• Nenhum resultado encontrado

É muito significativo que Jó não expressa ao longo dos diálogos nenhum pensamento suicida. Essa é uma marca distintiva da obra

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "É muito significativo que Jó não expressa ao longo dos diálogos nenhum pensamento suicida. Essa é uma marca distintiva da obra"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º trimestre de 2016 Tema geral: O livro de Jó

Lição 5: 22 a 29 de outubro Autor: Jônatas de Mattos Leal

Editor: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br Revisora: Josiéli Nóbrega

Maldito dia!

Introdução

Cada ser humano expressa a dor a seu próprio modo. Embora a dor seja um aspecto universal da vida humana, a reação diante dela muda de acordo com o tempo, cultura e pessoa. Realmente “a dor, como o amor, é uma experiência radicalmente subjetiva”¹​. Quem sabe,

revisando a reação de Jó diante de sua tragédia pessoal, o mais

importante que aprendemos nesta semana é que Deus não espera que escondamos dEle nossos desapontamentos pessoais. Depois de todo desabafo de Jó ao longo dos diálogos, o narrador esclareceu desde o princípio que “em tudo isso Jó não pecou com os seus lábios” (2:10). Isso é confirmado no fim do livro, quando Deus requer apenas dos amigos de Jó uma oferta (Jó 42:7-9).

Quantas vezes, como pais, ouvimos nossos filhos reclamarem e, em alguns casos, falarem duramente contra nós em face de uma

proibição. Mesmo os mais novos, que não falam, choram e fazem birra quando os privamos de algo que sabemos que não será bom para seu desenvolvimento. Em geral, não levamos tão à sério tais palavras ou atitudes, pois sabemos que são expressões da visão limitada da criança sobre a vida e as questões futuras. Assim, basta ler os longos diálogos e falas do livro de Jó para perceber que Deus ouviu pacientemente todas as suas queixas. Mesmo aquelas que questionavam o dom mais precioso de Deus: a vida.

Jó: um suicida?

É muito significativo que Jó não expressa ao longo dos diálogos nenhum pensamento suicida. Essa é uma marca distintiva da obra

(2)

quando comparada com outras do mesmo gênero e tempo. Em vez de considerar tirar a própria vida, ele questiona o dia do nascimento. Ele desejou retirar do calendário esse dia. Em outras palavras, a dor e a angústia de Jó eram tão grandes que ele tinha perdido completamente a vontade de viver. Mas, da mesma forma que ele não possuía nenhum controle sobre o dia de seu nascimento, não tem sobre o dia de sua morte, o qual está nas mãos de Deus.

Um estado de profunda tristeza pode levar um bom cristão (como Jó) ainda hoje a questionar a continuidade da própria vida. Tal

questionamento não é gerado necessariamente por incredulidade ou falta de fé. Devemos lembrar que, em Sua humanidade, o próprio Cristo questionou o Pai, dizendo: “Por que Me desamparaste?” (Mt 27:46) Cristo não sabia a reposta? Certamente, sim! Ele mesmo disse aos discípulos que Sua morte era inevitável (Mt 16:2 cf. Jo 12:27). Contudo, ao que parece, a dor e a angústia experimentadas por Cristo podem ter escurecido Seu entendimento a tal ponto que Sua alma expressou um grito para o qual Ele mesmo já tinha a resposta. Diante desse quadro é necessário entender que a dor pode nublar o mais racional conceito teológico. Como é bom saber que, como um pai amoroso Deus entende nossa irracionalidade diante do fenômeno mais sem sentido do

Universo: o mal e seu mais conhecido efeito colateral: o sofrimento. Jó não seria o último a pedir para si mesmo a morte (Jó 3:20, 21). Personagens prestigiados, como Elias (1Rs 19:4) e Jonas (Jn 4:3) também fizeram o mesmo pedido. Mas Deus não ouviu tais orações e não atendeu seus desejos. Ele trabalhou com cada um deles para que enxergassem além de suas próprias lágrimas. Quem sabe, nesse exato momento você possa estar sem vontade de continuar a caminhada. Entretanto, Deus não apenas entende sua dor, mas está disposto a levá-lo (a) a encontrar novamente, além dela, a alegria de viver. A verdade sobre a morte

Na realidade, Jó não queria a morte, mas o alívio de sua dor. Isso nos ajuda a compreender como ele entendia a natureza da morte. A ideia de uma alma imortal é completamente estranha ao pensamento

(3)

bíblico. De acordo com as Escrituras, o homem não tem uma alma; ele é uma alma. Embora os gregos tenham popularizado a ideia de uma alma imortal, é muito antiga a crença na continuidade da vida

exatamente após a morte. Ela está registrada nos remotos escritos da Mesopotâmia e arquitetonicamente testemunhada pelas antigas

pirâmides (encontradas em várias civilizações antigas) designadas como moradas eternas dos nobres.

Contudo, a partir de uma análise do uso do termo “por todo o Antigo Testamento, as palavras para morte apontam para um sentido único: o completo término da vida, de suas expressões e funções”.²

Como destaca Bacchiocchi: “Um estudo das palavras ‘morrer’, ‘morte’ e ‘morto’ no grego e no hebraico revela que a morte é percebida na Bíblia como privação ou cessação da vida”.³

Ela marca a ruptura dos dois elementos fundamentais da vida de acordo com o relato da criação. Segundo Gênesis 2:7 a vida é

composta por dois elementos: (1) o pó da terra (

ʿ ʾ āpār min-hā ădāmâ)

que marca a materialidade do corpo e sua íntima ligação com o ambiente em que está inserido; e (2) o fôlego de vida (nepesh

ayyâ)

que também é chamado em outros lugares de “espírito” (rûa

ḥ​ ) (Gn 6:17;

Ec 3:19,2; Lm 4:20; Jr 51:17), a saber, o ​animus

​ divino que torna

possível a vida. A união desses dois elementos forma a “alma vivente” (nepeš

ayyâ). A vida é interrompida quando essa união é quebrada.

Essa visão aparece bem nitidamente na descrição poética que o

Eclesiastes faz da morte, quando “​o pó volta à terra e o espírito volta a

Deus que o deu

​ ” (12:7); retornando assim cada elemento para sua fonte

original.

De acordo com o pensamento bíblico, a morte é um estado de total inconsciência. Na morte não há lembrança do Senhor (Sl 6:5;

146:4; Ec 9:5), nem louvor (Sl 30:9; 115:17) nem consciência alguma (Sl 13:3). Essa concepção levou a uma das metáforas mais frequentes na Bíblia para a morte, a saber, o sono (Gn 28:11; Dt 31:16; 2Sm 7:12; 1Rs 2:10; Jó 7:21). Nele a pessoa fica em estado de inconsciência total, sem qualquer de suas capacidades cognitivas ou físicas ativas.

O termo hebraico para o lugar dos mortos no Antigo Testamento é šheōl

(4)

como ‘sepultura’, ‘inferno’, ‘abismo’ ou ‘morte’. Essas traduções variadas tornam difícil para o leitor do texto em português discernir o significado básico de ​sheol

​ .4 Bacchiocchi conclui:

Nosso estudo da palavra hebraica para “o reino dos mortos –​sheol

​ ”

mostra que nenhum dos textos que examinamos sugere que ​sheol

​ seja

o lugar de punição dos perdidos (inferno) ou um lugar de existência consciente para as almas ou espíritos dos mortos. O reino dos mortos é um lugar de inconsciência, inatividade e sono que prossegue até o dia da ressurreição.5

Evidentemente, embora incipiente e pouco frequente, a ideia de uma vida pós-morte não é totalmente estranha ao pensamento do Antigo Testamento. Porém, os mortos devem esperar o dia escatológico do Senhor para despertarem de seu descanso, ou sono, quando “muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão” (Dn 12:2 cf. Is 26:19; Os 13:14).6​ Esse é exatamente o quadro que emerge do entendimento de Jó sobre a morte. Ela é um equalizador universal, um destino

inescapável. Embora o sono da morte possa trazer alívio para o sofredor, o poder sobre ela está nas mãos de Deus.

Considerações finais

A verdade sobre a morte tem sido mantida pelo povo de Deus desde os tempos mais remotos como o de Jó. No tempo do fim ela estará no centro da grande controvérsia entre o bem e o mal. Jó não desejava a morte para desfrutar das glórias do Céu. Ele estava

totalmente consciente de que ela é um sono, um descanso para sua dor incomensurável. Mas Deus tinha um plano melhor para Jó: sua

restauração total. Se você se sente hoje sem vontade de seguir em frente, lembre-se: Deus tem um plano melhor para sua vida.

Deus tem um plano melhor para a humanidade. A morte não precisa ser o fim da estrada. Jó também sabia disso quando exclamou confiantemente: ​Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em

minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei por mim mesmo

(5)

¹ ​http://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/7052/8521

² ANDREASEN, Niels-Erik. Death: origin, nature, and final erradication. In: Dederen, ​Handbook of

Seventh-Day Adventist Theology

​ , electronic ed., v. 12, Commentary Reference Series (Hagerstown,

MD: Review and Herald Publishing Association, 2001), p.354.

³ Samuele Bacchiocchi.​ ​Imortalidade ou ressurreição?

:​ uma abordagem bíblica sobre a natureza

humana e o destino eterno. Tradução de Azenilto de Brito. (Engenheiro Coelho, SP: UNASPRESS,

2007). ​p. 129

4​ Ibidem, 2007, p.147

5​ Ibidem, 2007, p. 161.

6​ Ainda hoje, as atitudes judaicas para com a morte são paradoxais. Por um lado, há uma profunda

aceitação do fato da mortalidade: a morte como parte de um processo natural marca o fim inevitável da vida neste mundo e é o destino comum de todas as criaturas de Deus. Por outro lado, a morte é vista como punição pelo pecado, conforme expresso na frase rabínica “não há morte sem pecado”. E nem todas as linhas de pensamento rabínico são confortáveis quando deliberam sobre a esperança de uma vida após a morte. ABRAMOVITCH, H. Death. In COHEN, A. A.; FLOHR, P. Mendes (Eds.). 20th Century Jewish Religious Thought: Original Essays on Critical Concepts, Movements, and Beliefs​. Philadelphia: The Jewish Publication Society, 2009. p. 131.

Conheça o autor dos comentários deste trimestre:​ Jônatas de Mattos Leal é natural de Pelotas, RS. Graduou-se em Teologia pelo Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (IAENE), em 2008. Concluiu o mestrado em Ciências da Religião pela Universidade

Católica de Pernambuco em 2011, e mestrado em Teologia pelo Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (IAENE). Atuou como pastor distrital entre 2009-2010 no distrito de Candeias, na Associação Bahia. Atualmente, é professor de teologia bíblica (Antigo Testamento) e coordenador de pós-graduação no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia (IAENE). É casado com Taiana

Pickersgill Leal e pai de Pietro Pickersgill Leal.

Referências

Documentos relacionados

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

Uma análise do gráfico representado na figura 9, mostra que os entrevistados possuem muita facilidade na utilização dos computadores do Paraná Digital, o que se

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

A ideia da pesquisa, de início, era montar um site para a 54ª região da Raça Rubro Negra (Paraíba), mas em conversa com o professor de Projeto de Pesquisa,

Os estudos originais encontrados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2017 foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: obtenção de valores de

O termo extrusão do núcleo pulposo aguda e não compressiva (Enpanc) é usado aqui, pois descreve as principais características da doença e ajuda a

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

Este estágio de 8 semanas foi dividido numa primeira semana de aulas teóricas e teórico-práticas sobre temas cirúrgicos relevantes, do qual fez parte o curso