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Aplicação da mediação como justiça restaurativa com adolescentes em conflito com a lei

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Academic year: 2021

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APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO JUSTIÇA RESTAURATIVA COM

ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI1

Camila Lúcia Ferretti2

Resumo: O presente artigo versa sobre a utilização da mediação como forma de justiça

restaurativa para adolescentes em conflito com a lei, abordando, os aspectos teóricos metodológicos que diferenciam a justiça restaurativa da justiça retributiva. O objetivo é demonstrar a aplicabilidade da prática da mediação, destacando-a como instrumento de justiça restaurativa e como uma nova referência no tratamento de conflitos com os adolescentes. Acreditando-se, assim, que se a cultura de resolução de conflitos por meio do diálogo, for divulgada e instigada, haverá uma aceitação maior por parte das pessoas envolvidas no ato infracional, tendo assim, a justiça restaurativa como uma alternativa na resolução de conflitos e interesses, podendo desta maneira, estabelecer-se a cultura da paz e dos vínculos de relações, tanto familiares quanto sociais. Portanto, a mediação é uma forma de justiça restaurativa com adolescentes em conflito com a lei, a qual visa dar fim efetivo ao conflito, emocional e jurídico, buscando as causas que geraram o ato, para o devido encaminhamento para as partes conseguirem detectar a razão que levou o adolescente a cometer o ato, e assim, possam achar a solução mais favorável, sem serem lesadas e com a respectiva reintegração social e familiar.

Palavras-chave: Adolescentes em conflito com a lei. Mediação de Conflitos. Justiça

Restaurativa. Justiça Retributiva.

1 INTRODUÇÃO

Com a Resolução 125, instituída em 2010, a conciliação começou a ser vista não como uma prática de exceção, mas como um mecanismo que deve fazer parte da rotina dos tribunais brasileiros, por meio da implantação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e de Cidadania (Cejusc), determinada pelo ato normativo. (CNJ, 2015).

Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo geral, demonstrar que a justiça restaurativa poderá ser alcançada com a prática da mediação com adolescentes em conflito com a lei pela dinâmica e complexidade do envolvimento crescente dos jovens no crime organizado, em todas as unidades da federação brasileira.

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Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em SISTEMA DE JUSTIÇA: CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO E JUSTIÇA RESTAURATIVA, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Sistema de Justiça: Conciliação, Mediação e Justiça Restaurativa.

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Auxiliar de Escrevente no 3° Tabelionato de Notas e Protesto de Títulos da Comarca de Blumenau-SC. Bacharel em Direito pela FURB – Blumenau-SC. Especialista em Direito Imobiliário pela Univali - Itajaí-SC e em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera – Uniderp – Campo Grande-MS, em parceria de retransmissão com a LFG Business e Participações Ltda. - REDE LFG – Blumenau-SC. Endereço eletrônico: <camillaferretti@hotmail.com>.

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Visando elucidar os motivos pelos quais, a mediação nos casos de adolescentes em conflitos com a lei tem um maior potencial resolutivo a médio e curto prazo, procurar-se-á esclarecer o raciocínio que fundamenta a justiça retributiva evidenciando as questões estruturais envolvidas na marginalização dos adolescentes pobres e a opressão etnoracial que exigem do operador jurídico a visibilidade dessas circunstâncias na motivação do adolescente, de determinadas classes sociais, para a prática de crimes e confrontos recorrentes, com a lei.

Com a finalidade de atingir o objetivo proposto, apresenta-se os fundamentos da justiça restaurativa e a concepção da mediação, destacando o espectro ampliado desse conceito como um conjunto de práticas interdisciplinares capazes de abranger os aspectos subjacentes do conflito que envolve a ideia de pessoa humana, que na concepção da justiça retributiva encontra maior fragilidade. Nesse sentido, a diferenciação entre a justiça restaurativa e a justiça retributiva, está na reabilitação do adolescente não como conceito abstrato mas como um ser em desenvolvimento e portanto um ser social que necessita para o seu integral desenvolvimento, da família, da sociedade e do Estado. Sinteticamente também se descreve acerca da mediação de conflitos. E finalmente, uma abordagem da aplicação da justiça restaurativa, através da mediação, como respostas aos atos infracionais praticados por adolescentes, acerca da experiência internacional de mediação com adolescentes em conflito com a lei.

A metodologia empregada para realização deste artigo consiste no método indutivo, tendo como principais fontes de pesquisas obras doutrinárias, artigos científicos, dissertações de mestrado, legislação entre outras fontes.

2 JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

O tema da justiça restaurativa ganhou espaço na mídia internacional no final do século passado e no século XXI vem se tornando central no debate público acompanhando uma tendência das democracias ocidentais. Como um exercício crítico das democracias vigentes, as lutas por reconhecimento, (HONNETH, 2003) a justiça restaurativa vem acompanhando o movimento em defesa da política de reconhecimento. Este é um movimento que reconheceu mais cedo os conflitos etno-raciais e religiosos, um fenômeno que ficou conhecido pelo chamado terrorismo. A intolerância acabou se confundido como uma condição da ordem.

No âmbito desse debate a resolução de conflitos tornou-se central como regate dos princípios fundamentais das liberdades, passando a recuperar a ideia de cidadãos livres e

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iguais em oposição às doutrinas hobbesianas de pacificação social. A resolução 125 de 2010 do CNJ dá um passo qualitativo neste sentido, uma possiblidade material de reforma das doutrinas iluministas que acalentou por séculos o dogmatismo jurídico.

Para Vasconcelos (2012, p. 179), “o movimento por uma justiça restaurativa, surgida nas últimas décadas do século passado, é um resgate de práticas imemoriáveis da Nova Zelândia, da Austrália, de regiões do Canadá e de outras tradições [...]”. Tradições estas que inspiram “várias abordagens e procedimentos de caráter interdisciplinar.”.

Vasconcelos (2012, p. 179), ensina que:

A justiça restaurativa tem como paradigmas o protagonismo voluntário da vítima, do ofensor, da comunidade afetada, com a colaboração de mediadores, a autonomia responsável e não hierarquizada dos participantes e a complementariedade em relação à estrutura burocrática oficial, com respeito aos princípios de ordem pública do Estado Democrático de Direito.

Atualmente, percebe-se que a justiça restaurativa é traduzida em uma nova proposta de aplicação de justiça, com ênfase na “reparação do dano causado pelo conflito e pelo crime.” (OLIVEIRA, 2007, p. 29).

A justiça restaurativa baseia-se em um procedimento de consenso, em que a vítima, o infrator e quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime ou infração, participam coletivamente na solução das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime. (PINTO apud OLIVEIRA, 2007, p. 29).

Prudente apud Fukamachi (2012, p. 7) explica que “a justiça restaurativa pode ser entendida como um processo cooperativo dedicado a melhor solução de conflito.” Acrescenta Vitto apud Fukamachi (2012, p. 7) que “os envolvidos no conflito buscam juntos, corrigir as consequências vivenciadas por ocasião da infração, a resolução do conflito, a reparação do dano e a reconciliação entre as partes.”

Dessa forma, serão abordadas as diferenças e interpretações entre a justiça restaurativa e justiça retributiva, bem como a mediação como instrumento da justiça.

2.1 DIFERENÇAS E INTERPRETAÇÕES ENTRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA E JUSTIÇA RETRIBUTIVA

Para Lainetti (2009, p. 23), “ao pensar os conceitos que dão suporte à concepção de justiça restaurativa, é possível perceber que entre esta e a justiça retributiva, há ideias distintas do que é crime.” De acordo com Rolim apud Lainetti (2009, p. 23), é possível observar que “na justiça retributiva, o crime se configura estritamente como a ruptura do texto

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legal, e não como a ruptura nas relações sociais produzida por uma conduta indesejável (como entende a justiça restaurativa).”

A justiça retributiva, tem seu caminho iniciado na culpabilidade e possui como meta a pena, enquanto sofrimento para o infrator. Já a justiça restaurativa, que dirige seus passos frente a análise dos danos que a criminalidade causa na vítima para outorga-lhe sua justa reparação. (NERY, 2011, p. 117).

Para a justiça retributiva, a vítima não possui papel relevante, sendo substituída pela autoridade do Estado, onde o próprio Estado pode, em diversas situações, dar continuidade na ação, mesmo que a vítima não concorde. A figura em foco é o autor da infração, mas não para atentar para os seus atos ou consequências, mas sim, para lhe atribuir uma pena. (LAINETTI, 2009, p. 23).

Diferentemente da justiça retributiva, a justiça restaurativa considera um crime “não apenas uma conduta atípica e antijurídica, dirigida a bens e interesses penalmente tutelados, mas principalmente uma violação das relações existentes na comunidade.” (PINTO apud LAINETTI, 2009, p. 23).

Para Rolim apud Lainetti (2009, p. 23), a justiça restaurativa não nega, não ignora “que haja uma repercussão social do ato infracional, porém ela considera que os danos e prejuízos produzidos, bem como o sofrimento, advindo da infração são mais relevantes do que o fato em si de ter havido uma infração.”

É importante ressaltar que a ideia central da justiça restaurativa é o seu olhar para o futuro, isto é, “para a assunção das responsabilidades e para as relações que devem ser restauradas, e não estar tão concentrada no passado, no crime cometido e na culpa a ser estabelecida.” (PINTO apud LAINETTI, 2009, p. 24).

A justiça restaurativa possui como objetivo a compreensão das pessoas sobre a situação conflituosa, em busca da humanização de todos os envolvidos, e a consequente responsabilização de todos os afetados, com a sua resolução. Dessa forma, os resultados restaurativos preveem a reparação do dano, a restituição do bem, sempre com o fim de atender as necessidades de todos os envolvidos, visando a reintegração da vítima e do ofensor. (AGUIAR apud COSTA, 2012, p. 44).

Já a justiça restaurativa é um modelo baseado “em uma série de valores que definem a prática judicial de castigo que rege as sociedades ocidentais.” Dessa forma, destaca-se que “a principal atividade da justiça retributiva é fixar a pena e aplicar o dano em cada crime concreto.” (NERY, 2011, p. 119).

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Os valores da justiça retributiva são: conceito jurídico normativo do crime, ou seja, ato contra a sociedade representada pelo Estado; primado do interesse público; culpabilidade individual voltada para o passado; uso dogmático do direito penal positivo; indiferença do Estado quanto às necessidades da vítima, infrator e comunidades afetadas; monocultura e excludente; dissuasão. (NERY, 2011, p. 119).

Destaca-se que a justiça restaurativa possui outros valores, que são os seguintes: conceito realístico do crime; primado interesse das pessoas envolvidas e comunidade (Justiça Criminal Participativa); responsabilidade pela restauração numa dimensão compartilhada e voltada para o futuro; uso crítico e alternativo do direito; comprometimento com a inclusão e a justiça social gerando conexões; cultura flexível e respeito à diferença; persuasão. (NERY, 2011, p. 119).

Dessa forma, percebe-se que a justiça retributiva é um sistema focado no estabelecimento da culpa e na definição da pena, incentivando assim, o infrator a mentir e a subestimar sua responsabilidade em relação ao conflito e ao dano. Já na justiça restaurativa, o que se espera é que os envolvidos no processo possam encontrar um espaço seguro para falarem e serem ouvidos, de forma que consigam lidar com diferentes versões, com sentimentos e perspectivas diversas e, coletivamente, “chegarem a uma verdade consensual, ou seja, „aquela produzida pelas partes no que foi reconhecido como responsabilidade e no que foi acordado como reparação‟.” (ROLIM apud LAINETTI, 2009, p. 24).

Outra característica que distingue ambos os sistemas é a responsabilidade, que no sistema tradicional, a responsabilidade pelas condutas é individual, onde cada um responde por seus próprios atos, sem importar a atitude do meio social no qual se desenvolve o ato. Já no sistema restaurativo, sem ignorar o lado da responsabilidade individual, “também evoluem as circunstâncias nas quais se produz o conflito, a dimensão do mesmo, e a identificação daqueles que integram cada unidade de conflito.” (BORBA, 2009, p. 54).

No sistema retributivo, “os autores são o infrator e o Estado, cabendo à vítima, em alguns casos e segundo o momento processual, uma pequena participação.” Em contrapartida, no sistema restaurativo “os protagonistas são a vítima e o ofensor, cabendo ao Estado providenciar os meios adequados para que as partes resolvam seus conflitos”, fazendo com que o “exercício dos direitos constitucionais, tanto para um quanto para outro, seja garantido.” (BORBA, 2009, p. 55).

Para Souza apud Costa (2012, p. 44-45), “a diferença está entre as lógicas retributivas e restaurativas está entre „culpar alguém pelo que fez no passado e responsabilizar-se por fazer as coisas direito no futuro‟.” Complementa o autor que:

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O método de Justiça Restaurativa está pautado em valores que conferem à envolvida autonomia na responsabilização pelos danos causados e, também, a satisfação das necessidades emergidas a partir da situação de conflito. As vítimas precisam de uma sensação de controle e envolvimento com a solução de seu caso, “necessitam sentir que têm escolhas, e, que tais escolhas são reais”. A vítima de um crime sofre grande trauma quando se vê sem poder e autonomia pessoas perante o agressor. (SOUZA apud COSTA, 2012, p. 44-45).

Portanto, a abordagem restaurativa deve conviver com a retributiva, materializada na justiça, pelas punições estabelecidas no sistema penal, como também no contexto social, pelas repressões estabelecidas em cada membro da sociedade, como a escola por exemplo. (COSTA, 2012, p. 45).

Assim sendo, para se compreender a mediação como instrumento da justiça restaurativa, é de extrema importância discorrer sobre o instituto da mediação.

2.2 A MEDIAÇÃO NO BRASIL COMO FORMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os conflitos sempre fizeram parte da história da humanidade. Os povos primitivos resolviam seus conflitos através do controle social efetivo mediante as práticas rituais e tabus de proibição como, por exemplo, a proibição do incesto, do homicídio entre outros considerados inaceitáveis pelo convívio humano (SUPIOT, 2007). Não sempre por meio da força e da violência.

No dizer de Fernandes Junior os “povos contemporâneos encontram caminhos diversificados para a resolução de conflitos, tais como a tutela jurisdicional, arbitragem, tribunais internacionais, dentre outros.” (FERNANDES JÚNIOR, 2008, p. 20).

Moreira (2007, p. 81) afirma que no Brasil, a prática da mediação foi ganhando espaço, sendo que no final da década de 1990, experiências como:

[...] o Programa Casa de Mediação Comunitária – CMC, no estado do Ceará, bem como com o surgimento de algumas instituições especializadas como o CONIMA – Conselho de Segurança Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem, e o MEDIARE – Centro de Administração de Conflitos.

Assim a mediação se consolidou no Brasil, “a partir de dificuldades enfrentadas pela população frente ao sistema judiciário tradicional sendo a dificuldade de acesso à justiça [...]”, e a ineficiência do judiciário frente ao número de demandas e conflitos, os pontos mais críticos, (MOREIRA, 2007, p. 82).

Por que a mediação é apontada como um meio de “resolução de conflito mais adequado a determinados tipos de controvérsias? Para os estudiosos a mediação é mais

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adequada quando envolve relações afetivas e/ou continuadas, tendo em vista a necessidade de preservação dos laços que existem entre as pessoas. Para Moreira, ” Ressalta-se que o Poder Judiciário também, “é a via adequada para conflitos que versem sobre direitos indisponíveis ou quando se verifique desigualdade entre as pessoas, por exemplo”. Conclui: “a relação que deve existir entre mediação e Poder Judiciário deve recair na colaboração mútua, tendo em vista o objetivo comum de pacificação social.” (MOREIRA, 2007, p. 82).

Ensina Cachapuz (2003, p. 27) que, “o conceito mais usual de mediação estabelece que ela é um meio extrajudicial de resolução de conflitos, onde um terceiro é chamado para encaminhar as partes a chegarem a uma solução ou acordo. ”

Destaca-se que, o futuro da mediação não depende somente de contribuições teóricas, mas, “em maior medida, do seu desenvolvimento, sendo, por isso mesmo, indispensável a colaboração dos diversos atores, que estudam, prática e acompanha o procedimento, no sentido de aperfeiçoamento constante da mediação. ” (MOREIRA, 2007, p. 87).

Portanto, “a mediação não é apenas uma alternativa à justiça, uma nova técnica de resolução de conflitos: ela prefigura a emergência de um novo modo de regulação social. E talvez, uma nova sociabilidade.” (GARAPON apud ANUNCIAÇÃO, 2009, p. 152).

3 A UTILIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA

A justiça restaurativa “tem como paradigmas o protagonismo voluntário da vítima, do ofensor, da comunidade afetada, com a colaboração de mediadores e autonomia não hierarquizada dos participantes.” (VASCONCELOS, 2012, p. 179).

Para Vasconcelos (2012, p. 179), a mediação é aplicada como instrumento da justiça restaurativa, “daí por que também é denominada mediação restaurativa. As abordagens transformativas são realizadas por meio de encontros ou círculos restaurativos, que, em verdade, são encontros ou círculos de mediação [...].”

Destaca-se que a restauração é realizada através da participação ativa direta do ofensor adolescente, da vítima e da comunidade envolvida. “A comunidade pode abranger pessoas por parte de familiares ou amigos, quer dizer pessoas do convívio das partes tanto do ofensor quanto do ofendido ou a comunidade em que estão inseridos.” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p.15).

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Importante ressaltar que o mediador é uma parte essencial na justiça restaurativa, pois, tende ser um intermediário entre vítima, ofensor e comunidade envolvida, participando desde o princípio dos mecanismos. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p.15).

O mediador na justiça restaurativa com adolescentes, não intervirá somente na relação em conflito, como também buscará a “proteção do adolescente, na garantia e efetivação dos seus direitos e na operacionalização da mediação, como um meio de reparar o dano, educando, repensando, potencializando sua capacidade de emancipação.” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p.15).

Oliveira e Oliveira (2010, p. 16) afirmam que o método utilizado na mediação é a linguagem, entretanto, para a mediação ser completa é necessário reconhecer que:

[...] a injustiça foi reconhecida e assumida pelo adolescente e o mesmo se responsabiliza pelos seus atos, em segundo lugar as partes tem que aderir a restauração, em terceiro, a vítima entender que se sentir segura, o adolescente mudar o seu comportamento, a vítima entender o que levou este adolescente a prática ilícita e que todos concordem, seja feito assim um comportamento e monitoramento do acordo. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p. 16).

Dessa forma, após o mediador ter a problematização do ato, deverá atentar-se para que não haja acordos discriminatórios com o adolescente envolvido e que o mesmo não seja humilhado pela vítima, nem que o adolescente intimide a vítima. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p.16).

Contudo, esta medida restauradora, “trata-se de uma medida alternativa com caráter educativo que permite ao adolescente o reconhecimento de sua conduta, de seu valor como pessoa, a importância do respeito ao próximo,” bem como, “o instiga a um processo de conscientização, através de uma ação-reflexão, assumindo seu papel de sujeito e chegando a uma apreensão crítica de sua realidade, conduta e escolhas.” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Ressalta-se que esta medida trabalha com o adolescente, bem como, com sua família, comunidade e profissionais envolvidos e principalmente a vítima, porque “precisarão se preparar para recebê-los e para bem operacionalizar essa medida que os possibilitará a transformação social.” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2010, p. 17).

Portanto, destaca-se que o objetivo da mediação entre a vítima e o ofensor, é que “o ofensor tenha a possibilidade de receber o depoimento do sofrimento da vítima, de reconhecer a transcendência de seus atos, mas ambos, vítima e ofensor, podem descobrir que definitivamente os dois são vítimas da agressão de um sistema impositivo, de dependência.” (VEZZULLA, 2006, p. 107).

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Dessa forma, a pesquisa abordará em seguida, acerca da experiência internacional da mediação com adolescentes em conflito com a lei e as modalidades de processos restaurativos.

3.1 A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL EM MEDIAÇÃO COM ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA

Vezzulla (2006, p. 105), esclarece que “as primeiras experiências de mediação com adolescentes autores de ato infracional surgiram na Europa, aproximadamente, há uns 20 (vinte) anos atrás,” isto para “conseguir do adolescente a tomada de consciência da repercussão de seus atos (a responsabilidade social) e a reparação dos possíveis danos produzidos aos outros.”

Desta maneira, “com a introdução em várias partes do mundo de práticas de mediação entre o ofensor e a vítima, foi cada vez mais incorporado e valorizado o conceito de conciliação como modo de abordagem da violência cometida pelos adolescentes.” VEZZULLA, 2006, p. 105-106).

Por ser das mais antigas, será mencionada nesta pesquisa, a experiência espanhola (catalã) de “introdução da mediação na Dirección General de Justiça Juvenil,” que começou a ser aplicada em maio de 1990, em Barcelona. (VEZZULLA, 2006, p. 106).

Vidal apud Vezzulla (2006, p. 106) comenta que houve muitas dificuldades para iniciar a experiência, tendo em vista, que nenhuma lei previa procedimentos conciliatórios, considerando que a lei vigente era de 1948.

Com a Lei Orgânica 4/92, obteve-se a regulamentação de procedimentos dos “Juizados de Menores”, com a sua aplicação limitada entre os 12 e 16 anos, contendo a reparação em dois momentos diferentes, conforme elucida Vezzulla (2006, p. 106):

1. como alternativa ao processo judicial, como uma forma de parar o procedimento atendendo à pouca gravidade dos fatos, à situação especial do adolescente e à proposta deste de reparar o dano ocasionado. 2. Como suspensão da medida judicial toda vez que, estando já desenvolvido o processo judicial, se apresentasse ao adolescente e seus responsáveis a possibilidade de fazer um acordo de reparação extrajudicial.

Ressalta-se que “a partir do conceito material de reparação como reparação do dano, reposição do bem ou de seu valor, a orientação abre um espaço à conciliação, ao tratamento direto entre o ofensor e os supostos prejudicados.” (VEZZULLA, 2006, p. 107- 108).

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Percebe-se que ao Estado assumir o papel da vítima e condenar, perdoar ou inocentar o infrator, sem a participação da vítima, vê-se uma vez mais violentada. Pois ao mesmo tempo, o infrator na mediação possui a possibilidade de explicar-se, “de elaborar seus aspectos de vítima, ele também, da agressão, da violência.” (VEZZULLA, 2006, p. 107).

Vezzulla (2006, p. 107-108) destaca que para uma efetividade da mediação, seria interessante que o adolescente autor de ato infracional e a vítima, de comum acordo, elaborem o programa de reparação que atende os interesses de ambos, sendo que este tipo de mediação, já ocorre em Barcelona, na Espanha. Sendo esta forma, a mais benéfica para ambas as partes.

Ressalta Vezzulla (2006, p. 108) acerca das vantagens deste procedimento:

Muitas são as vantagens deste procedimento, pois ao deixarem que o jovem e a vítima escolham os programas de reparação que satisfaçam seus interesses, estão lhe dando o poder de decisão, o reconhecimento da capacidade da decisão; estão, ainda que parcialmente, emancipando-os da tutela do Estado ao serem reconhecidos como sujeitos, e não como objetos da lei e de seus operadores.

Neste procedimento, “o trabalho do mediador consiste, em parte, em levar os mediadores a se questionarem essa visão ilusória e, por meio da escuta atenta do que o outro tem a dizer, passarem a uma visão integrada das visões de todos,” e, finalmente chegarem a “entender que somente numa atitude responsável, na qual todos assumam sua participação no acontecido, poderão encontrar soluções que atendam aos interesses de todos, assumindo a responsabilidade pelo seu cumprimento.” (VEZZULLA, 2006, p. 109).

Destaca-se que na Espanha, os adolescentes autores de ato infracional, “somente são atendidos no programa voluntário de mediação se aceitarem sua responsabilidade nos fatos e desejarem reparar os danos causados.” (VEZZULLA, 2006, p. 109).

Vezzulla (2006, p. 109-110), explana que na Catalunha, Espanha, o processo consta de duas partes: o contato com as partes e a mediação conjunta.

Na fase do contato com as partes, “o mediador realiza uma tarefa prévia com ambas as partes implicadas no ato infracional: o adolescente e a vítima.” É realizada uma entrevista com cada um deles, separadamente, com o objetivo de se avaliar as possibilidades de cada um de participar do programa. (VEZZULLA, 2006, p. 109).

Salienta-se que esta avaliação firma-se “na responsabilidade assumida pelo adolescente e seu interesse em reparar a vítima.” Em sendo a resposta positiva, “encaminha-se à Fiscalía de Menores para que se autorize a citação da vítima para conhecer a visão e vivência da ação, suas consequências e suas demandas,” e, principalmente, sua motivação para participar do programa de mediação. (VEZZULLA, 2006, p. 109-110).

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Após ambas as entrevistas iniciais e individuais (vítima e ofensor), o mediador pondera a conveniência da segunda fase do procedimento: a mediação conjunta. (VEZZULLA, 2006, p. 110).

Importante observar que a entrevista inicial, serve para que a vítima entenda o que a mediação se propõe, avaliar “a disposição de ser entrevistada com o agressor e o objetivo disso.” E dessa forma, o mediador possui o papel de conduzir a entrevista para que a vítima observe o lado positivo da mediação com o agressor, de forma a beneficiar ambos. Após a decisão de se realizar a mediação, chega-se ao momento principal do procedimento: a mediação conjunta. (VEZZULLA, 2006, p. 110).

A mediação conjunta, segunda fase do procedimento, é de extrema importância, pois se trata do “encontro frente a frente para se transmitir um ao outro as razões, as circunstâncias de cada um, num esforço por uma mútua compreensão.” Devendo este acordo, caso celebrado, “atender os interesses de ambos e às possibilidades reparatórias do adolescente.” (VEZZULLA, 2006, p. 110).

Vezzulla (2006, p. 110) explica que “a função do mediador é a de facilitar o contato, mediar no procedimento e, se um acordo é produzido, elevá-lo à Fiscalía para ser aprovado, o que geralmente ocorre.” Devendo ainda, elevar junto ao acordo, o pedido de remissão do adolescente ao Juiz.

Segundo Vidal apud Vezzulla (2006, p. 110-111), os objetivos do programa são:

1) Possibilitar a partir do Judiciário o restabelecimento da paz social; 2) Incorporar à “justiça juvenil elementos restitutivos ou compensatórios em relação à vítima; 3) Responsabilizar o adolescente autor de ato infracional das próprias ações e de suas consequências; 4) Oferecer à vítima a possibilidade de participar na resolução do conflito; 5) Possibilitar à vítima a recuperação da tranquilidade, da paz e que seja compensada pelos danos sofridos; 6) Aproximar o Judiciário dos cidadãos através da viabilização de formas ágeis e participativas para a resolução dos conflitos que também são da comunidade.

Considera-se importante para esta pesquisa, acerca da utilização da mediação como forma da justiça restaurativa com adolescentes em conflito com a lei, mencionar como na Espanha, além do trabalho com a mediação vítima-ofensor, cuida “especialmente da situação do adolescente em relação à sua família no tocante à sua identidade e à sua condição atual, e, ainda que circunscritos à reparação da vítima,” a família deve estar envolvida “para atender de uma maneira mais abrangente o adolescente e o que levou a cometer o ato infracional.” (VEZZULLA, 2006, p. 109).

Em seguida serão abordadas as práticas restaurativas, em especial, a mediação vítima-ofensor como prática restaurativa, esta muito utilizada na Espanha, conforme já explanado acima.

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3.1.1 O encontro restaurativo e as práticas restaurativas

De acordo com Képes apud Züge (2010, p. 58), “o principal objetivo da justiça restaurativa é propiciar o encontro entre os envolvidos no processo direta ou indiretamente.”

Destaca-se que a comunicação ajuda os participantes do diálogo no encontro restaurativo, “na forma utilizada para a expressão e escuta, com foco em quatro componentes: observação, sentimentos, necessidades e pedido.” Percebe-se que é através da observação, que “os participantes identificam os sentimentos envolvidos e suas necessidades para que, ao final, o resultado seja efetivado através do pedido.” A base para este procedimento possa acontecer é “escutar o outro.” (ZÜGE, 2010, p. 58).

Ressalta-se que “o diálogo é um dos principais elementos da justiça restaurativa, ao contrário do modelo retributivo, em que, não há lugar para o diálogo, pois a imposição sobrepõe-se à troca de ideias, experiências e acordos.” (KÉPES apud ZÜGE, 2010, p. 59).

Amorim (2008, p. 66), afirma que as práticas ou modelos restaurativos “variam de comunidade para comunidade, seja num mesmo país, seja em países distintos.” Sendo os mais comuns “os programas de mediação vítima-ofensor, os encontros restaurativos com grupos familiares, as comissões restaurativas comunitárias e os círculos de sentença.

Segundo Schnitman e Littlejohn (1999, p. 165), o uso mais difundido da mediação com adolescentes em conflito com a lei, “é a mediação vítima-ofensor.” Procedimento pelo qual, reúnem-se os adolescentes e as vítimas para dialogarem a respeito do conflito, e negociarem a reparação do dano causado.

Schnitman e Littlejohn (1999, p. 165), afirmam que este procedimento “modela a responsabilidade e a resolução dos conflitos”, ajudando os adolescentes em conflito com a lei, a “compreenderem o impacto humano de suas ações, a violação emocional, bem como os danos ou perdas de propriedade que tais ofensas geralmente provocam.” O adolescente infrator “é responsabilizado de maneira construtiva e humana.”

A mediação vítima-ofensor possui “êxito na mudança de estereótipos mantidos tanto pela vítima quanto pelo ofensor.” Geralmente, as vítimas tendem a enraivecer com os adolescentes e na mediação, surpreendem-se ao ver “um adolescente problemático sentado no outro lado da mesa da mediação.” Da mesma forma, “os ofensores, por sua vez, geralmente não têm ideia do impacto emocional de suas ações sobre as vítimas, e o procedimento da mediação humaniza sua ofensa.” (SCHNITMAN; LITTLEJOHN, 1999, p. 165).

A triagem para a mediação vítima-ofensor ocorre “nas entrevistas de pré- mediação, que objetivam possibilitar que se observe e alinhe a visão de cada um dos

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envolvidos no ato”, bem como, “explicar em que consiste a mediação vítima-ofensor, cuidar da preparação para o encontro, inclusive quanto às responsabilidades e expectativas de cada um, e ajustar o prévio compromisso de praticarem uma comunicação construtiva.” (VASCONCELOS, 2012, p. 190).

A mediação vítima-ofensor, chamada também de mediação restaurativa, consiste “numa abordagem transformadora e sistêmica do conflito, pelo empoderamento dos mediandos, ao modo do modelo transformativo.” (VASCONCELOS, 2012, p. 190).

Para Amorim (2008, p. 66), a mediação vítima-ofensor, ou “também diálogo vítima ofensor, conferência vítima-ofensor, [...] diálogo de justiça restaurativa, é um encontro „cara a cara‟ [...], na presença do mediador treinado para tanto, entre a vítima e o infrator.”

Outro tipo de programa são os “encontros restaurativos com grupos familiares.” É formado por um círculo de participantes, que podem ser pessoas ligadas à vítima, ou ainda familiares do infrator. Isto, devido à importância da família na vida do jovem. (AMORIM, 2008, p. 66).

Em busca de mais intervenções da comunidade e menos intervenções do sistema, há ainda, as comissões restaurativas comunitárias, a qual oferece “um modo mais aberto e satisfatório para reparar danos e solucionar conflitos e reduzir os papéis profissionais na justiça criminal.” (FROESTAD; SHEARING apud AMORIM, 2008, p. 67).

As comissões restaurativas comunitárias são “compostas por um pequeno grupo de cidadãos, preparados para essa função, essas comissões conduzem encontros públicos „cara a cara‟ com o ofensor que foi encaminhado para aquele encontro por meio de uma sentença judicial.” Assim como em outros modelos, é discutida, “a natureza da ofensa, as eventuais causas e os desdobramentos.” Serão propostas “várias sansões, as quais são discutidas junto com o ofensor para que se chegue a um consenso sobre qual será aplicada.” (AMORIM, 2008, p. 67).

Desta forma, o “infrator é responsável pelo cumprimento da sanção estabelecida, devendo dar conhecimento, à comissão, das ações que estão sendo tomadas, dentro de um dado período de tempo, também estabelecido previamente para a realização do acordado.” Terminado o período estabelecido, “a comissão elabora um relatório que é encaminhado para a corte, terminando assim, as atividades da comissão.” (AMORIM, 2008, p. 67).

A quarta modalidade de prática restaurativa são os círculos de emissão de sentenças, “também chamados de círculos de pacificação, que estão relacionados ao reaparecimento da autonomia dos povos indígenas nas reservas estadunidenses.” (AMORIM, 2008, p. 67).

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Amorim (2008, p. 68) afirma que, os círculos de emissão de sentença utilizam o “tradicional ritual e sistema do círculo para envolver a vítima, as pessoas relacionadas com a vítima, o infrator e seus apoiadores, o Juiz, os funcionários do tribunal, o promotor, a polícia, entre outros interessados da comunidade.” Este círculo possui o objetivo de fazer com que todos falem e entendam o “ocorrido e também juntas, identificar os passos que serão necessários para a „cura‟ de todos os envolvidos, bem como para a prevenção de futuros delitos da mesma natureza.”

O procedimento do círculo de emissão de sentença envolve várias etapas, que incluem a demonstração do desejo tanto da vítima quanto do infrator em participar, além do círculo de sentença para verificar e monitorar o progresso do infrator em cumprir o que foi acordado. Este círculo tende a envolver uma comunidade mais ampla na resolução do conflito. (AMORIM, 2008, p. 68).

No encontro restaurativo, são utilizadas técnicas da mediação. Há de se destacar que “embora as práticas e políticas da perspectiva restaurativa as mais diferentes formas, a mediação, juntamente com os grupos de familiares e os círculos de emissão de sentença são as mais debatidas formas.” (FROESTAD; SHEARING apud ZÜGE, 2010, p. 59).

Destaca-se que há casos “que não são apropriados para a serem submetidos a um processo restaurativo [...]”, como por exemplo, “quando o infrator nega a responsabilidade pelo ocorrido ou quando ele não tem qualquer remorso.” Então, “quando isso ocorre, leva-se à justiça comum.” (AMORIM, 2008, p. 69).

Ressalta-se ainda, que para que ocorra a mediação, é “fundamental que todas as partes envolvidas estejam dispostas a participar, a entender o ocorrido e estarem conscientes das responsabilidades que serão assumidas.” (AMORIM, 2008, p. 69).

Através do exposto, “demonstra-se que os encontros restaurativos, sejam eles de quaisquer ordens, abrem um espaço que contém em si o potencial da fala, da escuta e do encontro.” (ZÜGE, 2010, p. 62).

3.2 JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO PARA O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Para Konzen apud Bessa (2008, p. 115), “a justiça restaurativa realiza um salto necessário à atual complexidade social e cultural, que vai além dos debates das escolas de criminologia e dos esquemas atrelados à defesa social.”

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A justiça restaurativa propõe que o adolescente em conflito com a lei, a vítima e outras pessoas da sociedade envolvidas no ato infracional, sejam convidados a participarem diretamente do processo através do diálogo assistido, ou seja, através da mediação. (BESSA, 2008, p. 116).

A aplicação da justiça restaurativa aos atos infracionais cometidos por adolescentes, “corresponde à substituição de uma cultura de culpa, voltada para o passado, por uma cultura de aprendizado, voltada para o futuro, abrindo-se a possibilidade de inaugurar uma responsabilidade ativa dos envolvidos,” sendo que “no sistema retributivo é inteiramente transferida para o Estado.” (BESSA, 2008, p. 116).

Nesta seara, percebe-se que o ato infracional e o adolescente, no proceder do sistema retributivo, “são inseridos em um positivismo classificatório que os caracteriza.” Ou seja, durante o procedimento o adolescente não é o interlocutor na reciprocidade, meramente confirma ou nega os fatos e as acusações. Em seguida, o juiz forma o seu convencimento e dará a procedência da ação e a medida a ser cumprida. (BESSA, 2008, p. 117).

Nota-se que no sistema retributivo “a dor do ofendido e a culpa do ofensor, bem como as consequências e a responsabilidade de levar a vida adiante, cedem lugar ao exame do tipo penal e à resolução pela medida adotada por parte do Estado.” (BESSA, 2008, p. 117).

Ressalta-se que o adolescente como pessoa em desenvolvimento, sob os aspectos familiares, econômicos e sociais, conforme exposto no primeiro capítulo, devem ser observados na aplicação de medidas socioeducativas, o que torna a prática da mediação um instrumento para a “transformação da conduta infracional durante o período da adolescência”, ou seja, um instrumento da justiça restaurativa com adolescentes em conflito com a lei. (BESSA, 2008, p. 119).

Para tanto, Vezzulla apud Bessa (2008, p. 119) defendem que uma “sistematização do procedimento da mediação de conflitos poderia produzir os efeitos socioeducativos desejados pelos princípios vigentes na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente.”

Dessa forma, “o modelo de procedimento de mediação para ser implementado nas Varas da Infância e Juventude do Brasil”, teria como finalidade “acolher o adolescente e suas necessidades próprias de sujeito em desenvolvimento, permitindo-lhe elaborar e transformar positivamente sua conduta.” (VEZZULLA apud BESSA, 2008, p. 119).

A prática de mediação em casos de ato infracional, sendo introduzida pelo Estado, “poderá auxiliar o adolescente a constituir-se como sujeito de suas ações, tomando consciência de sua situação, bem como da repercussão do ato que praticou, a partir do diálogo

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com o ofendido, podendo vir a transformar o ato infracional em experiência vital”, da qual, “contribua à sua emancipação e transformação de sua conduta no porvir.” (VEZZULLA, apud BESSA 2008, p. 119).

A mediação como forma de justiça restaurativa com adolescentes autores de ato infracional sugere “a aproximação entre vítima, ofensor e, se pertinente, com outras pessoas, como familiares, membros da comunidade envolvida na situação.” Esta mediação será acompanhada por um mediador/facilitador, “para todos participarem na solução das questões envolvendo a conduta [...]. Esta experiência contribui, inclusive, segundo se constata, para a redução de reincidência.” (MELO apud CAHALI, 2011, p. 67).

Para Rosa apud Bessa (2008, p. 128), a utilização da prática de mediação com adolescentes em conflito com a lei possibilita o “diálogo do adolescente com seus familiares, com seu grupo e com a vítima, podendo discutir o ocorrido, perceber as consequências de sua conduta e assumir a responsabilidade por ela.”

Dessa forma, Rosa apud Bessa (2008, p.128) afirma que o que se espera através da mediação, “é que o adolescente entenda a transcendência de seu ato, ressignifique sua conduta, preocupa-se com o dano causado, peça desculpas e tente, de alguma forma, reparar o seu ato danoso.”

Neste norte, podem-se resumir os efeitos emancipadores da prática da mediação aplicada em conflitos com ofensor-vítima, envolvendo adolescentes em conflito com a lei, da seguinte forma:

A mediação entre adolescentes infratores e as vítimas permite que os adolescentes percebam o sofrimento que causaram, reconhecendo o poder e o alcance de seus atos, e possibilita às vítimas escutarem as motivações da atitude do infrator. Muitas vezes, por meio do diálogo, ambos se percebem envolvidos por uma sociedade desigual, em que o indicador de nobreza é o patrimônio acumulado e as pessoas se conhecem mais como posses do que como seres humanos. A partir disso, verificam que existem causas sociais que influenciaram ou definiram os atos ilícitos cometidos por adolescentes e isso permite o questionamento do sentido da vida de um adolescente infrator. (SALES, 2007, p. 127).

Para Muszkat (2005, p. 93), a mediação com adolescentes em conflito com a lei como instrumento da justiça restaurativa é possível, tendo em vista, que “quando alguém escuta com atenção, abstendo-se de julgamentos, críticas e opiniões,” pode despertar no ouvinte “algo surpreendentemente novo, capaz de transformar uma situação aparentemente impossível numa nova possibilidade, despertando disposição e coragem de negociar possíveis interesses e necessidades.”

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4 CONCLUSÕES

Com base nas fontes que subsidiaram a presente pesquisa pode concluir que a justiça restaurativa, como instrumento opcional para o sistema retributivo, não elimina, apenas mitiga o efeito punitivo. A justiça restaurativa já é aplicada através da mediação em alguns países. Sendo que, no Brasil está sendo implementado em alguns Estados.

Por se tratar de um tema de certa forma novo, no Brasil vem repercutindo bem na medida em que a agenda de reformas instituída pelo CNJ acaba promovendo um amplo debate com impacto importante na produção de conhecimento. Hoje a mediação tornou-se um tema discutido em algumas universidades do país, por estar em curso a aplicação da resolução 125 do CNJ... já em alguns Estados e em implementação em outros. Por esta razão não houve dificuldades na coleta de material bibliográfico. Pode-se verificar indicações de diversas fontes além dos incluídos na presente pesquisa como livros e dissertações de mestrado.

O grande desafio foi verificar a aplicabilidade da mediação com adolescentes em conflito com a lei, tendo em vista, que o comparecimento a estas sessões é de livre manifestação de vontade, assim, as partes precisam aderir ao programa de mediação.

Percebeu-se que a maior dificuldade de implementação da mediação com adolescentes em conflito com a lei, está em como organizá-las para atender e inserir a prática da mediação restaurativa dentro dos encaminhamentos tradicionais, tendo em vista, que para a implementação é necessária uma cultura de resolução de conflitos na sociedade e de capacitação de mediadores para a função.

As práticas restaurativas têm a sua aplicabilidade como uma mudança no prosseguimento do sistema retributivo. Levando-se em conta, que o sistema retributivo não atende a reinserção social e à reintegração familiar do adolescente em conflito com a lei, não o percebendo como sujeito de direitos e deveres, não oportunizando ao adolescente falar o pensa, o que sente e os motivos que o levaram a cometer tal infração.

Portanto, a justiça restaurativa possui um atendimento humanizado e individualizado, responsabilizando-o pelo ato cometido e reintegrando ao convívio familiar e comunitário, através das práticas restaurativas.

Dessa forma, a mediação como forma de justiça restaurativa aparece como uma nova referência no tratamento de conflitos, tendo como diretrizes básicas: o atendimento ao adolescente em conflito com a lei por meio da utilização da mediação, a reinserção social e familiar do adolescente e o encaminhamento a programas de educação e profissionalização.

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Acredita-se que disseminando a cultura de resolução de conflitos por meio do diálogo na sociedade, haverá uma aderência maior por parte das pessoas envolvidas no ato infracional, tendo assim, a justiça restaurativa como uma alternativa na resolução de conflitos e interesses, podendo desta maneira, estabelecer-se a cultura da paz e dos vínculos de relações tanto familiares quanto sociais.

Portanto, há de se concluir que a mediação é uma forma de justiça restaurativa com adolescentes em conflito com a lei, a qual visa dar fim efetivo ao conflito, emocional e jurídico, buscando as causas que geraram o ato, para o devido encaminhamento para as partes conseguiram detectar a razão que levou o adolescente a cometer o ato, e assim, possam achar a solução mais favorável, sem serem lesadas e com a respectiva reintegração social e familiar.

APPLICATION OF MEDIATION AS RESTORATIVE JUSTICE WITH ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH LAW

Abstract: This article deals with the use of mediation as a form of restorative justice for adolescents in conflict with the law, addressing the theoretical methodological aspects that distinguish restorative justice from retributive justice. The goal is to demonstrate the applicability of mediation practice, highlighting it as an instrument of restorative justice and as a new reference in the treatment of conflicts with adolescents. Believing, therefore, that if the culture of conflict resolution through dialogue is publicized and instigated, there will be greater acceptance by the people involved in the infraction, thus restorative justice as an alternative in the resolution of conflicts and interests, and in this way, a culture of peace and of relationships, both family and social, can be established. Therefore, mediation is a form of restorative justice with adolescents in conflict with the law, which aims to give an effective end to the conflict, emotional and legal, seeking the causes that generated the act, for due referral for the parties to be able to detect the reason which led the teenager to commit the act, and thus, can find the solution more favorable, without being harmed and with the respective reintegration

social and family life.

Keywords: Adolescents in conflict with the law. Conflict Mediation. Restorative Justice. Retributive Justice.

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