LIMINAR MEDIANTE CAUÇÃO – DUPLICATA – transferência dos direitos emergentes da cártula - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – LIBERAÇÃO DA CAUÇÃO.
Por meio do contrato de factoring, a sacadora do título transfere, através de endosso translativo, a titularidade do crédito consubstanciado na cártula ao cessionário, o qual passa a ser titular e credor do título, cabendo a este adotar todas as providências necessárias para o recebimento do crédito por ele representado.
Visando a caução prestada na ação cautelar oferecer garantia em face da concessão da liminar, que com a improcedência dos pedido da cautelar e da ação principal perde o seu objeto e impõe-se a desoneração da garantia.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.04.331.669-4/001, da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante (s): INDÚSTRIA DE ALIMENTOS VALE DO MUCURI LTDA. e Apelado (a) (os) (as): FONSECA FACTORING DE FOMENTO COMERCIAL LTDA.,
ACORDA, em Turma, a Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais DAR PARCIAL PROVIMENTO.
Presidiu o julgamento o Desembargador DÁRCIO LOPARDI MENDES e dele participaram os Desembargadores ELIAS CAMILO (Relator), HELOÍSA COMBAT (Revisora) e RENATO MARTINS JACOB (Vogal).
O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 1 de dezembro de 2005.
DESEMBARGADOR ELIAS CAMILO Relator
V O T O
DESEMBARGADOR ELIAS CAMILO:
Trata-se de apelação contra a sentença de f.52-56 que, decidindo conjuntamente ação cautelar de sustação de protesto e ação declaratória de inexigibilidade de título, movida pela apelante em face da apelada, julgou improcedente os pedidos formulados na ação cautelar e na ação principal, revogando a liminar de sustação de protesto, tornando operante em favor da apelada a garantia dada em caução, e, por fim, condenando a apelante ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (hum mil reais).
Opostos embargos declaratórios (f. 49-50, ação cautelar), foram estes rejeitados pela decisão de f.51.
Irresignada, a apelante interpôs recurso de f. 62-67 (juntado no processo da ação cautelar), aduzindo que não realizou qualquer negócio com a empresa Multiminas e nem com a apelada, e que a cessão de crédito entre estas e a empresa Tripominas em nada a afeta, vez que esta não lhe apresentou qualquer endosso, recibo, notificação ou aviso de transferência de credito. Assevera que mesmo que a duplicata emitida em favor da Tripominas fosse exigível, para que a transmissão da duplicata fosse válida, necessário é que tivesse sido realizada de acordo com o disposto na Lei Uniforme de Genebra e no Decreto 2.044/08.
Requer por fim, a procedência do pedido para que, reformando a sentença, sejam os pedidos formulados na ação principal e cautelar acolhidos, e para que o bem dado a título de caução seja desonerado.
apelada as suas contra-razões (f.72-79), pugnando pelo seu improvimento.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque próprio, tempestivamente apresentado, regularmente preparado e processado.
Da análise dos autos, verifica-se que a apelante resiste ao protesto da duplicata de n. 5874B, por entender que não realizou negócio jurídico com a empresa Multiminas e tampouco com a apelada.
Como é sabido, os títulos de crédito, dentre eles a duplicata, se transferem por meio de endosso. O instituto do endosso torna possível a negociação e circulação do crédito.
Depreende-se dos autos que o título de crédito descrito na vestibular foi repassado pela emitente Tripominas para a empresa Multiminas por meio de endosso translativo, que por sua vez, através do contrato de factoring, transferiu-o para a apelada, o que se deu também por endosso translativo de que cuida o artigo 12 da Lei Uniforme de Genebra, não vislumbrando nos autos qualquer irregularidade a macular a referida cessão. (f.38, autos principais)
Conforme apurada doutrina, no contrato de factoring, mediante certo deságio, uma das partes cede a terceiro crédito proveniente de vendas mercantis, assumindo o cessionário os riscos do inadimplemento.
O cliente do "factoring" é, em regra, o fabricante ou distribuidor de uma mercadoria, o qual, em troca do pagamento de uma comissão ao "fator", entrega a este os créditos comerciais que tem contra seus compradores, a fim de que o "fator" se ocupe de sua administração, contabilização e cobrança, ao mesmo tempo garantindo-o contra a falta de pagamento, a insolvência ou a quebra dos compradores, sem direito de regresso, de tal forma que o "cliente" não correrá qualquer risco pelo não pagamento dos créditos cedidos.
Assim a factoring consiste em uma atividade segundo a qual uma sociedade adquire de outra, a titularidade de todos os direitos creditórios decorrentes de sua atividade - venda de bens ou prestação de serviços -, eximindo esta última dos ônus e riscos pela boa ou má liqüidação destes, prestando, outrossim, serviços de gestão de crédito.
Comprovada a realização do contrato de factoring (f.25-30) entre a empresa Multiminas e apelada, legitimada está esta a receber os direitos creditórios da Multiminas em face da apelante, e, via de consequência, a promover o protesto do título pelo seu não pagamento.
Nos termos do art.13 da Lei 5474:
“Art.13. A duplicata é protestável por falta de aceite, de devolução ou de pagamento. (...)
§4º. O portador que não tirar o protesto da duplicata, em forma regular e dentro do prazo de 30 (trinta dias), contado da data de seu vencimento, perderá o direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas.”
Acerca da obrigatoriedade do protesto, ensina Fábio
Ulhoa Coelho:
“O protesto deve ser efetuado na praça de pagamento constante da duplicata e no prazo de 30 dias a contar de seu vencimento. A inobservância do prazo legal para encaminhamento do título a cartório de protesto importa na perda, por parte do credor, do direito creditício contra os coobrigados, vale dizer, os endossantes e
Donde se conclui que o protesto é condição de exigibilidade do crédito cambiário contra o sacador do título, o vendedor das mercadorias.” (Manual de Direito Comercial – Editora Saraiva – 13ª edição – 2002 - págs. 289-290).
Assim, para que o credor do título possa exercer o seu direito de crédito em face do devedor, mister se faz tenha ele providenciado, no prazo legal, o protesto do título; se não tomar esta providência, não poderá executar o seu crédito contra o obrigado na cártula.
Logo, não se verificando o pagamento do débito consubstanciado no título de crédito, está o seu titular autorizado a proceder ao seu protesto, ou melhor, está ele jungido ao protesto do título, pois, se não adotar esta providência, perderá o seu direito de crédito em face do obrigado.
No caso em tela, a duplicata foi transmitida à apelada por endosso . Não há qualquer prova no sentido de que esta, ao receber a cártula, tenha agido de má-fé. Como a má-fé não se presume, deve-se considerar que a apelada é portadora de boa-fé da cártula.
Transmitido o título por endosso translativo à apelada, o protesto do título, no vencimento, era impositivo para o resguardo do seu direito regressivo contra a endossante.
Logo, a apelada, quando procedeu ao protesto do título, praticou o ato no exercício regular de um direito seu, não justificando, portanto, o cancelamento requerido, e muito menos a declaração de inexistência do título.
Também não merece prosperar a tese da apelante, no sentido de que a transferência do título não tem eficácia , já que não teria sido ela notificada, nos termos do artigo 290 do Novo Código Civil, com correspondência no artigo 1.069 do Código Civil de 1916, sobre a cessão de crédito da credora
primitiva à ora apelada, vez que, o documento de f. 24 dos autos principais comprova que houve a comunicação de transferência de aquisição da duplicata em 22/03/2004.
Por fim, é de se dizer que, como cediço, a caução pode ser ordenada pelo Juiz ao deferir liminar em ação cautelar, tal como prevê a parte final do art. 804 do CPC, e que tem por escopo "ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer".
Tem-se, então, que a caução judicial prestada pela ora apelante tinha destinação específica, qual seja, assegurar o ressarcimento de eventuais danos que viesse a sofrer a requerida, ora apelada, em virtude da liminar deferida. É de se notar, todavia, que com a improcedência dos pedidos, tanto da cautelar quanto da ação principal, ficou a caução sem efeito.
Conforme ensina o mestre Washington de Barros Monteiro a respeito dos direitos reais de garantia:
"... é que estes constituem acessórios da obrigação cujo cumprimento asseguram. Como acessórios, diz LAFAYETTE, cingem a obrigação, vivem por ela e com ela sucumbem. Extinta a obrigação principal, desaparece o direito real de garantia." (Direito das Coisas, Saraiva, 26ª ed., p. 346).
Assim, com a improcedência do pedido, impõe-se a liberação da caução oferecida pela ora apelante, tendo em vista que não há mais risco de dano.
Nesse sentido já decidiu este Tribunal:
APELAÇÃO – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – DUPLICATA – NOTA FISCAL – AUSÊNCIA DE QUALQUER VÍCIO – CAUÇÃO – LIBERAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REDUÇÃO.
Não há que se falar em cerceamento de defesa quando a prova que a parte
formação do convencimento do juiz, sendo perfeitamente cabível o julgamento antecipado da lide.
Não se encontrando qualquer vício na nota fiscal que lastreia a duplicata emitida, tendo sido comprovada a entrega das mercadorias, não há razão para anular a cambial sacada.
A caução no processo cautelar é medida assecuratória para concessão da liminar, devendo ser liberada tão logo julgado o feito.
Impõe-se a redução dos honorários advocatícios fixados na instância a quo em percentual máximo a patamares mais singelos, haja vista a complexidade intermediária da demanda e o trabalho de médio esforço despendido pelo patrono da parte. (TJMG, Apelação Cível n. 435.118-4, 14ª Câmara Cível, Rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula, j. 17.06.2004).
Com essas considerações, dou parcial provimento ao recurso, apenas para determinar a liberação da constrição judicial que recaiu sobre o bem dado em caução na ação cautelar em favor da apelante, mantendo no mais, a sentença atacada.
Custas recursais, pela apelante em face da sucumbência mínima da apelada.
DESEMBARGADOR ELIAS CAMILO AC