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ISBN 978-85-7846-516-2
EDUCAÇÃO E ADOLESCÊNCIA: UM OLHAR À LUZ DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
Gabriela Oliveira Guereta Universidade Estadual de Londrina gabrielaoliveiragueretaao@gmail.com Nadia Mara Eidt Universidade Estadual de Londrina nadiaeidt@hotmail.com Eixo 1: Didática e Práticas de Ensino na Educação Básica
Resumo: O presente trabalho, de natureza bibliográfica, tem por objetivos problematizar a concepção naturalizada e universal de desenvolvimento dos adolescentes ancorada em teorias homogêneas; apresentar, de forma sintética, a concepção de adolescência preconizada pela Psicologia Histórico-Cultural e, no interior dessa abordagem, discutir, por um lado, a importância dos modelos sociais na formação do pensamento do adolescente e, por outro, o papel docente na seleção destes modelos. Tal estudo se justifica em virtude do fato de que são as concepções sobre esse período do desenvolvimento que vão nortear a ação pedagógica em sala de aula. Como resultados, temos, por um lado, a necessidade de superação de concepções naturalizantes acerca do desenvolvimento dos sujeitos na adolescência. Por outro lado, entendemos que o professor precisa proporcionar o acesso às mais elaboradas produções da humanidade, pois é no interior dessas obras que o adolescente encontrará modelos de ser humano, os quais são capazes de orientar a constituição de sua personalidade.
Palavras-chave: Psicologia Histórico-Cultural; Adolescência; Práticas Docente.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivos problematizar a concepção naturalizada e universal de desenvolvimento dos adolescentes ancorada em teorias homogêneas, naturalizantes e universais; apresentar, de forma sintética, a concepção de adolescência preconizada pela Psicologia Histórico-Cultural e, no interior dessa abordagem, discutir, por um lado, a importância dos modelos sociais na formação e desenvolvimento do adolescente e, por outro, o papel docente na seleção destes modelos.
154 Desenvolvimento
O presente trabalho busca discutir a adolescência à luz da Psicologia Histórico-Cultural, que, por sua vez, pauta-se no materialismo histórico-dialético, teoria que analisa o homem em suas relações com o mundo cultural e historicamente produzido pelo trabalho. O trabalho é a atividade especificamente humana, por meio desta atividade o homem satisfaz suas necessidades.
Leontiev (1978) ensina que o homem não nasce humano, mas se torna humano na medida em que se apropria dos produtos materiais e intelectuais produzidos pelas gerações precedentes. Em síntese,
Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana (LEONTIEV, 1978, p. 267).
A psicologia histórico-cultural se dedica, dentre outros temas, ao estudo do processo de desenvolvimento humano. Vale ressaltar que essa teoria nega a possibilidade de se estabelecer fases naturais e/ou universais, válidos para todas as crianças, em todo e qualquer contexto, em qualquer tempo. A psicologia histórico-cultural ensina que em “(...) diferentes sociedades, culturas e momentos históricos, o desenvolvimento percorrerá caminhos diferentes e será, portanto, composto por fases ou períodos potencialmente diversos” (PASQUALINI, EIDT, 2016, p. 41).
No que se refere ao estudo da adolescência, a psicologia histórico-cultural afirma que é necessário compreendê-la “como fenômeno histórico e social, como construção cultural, como um período em que a criança está a caminho de seu lugar na sociedade e no meio adulto" (LEAL; FACCI, 2014, p.19).
Essa compreensão da adolescência se opõe às concepções hegemônicas na atualidade sobre esse período do desenvolvimento, que trataram a adolescência como fase naturalizada, patológica e universal.
Checchia (2010) discorre acerca destas concepções naturalizadas e patológicas de adolescência, identificando Knobel (1981) e Anna Freud (1986) como dois de seus principais representantes. Knobel (1981) atribui à adolescência um significado negativo ao defendê-la como “entidade semi-patológica” e ao compreender essa fase como difícil, conflituosa, turbulenta, repleta de desequilíbrios. Anna Freud (1986) “considera a adolescência um período de intensas
155 perturbações no equilíbrio psíquico, decorrentes do forte acúmulo de impulsos sexuais que ocorre na puberdade e de retorno dos conflitos da sexualidade infantil” (CHECCHIA, 2010, p. 36).
Checchia (2010) diz que
(...) deve-se salientar a necessidade de se superar a concepção vigente e hegemônica no campo da Psicologia sobre a adolescência, considerada uma fase inevitavelmente confusa e conflituosa, naturalmente caracterizada por comportamentos como a instabilidade, a rebeldia, a vulnerabilidade acentuada e a falta de responsabilidade; um período turbulento, mas passageiro, normalmente patológico, previsivelmente instável e rigidamente caótico. Trata-se de encarar essa fase como um fenômeno histórico, cuja historicidade é cientificamente negada; um processo socialmente constituído, tido como universal e um momento significado e construído pela humanidade, que se torna naturalizado. (CHECCIA, 2010, p. 45)
Além disso, Anjos e Duarte (2016, p.195) afirmam que a adolescência “para a psicologia histórico-cultural, não pode ser reduzida a apenas um processo de mudanças biológicas, naturais, caracterizadas por conseqüentes síndromes em virtude dos hormônios que estão à flor da pele”. O adolescente passa por mudanças biológicas que fazem parte do processo de crescimento, porém apesar do corpo se modificar, o meio em que o mesmo está inserido é fundamental para o desenvolvimento do seu psiquismo.
Na perspectiva histórico-cultural encontramos um arcabouço repleto de definições que tratam de explicar todas as mudanças que a criança irá sofrer até a vida adulta, acontecendo novas formações no psiquismo do sujeito e a superação dos mesmos, promovendo assim o desenvolvimento. Novas formações são
(...) o novo tipo de estrutura da personalidade e de sua atividade, as mudanças psíquicas e sociais que se produzem pela primeira vez em cada idade e determinam, no aspecto mais importante e fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio, sua vida interna e externa, todo o curso de seu desenvolvimento em um período dado (TULESKI e EIDT, 2016 APUD VYGOTSKI, 1996, p. 255).
O que promove o surgimento das neoformações é a atividade dominante ou guia, entendida como sendo a responsável pelo desenvolvimento das principais mudanças que ocorrem no psiquismo do sujeito em um determinado período do desenvolvimento (LEONTIEV, 2001). Anjos e Duarte (2016) afirmam que “a atividade guia ou dominante na adolescência é representada por duas facetas: a comunicação intima pessoal e a atividade profissional de estudo”. A adolescência é
156 um período que abrange o “período escolar médio dos 11-12 anos até 15 anos. É um período de transição ou de trânsito” (ANJOS E DUARTE, 2016).
A atividade guia da comunicação intima pessoal do adolescente é “uma maneira de reproduzir, com os outros adolescentes, as relações existentes entre os adultos” (ANJOS; DUARTE, 2016, p. 198). E “a atividade de comunicação pessoal constitui a atividade dentro da qual se formam os pontos de vistas gerais sobre a vida, sobre o futuro, bem como sobre as relações entre as pessoas (ELKONIN, 1987, p. 121). O adolescente torna-se então um ser que possui autoconsciência e se interessa pelo ambiente e as relações as quais está inserido. Leal (2016, p. 30) acrescenta que
O adolescente passa a participar mais intensamente da realidade social, pelo desenvolvimento psíquico e pela maior capacidade de abstração, conferida por meio da formação dos conceitos, permitindo-lhe maior compreensão da realidade e favorecendo a inserção no meio cultural. Os interesses e necessidade modificam-se significativamente nesse período, mudando também os comportamentos do jovem.
A atividade de estudos na adolescência é a relação criança-objeto-social, “é caracterizado pela aquisição de modos socialmente desenvolvidos de ação com os objetos sociais, na qual se desenvolvem as capacidades humanas (operacionais e técnicas), em suas máximas possibilidades” (ANJOS, 2018, p. 155). No desenvolvimento do adolescente modifica-se então a relação dele com o seu meio social e os objetos inseridos e sua consciência sobre este meio.
O adolescente atribui significados e novos interesses ao mundo adulto, caracterizando-o diante de um olhar mais critico, pois o seu pensamento está se modificando, e em seu desenvolvimento está engendrado a vontade de entender seu papel neste espaço. “O adolescente toma consciência de si como alguém que possui o direito ao respeito, independência e confiança, da mesma maneira que acontece com os adultos, o que determina uma mudança em sua atitude com relação ao meio circundante” (LEAL; FACCI, 2014, p.32). Ele busca meios de imposição de seus pensamentos e ações.
Leal (2016, p. 33) diz que “O adolescente, quando assimila o conhecimento (a arte, a ciência, a vida cultural) que, para Vigotski, somente pode ser assimilado em conceitos, inicia sua participação ativa e criativa da vida cultural”. A autora ainda continua atribuindo a afirmação de que “É pelo pensamento em
157 conceitos que podemos compreender a realidade, os demais e nós mesmo, pois é o conceito que pode revelar os nexos entre os fatos e fenômenos da realidade” (idem, 2016, p. 33).
O desenvolvimento psíquico do adolescente possui influências sociais diretas ligadas à sua forma de lidar com o mundo e sua conduta. “As exigências do meio social impostas ao adolescente, bem como as novas responsabilidades a ele confiadas, são fatores determinantes no desenvolvimento psíquico nessa idade” (ANJOS, 2018, p. 154). As influências sociais são determinantes para o desenvolvimento deste sujeito. “O adolescente, junto com seus coetâneos, tende em grande parte a imitar os adultos, reproduzindo sua conduta, suas ações, sua maneira de proceder” (ANJOS, 2018, p. 156). Isso ocorre, pois o adolescente busca nas relações sociais modelos para se espelharem. Anjos (2018, p.155) discorre sobre os modelos humanos afirmando que
A idéia que o adolescente terá de si mesmo e de seu futuro, tem como base as relações sociais, as relações entre os seus colegas e entre os adultos. De acordo com Elkonin (1960, p. 544), o adolescente busca um modelo de ser humano. Busca esse modelo “nos heróis das obras literárias, nos grandes homens da atualidade e do passado histórico e nas pessoas que os rodeiam (os professores, os pais). Os adolescentes vêem na vida e na conduta dessas pessoas imagens concretas para a imitação.
O adolescente encontra nos modelos apresentados a ele as bases de imitação, que repercutiram em suas condutas e modo de agir sobre o mundo humano de acordo com os modelos escolhidos. Entendendo a importância do modelo inserimos o questionamento: Qual o papel docente na construção desses modelos humanos no desenvolvimento dos adolescentes? Segundo Saviani (2008, p. 13), “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada individuo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”. E cabe ao processo de ensino identificar os elementos culturais que vão ser assimilados pelos educandos. O professor, portanto, precisa proporcionar o acesso às mais elaboradas produções da humanidade, pois é no interior dessas obras que o adolescente encontrará modelos de ser humano capazes de orientar a constituição de sua personalidade.
158 Note–se, portanto, a necessidade de superação de concepções naturalizantes acerca do desenvolvimento dos sujeitos na adolescência. Dragunova (1980) acrescenta que
O primeiro fator de desenvolvimento da personalidade adolescente é sua própria atividade social intensa, orientada a assimilar determinados modelos e valores, construir relações satisfatórias com os adultos e com seus semelhantes e para si mesmo (planeja de acordo com sua personalidade um futuro com intenção de realizar tarefas, planos e finalidades). (DRAGUNOVA, 1980, p. 122. tradução nossa)
Além disso, quanto mais exigências e modelos positivos o adolescente estiver rodeado, mais adequado será o processo de desenvolvimento de sua personalidade.
Referências Bibliográficas
ANJOS, R. E. Desenvolvimento psíquico e educação escolar. In. Pasqualini, J. C; Teixeira, A. L; Agudo, M. M. (Orgs). Pedagogia Histórico-Crítica: Legado e Perspectiva: 2018
ANJOS, R. E. ; DUARTE, Newton . A Adolescência inicial: comunicação íntima pessoal, atividade de estudo e formação de conceitos. In: Martins, L. M. Abrantes, A. A. Facci, M. G. D.. (Org.). Periodização histórico-cultural do desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice. 1ed.Campinas: Autores Associados, 2016, v. 1, p. 195-220.
CHECCHIA, A. K. A. Adolescência e escolarização numa perspectiva crítica em Psicologia Escolar. Campinas; Alínea. 2010.
DRAGUNOVA, T. V. Características psicológicas del adolescente. In: PETROVSKI, A. Psicología evolutiva y pedagógica. Moscú: Editorial Progreso, 1980, p. 119- 169
LEAL, Z. F. R. G.; FACCI, M. G. D. Adolescência: superando uma visão biologizante a partir da psicologia histórico-cultural. In: LEAL, Z. F. R. G.; FACCI, M. G.; SOUZA, M. P. R. (Orgs). Adolescência em foco: Contribuições para a psicologia e para a educação. Maringá: Eduem, 2014.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte, 1978.
LEONTIEV, A. N. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, 9. ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 119-142.
159 PASQUALINI, J. C.; EIDT, N. M. Periodização do desenvolvimento psíquico e ações educativas. In: PASQUALINI, J. C.; TSUHAKO, Y. (Orgs). Proposta pedagógica para a Educação Infantil do Sistema Municipal de Ensino de Bauru/SP. 1ed.Bauru: Secretaria Municipal de Educação de Bauru, 2016, p. 101-144.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 10ed. Campinas: Autores Assossiados; 2008.