

"lllUllS, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1989 . E em

o cotidiano e as ideias de urn moleiro perseguido Companhla das Letras, 1987.

OPSIS Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

Ainda com relaC;ao ao jornal, Halbwachs nao deixa de situa-Io enquanto documento para os historiadores, mas critica 0 fato de que estes esperam que 0 grupo desaparec;a para que posteriormente bus­ quem referencias ou rastros que subsistem em textos oficiais, nos jor­ nais da epoca e na memoria escrita no periodo. E complementa: "Mas, a escolha que deles faz, na importancia que lhes atribui, 0 historiador se deixa guiar por razoes que nao tern nada a ver com a opiniao de entao, porque esta opiniao nao existe mais; nao somos obrigados a leva-la em conta." (Halbwachs, 1990: 109)

No sentido de entender outras dimensoes que possam conter o discurso jornalistico, e fundamental citar 0 historiador Fernand Braudel, que ao falar do tempo breve 0 considera:

a medida dos individuos, da vida quotidiana, das nos­ sas rdpidas tomadas de consciencia; 0 tempo por exce·

lencia do cronista, do jornalista. Ora bem, tenhamos em conta que a cronica ou 0 jomal, oferecem, junto

com os grandes acontecimentos chamados hist6ricos, os mediocres acidentes da vida ordinaria: um incendio, uma catastrofe ferrovidria, 0 prero do trigo, uma re­ presentarao teatral, uma inundarao. (Braudel, 1972: 14) Nada disso escapa ao historiador.

Partindo dessas considerac;oes, podemos insinuar que Halbwachs contrapoem a memoria urn tipo de historia que hoje foi substituida por uma hist6ria problema, que nao se pretende flXadora de quadros, mas assume-se como representac;ao do real, ja que as per­ guntas fdtas ao passado sao resultado de reflexoes do presente, num movimento dialetico que permite ao historiador nao somente formular "verdades" inquestionaveis, mas construir interpretac;oes.5

5 As pesquisas sobre his tori a oral, tern provocado recentemente uma ampla discussao sobre a mem6ria coletiva. Antonio Torres Montenegro, em palestra proferida sobre 0 tema considera que a hist6ria e uma construiiao que ao resgatar 0

passado aponta para formas de explica~ao do presente e projeta 0 futuro. "Este operar pr6prio do fazer historico na sociedade, encontraria em cada individuo urn processo interior semelhante (presente/passado/futuro) atraves da mem6ria. Diferentemente de Halbwachs, veriamos a hist6ria e a mem6ria como, apesar de distintas mantendo significativas intercessoes." (Anais do Encontro de Hist6ria e

(6)

,

A tradi<;3.o intelectual francesa

a

qual se liga a sociologia de Durkheim e as teorias sobre a memoria coletiva em Halbwachs, ira presenciar uma nova concep<;ao de historia eiaborada a partir dos estu­ dos da chamada Escola dos Analles, aqual se ligam Marc Bloch, Lucien Febvre e posteriormente outros historiadores que se preocuparam com a questao do tempo, da dura<;ao e da memoria como Braudel,Jacques Le Goff e Pierre Nora. 6

Portanto, temos em Halbwachs ja acentuada a diferen<;a entre memoria e historia; considerando-se que a memoria social

e

sempre vivida fisica ou afetivamente; e a historia escrita e impessoal.

Podemos considerar entao, que a contribui<;ao da sociologia de Halbwachs e seus estudos da memoria, para a historia esta no fato de chamar aten<;ao para 0 tempo longo, 0 tempo da memoria, que

e

visto como lugar do con junto e nao se confunde com a sucessao de acontecimentos que ocorrem em seu interior. 7

o

historiador Pierre Nora, adentra-se nessa discus sao da dife­ ren<;a entre memoria e historia, historicizando este debate a partir do conceito de aceiera<;ao da historia possibilitada peio fenomeno da mundializa<;ao ( as guerras totais, as revolu<;oes modernas, a rapidez dos meios de comunica<;ao, etc.).

Documentaf;ao Oral, Brasfiia. 25/26/1111993, p.14).No texto de Michael Pollak

Memoria, Esquecimento e Silencio, 0 autor situa no pensamento de Halbwachs que a ideia mais acabada de grupo para ele e a na~ao, sendo a memoria nacional a forma mais acabada de memoria coletiva. Com essa afirm~ao, sugere que a hist6ria oral resulta pelo contnirio , a ideia de "mem6rias subterraneas" que justamente se opOe

a

memoria nacional, uniformizadora e opressora.

6 Braudel, em urn texto classico sobre a "longa dura~ao", chama aten~ao para 0 tempo breve e propOe que 0 historiador deve realizar uma dialetica dos tempos, nao se prendendo ao acontecimento. Jacques Le Goff propoe a rela~ao entre memoria e historia e realiza estudos sobre a passagem e a mudan~a de concep~ao

do tempo ao final da idade media, na qual se passa de urn tempo da igreja, mediado pelos sinos, pelo movimento da natureza, peJo tempo do mercador. 0 relogio assumini a fun~lio do sol, regularizando todas as atividades do homem.

7 Esta analise

e

desenvolvida a partir de urn paralelo feito por Marcia Mansor D' Alessio no artigo Memorias, leituras de M. Halbwachs e P.Nora na Revista

Brasileira de Historia, S.P., v.13., p.97.De acordo com a autora parece ser esta a questao historica colocada por Nora: "0 movimento no qual os homens vivem esta tensao entre a intimidade da tradi~ao vivida e 0 abandono pelos grupos desfeitos, dos quais a historia desritualizada se empenha em guardar marcas, os 'Iugares de memoria' cumprem esta fun~ao". (p.102).

OPSIS - Reuista do Nies(

Segundo Nora, esta acelera<;ao da hi

incessantes e a amea<;a do esquecimento

e

m~ leva a uma obsessao peio registro, pelos tra<;os, pela historia, impelindo

a

cria<;ao do que ele

,

.

mona.

Nora distingue

hist6ria-objeto

de

hi

conhecendo que esta ultima se contrapoem ; urn processo vivido, conduzido por gtupOS . mento

e

a partir do distanciamento, 0 regis critica e a reflexao.

Por outro lado, com a ideia de acelen na-se mais ripida, "a dura<;ao do fato e a dt produzido incessantemente - conduz as vid: hegemonia do efemero. A memoria contemporanea."(D'Alessio, 1993: 97)

Essas reflex6es permitem a Nora ass nalista, nos possibilitando entender 0 jornal Mas urn lugar hibrido, misto e mutante, on morte, 0 tempo e a eternidade, numa espiral c individual, 0 sagrado e 0 profano, 0 m6vel autor:

Porque se

e

verdade que a1

um Lugar de mem6ria

e

p trabalho do esquecimenUJ imortalizar a morte, mate: prender 0 maximo de sent

If claro, e

e

isso que os tom res de mem6ria 56 vivem morfose, no incessante res no silvado imprevislv

(Nora,1993: 23)

Partindo des sa deflOi<;ao Nora consi o calendario da revolu<;ao francesa e lugar ( um acontecimento, mas por ter sido derrotal se adequou ao que quiseram seus fundadore se sido adotado ele teria se tornado tao fami sua virtude como lugar de mem6ria, pois s~

(7)

'-::"-lU4U francesa

a

qual se liga a sociologia de a memoria coletiva em Halbwachs, ira .:enidio de historia elaborada a partir dos estu­

Analles,

a

qual se ligam Marc Bloch, Lucien .iDutros historiadores que se preocuparam com

.Iura!;alo e da memoria como Braudel, Jacques

em Halbwachs ja acentuada a diferen<;a entre .&ldlerando-~ie que a memoria social e sempre

e a historia escrita e impessoal.

entao, que a contribui<;ao da sociologia da memoria, para a historia esta no fato tempo longo, 0 tempo da memoria, que e e nao se confunde com a sucessao de em seu interior. 7

Nora, adentra-se nessa discussao da dife­ historicizando este debate a partir do da historia possibilitada peIo fenomeno da totais, as revolu<;oes modernas, a rapidez etc.).

2512611l11993. p.14).No texto de Michael Pollak

o autor situa no pensamento de Halbwachs para de e a na~ao. sendo a memoria nacional a Com essa afirma~iio, sugere que a hist6ria de "memorias subterraneas" que justamente se

e opressora.

sobre a "longa dura~ao". chama aten~ao para 0

bistoriador deve realizar uma dialetica dos tempos, leCimento. Jacques Le Goff prop6e a rela~ao entre sobre a passagem e a mudan~ade conce~ao

na qual se passa de urn tempo da igreja, mediado da natureza. pelo tempo do mercador. 0 relogio

~arizando todas as atividades do homem.

a partir de um paralelo feito por Marcia Mansor

leituras de M. Halbwachs e P.Nora na Revista p.97.De acordo com a autora parece ser esta a "0 movimento no qual os homens vivem esta vivida e 0 abandono pelos gropos desfeitos, se empenha em guardar marcas, os 'lugares de . (p.102).

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 Jul/ Dez de 2002

Segundo Nora, esta acelera<;ao da historia provoca mudan<;as incessantes e a amea<;a do esquecimento e mais evidente. Esta situa<;ao leva a uma obsessao pelo registro, pelos tra<;os, pelos arquivos, em suma, pela historia, irnpelindo acria<;ao do que ele chama de lugares

da

me­ moria.

Nora distingue historia-objeto de historia-conhecimento, re­

conhecendo que esta ultima se contrapoem a memoria. A memoria e urn processo vivido, conduzido por grupos vivos; a historia-conheci­ mento e a partir do distanciamento, 0 registro, a problematiza<;ao, a critica e a reflexao.

Por outro lado, com a ideia de acelera<;ao, a historia-objeto tor­

na-se mais rapida, "a dura<;ao do fato e a dura<;ao da noticia, 0 novo produzido incessantemente - conduz as vidas, criando a sensa<;ao de hegemonia do eH:mero. A memoria torna-se eternamente contemporanea."(D'Alessio, 1993: 97)

Essas reflexoes permitem a Nora associar 0 historiador ao jor­ nalista, nos possibilitando entender 0 jornal como lugar de memoria. Mas urn lugar hibrido, misto e mutante, onde se enla<;am a vida e a morte, 0 tempo e a eternidade, numa espiral que envolve 0 coletivo e 0 individual, 0 sagrado e 0 profano, 0 move! e 0 imovel. Nos diz este autor:

Porque se

e

verdade que a razao fundamental de ser de um lugar de memoria

e

parar 0 tempo,

e

bloquear 0 trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortafizar a morte, materiafizar 0 imaterial para (...) prender 0 maximo de sentido num mfnimo de sinais,

e

claro, e

e

isso que os torna apaixonantes: que os fuga­ res de memoria so vivem de sua aptidao para a meta­ morfose, no incessante ressaftar de seus significados e no sifvado imprevisfvel de suas ramificar;oes.

(Nora,1993: 23)

Partindo dessa defini<;ao Nora considera, como exemplo, que o calendario da revolu<;ao francesa e lugar de memoria, na~ por fixar urn acontecimento, mas por tet sido derrotado, no sentido em que nao se adequou ao que quiseram seus fundadores. Se este calendario tives­ se sido adotado ele teria se tornado tao familiar a ponto de ter perdido sua virtude como lugar de memoria, pois se fundiria

a

uma paisagerr

(8)

memorial, como 0 calendario gregoriano. Nesse sentido, sua derrota

nao e total, pois "nenhum lugar de memoria escapa a seus arabescos fundadores". (Nora, 1993: 22)

E

nesse sentido que 0 jornal serve ao historiador. Nao apenas

como cristalizador de uma memoria nacional, mas onde se pode perce­ ber as dimens6es do vivido, que se manifestam a partir de sua forma e de seu conteudo. Seja atraves dos textos, como as cronic as, ou roman­ ces-folhetins; ou das fotos (cuja impressao passou dos antigos e pesa­ dos negativos de vidro, as leves imagens enviadas por satelites). Seu suporte e hoje desmaterializado, permitindo se compactar em urn sim­ ples CD-Rom os 365 exemplares do ano.

Adam Schaff, chama aten<;:ao para esse novo tipo de memoria que se produz e se permite arquivar, com uma extensao gigantesca e com urn tempo de acesso incrivelmente curto. A supermemoria artifi­ cial possibilitada pelos computadores e uma realidade. Isso nos leva a

crer que tambem 0 conceito de grupo e coletivo impressos na teoria de

Halbwachs, tenha en6io, outra dimensao.

A

ideia de na<;:ao se sobrepo­ ria a de globaliza<;:ao, num tempo em que as fronteiras se diluem. Ain­

da de acordo com Schaff:

os computadores possuem 'memoria', mas mesmo os

maiores tem limitarao a esse respeito. Nao obstante, tal memoria pode tornar-se praticamente ilimitada quan­ do conectada a bancos de dados nos diversos campos. Isto nos leva aos outros elementos da revolurao no for­ necimento e na armazenagem de informaroes: bancos de dados, satelites artificiais e comunicarao por meio de fibras oticas. (Schaff, 1995: 74)

Ou seja, assim se criam outros lugares de memoria.

Em outro tempo historico, outros problemas se colocam e novos conceitos se formulam.

Referencias BibliogrdJ

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gura . 0 Mito na M{dia. Sao Paulo: Annablw BRAUDEL, Fernand. A longa dura<;:ao. In: f

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Vertice/Revista dos Tribunais, Vol.5, n.10, 19

SCHAFF, Adam. A sociedade informatica. '

(9)

,

3: 22)

nlam.

'0 gregoriano. Ne5se sentido, sua derrota lugar de memoria escapa a seus arabescos que

°

jornal serve ao historiador. Nao apenas memoria nacional, mas onde se pode perce­ 0, que se manifestam a partir de sua forma e ves dos textos, como as cronicas, ou roman­ s (cuja impressao passou dos antigos e pesa­ ~leyes imagens enviadas por satelites). Seu . . ado, permitindo se compactar em urn sim­

plares do ano.

ama atenc;ao para esse novo tipo de memoria 'te arquivar, com uma extensao gigantesca e inerivelmente curto. A super memoria artifi­ mputadores e uma realidade. IS50 nos leva a

'to de grupo e coletivo impressos na teoria de outra dimensao.

A

ideia de nac;ao se sobrepo­

tempo em que as fronteiras se diluem. Ain­

mputacWres possuem 'memoria ~ mas mesmo os tem limita~aoa esse respeito. Nao obstante, tal

'ria pode tornar·se praticamente ilimitada quan·

nectada a bancos de dados nos diversos campos. nos leva aos outros elementos da revolu~ao no for­ • ento e na armazenagem de informafoes: bancos

satelites artificiais e comunicafao por meio 'aSoticas. (Schaff, 1995: 74)

eriam outros lugares de memoria.

hist6rico, outros problemas se colocam e

OPSIS - Revista do Niese, V.2, N.2 JullDez de 2002

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