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Os caminhos da clínica psicanalítica de crianças no Brasil

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A historia da psicanálise de crianças no Brasil Jorge Luís Ferreira Abrão

São Paulo: Escuta, 2001

Os caminhos da clínica psicanalítica

de crianças no Brasil

Carmen Lucia Montechi Valladares de Oliveira

Traçar a e v o l u ç ã o histórica da psicanálise de crian-ças no B r a s i l , r e c u p e r a n d o a d i v e r s i d a d e das formas de a t u a ç ã o , é o q u e nos p r o p õ e J o r g e L u í s F e r r e i r a A b r ã o com este livro, fruto da sua dissertação de mestrado j u n -to ao P r o g r a m a de Pós-graduação em Psicologia e Socie-dade da FCL-UNESP de Assis. A p e s q u i s a é c e n t r a d a no levantamento bibliográfico das primeiras publicações so-bre o tema, e c o m p l e t a d a por nove depoimentos de psica-nalistas, m e m b r o s das Sociedades do Rio de Janeiro e de

S ã o P a u l o a f i l i a d a s à International Psychoanalytical Association (IPA), q u e c o n t r i b u í r a m p a r a a d e l i m i t a ç ã o

dessa especialidade no país. Ela é, no entanto, p r e c e d i d a de uma sistematização do significado do conceito de infân-cia ao longo da História da civilização ocidental, e toma c o m o referência principal o trabalho do francês Philippe Aries sobre a criança e a família no Antigo regime.

A s s i m , se as origens do sentimento da infância que p e r s i s t e hoje d a t a m dos séculos XV e XVII (p. 2 9 ) , j á o a d v e n t o d e u m a n o v a o r d e m s u b j e t i v a f u n d a d a n a individualidade se delineia a partir da Revolução Francesa. Aries salienta, no entanto, que o lugar que a criança ocupa

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na família se modificou de forma c o n s i d e r á v e l no século X I X , c o m o culto da m a t e r n i d a d e . P a r a e l e , a v a l o r i z a ç ã o da c o n c e p ç ã o da s u b j e t i v i d a d e h u m a n a propicia o surgimento da pediatria e da psicanálise infantil, quando a criança passa a possuir uma singularidade. O século X X privilegiou a infância ao m e s m o tempo do p o n t o de vista científico e social. São, portanto, as transformações ocorridas na organização social e na concepção da subjetividade h u m a n a ao longo do século X I X q u e p e r m i t e m a penetração do saber psicológico p r i n c i p a l m e n t e no que diz respeito à e d u c a ç ã o da criança (p. 30).

F e i t o e s s e p r i m e i r o r e c o r t e , J o r g e A b r ã o p a s s a a traçar a e v o l u ç ã o d e s s a e s p e c i a l i d a d e no q u a d r o da própria e v o l u ç ã o da teoria psicanalítica. Salienta que desde os primórdios a psicanálise, ao inscrever o universo infantil no do adulto, p r o d u z c o n h e c i m e n t o s o b r e a c r i a n ç a . P r e s e n t e j á nas p r i m e i r a s r e f l e x õ e s de F r e u d sobre teoria da sedução s e x u a l n a i n f â n c i a , em " E s t u d o s sobre a histe-ria" q u e , c o m o sabemos, foi r a p i d a m e n t e a b a n d o n a d a e m benefício da ideia de reminiscência, inspirada por sua v e z n o c o n c e i t o de r e a l i d a d e psíquica, a pro-b l e m á t i c a d a s e x u a l i d a d e infantil g a n h a e v i d ê n c i a c o m a pupro-blicação de "Três e n s a i o s sobre a t e o r i a da s e x u a l i d a d e " , em 1905. O b r a que provocou escânda-lo nos meios científicos e intelectuais e u r o p e u s da época, valendo ao seu autor críticas violentas e, à sua teoria, o termo pejorativo de pansexualista. Freud, no entanto, revoluciona o saber sobre a psicopatologia da criança tornando possível pensar a psicopatologia em geral, à medida que propõe u m a reavaliação do tem-po da infância q u e r o m p e com os conceitos em v o g a de d e g e n e r e s c ê n c i a here-ditária.

P e r s e g u i n d o o q u a d r o evolutivo da c o n s t r u ç ã o dessa e s p e c i a l i d a d e , Abrão estabelece c o m o marco inicial a cura do "pequeno H a n s " , publicada em 1909 sob o título "Análise de uma fobia em um menino de cinco anos". M a s salienta que, c o m e s s e t e x t o , o o b j e t i v o d e F r e u d n ã o e r a d e f o r m u l a r b a s e s p a r a e s s a m o d a l i d a d e de tratamento, mas de confirmar suas hipóteses sobre a sexualidade infantil, (p. 35). C o m efeito, Freud via nessa é p o c a a análise de crianças c o m o u m a e x p e r i ê n c i a p e d a g ó g i c a . O q u e se c o n f i r m a p e l o s laços e s t r e i t o s q u e a p s i c a n á l i s e e s t a b e l e c e u d e s d e c e d o c o m a p e d a g o g i a , e e m p a r t i c u l a r p o r i n t e r m é d i o do p a s t o r Pfister, autor do t e r m o p e d a n a l i s e e um dos p r i m e i r o s a praticar a psicanálise de crianças na Suíça.

P a r a J o r g e A b r ã o , os p r i m e i r o s p a s s o s em d i r e ç ã o à c o n s o l i d a ç ã o d a psicanálise de crianças são dados somente em 1921, com a publicação do artigo de H u g - H e l l m u t h , " A t é c n i c a da a n á l i s e de c r i a n ç a " . M a s é f i n a l m e n t e nos trabalhos de Melanie Klein e Anna Freud e na elucidação do confronto entre essas d u a s c o n c e p ç õ e s q u e e l e vai se b a s e a r p a r a t r a ç a r a q u i l o q u e c h a m a de " a s principais linhas do desenvolvimento da psicanálise de crianças".

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Para ele, são essas correntes que influenciaram e continuam influenciando essa m o d a l i d a d e de t r a t a m e n t o no Brasil. C a b e assinalar aqui q u e as filiações traçadas p e l o autor t o m a m em c o n s i d e r a ç ã o apenas a corrente teórica e clínica d o m i n a n t e entre os analistas f o r m a d o s pela IPA, a escola k l e i n i a n a s e g u i d a da b i o n i a n a . E m n e n h u m m o m e n t o , J o r g e A b r ã o m e n c i o n a a influência de B r u n o B e t t e l h e i m , por e x e m p l o , ou ainda as m a r c a s deixadas nos analistas brasileiros pelos ensinamentos de Françoise Dolto e Maud Mannoni, as duas últimas próximas de Jacques Lacan.

A p ó s ter e s t a b e l e c i d o a f i l i a ç ã o p r e p o n d e r a n t e do m o v i m e n t o i p e í s t a brasileiro, Abrão alinha alguns dos registros marcantes da evolução do movimento psicanalítico em São Paulo e no Rio de Janeiro, inspirado fundamentalmente nos trabalhos de Marialzira Perestrello1 e Elisabete Mokrejs.2 Salienta com justeza que

apesar das modalidades diferentes de implantação desse saber em cada região, a p s i c a n á l i s e de c r i a n ç a s s u r g e n e s s a s d u a s c i d a d e s c o m o i n d i c a ç ã o a c e r c a da e d u c a ç ã o , com caráter preventivo, profilático.

A i n d a que Jorge Abrão não m e n c i o n e , vale lembrar que s e a via pedagógica foi a p r i m e i r a e s t r a t é g i a a d o t a d a p e l o s f u n d a d o r e s d e s s e m o v i m e n t o , v i s a n d o implantar a psicanálise no país, ela não se deu por acaso e seus desdobramentos posteriores não foram tão lineares c o m o nos informa a historiografia oficial. Ora, para se c o m p r e e n d e r a a p r o x i m a ç ã o entre essas duas disciplinas deve-se tomar em conta t a m b é m o contexto social, cultural e político da sociedade brasileira da d é c a d a de 1920.3

" A história de u m a e s p e c i a l i d a d e " que constitui a s e g u n d a parte do livro obedece à m e s m a periodização proposta por Marialzira Perestrello, que estabelece

1. Ver entre outros, M. Perestrello. Encontros: psicanálise Rio de Janeiro: Imago, 1992. 2. E. Mokrejs. A psicanálise no Brasil: as origens do movimento psicanalítico. Petrópolis:

Vozes, 1993.

3. Entre outros seria interessante destacar que durante essa época o problema da educação nacional ocupa um lugar privilegiado entre as prioridades da administração republicana m o b i l i z a n d o a a t e n ç ã o dos mais i m p o r t a n t e s i n t e l e c t u a i s do p a í s , que c o n s i d e r a m a "ignorância do povo brasileiro" uma das mais graves "doenças sociais" e uma das causas do "atraso" dessa sociedade em relação ao mundo civilizado. Lembremos ainda que é próximo do grupo progressista que funda a Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, e lança o Manifesto dos pioneiros da educação nova, em 1932, que encontramos alguns dos adeptos de primeira hora da causa freudiana. Alguns vão mesmo participar da fundação da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP) em 1927, ocupando inclusive postos de direção, como Raul Briquet (vice-presidente) e Lourenço Filho (tesoureiro), ou ainda Renato Jardim que foi membro da Comissão de redação da Revista Brasileira de Psicanálise, publicada em 1928, para r o m p e r em seguida e publicar no c o m e ç o dos anos 1930 seu livro Psicanálise e

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um recorte entre precursores, pioneiros e a implantação propriamente dita, inscrita por sua vez nos quadros das Sociedades de psicanálise reconhecidas pela IPA.

N o que diz respeito à primeira fase, Abrão se baseia na pesquisa de Elisabete M o k r e j s para traçar o perfil dos p r e c u r s o r e s desse m o v i m e n t o d u r a n t e os anos 1920 e 1 9 3 0 . A s s i m , e n q u a n t o D e o d a t o de M o r a e s l a n ç a o d e b a t e no m e i o p e d a g ó g i c o c o m o a p o i o de P o r t o - C a r r e r o , sem d ú v i d a o m a i s f e r v o r o s o dos a d e p t o s do f r e u d i s m o e um dos p r i m e i r o s a se n o m e a r p s i c a n a l i s t a no B r a s i l , A r t h u r R a m o s , d i s c í p u l o de N i n a R o d r i g u e s , i n t r o d u z a t e m á t i c a f r e u d i a n a no d e b a t e a n t r o p o l ó g i c o , m a s t a m b é m p e d a g ó g i c o , o n d e cita, e n t r e o u t r o s , A n n a Freud, M . Klein, S. Morgenstein. E m seguida, no c a m p o da medicina, ele destaca a a t u a ç ã o do p e d i a t r a b a i a n o H o s a n n a h de Oliveira q u e introduz e l e m e n t o s da t e o r i a p s i c a n a l í t i c a na sua clínica, v e i c u l a d o s em artigos c i e n t í f i c o s , o n d e os autores mais citados são A. Freud, Adler, Jung, Klein e Ferenczi. U m a intervenção que poderia ter conferido a Hosannah o lugar de fundador da prática psicanalítica de c r i a n ç a s , n ã o f o s s e , s u s t e n t a n o s s o a u t o r , a c o n s t a t a ç ã o de q u e e l a n ã o provocou " u m a ruptura capaz de p r o m o v e r modificações na prática da assistência à c r i a n ç a " ( p . 108). N a p e d i a t r i a , m e r e c e d e s t a q u e a i n d a o p a u l i s t a P e d r o de Alcântara. Personalidade consagrada no meio médico paulista, ele é autor de um ú n i c o t e x t o s o b r e a p r o b l e m á t i c a f r e u d i a n a na c l í n i c a de c r i a n ç a s , i n t i t u l a d o " O b j e ç õ e s da p s i c a n á l i s e ao uso da c h u p e t a " . A p r e s e n t a d o no p r i n c i p a l fórum m é d i c o de São Paulo, a Associação Paulista de M e d i c i n a (APM), em 1936, esse trabalho nos informa sobre a diversidade das leituras e interpretações da prática f r e u d i a n a q u e c i r c u l a v a m e m S ã o P a u l o n e s s a é p o c a , e t a m b é m c o m o o f r e u d i s m o , c o n t r a r i a m e n t e à v e r s ã o o f i c i a l , n ã o foi v í t i m a de t ã o t e r r í v e i s resistências da parte dos médicos paulistas. Para completar sua galeria de perfis, Abrão cita ainda alguns dos trabalhos de Gastão Pereira da Silva escritos ao longo dos anos 1930, p r o c u r a n d o destacar a p r e o c u p a ç ã o dos " p i o n e i r o s " para com a p o p u l a r i z a ç ã o dos conceitos freudianos.

C o m esses seis perfis reveladores das diversas contribuições teóricas sobre a c l í n i c a d e c r i a n ç a , d e i x a d a s p o r a l g u n s d o s p r i m e i r o s c o m e n t a d o r e s do f r e u d i s m o no B r a s i l , o leitor p o d e i g u a l m e n t e ter u m a i d e i a de a l g u m a s das principais vias de difusão da psicanálise, na m e d i d a em que eles revelam também o alcance dessa temática no meio médico e p e d a g ó g i c o .

U m a vez delineado o papel desses precursores na introdução da psicanálise no m e i o científico, A b r ã o se dedica ao que c o n s i d e r a "o n a s c i m e n t o da prática p s i c a n a l í t i c a de c r i a n ç a s " . N e s s a s e g u n d a fase, t o m a c o m o r e f e r ê n c i a as duas primeiras experiências clínicas de criança desenvolvidas no quadro do projeto de H i g i e n e Mental Escolar. A primeira se desenrola no Rio de Janeiro, na Seção de Ortofrenia e sob a r e s p o n s a b i l i d a d e de Arthur R a m o s . E n q u a n t o que a s e g u n d a

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o c o r r e e m S ã o P a u l o , na S e ç ã o de H i g i e n e M e n t a l E s c o l a r e sob a d i r e ç ã o de Durval M a r c o n d e s .

N e s s e s d o i s e s p a ç o s , s a l i e n t a A b r ã o , a p s i c a n á l i s e é c o n c e b i d a c o m o d i s c i p l i n a a u x i l i a r na r e s o l u ç ã o d e p r o b l e m a s q u e i n t e r f e r e m no p r o c e s s o e d u c a c i o n a l . A i n d a q u e sua p e s q u i s a c a r e ç a de um trabalho de e x p l o r a ç ã o dos a r q u i v o s d e s s a s i n s t i t u i ç õ e s q u e p o s s a m e l h o r e x p l i c i t a r o a l c a n c e d e s s a s e x p e r i ê n c i a s , ele c o n s i d e r a q u e elas são f u n d a d o r a s d e s s e m o v i m e n t o p o r q u e i n t r o d u z e m u m a d i s t i n ç ã o i n o v a d o r a e n t r e c r i a n ç a s c o m déficit i n t e l e c t u a l e crianças com p r o b l e m a s e m o c i o n a i s .

C o n v é m l e m b r a r q u e m e s m o s e n d o i n o v a d o r a , essa c o n c e p ç ã o , q u e visa tanto a " p r e v e n ç ã o " q u a n t o a " c o r r e ç ã o " dos " d e s v i o s de c o m p o r t a m e n t o " , se caracteriza por princípios de " a d a p t a ç ã o " da "criança p r o b l e m a " ao meio social e à f a m í l i a , e se i n s c r e v e na c o n t i n u i d a d e do p r o j e t o de h i g i e n i s t a da é p o c a , e n q u a n t o expressão da ideologia totalitária de Vargas cujo objetivo é a formação de u m a j u v e n t u d e sã, instruída e patriótica. Iniciada no c o m e ç o dos anos 1930 e e s t r u t u r a d a ao l o n g o do E s t a d o N o v o ( 1 9 3 7 - 1 9 4 5 ) no q u a d r o da R e f o r m a do Sistema de assistência m é d i c o - p e d a g ó g i c a , pressupõe u m a intervenção direta do E s t a d o no que se refere, de um lado, à o r g a n i z a ç ã o do m u n d o do trabalho e da s o c i e d a d e e, de outro lado, à esfera privada da família por m e i o de m e d i d a s de proteção à maternidade, à infância e à adolescência. E m contrapartida, c o m o bem assinala A b r ã o , as diferentes p r o p o s t a s de Clínica de O r i e n t a ç ã o Infantil (COI) introduzidas nesse período não supunham u m a abordagem terapêutica, mas u m a intervenção no m e i o familiar escolar, prevalecendo tanto o viés cognitivo quanto o emocional. Ε o desdobramento dessas experiências que vai propiciar a superação do a t e n d i m e n t o à c r i a n ç a c a l c a d o no d i a g n ó s t i c o e na o r i e n t a ç ã o p r e v e n t i v a , e tornar possível o surgimento da psicoterapia analítica de crianças (p. 154).

D i t o de o u t r a f o r m a , o a p a r e c i m e n t o de u m a n o v a ' o r i e n t a ç a o c l í n i c a , p r o v o c a n d o u m a r u p t u r a n a f o r m a c o m o até e n t ã o v i n h a e v o l u i n d o a p r á t i c a psicanalítica i n a u g u r a a terceira etapa da história desse m o v i m e n t o a partir dos a n o s 1 9 5 0 . E m S ã o P a u l o , e l a g a n h a f o r m a c o m a c r i a ç ã o d o C u r s o de E s p e c i a l i z a ç ã o e m P s i c o l o g i a C l í n i c a da USP, em 1954, q u a n d o a C l í n i c a de O r i e n t a ç ã o Infantil p a s s a a oferecer e s t á g i o s aos alunos desse c u r s o . S e g u n d o A b r ã o , além da p r o m o ç ã o de p s i c o t e r a p i a p s i c a n a l í t i c a c o m c r i a n ç a s na esfera i n s t i t u c i o n a l , s e u s e f e i t o s t i v e r a m p e l o m e n o s d u a s c o n s e q u ê n c i a s : o fortalecimento da formação ipeísta e a e x p a n s ã o dessa prática institucional para consultório particular (p. 148).

Já no Rio de Janeiro, ele destaca duas experiências de Clínicas de Orientação Infantil d e s e n v o l v i d a s nos anos 1950, que introduzem o p r o c e s s o psicoterápico de base psicanalítica, ainda que profundamente marcadas por personalidades da psiquiatria infantil brasileira próximos da corrente psicodinâmica, c o m o Osvald

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Di Loretto e Hain Griinspun.4 Assim a primeira, desenvolvida no D e p a r t a m e n t o

Nacional de Saúde Mental ( D I N S A M ) e próxima do modelo de assistência à criança oferecido pelas clínicas n o r t e - a m e r i c a n a s , ficou a cargo da médica, psiquiatra e futura p s i c a n a l i s t a M a r i a M a n h ã e s , a q u e m J o r g e A b r ã o d e d i c a um l o n g o e i n t e r e s s a n t e p e r f i l , elaborado p o r i n t e r m é d i o de d o c u m e n t o s e t e s t e m u n h o s ( p . 1 5 0 - 8 ) . J á a s e g u n d a , é o t r a b a l h o do I n s t i t u t o de P s i q u i a t r i a d a e n t ã o U n i v e r s i d a d e do Brasil, fundado e m 1953 por M a u r í c i o de M e d e i r o s , do qual p a r t i c i p a m , entre outros a psicanalista Marialzira Perestrello, r e c é m - c h e g a d a da Argentina, a quem coube a orientação psicológica da Clínica e, a partir de 1959, o posto de Diretora da instituição.

E s s a terceira etapa funciona c o m o uma transição para a quarta última fase da história da psicanálise de crianças de Jorge A b r ã o , que se efetiva c o m a sua legitimação no âmbito das instituições ipeístas carioca e paulista e nova m u d a n ç a de orientação clínica. Ele lembra porém que se a prática psicanalítica ditada pela IPA tem início em 1939; após a c h e g a d a de A d e l h e i d K o c h , a p r i m e i r a analista d i d a t a a u t o r i z a d a p o r E r n e s t J o n e s a f o r m a r p s i c a n a l i s t a s e m S ã o P a u l o , a psicanálise de crianças propriamente dita só "apresenta seus primeiros lampejos a partir de m e a d o s da década de 1960, vindo a consolidar-se somente no final dos a n o s 1 9 7 0 " ( p . 1 6 9 ) . C o m o a c o n t e c e u c o m a f o r m a ç ã o de p s i c a n a l i s t a s de a d u l t o s , e s s e p r o c e s s o c o m e ç a com u m a f o r m a ç ã o feita no exterior, s o b r e t u d o e m L o n d r e s , o n d e os p s i c a n a l i s t a s f a z e m s u p e r v i s õ e s , c u r s o s e e s t á g i o s e m c l í n i c a s , p r i n c i p a l m e n t e n a f a m o s a Tavistock Clinic. E n t r e os p i o n e i r o s se destacam D é c i o de Souza, T h o m a z Lyra, Marialzira Perestrello e Maria M a n h ã e s do R i o de J a n e i r o e, Lygia A m a r a l de São P a u l o . A influência do k l e i n i s m o é marcante nessa primeira geração, mas não decisiva. Até m e a d o s dos anos 1960, l e m b r a o autor, a f o r m a ç ã o dos a n a l i s t a s de c r i a n ç a s foi de c a r á t e r i n f o r m a l . S o m e n t e com a disseminação dessa prática e o aumento da d e m a n d a de formação é q u e os d i r i g e n t e s das S o c i e d a d e s b r a s i l e i r a s a c e i t a m oferecer n u m p r i m e i r o m o m e n t o um curso de especialização em psicanálise de crianças, e mais tarde a formação específica. Através de d e p o i m e n t o s , o autor nos conta o sinuoso, lento e polémico caminho percorrido para a institucionalização dessa formação, iniciado com a vinda da analista argentina A r m i n d a Aberastury em 1964, seguida de um

4. No Rio de Janeiro a proposta do COI, criada por Arthur Ramos em meados da década de 1930, foi esvaziada com o afastamento dele em 1939. Deve-se acrescentar também que a partir da década de 1940, Arthur Ramos adota uma abordagem mais crítica da psicanálise, influenciado pelas leituras e comentários de Roger Bastide, então professor da Universidade de São Paulo que, em 1941, publica seu primeiro artigo sobre o tema, intitulado "Psicanálise do cafuné".

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trabalho mais regular desenvolvido entre 1970 e 1971, desta vez e m parceria com E d u a r d o Kalina, t a m b é m um analista argentino, e tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. A primeira instituição ipeísta a conferir o "título" de "psicanalistas de c r i a n ç a s " foi a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ) em 1975. A o passo que em São Paulo, o reconhecimento oficial da especialidade o c o r r e a p e n a s e m 1 9 8 8 , p r e c e d i d o d a f o r m a ç ã o d a d a p e l o s m e m b r o s da Associação Psicanalítica Uruguaia, Luiz Prego e Silva e Vida Prego, entre 1976 e 1980 e continuado por Virgínia Bicudo, Lygia Amaral e Frank Philips.

Para A b r ã o , esse processo que culminou na oficialização e regulamentação dos c u r s o s de a n á l i s e infantil nas S o c i e d a d e s ipeístas foi d e t e r m i n a n t e p a r a a p a s s a g e m do m o d e l o p s i c o t e r a p ê u t i c o de a t e n d i m e n t o ao m o d e l o psicanalítico, p r o p r i a m e n t e dito, mas t a m b é m para a introdução da teoria e da técnica kleiniana j u n t o aos psicanalistas do país, seguida da bioniana.

Antes de concluir, ele contempla o leitor com um levantamento exaustivo dos principais eventos e publicações sobre a clínica psicanalítica de crianças regida pela IPA e publicados na Revista Brasileira de Psicanálise. C o m isso, ele pretende mostrar a e v o l u ç ã o recente da p r o d u ç ã o teórica dessa instituição, situando, entre outros, as primeiras publicações sobre o tratamento do autismo feitas por Izelinda G a r c i a de B a r r o s da SBPSP a partir de 1975, na qual c h a m a a a t e n ç ã o para os laços dessa autora com a psicanalista londrina Francis Tustin.

Terminada essa viagem pode-se concluir que o livro de Jorge Abrão merece ser s a u d a d o c o m o u m a p r i m e i r a s i s t e m a t i z a ç ã o d e s s e s 80 anos da história da p s i c a n á l i s e de crianças nas duas cidades pioneiras do m o v i m e n t o psicanalítico brasileiro. O autor pontua c o m bastante rigor os principais eventos que marcaram o p e r c u r s o dos analistas ipeístas no p a í s , s u g e r i n d o r e c o r t e s , i n t e r p r e t a ç õ e s e hipóteses de investigação, além de fazer emergir novos personagens de expressão local, p o u c o conhecidos inclusive no próprio meio psicanalítico.

Apesar de se ressentir de um trabalho de exploração de arquivos que possa ser c o n f r o n t a d o a o s d e p o i m e n t o s e o u t r a s f o n t e s p r i m á r i a s e s e c u n d á r i a s essenciais para o trabalho historiográfico, e ainda que sua análise esteja inscrita n u m a c o n c e p ç ã o positivista e sustentada no m o d e l o evolutivo, seu trabalho não deixa de apresentar rigor m e t o d o l ó g i c o e clareza na exposição das ideias. Ele vai m e s m o mais longe, incitando-nos a pensar a problemática da infância e m nosso país, o lugar que ocupa na família brasileira. Torna-se, com isso, u m a referência não apenas para novas pesquisas historiográficas sobre o tema, m a s t a m b é m para n o v a s a b o r d a g e n s , e n t r e o u t r a s , s o b r e a e s p e c i f i c i d a d e d e s s a p r á t i c a , e e m particular sobre a sua e x t e n s ã o para outros c a m p o s do saber. A l é m , é claro, de lançar b a s e s p a r a a c o n s t r u ç ã o da m e m ó r i a dos clínicos b r a s i l e i r o s , s o b r e t u d o n u m m o m e n t o em que estes se encontram às voltas com a p r o b l e m á t i c a questão da legalização da profissão de psicanalista.

Referências

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