A IMPOSIÇÃO DE MULTA PARA O EMPREGADOR PELA FALTA DE COMUNI-CAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO NA VISÃO DO PROJETO DE LEI DA
CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 7220/10 Roberto Lopes
Advogado
O presente trabalho técnico tem por finalidade informar e esclarecer o empresariado das categorias econômicas que integram o comércio de bens, serviços e turismo sobre a tramitação do Projeto de Lei da Câmara (PL) nº 7220/10, de autoria dos Deputados Ricardo Berzoini (PT-SP), Pepe Vargas (PT-RS), Jô Moraes (PCdoB-MG), Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) e Roberto Santiago (PV-SP), que objetiva revogar o § 5º do art. 22 da Lei nº 8.213/1991.
Referida disposição legal dispõe sobre a inaplicabilidade, para a empresa, da multa es-tabelecida pela falta de comunicação do acidente de trabalho, quando constatada ocorrência de nexo técnico epidemiológico – que depende de perícia médica do Instituto Nacional da Previdência Social (INSS) – entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a ativida-de empresarial e a entidaativida-de mórbida motivadora da incapacidaativida-de elencada na Classificação Internacional de Doenças (SID).
O art. 19 da lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, define o acidente de trabalho como sendo aquele “que ocorre pelo exercício do traba-lho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabatraba-lho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Já os artigos 20 e 21 da referida lei previdenciária também especificam as demais hipóteses que podem configurar acidente de trabalho, como, por exemplo, a doença profis-sional, doença do trabalho ou o acidente sofrido ainda que fora do local e horário de trabalho etc.
Via de regra quando ocorre algum desses infortúnios, a empresa, por força do art. 22 da Lei nº 8.213/91, deverá comunicá-lo à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade policial, sob pena de incorrer em multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previ-dência Social.
Referida comunicação é feita, pela empresa, através da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), exatamente para possibilitar a captação, pela Previdência Social, de infor-mações mais pormenorizadas acerca dos riscos ambientais do trabalho e ocorrências quanto aos acidentes, doenças profissionais e do trabalho, a fim de subsidiar políticas de prevenção e fiscalização das empresas.
O § 5º, do art. 22 da Lei nº 8.213/91, excepciona a regra de aplicabilidade da multa in-cidente no caso de a empresa deixar de apresentar a CAT, no prazo legal, desde que reste con-figurada a hipótese capitulada no caput do art. 21-A da referida lei previdenciária.
Essa isenção legal existe em função da dificuldade, especialmente no caso de doenças ocupacionais, de estabelecer a partir de que momento ou circunstância a emissão da CAT tor-nar-se-ia obrigatória, passando a ser direito do trabalhador e dever do empregador.
A incapacidade acidentária, nesses casos, depende de estabelecer o nexo técnico epi-demiológico entre o trabalho exercido pelo empregado e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora daquela incapacidade, mediante rea-lização de perícia médica pelo INSS.
O art. 21-A da Lei nº 8.213/91 determina esse procedimento exatamente para que a empresa, depois de diagnosticado do infortúnio, possa emitir a CAT sem a incidência da mul-ta prevismul-ta no art. 22 da Lei nº 8.231/91, pois dependeu do resulmul-tado da perícia médica para firmar o diagnóstico de doença profissional ou do trabalho:
“Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentá-ria da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entida-de mórbida motivadora da incapacidaentida-de elencada na Classificação Internacional entida-de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento.” (grifamos). Além disso, a Instrução Normativa INSS/PRES nº 31, de 10 de setembro de 2008 (DOU de 11/09/2008 – retificação), que dispõe sobre procedimentos e rotinas referentes ao Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), determina, no parágrafo único do art. 14, que “não caberá aplicação de multa, por não emissão de CAT, quando o enquadramento decorrer de aplicação do NTEP, conforme disposto no § 5º, art. 22 da Lei nº 8.213/91”.
Aí está a razão pela qual o legislador criou regra excepcional de não incidência da multa nessa situação. Ora, se a empresa não tem como estabelecer o nexo técnico epidemioló-gico necessário para a emissão da CAT, exatamente porque não detém capacidade técnica
para tanto, daí a necessidade da perícia médica, como poderia ser penalizada? Se a CAT deve ser emitida, no caso de acidente do trabalho, até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocor-rência, como estabelecer essa data no caso de impossibilidade de precisar o momento do adoecimento?
Assim, o PL nº 7220/10 ao pretender revogar o aludido § 5º, do art. 22 da Lei nº 8.213/91, salvo melhor juízo, parte de premissa equivocada principalmente porque o § 3º da Lei nº 8.213/91 se dirige exatamente para a empresa que deliberadamente, não apresenta a CAT, na hipótese de acidente de fácil identificação e com todas as características a que se refere o art. 19 da Lei nº 8.213/91, anteriormente citado.
A responsabilidade securitária é objetiva uma vez que independe da comprovação do dolo ou culpa do empregador pelo acidente. Consumado o acidente, a indenização é devida pela Previdência Social, daí porque ela é satisfeita com recursos oriundos do seguro obrigató-rio, custeado pelos empregadores, e que se destina exatamente a fazer face aos riscos normais da atividade econômica no que respeita ao infortúnio laboral.
Outro fator determinante para a manutenção da isenção aqui discutida reside no fato de que nem toda doença é considerada como adquirida no exercício do trabalho, justificando-se, nesse particular, a perícia descrita no art. 21-A, ou até mesmo emissão da CAT, pois a legislação previdenciária, nos termos do § 1º, do art. 20, não considera como doença do trabalho:
“(...)
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desen-volva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determi-nado pela natureza do trabalho.”
Os riscos anormais, que dependem da perícia médica para comprovação, prescindem do tratamento diferenciado subsumido no § 5º, do art. 22 da Lei nº 8.213/90, daí porque sua eliminação, nos termos da proposição em análise, caracteriza afronta ao princípio da
razoabi-lidade, deixando de levar em consideração a ratio legis embutida naquele preceito legal e o fato de que a data em que ocorre o sinistro é facilmente indicada na CAT quando se configura acidente típico, mas, repita-se, é de difícil apuração nas doenças ocupacionais.
Com efeito, não seria razoável penalizar a empresa quando a mesma não tem como es-tabelecer o dia do acidente, impossibilitando a emissão da CAT, daí porque o legislador pre-vendo tal situação estabeleceu, presumidamente, que o dia do acidente, nesses casos, seria a data do dia em que for realizado o diagnóstico, nos termos da parte final do art. 23 da Lei nº 8.213/91:
“Art. 23. Considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade ha-bitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnósti-co, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro.”
O artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República (CR) assegura aos trabalha-dores direito à saúde, higiene e segurança, objetivando redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Por sua vez a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Capítulo V – Da Se-gurança e Medicina do Trabalho –, especificadamente dos artigos 154 a 201, identificam e estabelecem direitos e obrigações inerentes aos empregados, empregadores e ao governo no que pertine à busca pela proteção da vida e promoção da segurança e saúde nas relações do trabalho.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por disposição legal (art. 200 da CLT), edita Normas Regulamentadoras (NR) a fim de complementar as demais regras de proteção à saúde e segurança do trabalhador, observadas as peculiaridades das diversas atividades e seto-res de trabalho.
Nesse sentido não há contradição entre o texto da lei previdenciária e o art. 169 da CLT, como ressaltado na justificativa do PL nº 7220/10, pois a norma celetista não implica na obrigatoriedade de emissão da CAT, pelo empregador, quando a doença de trabalho for objeto de suspeita, mas notificação ao INSS para que este verifique eventual incapacidade para o trabalho e o nexo técnico epidemiológico, incidindo-se, nesse caso, a regra do art. 21-A da Lei nº 8.213/91.
Diante desse panorama podemos afirmar que, dependendo do tipo de atividade desen-volvida pelo empregador, estará o mesmo obrigado a zelar pela observância e cumprimentos
dessas normas de segurança e medicina do trabalho (por exemplo – obrigatoriedade de forne-cimento de equipamentos de proteção individual ou coletivo) para prevenção dos infortúnios do trabalho (acidentes e doenças profissionais) sob pena de, não o fazendo, arcar com sua responsabilidade por algum evento danoso suportado por seu empregado no decorrer da vi-gência do contrato de trabalho, não se justificando, portanto, impor mais uma penalidade, co-mo deseja a proposição.
O Projeto de Lei nº 7220/10, da forma em que foi concebido, não merece prosperar, pois além de ferir o princípio da razoabilidade, deixa de observar o contexto da norma do § 5º, do art. 22, frente aos demais artigos da Lei nº 8.231/91, notadamente a necessidade de configurar, para determinação do acidente do trabalho, do nexo técnico epidemiológico previ-denciário.
A proposição tramita em regime ordinário e está sujeita a análise conclusiva pelas res-pectivas Comissões (art. 24, II, Regimento Interno da Câmara dos Deputados) sendo que, desde 14.05.2010, encontra-se na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) para deli-beração, encerrando-se o prazo para apresentação de emendas, em 29.06.2010.