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L’OSSERVATORE ROMANO
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Unicuique suum
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Ano LII, número 17 (2.714) Cidade do Vaticano terça-feira 27 de abril de 2021
São 82 as pessoas mortas e mais de cem as que ficaram feridas no incêndio que de-flagrou na noite de sábado para domingo em Bagdad, num hospital para doentes de Covid-19. O Papa Francisco garantiu a sua proximidade às vítimas no final do Regina caeli de domingo, 25 de abril, reci-tado com os fiéis na praça de São Pedro.
O Pontífice testemunhou ainda solida-riedade aos habitantes das Ilhas de São Vicente e Granadinas, ameaçados por uma erupção vulcânica, antes de expres-sar a sua profunda dor pela tragédia dos 130 migrantes mortos no Mediterrâneo.
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A proximidade de Francisco
82 vítimas
no incêndio
de um hospital
em Bagdad
É o momento
da vergonha
O Pontífice recordou as 130 pessoas mortas no mar
e convidou a rezar também por quantos podem ajudar
mas preferem olhar para o outro lado
Para sair da crise causada pela pandemia é necessário «unir os esforços para criar um novo horizonte de expetativas, no qual o principal objetivo não seja o benefício económico, mas a tutela da vida humana», escreveu o Papa numa carta enviada aos participan-tes na XXVII Conferência ibero-americana, que teve
lugar de 20 a 21 de abril em Andorra. Para Francisco, «é urgente considerar um modelo de retoma capaz de gerar novas soluções, mais inclusivas e sustentá-veis, em vista do bem comum universal». O Papa re-cordou a necessidade «de reformar a “arquitetura” da dívida internacional, como parte integrante da nossa resposta conjunta à pandemia, pois a renego-ciação do peso da dívida dos países mais necessita-dos constitui um gesto que ajudará as pessoas a de-senvolver-se, a aceder às vacinas, à saúde, à educação e ao emprego». Trata-se de uma medida que deve ser acompanhada por «políticas económicas e por uma boa administração que alcance os mais pobres».
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Jason deCaires Taylor “A Jangada de Lampedusa”, Museu Atlântico, Lanzarote
O Papa à Conferência ibero-americana
A tutela da vida
vem antes do benefício económico
Apelo do Santo Padre
Salvar o planeta de uma catástrofe
«Proteger o planeta contra a destruição»exi-ge coraexi-gem, justiça e verdade por parte dos lí-deres do mundo. Foi com este novo apelo que o Papa Francisco fez ouvir a sua voz por oca-sião do «Earth Day Live 2021», uma
comemo-ração online do Dia da Terra, celebrado a 22 de abril. Através de uma mensagem em vídeo, o Pontífice observou como as catástrofes glo-bais provocadas pela Covid e pelas mudanças climáticas demonstram que «chegou a hora de agir», pois «estamos no limite». Depois, exortou a salvaguardar a natureza e a biodiversidade, estimulando a inovação susten-tável, pois se não sairmos desta crise «melhores, percorreremos um caminho de autodestrui-ção». Uma exortação que resso-ou também nresso-outra breve mensa-gem em vídeo enviada aos parti-cipantes no «Summit on clima-te», consciente de que o verda-deiro desafio do período pós-pandemia consistirá em viver num «ambiente mais limpo e mais puro», que «se conserve» como tal.
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N
ESTE NÚMEROO Papa ordenou nove sacerdotes para a diocese de Roma
Não é uma carreira
mas um serviço
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Encontro online sobre multilateralismo e paz
Há necessidade
de solidariedade
PIETROPAROLIN E
AYUSOGUIXOT NAS PÁGINAS4-5
A casa de acolhimento do Sermig em São Paulo
Feridas, cicatrizes,
dignidade e autoestima
SI LV I A CAMISASCA NA PÁGINA7
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O sacerdócio «não é uma “c a r re i -ra ”», mas «um serviço», recordou o Papa Francisco aos nove sacerdotes ordenados — entre os quais o brasi-leiro Mateus Henrique Ataíde da Cruz — na basílica de São Pedro, na manhã de 25 de abril, quarto domingo de Páscoa e Dia mundial de oração pelas vocações. Publicamos a seguir a homilia pronunciada pelo Pontífice.
Caríssimos irmãos, estes nos-sos filhos foram chamados à ordem do presbiterado. Medi-temos cuidadosamente sobre o ministério ao qual serão ele-vados na Igreja.
Como sabeis, irmãos, o Se-nhor Jesus é o único Sumo Sacerdote do Novo Testamen-to; mas nele também todo o povo santo de Deus foi cons-tituído povo sacerdotal. No entanto, entre todos os seus discípulos, o Senhor Jesus quis escolher alguns em parti-cular para que, exercendo pu-blicamente na Igreja, em seu nome, o ofício sacerdotal em benefício de todas as pessoas, continuassem a sua missão pessoal de mestre, sacerdote e p a s t o r.
Depois de uma madura re-flexão, agora estamos prestes a elevar estes irmãos à ordem dos presbíteros, para que ao serviço de Cristo mestre, sa-cerdote e pastor, cooperem na edificação do corpo de Cristo, que é a Igreja, em povo de Deus e templo santo do Espí-rito.
Quanto a vós, amados fi-lhos, que estais prestes a ser promovidos à ordem do pres-biterado, considerai que, exer-cendo o ministério da doutri-na sagrada, participareis doutri-na missão de Cristo, único mes-tre. Sereis pastores como Ele, é isto o que Ele quer de vós. Pastores. Pastores do povo santo e fiel de Deus. Pastores que caminhem com o povo de Deus: às vezes à frente do re-banho, por vezes no meio ou atrás, mas sempre ali, com o povo de Deus.
Outrora — na linguagem do passado — falava-se de “carreira eclesiástica”, que não tinha o mesmo significado de hoje. Esta não é uma “c a r re i -ra”: é um serviço, um serviço como aquele que Deus pres-tou ao seu povo. E este servi-ço de Deus ao seu povo tem “traços”, tem um estilo, um estilo que vós deveis seguir. Estilo de proximidade, estilo de compaixão, estilo de ternu-ra. Este é o estilo de Deus. Proximidade, compaixão, ter-nura.
Proximidade. São quatro as proximidades do sacerdote. Proximidade a Deus na ora-ção, nos Sacramentos, na Missa. Falar com o Senhor, estar perto do Senhor. Ele fez-se próximo de nós no seu Filho. Toda a história do seu Filho. Esteva próximo tam-bém de vós, de cada um de vós, no percurso da vossa vi-da, até a este momento. Esta-va presente inclusive nos mo-mentos negativos do pecado. Proximidade. Permanecei per-to do povo sanper-to e fiel de Deus. Mas antes de mais
na-da, perto de Deus mediante a oração. Um sacerdote que não reza apaga lentamente o fogo interior do Espírito. Pro-ximidade a Deus.
Segundo: proximidade ao Bispo e, neste caso, ao “Vi c e -Bisp o”. Estar perto, pois no Bispo encontrareis a unidade. Sois, não quero dizer servos — sois servos de Deus — mas co-laboradores do Bispo. Proxi-midade. Lembro-me que certa vez, há muito tempo, um sa-cerdote teve a infelicidade — por assim dizer — de cometer um “deslize”... A primeira coi-sa que me veio em mente foi chamar o Bispo. Até nos mo-mentos negativos, chama o Bispo para estar perto dele. Proximidade a Deus na
ora-ção, proximidade ao Bispo. “Eu não gosto deste Bispo...”. Mas é o teu pai. “Mas este Bispo trata-me mal...”. Sê hu-milde, vai ter com o Bispo.
Terceiro: proximidade entre vós. E sugiro-vos que neste dia façais um propósito: nun-ca falar mal de um irmão sa-cerdote. Se tiverdes algo con-tra outro, sede homens, usais calças: ide lá e dizei-lho na ca-ra. “Mas isto é muito desagra-dável... Não sei como irá rea-g i r. . . ”. Vai ter com o Bispo, e ele ajudar-te-á. Mas nunca fa-leis mal. Não sejais mexeri-queiros. Não resvaleis na bis-bilhotice. Unidade entre vós: no Conselho presbiteral, nas comissões, no trabalho. Proxi-midade entre vós e ao Bispo.
E quarto: para mim, depois de Deus, a proximidade mais importante é ao povo santo e fiel de Deus. Nenhum de vós estudou para se tornar sacer-dote. Estudastes as ciências eclesiásticas, como a Igreja diz que se deve fazer. Mas fostes eleitos, escolhidos do povo de Deus. O Senhor dis-se a David: “Tirei-te de trás do rebanho”. Não vos esque-çais de onde viestes: da vossa família, do vosso povo... Não percais o rasto do povo de Deus. Paulo disse a Timóteo: “Lembra-te da tua mãe, da tua avó...”. Sim, de onde vies-te. E aquele povo de Deus... O autor da Carta aos Hebreus diz: “Lembrai-vos daqueles que vos introduziram na fé”.
Sacerdotes de povo, não cléri-gos de Estado!
As quatro proximidades do sacerdote: proximidade a Deus, proximidade ao bispo, proximidade uns dos outros, proximidade ao povo de Deus. O estilo de proximida-de, que é o estilo de Deus. Mas o estilo de Deus é tam-bém um estilo de compaixão e de ternura. Não fecheis o coração diante dos problemas. E enfrentareis muitos! Quan-do as pessoas vierem ter con-vosco para vos contar os pro-blemas e para ser acompanha-das... Dedicai tempo para as ouvir e consolar. A compai-xão, que te leva ao perdão, à misericórdia. Por favor: sede misericordiosos, sede perdoa-dores. Pois Deus perdoa tu-do, não se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Proximidade e compaixão. Mas compaixão terna, com aquela ternura de família, de irmãos, de pai... com aquela ternura que te faz sentir que estás na casa de D eus.
Desejo-vos este estilo, este estilo, que é o estilo de Deus. E depois, mencionei-vos al-go na Sacristia, mas al-gostaria de o dizer aqui, diante do po-vo de Deus. Por fapo-vor, afastai-vos da vaidade, do orgulho do dinheiro. O diabo entra “pelos bolsos”. Pensai nisto. Sede pobres, como é pobre o povo santo e fiel de Deus. Po-bres que amam os poPo-bres. Não sejais arrivistas. A “car-reira eclesiástica”... Depois, tornas-te funcionário, e quan-do um sacerquan-dote começa a ser empresário, tanto da paróquia como do colégio... onde quer que seja, perde aquela
proxi-midade ao povo, perde aquela pobreza que o torna seme-lhante a Cristo pobre e cruci-ficado, e torna-se empresário, sacerdote empresário, e não servo. Ouvi uma história que me comoveu. Um sacerdote muito inteligente, muito prá-tico, muito capaz, encarrega-do de muitas administrações, mas que tinha o coração ape-gado ao escritório; um dia, viu que um dos seus emprega-dos, um idoso, tinha cometi-do um erro, e repreendeu-o, expulsou-o. E esse idoso mor-reu por causa disto. Aquele homem tinha sido ordenado sacerdote, e acabou como um empresário impiedoso. Con-servai sempre esta imagem, conservai sempre esta ima-gem.
Pastores próximos de Deus, do Bispo, entre vós e do povo de Deus. Pastores: servos co-mo pastores, não empresários. E afastai-vos do dinheiro.
E depois, lembrai-vos que é bonito este caminho das qua-tro proximidades, este modo de ser pastor, pois Jesus con-sola os pastores, porque Ele é o Bom Pastor. E procurai a consolação em Jesus, procurai a consolação em Nossa Se-nhora — não vos esqueçais da Mãe — procurai sempre a con-solação nela: ser consolados por ela.
E carregai as cruzes — have-rá cruzes na nossa vida — nas mãos de Jesus e de Nossa Se-nhora. E não tenhais medo, não receeis. Se permanecerdes próximos do Senhor, do bis-po, entre vós e do povo de Deus, se tiverdes o estilo de Deus — proximidade, compai-xão e ternura — não tenhais medo, tudo vai correr bem!
O Papa ordenou nove sacerdotes para a diocese de Roma
Não é uma carreira
mas um serviço
L’OSSERVATORE ROMANO
número 17, terça-feira 27 de abril de 2021 página 3
A oração torna-se palavra
nos lábios dos simples
Próximos dos idosos
«Eis que estou convosco todos os dias» (cf. Mt 28, 20) é o tema do primeiro Dia mundial a celebrar a 25 de julho
«A oração vocal é a prece dos simples, a que Jesus nos ensinou» com o Pai-Nosso, afirmou o Papa Francisco na catequese pro-nunciada durante a audiência geral de quarta-feira 21 de abril, realizada ainda na Biblioteca particular do Palácio apostólico
do Vaticano, sem a presença de fiéis, devido às medidas adotadas para conter a pandemia de Covid-19. Dando continuidade ao ciclo de catequeses sobre a oração, Francisco aprofundou o tema da «prece vocal».
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
A oração é diálogo com Deus; e, num certo sentido, todas as cria-turas “dialogam” com Deus. No ser humano, a oração torna-se
pa-l a v ra , invocação, cântico, poesia...
A Palavra divina fez-se carne, e na carne de cada homem a palavra volta a Deus na oração.
As palavras são as nossas cria-turas, mas são também as nossas mães, e em certa medida
plas-mam-nos. As palavras de uma prece levam-nos em segurança através de um vale escuro, orien-tando-nos para prados verdes, ri-cos de água, fazendo-nos banque-tear diante dos olhos de um inimi-go, como o Salmo nos ensina a re-citar (cf. Sl 23). As palavras nas-cem dos sentimentos, mas há tam-bém o caminho inverso: aquele em que as palavras moldam os sentimentos. A Bíblia educa o ho-mem para garantir que tudo vem à luz através da palavra, que nada de humano seja excluído, censu-rado. Acima de tudo, a dor é peri-gosa se permanecer coberta, fe-chada dentro de nós... Uma dor encerrada dentro de nós, que não se exprime nem desabafa, pode envenenar a alma; é mortal.
É por este motivo que a Sagra-da Escritura nos ensina a rezar até com palavras às vezes audazes. Os escritores sagrados não nos que-rem enganar sobre o homem: sa-bem que no seu coração existem também sentimentos pouco
edifi-cantes, até mesmo o ódio. Ne-nhum de nós nasce santo, e quan-do estes sentimentos negativos batem à porta do nosso coração, devemos ser capazes de os desar-mar com a oração e com as pala-vras de Deus. Nos Salmos encon-tramos também expressões muito duras contra os inimigos — ex-pressões que os mestres espirituais nos ensinam a atribuir ao diabo e aos nossos pe-cados — mas são palavras que pertencem à realida-de humana e que acaba-ram no contexto das Sa-gradas Escrituras. Estão ali para nos testemunhar que se, perante a violên-cia, não houvessem pala-vras para tornar inofen-sivos os maus sentimen-tos, para os canalizar de modo que não prejudi-quem, o mundo inteiro seria inundado por eles.
A primeira oração hu-mana é sempre uma reci-tação vocal. Os lábios movem-se sempre em primeiro lugar. Embora todos saibamos que re-zar não significa repetir palavras, no entanto a oração oral é a mais se-gura e pode ser praticada sempre. Os sentimentos, por mais nobres que sejam, são sempre incertos:
vêm e vão, abandonam-nos e re-gressam. Não só, mas até as graças da oração são imprevisíveis: às ve-zes as consolações abundam, mas nos dias mais escuros parecem evaporar-se completamente. A oração do coração é misteriosa e em certos momentos falha. A ora-ção dos lábios, aquela que é sus-surrada ou recitada em coro, está sempre disponível, e é tão neces-sária quanto o trabalho manual. O Catecismo afirma: «A oração vo-cal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu Mestre, este ensina-lhes uma oração vocal: o Pai-Nosso» (n. 2701). “Ensina-nos a rezar”, pe-dem os discípulos a Jesus, e Jesus ensina uma oração vocal: o Pai-Nosso. E naquela prece há tudo.
Todos deveríamos ter a humil-dade de certos idosos que, na igre-ja, talvez porque a sua audição já não é aguda, recitam em meia-voz as orações que aprenderam quan-do eram crianças, enchenquan-do a na-ve de sussurros. Esta prece não perturba o silêncio, mas dá teste-munho da sua fidelidade ao dever da oração, praticada durante uma vida inteira, sem nunca falhar. Com a oração humilde, estes orantes são frequentemente os grandes intercessores das paró-quias: são os carvalhos que de ano em ano alargam os seus ramos, para oferecer sombra ao maior número de pessoas. Só Deus sabe quando e quanto os seus corações estavam unidos àquelas orações recitadas: certamente essas pes-soas também tiveram que enfren-tar noites e momentos vazios. Mas pode-se permanecer sempre fiel à prece vocal. É como um ân-cora: agarrar-se à corda para per-manecer ali, fiéis, aconteça ou que a c o n t e c e r.
Todos temos que aprender com a constância daquele peregrino russo, mencionado numa famosa obra de espiritualidade, que aprendeu a arte da oração repe-tindo a mesma invocação inúme-ras vezes: «Jesus Cristo, Filho de
L
EITURA D O DIASl 130 (129), 1-5
Do fundo do abismo, clamo a Vós,
Senhor, Senhor, ouvi a minha prece! Estejam atentos os vossos ouvidos à voz da minha súplica.
Se Vós, Senhor,
tiverdes em conta os pecados, quem poderá subsistir?
Mas junto de Vós encontramos o perdão, por isso temos o vosso temor em nós. Espero no Senhor, a minha alma espera, confio na vossa palavra.
Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!» (cf. CIC, 2616;
2667). Repetia só isto. Se as gra-ças entraram na sua vida, se um dia a oração se tornou tão ardente que ele sentiu a presença do Rei-no aqui entre nós, se o seu olhar se transformou até ser como o de uma criança, foi porque ele insis-tiu em recitar uma simples jacula-tória cristã. No final, ela torna-se parte da sua respiração. É bonita a história do peregrino russo: é um livro ao alcance de todos. Reco-mendo-vos que o leiais: ajudar-vos-á a compreender o que é a oração vocal.
Por conseguinte, não devemos desprezar a oração vocal. Alguém diz: “Mas, é coisa para as crianças, para gente ignorante; estou pro-curando a prece mental, a medita-ção, o vazio interior para que Deus venha”. Por favor, não se deve cair na soberba de desprezar a oração vocal. É a oração dos simples, a que Jesus nos ensinou: Pai nosso que estais no céu… As palavras que pronunciamos le-vam-nos pela mão; às vezes
resti-tuem o sabor, despertam até o mais adormecido dos corações; es-timulam sentimentos dos quais tí-nhamos perdido a memória, e le-vam-nos pela mão rumo à expe-riência de Deus. E acima de tudo, de maneira segura, são as únicas que dirigem a Deus as perguntas que Lhe aprazem. Jesus não nos deixou na névoa. Disse-nos: «Eis como deveis rezar!». E ensinou a oração do Pai-Nosso (cf. Mt 6, 9).
No final da catequese, antes de guiar a recitação do Pai-Nosso e de conceder a bênção conclusiva, o Pontífice saudou os grupos de fiéis que acompanhavam a au-diência através dos meios de comunicação, proferindo em português as seguintes pa-l a v ra s .
Saúdo cordialmente os fiéis de língua portuguesa. Vos convido a nunca abandonar as orações sim-ples que aprendemos de pequenos no seio da nossa família e que guardamos na memória do cora-ção. São vias seguras de acesso ao coração do Pai. Que Deus vos ab enço e!
Catequese — O Pontífice falou da prece vocal
«Destinado a expressar a proximidade do Senhor e da Igreja à vida de cada idoso, especialmente neste tempo difícil de pandemia», o tema escolhido pelo Papa Francisco para o primeiro Dia mundial dos avós e dos idosos, que será celebrado a 25 de julho, XVII domingo
do tempo comum e véspera da memória litúrgica dos santos Joaquim e Ana — avós de Jesus — como parte das iniciati-vas para o ano especial «Família Amoris laetitia».
Inspirado pelas palavras do Ressusci-tado aos discípulos «Eis que estou con-vosco todos os dias» (cf. Mt 28, 20), o tema foi anunciado a 20 de abril, atra-vés de um comunicado do Dicastério para os leigos, a família e a vida, res-ponsável pela organização das celebra-ções no quinto aniversário da exortação
apostólica pós-sinodal sobre a beleza e a alegria do amor familiar.
A escolha do tema desejado pelo Pontífice, continua o comunicado, «é também uma promessa de proximidade e esperança que jovens e idosos podem expressar-se uns aos outros. Com efeito, não só os netos e os jovens são chama-dos a estar presentes na vida chama-dos ichama-dosos, mas os idosos e os avós também têm uma missão de evangelização, de anún-cio, de oração e de formação dos jovens na fé».
O comunicado conclui-se informan-do que a partir de meainforman-dos de junho, pa-ra facilitar a celebpa-ração do Dia nas igre-jas locais e nas associações, o Dicastério proporá alguns instrumentos pastorais disponíveis no portal da Internet w w w. a m o r i s l a e t i t i a .v a
página 4, terça-feira 27 de abril de 2021, número 17 número 17, terça-feira 27 de abril de 2021, página 5
Pronunciamento do cardeal secretário de Estado
Fraternidade, código de prioridades
para os Estados
«A
cesso à saúde, refugiados, traba-lho, direito humanitário interna-cional e desarmamento» são as prioridades da Santa Sé na abor-dagem da fraternidade na ação diplomática multilateral. O car-deal secretário de Estado, Pietro Parolin, foi diretamente à análise da realidade e às perspetivas ra hoje e amanhã, tomando a pa-lavra na tarde de 15 de abril, na reunião de reflexão sobre a encí-clica Fratelli tutti.Hoje já não é suficiente “en-f re n t a r ” as situações de crise: «com maior audácia criativa», é necessário «preparar — explicou o purpurado — um projeto capaz de responder ao que vem de-pois», valendo-se de “mais um elemento”: «a responsabilidade individual e a capacidade de nos sentirmos irmãos, ou seja, de
fa-zermos nossas as necessidades dos outros através de uma reci-procidade de relacionamentos que supere o isolamento e envol-va os Estados, os indivíduos e os organismos internacionais». E precisamente «o encorajamento do Papa Francisco exige cada vez mais uma presença e uma conduta que respondam à atuali-dade das relações entre os Esta-dos e entre os povos, especial-mente quando parecem prevale-cer atitudes que abandonam a visão do bem comum».
«Para compreender plenamen-te o conceito de fraplenamen-ternidade e a sua declinação na ação diplomá-tica multilateral da Santa Sé» — afirmou o secretário de Estado — «pode ser útil voltar ao início do pontificado do Papa Francisco. Recordar-se-á que a fraternidade foi o primeiro tema a que o Papa se referiu no dia da sua eleição, há mais de oito anos, quando ma-nifestou este desejo: “Re-zemos sempre por nós: uns pelos outros. Ore-mos pelo mundo inteiro, para que haja uma gran-de fraternidagran-de”. Todas as ações e atividades pos-teriores do pontificado foram uma consequência natural e coerente de um caminho orientado para ela».
Refletindo um ano após o início da pande-mia — sugeriu o cardeal Parolin — «vemos que es-te critério programático é decisivo, se quisermos su-perar a atual dicotomia entre “o código da efi-ciência” e o “código da solidariedade”. Com efei-to, a fraternidade impele-nos rumo a um “có digo” ainda mais exigente e in-clusivo». Se a solidarie-dade permite que os de-siguais se tornem iguais, a fraternidade permite que os iguais sejam pes-soas diferentes.
«Na ação multilateral — explicou — a fraterni-dade traduz-se na cora-gem e na generosidade para estabelecer livre-mente determinados ob-jetivos comuns e para as-segurar o cumprimento no mundo inteiro de al-gumas normas essenciais, em virtude da locução la-tina pacta sunt servanda, com a qual se quer cum-prir a vontade legitima-mente manifestada, para resolver as controvérsias mediante os meios ofere-cidos pela diplomacia, pela negociação, pelas Instituições multilaterais e pelo maior desejo de alcançar um bem comum realmente universal e a tutela dos Estados mais fracos».
E exatamente «com base nesta breve premissa sobre a fraternidade», o secretário de Estado com-partilhou «algumas
refle-xões sobre os principais temas de competência» das várias Or-ganizações internacionais «e as prioridades da Santa Sé nesta matéria: acesso à saúde, refugia-dos, trabalho, direito humanitá-rio internacional e desarmamen-to».
No âmbito da saúde é eviden-te que, com a pandemia, a hu-manidade experimenta que to-dos estamos no mesmo barco.
Em particular, a «corrida às va-cinas e aos tratamentos tornou manifesto a lacuna no acesso aos cuidados básicos entre os países desenvolvidos e o resto do mun-do».
Por sua vez «a Santa Sé, diante de um problema sistémi-co, como o das barreiras de aces-so aos tratamentos, exacerbado pela emergência atual, ofereceu uma série de linhas-guia para abordar esta questão, inspiradas pela convicção da importância da fraternidade. Devemos con-centrar-nos sempre no princípio básico do serviço ao bem co-mum». Além disso, insistiu o cardeal, «a comunidade interna-cional tem a obrigação de garan-tir que qualquer vacina e trata-mento de Covid-19 seja seguro, disponível, acessível e convenien-te para todos os que deles tive-rem necessidade. Tal abordagem é bem exemplificada por São João Paulo II e pela sua
insistên-cia na hipoteca soinsistên-cial», ou seja, «no princípio do destino universal dos bens».
Em seguida, o secretário de Estado recordou que «a atenção aos mais necessitados e às pes-soas em situações de vulnerabili-dade, em particular os
refugia-dos, os migrantes e as pessoas deslocadas internamente, não é apenas testemunho de fraterni-dade, mas constatação de uma atenção à necessidade real das nossas irmãs e irmãos». Sobre esta emergência Francisco dirige «apelos incessantes aos líderes e aos Organismos internacionais, em vista de uma nova globaliza-ção da solidariedade capaz de suplantar a da indiferença». E se
«os refugiados sempre fizeram parte da história, infelizmente ainda hoje o seu número e os seus sofrimentos continuam a constituir uma ferida no tecido social da comunidade internacio-nal». Precisamente «no ano em que se celebra o 70º aniversário da instituição do Alto Comissa-riado das Nações Unidas para os refugiados» — observou o pur-purado — «continuamos a cons-tatar dolorosamente que o núme-ro de pessoas em busca de pnúme-ro- pro-teção aumenta de modo inexorá-vel. Isto comporta profundas problemáticas humanitárias e so-ciais».
Nesta perspetiva, o cardeal Parolin afirmou que «a Santa Sé aceita a visão fundamental do
Global Compact sobre os
refugia-dos, que visa revigorar a coope-ração internacional mediante uma partilha de responsabilida-des mais equitativa e previsível, recordando ao mesmo tempo que a solução duradoura ideal e mais completa consiste em asse-gurar os direitos de todos a viver e a prosperar com dignidade, paz e segurança nos próprios países de origem».
Dando continuidade ao seu discurso, o secretário de Estado
propôs que se reconsidere tam-bém a questão do trabalho. Re-conhecendo que «as estratégias de contenção da pandemia ado-tadas a nível mundial tiveram um impacto significativo sobre os trabalhadores, incluindo os informais, os pequenos empresá-rios e comerciantes, que assisti-ram a uma erosão das suas pou-panças e muitas vezes enfrenta-ram barreiras sistemáticas no acesso aos cuidados básicos de saúde». E mais do que nunca «no mundo de hoje, para o bem dos processos de construção da paz, o formato tradicional do diálogo social deve ser ampliado, tornando-se mais inclusivo. A participação das organizações de trabalhadores e de empregadores é fundamental, mas deve ser in-tegrado por atores que represen-tam a economia informal e as preocupações ambientais».
Partindo da consideração de que também Henry Dunant, fundador da Cruz vermelha — «fortemente impressionado pela violência perpetrada e pela de-sorganização das operações de socorro — adotou o grito “todos
irmãos” para convencer a
popula-ção local e os voluntários a pres-tar socorro, independentemente da sua pertença às partes em conflito», o purpurado observou a «urgente necessidade de refor-çar a difusão e a promoção do respeito pelo direito humanitá-rio».
Um direito, explicou, que se «propõe salvaguardar os princí-pios essenciais de humanidade no contexto da guerra, que em si mesmo é desumano e desumani-zador, protegendo a população civil e proibindo as armas que infligem um sofrimento tanto atroz quanto inútil».
Voltando a propor a universa-lidade das Convenções de Gene-bra de 1949, «reconhecimento implícito desse vínculo de frater-nidade que une os povos, a San-ta Sé, consciente das omissões e hesitações, espera que os Estados possam chegar a novos desenvol-vimentos no direito humanitário
«A desproporção entre os recursos materiais,
os talentos humanos dedicados ao serviço da morte
e os recursos destinados ao serviço da vida
é motivo de escândalo»
Em Genebra a Santa Sé e a Onu juntas para um aprofundamento da encíclica «Fratelli tutti»
M
U LT I L AT E R A L I S M O E PA ZHá necessidade de solidariedade
Um encontro de alto nível sobre «Fraternidade, mul-tilateralismo e paz», transmitido online, teve lugar na tarde de 15 de abril, por iniciativa da Missão perma-nente da Santa Sé junto das Nações Unidas e de ou-tras Organizações internacionais em Genebra, em co-laboração com várias realidades diplomáticas e aca-démicas. O objetivo foi a apresentação da encíclica
Fratelli tutti. Na conferência, moderada na primeira
parte pelo arcebispo Ivan Jurkovič, observador per-manente da Santa Sé nas Nações Unidas em Gene-bra, tomaram a palavra o cardeal Parolin — publica-mos nesta página uma síntese do seu relatório — e Tatiana Valovaya, diretora-geral do gabinete das Na-ções Unidas em Genebra, a qual salientou que o do-cumento do Papa oferece um projeto para o mundo após a pandemia de Covid-19 e visa promover a aspi-ração universal à fraternidade e à justiça social tendo no centro a dignidade humana. Guy Rider, diretor-geral da Organização internacional do trabalho, ob-servou que a doutrina social da Igreja foi sempre de grande inspiração. E nesta encíclica, acrescentou, o Papa recorda a importância do trabalho para o ser humano, não só como meio para satisfazer as necessi-dades materiais, mas como instrumento de desenvol-vimento espiritual e para consolidar a identidade do indivíduo. Peter Maurer, presidente do Comité inter-nacional da Cruz vermelha, disse que a fraternidade está na base do humanitarismo e transcende as cultu-ras, as religiões, o tempo e o espaço. É mediante ações práticas de solidariedade, acrescentou, que se pode construir a confiança e superar as divisões. Fi-lippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas pa-ra os refugiados, recordou que hoje uma convenção sobre os refugiados é importante como nunca, pois todos têm o direito de procurar asilo para fugir das perseguições. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização mundial da saúde, salientou que a pandemia mostrou do que a humanidade é ca-paz, tanto no melhor como no pior. Mas, afirmou, a única maneira de enfrentar as ameaças comuns é en-contrar soluções comuns. Na segunda parte, modera-da pela embaixadora Marie-Thérèse Pictet-Althann, observadora permanente da Ordem de Malta no ga-binete das Nações Unidas em Genebra, tomaram a palavra o cardeal Ayuso Guixot — de cujo pronuncia-mento publicamos uma síntese — e o reverendo Ioan Sauca, secretário-geral do Conselho mundial das Igrejas, o qual afirmou que considera o diálogo inter-religioso um instrumento privilegiado para promover a unidade, a paz e a justiça, num espírito de fraterni-dade humana. O rabino Abraham Skorka observou que o tema da encíclica — ou seja, que os seres huma-nos são irmãos e irmãs — é central no Génesis, cujos capítulos iniciais descrevem toda a humanidade des-cendente de pais comuns. Concluindo, o príncipe El Hassan bin Talal afirmou que a atual experiência da pandemia ensina que não se pode progredir sem uma ética da solidariedade humana.
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internacional, a fim de ter devi-damente em consideração as ca-raterísticas dos conflitos armados contemporâneos e dos sofrimen-tos físicos, morais e espirituais que os acompanham, com o ob-jetivo de os eliminar completa-mente».
«O desejo de paz, segurança e estabilidade» — acrescentou o cardeal — «é um dos desejos mais profundos do coração hu-mano, pois está arraigado no Criador, que faz de todos os po-vos membros da família huma-na». Contudo, «esta aspiração nunca se poderá verificar somen-te por meios militares, e muito menos pela posse de armas nu-cleares e de outras armas de des-truição de massa. Sem dúvida, os conflitos causam sempre sofri-mentos em quantos os padecem, mas também naqueles que os combatem. Não é retórico afir-mar que a guerra é a antítese da fraternidade».
É precisamente «nesta ótica que a Santa Sé encoraja com convicção o compromisso dos Estados no âmbito do desmento e da supervisão dos arma-mentos, em vista de acordos du-radouros no caminho da paz e, de modo particular, no respei-tante ao desarmamento nu-clear».
«Se é válida a afirmação de que todos somos irmãos e irmãs — insistiu o cardeal Parolin — co-mo pode a dissuasão nuclear constituir a base de uma ética de fraternidade e coexistência pací-fica entre os povos?».
O secretário de Estado indi-cou «alguns sinais animadores, tais como a recente entrada em vigor do Tratado sobre a proibi-ção de armas nucleares. Porém, as enormes quantias de dinheiro e os recursos humanos destina-dos aos armamentos fazem refle-tir». Também porque «vincular a segurança nacional à acumulação de armas é uma lógica contra-producente». Com uma conside-ração incisiva: «A desproporção entre os recursos materiais e os talentos humanos dedicados ao serviço da morte e os recursos destinados ao serviço da vida é motivo de escândalo. São outros os desafios que afligem a comu-nidade internacional e tais deve-riam ser as prioridades para os Estados».
Em Genebra a Santa Sé e a Onu juntas para um aprofundamento da encíclica «Fratelli tutti»
No relatório do cardeal Ayuso Guixot
Diálogo entre as religiões
para a justiça social
«O diálogo inter-religioso é uma condição ne-cessária para a convivência pacífica». Portanto, «para além de dificuldades e diferenças, não de-vemos deixar de colaborar com aqueles que pen-sam diverpen-samente», frisou o cardeal Miguel Án-gel Ayuso Guixot, falando no painel 2 sobre o te-ma «Fraternidade, diálogo inter-religioso e jus-tiça social», aprofundado à luz da encíclica so-cial Fratelli tutti do Papa Francisco; em particular o capítulo oito inerente à contribuição para a fra-ternidade universal que os líderes de diferentes tradições religiosas e as comunidades por eles guiadas podem realmente oferecer às sociedades em que vivem, caminhando juntos.
O purpurado, recordando o Documento so-bre a fraternidade humana assinado em Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019 pelo Pontífice e pelo Grão-Imã de Al-Azhar, falou de «um diálo-go que para nós crentes se torna oração e que po-demos concretamente realizar todos os dias em nome da fraternidade, que abraça todos os seres humanos, os une e os torna iguais».
«O Santo Padre — explicou o presidente do Pontifício Conselho para o diálogo inter-religio-so — lembra-nos que inter-religio-somos chamados a realizar o que é, hoje e em toda a parte, estritamente ne-cessário para o nosso mundo», ou seja, «a arte de saber dialogar, em todos os seus sentidos», que «se torna um imperativo» como «o caminho pa-ra nos abrirmos às necessidades do mundo e construirmos uma amizade social». O missioná-rio comboniano espanhol esclareceu que se trata de respeitar e procurar a verdade, dando origem à cultura do encontro, transformando-o «num estilo de vida, numa paixão e num desejo»,
por-que «apor-quele por-que dialoga é gentil, reconhece a dignidade do outro e respeita-a».
Além disso, acrescentou, o Papa está «firme-mente convencido de que graças à autêntica co-laboração entre crentes, podemos trabalhar a fim de contribuir para o bem de todos, identifi-cando as muitas injustiças que ainda afligem este mundo e condenando toda a violência». Na ver-dade, o crente é testemunha e portador de valo-res, que podem contribuir grandemente para a construção de sociedades mais justas e saudá-veis. A retidão, a fidelidade, o amor pelo bem co-mum, a preocupação pelos outros, especialmen-te os necessitados, a benevolência e a misericór-dia são elementos que podemos partilhar com as várias religiões». Eis então a exortação a «ofere-cer a nossa colaboração às sociedades de que nós crentes somos cidadãos» e a «pôr à disposição de todos os nossos valores comuns e as nossas mais profundas convicções para defender e pro-mover a paz e a justiça, a dignidade humana e a proteção do ambiente». E neste contexto «o diá-logo inter-religioso tem uma função essencial na construção de uma sociedade que é inclusiva e não construída sobre uma cultura do descarte, e é uma condição necessária para a paz mundial. Num mundo desumanizado, no qual a indife-rença e a avidez caraterizam as relações entre os seres humanos, há necessidade de uma nova e universal solidariedade».
Assim, prosseguiu o cardeal Ayuso Guixot, «uma sociedade fraterna será aquela que promo-ve a educação para o diálogo a fim de derrotar “o vírus do individualismo radical”», permitindo «que cada um dê o melhor de si». Em particular, o orador identificou dois instrumentos para al-cançar este tipo de sociedade: «benevolência, ou seja, concretamente querer o bem do outro e o cuidado das fragilidades» através do «serviço às pessoas e não às ideologias, lutando contra a po-breza e a desigualdade».
Partindo do pressuposto de que «Deus é o Criador de tudo e de todos, por isso somos membros de uma única família e como tal deve-mos reconhecer-nos», o purpurado salientou a necessidade de «passar da mera tolerância para a convivência fraterna, de interpretar as diferenças que existem entre nós, de desativar a violência e de viver como irmãos e irmãs. Por conseguinte, a colaboração inter-religiosa deve e pode apoiar os direitos de cada ser humano, em todas as par-tes do mundo e em todos os tempos». Como «membros da única família humana — salientou — temos direitos e deveres iguais como cidadãos deste mundo. Na base da nossa colaboração e do nosso diálogo estão as raízes comuns da nossa humanidade»; portanto «para dialogar não
par-timos do nada: já existe a nossa condição huma-na que partilhamos, com todos os seus aspetos existenciais e práticos, que é um bom terreno de e n c o n t ro » .
Consequentemente, «para garantir que as re-ligiões possam ser canais de fraternidade e não barreiras de divisão» é necessário «adotar a cul-tura do diálogo como forma de colaboração, co-mo método de conhecimento mútuo e coco-mo cri-tério comum».
Também porque, disse referindo-se à dramá-tica atualidade da pandemia de Covid-19, «há uma urgência ditada pela atual situação mundial que nos deve levar a pôr de lado preconceitos, hesitações e dificuldades. Embora não renun-ciando de forma alguma à própria identidade nem se referindo a um irenismo fácil, com força e coragem, é preciso afirmar a necessidade da fra-ternidade humana e amizade social como condi-ções necessárias para obter a cura e a paz pelas quais todo o mundo anseia».
Em suma, segundo o cardeal, «a relação entre o diálogo inter-religioso, a fraternidade humana e a perspetiva de paz é praticamente ineludível e tornou-se tão estreita que nem sequer podemos imaginar estas realidades separadas». À luz des-tas reflexões compreende-se então porque «o Papa Francisco, que deseja uma Igreja em saída, amiga dos mais pobres, em diálogo com todos e que à luz do Evangelho recorda a centralidade do ser humano e a sua dignidade inata», procure «“aliados e amigos”, especialmente entre aque-les que podem recorrer a um rico património es-piritual» e a sabedoria milenar de pessoas de ou-tras tradições religiosas.
Os votos do presidente do dicastério do Vati-cano foram os de «nos comprometermos para que os temas da fraternidade e da amizade social se tornem um terreno de confronto entre os membros das diferentes tradições religiosas a to-dos os níveis». Um exemplo neste sentido foi a celebração do passado dia 4 de fevereiro, dois anos após a assinatura do Documento homóni-mo, do primeiro Dia mundial da fraternidade humana, proclamado a 21 de dezembro de 2020 pela Assembleia geral das Nações Unidas, du-rante a sua 75ª sessão plenária. «É verdadeira-mente notável — comentou o relator — que a mensagem de fraternidade tenha encontrado um eco e um acolhimento por parte da comuni-dade internacional e de todos aqueles que são responsáveis nas várias esferas da vida social e ci-vil». Naquela ocasião, que se realizou de forma virtual por causa do coronavírus, o Papa Fran-cisco disse: «Hoje não há tempo para a indife-rença. Não podemos lavar as mãos, com a dis-tância, com o descuido, com o desinteresse. Ou somos irmãos ou tudo se desmorona. É... a fron-teira sobre a qual temos de construir; é o desafio do nosso tempo».
E imediatamente a seguir houve a viagem apostólica ao Iraque — na qual o cardeal partici-pou no séquito papal — que permanecerá «uma página histórica para todas as religiões e para to-da a humanito-dade». Recorto-dando em particular a visita de cortesia ao Grande aiatolá Sayyid Ali Al-Husayni Al-Sistani, «uma das personalida-des mais simbólicas e significativas do mundo xiita» e o encontro inter-religioso na Planície de Ur, o cardeal comentou que também naquela ocasião o Papa Bergoglio não «falou de uma fra-ternidade teórica, mas pediu a todos que se com-prometessem «para que se realize o sonho de Deus: que a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando para o mesmo céu, caminhe em paz so-bre a mesma terra» (6 de março de 2021)».
Por isso, concluiu o cardeal Ayuso Guixot, a viagem ao Iraque representa «sem dúvida mais um passo no caminho da fraternidade», um pa-radigma para outros «passos concretos» a serem dados «juntamente com crentes de outras tradi-ções religiosas e juntamente com homens e mu-lheres de boa vontade para proclamar com o Pa-pa Francisco, “ao contrário daqueles que ali-mentam confrontos, divisões e fechamentos, que a resposta não é a guerra, mas a fraternidade” (cf. Audiência geral, 10 de março)».
Num mundo desumanizado,
no qual a indiferença e a avidez
caraterizam as relações entre os seres
humanos, há necessidade
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Mensagem em vídeo por ocasião do Dia mundial da Terra
Coragem, justiça e verdade para salvar
o planeta da catástrofe
Mensagem para o mês do Ramadão
Cristãos e muçulmanos testemunhas de esperança
Aos participantes no «Summit on climate»
O desafio do pós-pandemia
Publicamos o texto da tradicional mensagem de bons votos para o mês do Ramadão e ’Id Al-Fitr (1442 H.
/ 2021 A.D.) — a festa que o conclui
— enviada pelo pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso à co-munidade islâmica e difundido a 16 de abril.
Estimados irmãos e irmãs mu-çulmanos!
Nós, do Pontifício Conse-lho para o Diálogo Inter-Reli-gioso, temos o prazer de vos apresentar os nossos votos fra-ternos de um mês cheio de bênçãos divinas e de cresci-mento espiritual. Jejum, ora-ção, esmola e outras práticas piedosas aproximam-nos de Deus nosso Criador e de to-dos aqueles com quem vive-mos e trabalhavive-mos, ajudando-nos a prosseguir o caminho da fraternidade.
No decorrer destes longos meses de sofrimento, ansieda-de e dor, especialmente duran-te os períodos de confinamen-to, percebemos a necessidade de assistência divina, de ex-pressões e de gestos de solida-riedade fraterna, tais como um telefonema, uma mensagem de apoio e conforto, uma ora-ção, ajuda na compra de medi-camentos ou alimentos, conse-lhos, e em palavras simples, a segurança de saber que al-guém está ao nosso lado no
momento de necessidade. A assistência divina, espe-cialmente necessária e procu-rada em circunstâncias como a atual pandemia, é múltipla: misericórdia divina, perdão, providência, e outros dons es-pirituais e materiais. No en-tanto, o que mais precisamos hoje em dia é de esperança, e é por isso que consideramos apropriado partilhar convosco algumas reflexões sobre esta virtude.
Sabemos que a esperança inclui o otimismo, mas vai
além disso. O otimismo é uma atitude humana, enquanto que a esperança está enraizada em algo religioso: Deus ama-nos e por isso cuida de nós com a sua Providência, através das suas misteriosas vias, que nem sempre são compreensí-veis por nós. Nestas situações, somos como crianças que, em-bora certas dos cuidados amo-rosos dos pais, ainda não são capazes de os compreender plenamente.
A esperança nasce da nossa convicção de que os
proble-mas e as provações têm um sentido, um valor e uma finali-dade, por mais difícil ou im-possível que seja para nós, compreender a sua razão ou encontrar uma saída.
A esperança traz consigo uma convicção da bondade presente no coração de cada pessoa. Com frequência, em situações de dificuldade ou desespero, a ajuda e a esperan-ça que ela traz chegam de on-de menos esperaríamos.
A fraternidade humana, com as suas numerosas mani-festações, torna-se assim uma fonte de esperança para todos, especialmente para os necessi-tados. Agradecemos a Deus nosso Criador, e também aos homens e mulheres nossos companheiros, pela imediata resposta e pela generosa soli-dariedade demonstrada como crentes e pessoas de boa von-tade sem filiação religiosa, em tempos de catástrofes, tanto naturais como provocadas pe-lo homem, tais como conflitos e guerras. Para nós crentes, to-das estas pessoas e a sua bon-dade recordam-nos que o espí-rito de fraternidade é universal e transcende todas as frontei-ras étnicas, religiosas, sociais e económicas. Ao adotarmos es-te espírito, imitamos Deus que olha com benevolência para a humanidade que criou, para
todas as outras criaturas e para todo o universo. É por isso que, segundo o Papa Francis-co, o crescente cuidado e preo-cupação com o planeta, a nos-sa “canos-sa comum”, é outro sinal de esperança.
Estamos também conscien-tes de que existem fatores ad-versos à esperança: a falta de fé no amor e no cuidado de Deus; a perda de confiança nos nossos irmãos e irmãs; o pessimismo; o desespero e o seu oposto infundado, a pre-sunção; generalizações injus-tas baseadas nas próprias ex-periências negativas; e assim por diante. Estes pensamen-tos, atitudes e reações prejudi-ciais devem ser eficazmente combatidos a fim de fortalecer a esperança em Deus e a con-fiança em todos os nossos ir-mãos e irmãs.
Na sua recente Encíclica,
Fratelli tutti, o Papa Francisco
fala frequentemente de espe-rança, e diz-nos: «Convido à esperança que “nos fala de uma realidade que está enrai-zada no mais fundo do ser hu-mano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históri-cos em que vive. Fala-nos de uma sede, de uma aspiração, de um anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o que é grande, o que
enche o coração e eleva o espí-rito para coisas grandes, como a verdade, a bondade e a bele-za, a justiça e o amor. (…) A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas segu-ranças e compensações que re-duzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e dig-na» (cf. Gaudium et spes, 1). Ca-minhemos na esperança!» (n. 55).
Nós, cristãos e muçulma-nos, estamos chamados a ser portadores de esperança para a vida presente e futura, e tes-temunhas, construtores e repa-radores desta esperança, espe-cialmente para aqueles que vi-vem em dificuldades e no de-sesp ero.
Como sinal de fraternidade espiritual, asseguramos-vos a nossa oração, expressando os melhores votos de um Rama-dão pacífico e frutuoso e de um jubiloso ’Id al-Fitr.
Vaticano, 29 de março de 2021 Miguel Ángel Cardeal Ayuso Guixot, MCCJ
P re s i d e n t e
Mons. Indunil Kodithuwakku Janakaratne Ka n k a n a m a l a g e
S e c re t á r i o Ainda por ocasião do Dia mundial da Terra, de 22 a 23 de abril
teve lugar de modo virtual uma conferência internacional sobre o clima, organizada pelos Estados Unidos da América. Publicamos a seguir a mensagem em vídeo enviada pelo Papa na inaugura-ção dos trabalhos da assembleia.
Bom dia! Saúdo-vos, a vós que estais reunidos nesta iniciativa que me parece oportuna. Uma iniciativa que põe a caminho todos nós, toda a humanidade, através dos seus líderes. Coloca-nos a caminho con-cretamente, rumo ao Encontro de Glasgow mas, de modo ainda mais concreto, para assumirmos a res-ponsabilidade pelo cuidado da natureza, por este
dom que recebemos e que devemos cuidar, preservar e levar em frente. E isto adquire um significado muito maior, porque é um desafio que devemos enfrentar neste período pós-pandémico. Ainda não acabou, mas temos que olhar em frente, porque se trata de uma crise. Sabemos que de uma crise não saímos iguais: ou saímos melhores ou piores.
E a nossa preocupação é fazer com que o meio am-biente seja mais limpo, mais puro e preservado. E cui-dar da natureza, a fim de que ela cuide de nós. Dese-jo-vos bom êxito nesta boa decisão de vos encontrar-des, de prosseguir o caminho, e eu acompanho-vos. O brigado!
O Papa Francisco lançou um novo apelo aos líderes do mundo, «a fim de que ajam com coragem, trabalhem com justiça e digam sempre a verdade às pessoas, para que elas saibam proteger-se da destruição do planeta, salvaguardando a terra da catástrofe». Fê-lo numa mensagem em vídeo, transmitida por ocasião do «Earth Day Live 2021», comemoração on-line do Dia mundial da Terra, que teve lugar a 22 de abril. Publicamos a seguir o texto da mensagem.
Nesta comemoração do Dia da Ter-ra, é sempre bom recordar que aqui-lo que há tempos dizemos uns aos outros não deve cair no esquecimen-to. Há algum tempo estamos mais conscientes de que a natureza mere-ce ser protegida, também só pelo facto de que as interações humanas com a biodiversidade de Deus [que Deus nos deu] devem realizar-se com a máxima atenção e com respei-to: cuidar da biodiversidade, cuidar da natureza. E durante esta pande-mia, aprendemos tudo isto muito mais. Esta pandemia também nos mostrou o que acontece quando o mundo se detém, quando faz uma pausa, embora seja por poucos me-ses. E o impacto que isto provoca na natureza e nas mudanças climáticas, com força, de modo tristemente po-sitivo, não é verdade? Por outras pa-lavras, isto dói!
E isto demonstra-nos que a natu-reza global precisa da nossa vida neste planeta. Envolve todos nós, embora de maneiras múltiplas, diver-sas e inequívocas; e, por isso, tam-bém nos ensina mais sobre o que de-vemos fazer para criar um planeta justo, equitativo e ambientalmente s e g u ro .
Em síntese, a pandemia de Covid ensinou-nos esta interdependência, esta partilha do planeta. E ambas as catástrofes globais, a Covid e o cli-ma, demonstram que já não temos tempo para esperar. Este tempo é
ur-gente e, como nos ensinou a Covid-19, sim, dispomos dos meios para enfrentar o desafio. Dispomos dos meios. É o momento de agir, esta-mos no limite!
Gostaria de repetir um antigo di-tado espanhol: “Deus perdoa sem-pre, nós homens perdoamos de vez em quando, a natureza nunca per-doa”. E quando esta destruição da natureza se desencadeia, é muito di-fícil impedi-la. Mas ainda há tempo. E seremos mais resilientes se traba-lharmos em conjunto e não sozi-nhos. A adversidade que vivemos com a pandemia, e que já sentimos nas mudanças climáticas, deve impe-lir-nos, deve levar-nos à inovação, à invenção, à procura de novos cami-nhos. Não saímos de uma crise do mesmo modo, saímos melhores ou piores. Este é o desafio, e se não sairmos melhores, percorreremos um caminho de autodestruição.
Que todos vós... também eu me uno a vós num apelo a todos os lí-deres do mundo para agir com cora-gem, para que ajam com justiça e di-gam sempre a verdade às pessoas, para que saibam proteger-se da des-truição do planeta, salvaguardando o planeta da catástrofe, que muitas ve-zes nós mesmos desencadeamos.
Obrigado pelo que fazeis, obriga-do pelas boas intenções, obrigaobriga-do pelo vosso encontro. E os melhores votos para todos [e prosperidade pa-ra todos]!
L’OSSERVATORE ROMANO
número 17, terça-feira 27 de abril de 2021 página 7
À Conferência ibero-americana o Papa indicou um modelo de retoma mais sustentável
A tutela da vida vem antes
do benefício económico
A casa de acolhimento do Sermig em São Paulo
Feridas, cicatrizes, dignidade e autoestima
Para sair da crise provocada pela pandemia é necessário «unir os esforços para criar um novo horizonte de expetativas, em que o principal objetivo não seja o be-nefício económico, mas a tutela da vida humana», escreveu o Papa Francisco nu-ma carta enviada aos participantes na XXVIIConferência ibero-americana, que
teve lugar de 20 a 21 de abril em Andorra.
VII Conferência
Ibero-Ameri-cana, num contexto particular-mente difícil devido aos terrí-veis efeitos da pandemia de Co-vid-19 em todos os âmbitos da vida quotidiana, que exigiram enormes sacrifícios de todas as Nações e dos seus cidadãos, convidando toda a comunida-de internacional a comprome-ter-se, unida, com espírito de
responsabilidade e fraternida-de, para enfrentar os numero-sos desafios já em curso, e aque-les que hão de vir.
Em primeiro lugar, desejo re-cordar os milhões de vítimas e de doentes. Rezo por eles e pe-las suas famílias. A pandemia não fez distinções e atingiu pes-soas de todas as culturas, cre-dos, camadas sociais e econó-micas. Todos nós sabemos e já experimentamos a perda de um ente querido que morreu por causa do coronavírus, ou que foi atingido pelo contágio. To-dos estamos conscientes de co-mo é difícil para as famílias não poder estar ao lado dos seus amigos ou parentes para lhes oferecer proximidade e conso-lação durante estes momentos. Todos vimos o impacto que os efeitos desta trágica situação têm sobre tantas crianças e jo-vens, e acompanhamos com preocupação as consequências que ela pode ter para o seu fu-turo. É digno de louvor o traba-lho árduo dos médicos, enfer-meiros, pessoal de saúde, cape-lães e voluntários que, nestes momentos difíceis, além de cui-dar dos doentes, com o risco da própria vida, foram o familiar e o amigo que lhes faltava.
Enquanto reconheço os es-forços envidados na busca de uma vacina eficaz contra a Co-vid-19 num prazo tão curto, de-sejo reiterar que a imunização extensiva deveria ser considera-da um «bem comum univer-sal», noção que exige gestos concretos que inspirem todo o processo de investigação, pro-dução e distribuição das vaci-nas.
Neste âmbito, são particu-larmente louváveis as iniciati-vas que procuram criar noiniciati-vas formas de solidariedade a nível internacional, com mecanis-mos destinados a garantir uma distribuição equitativa das va-cinas, não baseada em critérios puramente económicos, mas tendo em consideração as ne-cessidades de todos, especial-mente dos mais vulneráveis e c a re n t e s .
Em várias ocasiões salientei que devemos sair desta pande-mia “m e l h o re s ”, pois a crise atual é uma oportunidade pro-pícia para reconsiderar a rela-ção entre a pessoa e a econo-mia, de tal modo que possa
aju-dar a superar o curto-circuito «da morte que vive em cada lu-gar e em cada época». Tendo em vista esta finalidade, deve-mos unir os esforços para criar um novo horizonte de expetati-vas em que o principal objetivo não seja o benefício económico, mas a tutela da vida humana. Neste sentido, é urgente consi-derar um modelo de retoma ca-paz de gerar novas soluções, mais inclusivas e sustentáveis, em vista do bem comum uni-versal, cumprindo a promessa de Deus para todos os homens. É preciso prestar atenção es-pecial à necessidade de refor-mar a “arquitetura” da dívida internacional, como parte inte-grante da nossa resposta con-junta à pandemia, pois a rene-gociação do peso da dívida dos países mais necessitados consti-tui um gesto que ajudará as pes-soas a desenvolver-se, a ter acesso às vacinas, à saúde, à educação e ao emprego. Este gesto deve ser acompanhado pela implementação de sólidas políticas económicas e de uma boa administração que alcance os mais pobres.
Ressalto a urgência de tomar medidas que permitam o acesso ao financiamento externo, atra-vés de uma nova emissão de Di-reitos de Saque Especiais, con-vidando a uma maior solidarie-dade entre os países, que per-mita que os fundos sejam desti-nados a dar impulso e a encora-jar o desenvolvimento econó-mico e produtivo, de tal modo que todos possam sair da situa-ção atual com as melhores pos-sibilidades de retomada.
Nada disto será possível, sem uma vigorosa vontade po-lítica que tenha a coragem de decidir mudar as coisas, espe-cialmente as prioridades, a fim de que não sejam os pobres a pagar o preço mais alto por es-tes dramas que atingem a nossa família humana.
Desejando o melhor êxito à
XXVII Conferência
Ibero-Ame-ricana, asseguro-vos a minha oração para que este encontro seja frutuoso, e invoco abun-dantes Bênçãos divinas sobre todos os participantes e os po-vos que eles representam.
Vaticano, 21 de abril de 2021 FRANCISCO
SI LV I A CAMISASCA
De Arsenal militar para “Arsenal da Paz”: a transformação de um lugar simbólico de Turim, ligado à história da cidade desde a primeira guerra mundial, teve lugar em 1983, em paralelo com outra mudança, a do Serviço missionário juvenil (Sermig) que, a partir de uma realidade dedicada aos pobres, aos jovens e a projetos de aju-da a missionários do mundo inteiro, se transformou na sede do antigo Arsenal como “lar” para quem não tem uma casa: o espírito que anima a associação não é de uma estrutura de acolhimento que hospe-da, mas de uma família que acolhe. Uma família que, ao longo do tempo, se torna cada vez maior: muitas mulheres, sozi-nhas ou com crianças, refugiados políti-cos, pessoas desabrigadas batem às portas da casa, porque ali a ninguém é negado o direito a um teto e a um abraço.
Os hóspedes do lar, aproximadamente trezentos, podem contar com um centro médico interno, disponível também para as famílias do bairro em situações de fragi-lidade económica, dado que o acolhimen-to não se destina unicamente aos desabri-gados, mas também acompanha quantos se encontram em dificuldade, talvez o nosso vizinho de casa, enfrentando a vida de todos os dias. As crianças do bairro, em condições difíceis, são assistidas nas ativi-dades pós-escolares e os jovens partici-pam em percursos de voluntariado.
Ao longo dos anos, o complexo tor-nou-se inclusive sede da Fraternidade da Esperança: assim começaram novas via-gens, seguindo a rota rumo ao Brasil em 1995, e à Jordânia em 2003. Na obra destas missões, a dimensão da descoberta, da aventura e do conhecimento traduz-se no acolhimento do próximo: quer ele tenha o rosto de uma criança com deficiência, cristã ou muçulmana, não importa, como na Jordânia, quer o de jovens desabriga-dos, como no Brasil. «A nossa presença aqui nasce do encontro com um bispo santo, Dom Luciano Mendes de Almeida: é uma figura em que se cruzam o espírito de Francisco de Assis, a mente de Platão e a habilidade manual de Leonardo. Foi ele que nos acompanhou à descoberta de uma megalópole como São Paulo, que nos encorajou a viver a missão até ao fun-do», recorda Ernesto Olivero, fundador do Sermig em 1964 com a sua esposa Ma-ria. Hoje, o Arsenal da Esperança garante comida e moradia a milhares de pessoas: conhecemos os seus nomes e rostos. Têm cicatrizes para curar, feridas para ligar, vi-das para animar».
Todos os dias, no Arsenal da Paz de São Paulo, um dos maiores lares de aco-lhimento de toda a América Latina, são recebidas 1.200 pessoas: são os moradores de rua, os marginalizados, os últimos, jo-vens e adultos desabrigados, sem família,
desempregados, e muitas vezes com pro-blemas de álcool e droga. Aqui encontram uma cama limpa, uma refeição de quali-dade, as necessidades de higiene pessoal e assistência social e de enfermagem. En-contram ânimo para dar mais um passo, seguindo cursos de alfabetização e forma-ção profissional, participando em grupos de autoajuda para alcoólatras e toxicode-pendentes, com oportunidades que nun-ca tiveram: com efeito, têm à disposição uma biblioteca, um centro desportivo, campos e um bazar. O objetivo é um só: restituir dignidade, amor-próprio e auto-nomia. Uma casa aberta 24 horas por dia que, em quase 25 anos de trabalho ininter-rupto, abraçou 65.000 almas, tirando-as da rua e do desespero.
Uma missão nascida sob o sinal da hos-pitalidade, voltando às origens deste lu-gar. Com efeito, neste mesmo Arsenal da Esperança, no final do século XIX, quando
ao litoral americano chegavam os
transa-tlânticos de migrantes em busca de fortu-na no Novo Continente, milhões de pes-soas foram acolhidas: após a segunda guerra mundial, assim que chegaram da Europa, mais de um milhão só de italia-nos passaram o tempo de quarentena na Hospedaria dos Imigrantes. As paredes do lar, testemunhas do sofrimento e de es-perança, alargaram-se ao longo dos anos, e as suas bases fortaleceram-se naquele re-canto do mundo. Onde, no século passa-do, muitos compatriotas foram em busca de uma vida melhor, hoje um grupo de missionários italianos traz esperança e alí-vio ao sofrimento do nosso tempo. Uma atenção que não parou nem sequer nestes meses de pandemia, durante os quais o Arsenal nunca fechou as portas. Mil pes-soas conviveram durante os 96 dias de quarentena: no primeiro confinamento, esta foi a maior casa de quarentena do Brasil.
Foi necessário reinventar um pouco tu-do, para se adaptar aos ritmos impostos pelas novas condições e habituar centenas
de homens — acostumados com uma exis-tência itinerante — a instalar-se num lugar, cuidando da higiene pessoal e de muitos outros assuntos que agora são de impor-tância fundamental. Para ter uma ideia do enorme serviço prestado, durante a qua-rentena foram preparadas e servidas cerca de 200.000 refeições, com a ajuda da Igre-ja local, com a qual o Arsenal colabora constantemente. Além disso, há alguns dias os hóspedes do lar tiveram acesso à vacina contra o coronavírus: fruto da cola-boração com as Assessorias de Saúde e Assistência Social do Município de São Paulo, alcançado depois de uma marato-na de mais de um ano, durante a qual o Arsenal se comprometeu muito no bate à pandemia num ambiente tão com-plexo, também graças à ajuda prestada pela Igreja italiana.
«O Arsenal de São Paulo foi sempre um lar de esperança: durante décadas acolheu milhões de migrantes, os últimos
entre os últimos. Para que os nossos hós-pedes não sejam só hóshós-pedes, procura-mos ajudá-los a levantar o olhar, a redes-cobrir a dignidade que trazem dentro de si, a acreditar na beleza da vida. Também nestes meses é necessário alimentar a con-fiança e é comovedor o modo como todos colaboram», narra Simone Bernardi, da Fraternidade da Esperança do Sermig, sa-cerdote missionário no Brasil. Cruzam-se muitas histórias: a de Roberto, 40 anos, é uma história de rua e de resgate, um pas-sado de drogas, que consome e prejudica. No entanto, quando se desce ao abismo, pode ter lugar o encontro a partir do qual começa o renascimento. Para ele, a qua-rentena não foi uma prisão, mas a saída do túnel. Nestes dias acompanha Luiz, um voluntário apaixonado pela fotografia, que decidiu permanecer no Arsenal da Es-perança durante todo o período de qua-rentena, sem jamais sair, no respeito das regras: quis permanecer para testemunhar ao mundo a realidade de um pequeno mundo de acolhimento.
A Sua Excelência Senhora REBECAGR Y N S PA N MAY U F I S
Secretária-Geral da Secretaria Geral Ibero-Americana Enquanto a saúdo atenciosa-mente, Senhora Secretária-Ge-ral, através desta carta quero transmitir a minha saudação a todos os Chefes de Estado e de Governo que participam na XX
-Em maio uma maratona de oração inaugurada
e encerrada pelo Pontífice
Para invocar
o fim da pandemia
«Por desejo profundo do Santo Padre», o mês mariano será dedicado a uma maratona de oração sobre o tema «A Igreja orava incessantemente a Deus (At 12, 5)», que será inaugurada e encerrada pelo próprio Papa Francisco no primeiro e no úl-timo dia de maio, anunciou com uma declaração o pontifício Conselho para a promoção da nova evangelização, divulgada a 21 de abril.
A iniciativa contará com a participação especial de todos os santuários do mundo, a fim de que se tornem promotores entre os fiéis, as famílias e as comunidades, da recitação do Rosário para invocar o fim da pandemia.
Trinta santuários particularmente representativos, espalha-dos pelos vários continentes, presidirão à prece mariana, que será transmitida ao vivo pelos canais oficiais da Santa Sé todos os dias pelas 18h00 (horário de Roma).