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Administração pública e autotutela: pagamento indevido e ressarcimento em face do servidor público

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UNICEUB

FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – FAJS

CURSO DE DIREITO

NÚCLEO DE PESQUISA E MONOGRAFIA

Administração Pública e autotutela:

pagamento indevido e ressarcimento em face do

servidor público

Brasília

(2)

HUDSON VIEIRA LACERDA

Administração Pública e autotutela:

pagamento indevido e ressarcimento em face do

servidor público

Monografia apresentada como requisito para a conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília.

Orientador: Carlos Bastide Horbach

Brasília

(3)

Ao meu pai, in memoriam, fonte de inspiração pessoal e profissional, a quem dedico meu amor eterno.

(4)

Primeiramente, agradeço a Deus por me permitir concluir mais essa etapa de vida; à minha querida mãe e família pelo apoio e paciência, e a todos os profissionais da área jurídica que convivi durante meus estágios.

(5)

Há algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto, de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos.

(6)

SUMÁRIO

RESUMO...7

INTRODUÇÃO... 8

Capítulo 1 - Atos administrativos... 10

1.1 Origem. ... 10 1.2 Conceito ... 11 1.3 Atributos ... 13 1.3.1 Presunção de legitimidade...14 1.3.2 Imperatividade...16 1.3.3 Autoexecutoriedade...17 1.4 Vinculação e discricionariedade ... 18

1.5 Invalidação dos atos administrativos ... 20

1.5.1 Atos inexistentes, nulos e anuláveis. ...22

1.5.2 Efeitos da invalidação... ...24

Capítulo 2 - Autotutela ... 27

2.1 Conceito ... 27

2.2 Limites... 30

2.2.1 Decadência...31

2.2.2 Princípio da Segurança Jurídica (proteção à confiança)...35

Capítulo 3 - Pagamento indevido ... 43

3.1 Anulação ex officio e processo administrativo ... 44

3.2 Ressarcimento ao Erário ... 47

3.2.1 Boa-fé do Servidor Público...46

3.2.2 Ocorrência...51

CONCLUSÃO ... 55

(7)

RESUMO

O presente trabalho busca, por meio do método de pesquisa dogmático-instrumental, o melhor entendimento aos casos de pagamento indevido e ressarcimento em face do servidor público com base na legislação, súmulas, jurisprudências e doutrinas com os principais autores sobre o assunto. Dividido em três capítulos, este trabalho aborda assuntos relativos ao ato administrativo, ao poder de autotutela e seus limites e, finalmente, ao pagamento indevido, tudo isso para que seja permitido, com base no que foi estudado, vislumbrar os caminhos a serem percorridos pela Administração Pública nos casos de pagamento indevido, bem como orientar o servidor público que se vê compelido a ressarcir o Erário em casos tais.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Ato administrativo. Pagamento indevido. Autotutela. Servidor público. Presunção de legitimidade. Decadência. Principio da segurança jurídica (proteção à confiança). Boa-fé. Ressarcimento ao Erário. Ocorrência.

(8)

INTRODUÇÃO

Em seis meses de estágio no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, junto à 3ª Promotoria da Fazenda Pública, constatou-se em alguns Mandados de Segurança que é corriqueiro a Administração Pública, ao fazer uso do seu poder de autotutela, promover, ex officio, o desconto em folha de pagamento de valores pagos indevidamente ao servidor público.

Vê-se que o assunto levantado não é mera e unicamente teórico, pois tem um cunho eminentemente prático e observável, uma vez que não raro encontram-se ações judiciais de servidores públicos contra o Estado pleiteando a suspensão do desconto dos valores pagos indevidamente pela Administração Pública.

Salta aos olhos, pois, a relevância prática e jurídica do assunto, uma vez que é divergente o seu entendimento no mundo do direito, e sua consequência reflete diretamente na vida financeira daqueles que servem ao Estado. Portanto, o tema é digno a ser analisado em sede de monografia.

Por certo, para que se desenvolva o presente trabalho, é preciso uma metodologia a ser seguida, ou seja, faz-se necessário estabelecer qual a forma e organização lógica que será adotada no estudo monográfico. Assim, o trabalho de monografia seguirá o modelo de pesquisa jurídica dogmático-instrumental, cujo objetivo se coaduna com o tema, ou seja, busca na teoria uma contribuição à resolução do problema prático.

(9)

Desse modo, o trabalho irá expor as nuances acerca do assunto encontradas na doutrina, legislação, jurisprudência e súmulas das principais Cortes de Justiça deste país.

Na primeira parte deste trabalho, buscar-se-á conceituar ato administrativo, seus atributos, invalidação e efeitos, uma vez que tanto o ato que gera o direito ao servidor público de receber os valores, como o de recobrá-los posteriormente, é ato jurídico emanado pelo Estado-Administração.

Ademais, no segundo capítulo buscar-se-á discorrer sobre o poder de autotutela da Administração Pública, explicitando sua conceituação e limites.

Por fim, será conceituado o pagamento indevido, a possibilidade de sua anulação ex officio pela Administração, bem como a ocorrência, ou não, do ressarcimento ao Erário dos valores pagos indevidamente ao servidor público.

(10)

1 Atos administrativos

1.1 Origem

O ato administrativo é a forma como o Estado encontrou de se manifestar a fim de atingir os objetivos previstos em lei, os quais tem a obrigação de cumprir. No entanto, tais atos do Estado nem sempre foram denominados como hoje são conhecidos, sendo comumente chamados de atos do Rei, atos do Fisco e atos da Coroa.

Conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro1, não há uma data precisa quando

se constata, pela primeira vez, a utilização da expressão atos administrativos. Entretanto, o primeiro texto legal que dispôs sobre atos da Administração Pública em geral foi a Lei 16/24-8-1790, onde proibia aos Tribunais conhecerem de “operações de corpos administrativos”.

Demais disso, ainda segundo a autora, a locução ato administrativo encontra-se no texto doutrinário do Repertório de Merlin2, de jurisprudência, em sua edição

do ano de 1812, e é definido como “ordenança ou decisão de autoridade administrativa, que tenha relação com a sua função”.

Não obstante a expressão atos administrativos datar de muito tempo, o fato é que a noção destes atos ganhou sentido prático com o surgimento do Estado de Direito, quando, então, os atos do Poder Público passaram a ser submissos à lei3. Assim, “[...] a noção

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 184.

2 Odete Medauar, em sua obra Direito Administrativo moderno, 2008, 12ª edição, cita como Repertório de Guyot, a cargo de Merlin, do ano de 1812, 4ª edição.

(11)

de ato administrativo só começou a ter sentido a partir do momento em que se tornou nítida a separação de funções, subordinando-se cada uma delas a regime jurídico próprio.”4

1.2 Conceito

Todo ato humano que advém de uma manifestação de vontade, ou não, e que gera efeitos jurídicos é chamado de ato jurídico. Deste modo, na Teoria Geral do Direito, o ato jurídico é definido como “[...] aquele que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir efeitos.”5

Hely Lopes Meirelles afirma que para se qualificar um ato jurídico em ato administrativo, basta que se aponha ao supracitado conceito a finalidade pública, que "[...] é própria da espécie e distinta do gênero ato jurídico [...]”.6

Nesta linha de raciocínio, o professor define os atos administrativos nos seguintes termos:

Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.7

E prossegue:

Condição primeira para o surgimento do ato administrativo é que a Administração aja nessa qualidade, usando de sua supremacia de Poder Público, visto que algumas vezes nivela-se ao particular e o ato perde a característica administrativa, igualando-se ao ato jurídico privado; a igualando-segunda é que contenha manifestação de vontade apta a produzir efeitos jurídicos para os administrados, para a própria Administração e para seus servidores; a terceira é que provenha de agente competente, com finalidade pública e revestindo forma legal.

4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 185. 5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 149. 6

Idem. 7 Idem.

(12)

Por sua vez, Maria Sylvia Zanella di Pietro, conceitua o ato administrativo como sendo “[...] a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.”8

Referida autora disseca tal conceito explicando, primeiramente, que o termo declaração do Estado é mais correto, uma vez que numa declaração exige-se a exteriorização do pensamento, enquanto na manifestação – termo usado pelo professor Helly Lopes – não é necessário externá-lo; a seguir, distingue os atos administrativos dos atos de direito privado praticados pelo Estado, bem como da lei, dos atos normativos, materiais e enunciativos, ao apor as expressões regime jurídico administrativo e produz efeitos jurídicos imediatos, respectivamente; por fim, ao referir-se a controle pelo Poder Judiciário distingue os atos administrativos dos judiciais.

Já Celso Antônio Bandeira de Melo define, a priori, os atos administrativos em sentido amplo como sendo:

[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um

concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.9

Em seguida, procurando conceituar os atos administrativos stricto sensu, exclui os atos abstratos (regulamentos, instruções, etc) e os convencionais (contratos administrativos) da Administração Pública, e afirma:

Em acepção estrita pode-se conceituar o ato administrativo com os mesmo termos utilizados, acrescendo as características: concreção e unilateralidade. Daí a seguinte noção: declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos e complementares da lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado)

8

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 189.

(13)

expedidos a título de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.10

De forma mais sucinta, José dos Santos Carvalho Filho conceitua como “[...] a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.”11

Conforme exposto, embora não haja um conceito comum entre os doutrinadores pátrios, o certo é que os atos administrativos são unilaterais - uma vez que se fossem bilaterais seriam contratos administrativos -, devem sempre buscar satisfazer o interesse público, produzem efeitos jurídicos e estão sujeitos a controle jurisdicional.

Por fim, cumpre frisar que os doutrinadores supracitados consentem no sentido de que os atos administrativos não decorrem apenas dos atos praticados pelo Poder Executivo, vez que “Pelo critério objetivo, funcional ou material, ato administrativo é somente aquele praticado no exercício concreto da função administrativa, seja ele editado pelos órgãos administrativos ou pelos órgãos judiciais e legislativos.”12

1.3 Atributos

Para que sejam diferenciados os atos administrativos daqueles praticados pelos particulares, forçoso que sejam traçadas suas próprias características para definir se tais atos se submetem a regime jurídico administrativo ou de direito público. A seguir, serão analisados os principais atributos (prerrogativas) consagrados pela doutrina, quais sejam: presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade.

10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 382. 11 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 88.

(14)

1.3.1 Presunção de legitimidade

Todos os atos administrativos gozam de tal presunção, ao fundamento primeiro de que o Estado age de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Ademais, Hely Lopes Meirelles, ao citar Manoel María Diez, assevera que:

[...] a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigência de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.13

Referido autor ainda aduz que tal presunção autoriza a execução imediata dos atos administrativos, mesmo que contenham vícios ou defeitos que levem à sua anulação. “Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários de seus efeitos.”14

Vale ressaltar que esta prerrogativa – assim como todas as outras dos órgãos estatais - encontra fundamento na ideia de poder, sem o qual o Estado não assumiria sua posição de superioridade sobre o particular. Ademais, cumpre observar que tal presunção serve para garantir a celeridade dos atos administrativos, vez que “[...] eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular.”15

Maria Sylvia Zanella di Pietro, faz uma importante diferenciação entre presunção de legitimidade e de veracidade, afirmando que aquela significa que os atos administrativos são conformes a lei; enquanto esta se atine aos fatos, ou seja, “[...]

13 Manoel María Die apud MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 158.

14 Idem. 15

(15)

se verdadeiros os fatos alegados pela Administração. Assim ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações por ela fornecidos, todos dotados de fé pública.”16

À frente a autora cita três efeitos da presunção de veracidade17:

1. enquanto não decretada a invalidade do ato pela própria Administração ou pelo Judiciário, ele produzirá efeitos da mesma forma que o ato válido, devendo, ser cumprido; os Estatutos dos Funcionários Públicos costumam estabelecer norma que abranda o rigor do princípio, ao incluir, entre os deveres do funcionário, o de obediência, salvo se o ato for manifestamente ilegal. Para suspender a eficácia do ato administrativo, o interessado pode ir a juízo ou usar de recursos administrativos, desde que tenham efeito suspensivo;

2. o Judiciário não pode apreciar ex officio a validade do ato; sabe-se que, em relação ao ato jurídico de direito privado, o artigo 168 do CC determina que as nulidades absolutas podem ser alegadas por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir, e devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos seus efeitos; o mesmo não ocorre em relação ao ato administrativo, cuja nulidade só pode ser decretada pelo Judiciário a pedido da pessoa interessada;

3. a presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse efeito, uma vez, quando se trata de confronto entre ato e lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade argüida pela parte.

Neste último ponto, Di Pietro afirma que de fato há a inversão do ônus da prova, entretanto, não em caráter absoluto, vez que, não obstante à parte caiba provar, em princípio, que os fatos que sustentam sua pretensão são verdadeiros, à Administração não lhe é escusada de provar a sua verdade, “[...] tanto é assim que a própria lei prevê, em várias circunstâncias, a possibilidade de o juiz ou o promotor público requisitar da Administração documentos que comprovem as alegações necessárias à instrução do processo e à formação da convicção do juiz.”18

16 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 191. 17

Nesse ponto, a autora parece tratar como sinônimos as presunções de legitimidade e veracidade. 18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op cit, p. 192.

(16)

1.3.2 Imperatividade

Por esse atributo, entende-se que alguns atos administrativos devem se revestir de coercibilidade para o seu cumprimento ou execução.19 Em apenas um parágrafo, Celso Antônio Bandeira de Mello define a imperatividade da seguinte forma:

[...] é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre do que Renato Alessi chamava de “poder extroverso”, que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações.20

Sob outro prisma, Hely Lopes Meirelles aduz que tal atributo não está presente em todo ato administrativo; p. ex., os atos enunciativos e os negociais, que são aqueles que dependem exclusivamente do interesse do particular, logicamente não exigem a imperatividade.

[...] Os atos, porém, que consubstanciam um provimento ou uma ordem administrativa (atos normativos, ordinatório, punitivos) nascem sempre com imperatividade, ou seja, com a força impositiva própria do Poder Público, e que obriga o particular ao fiel atendimento, sob pena de se sujeitar a execução forçada pela Administração (atos executórios) ou pelo judiciário (atos não

auto-executórios).21

Percebe-se que o atributo em questão é inerente aos atos administrativos que restringem a esfera jurídica do administrado22, e devem ser cumpridos e atendidos enquanto existentes no mundo jurídico, até que tais sejam revogados ou anulados, vez que gozam de presunção de legitimidade.23

19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 163. 20

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 413. 21 MEIRELLES, Hely Lopes. Op cit, p. 163.

22 Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo, ed. Malheiros, 2009, p. 413, afirma que os atributos da imperatividade, exigibilidade e executoriedade não se aplicam aos atos administrativos ampliativos da esfera jurídica dos administrados.

(17)

1.3.3 Autoexecutoriedade

Em que pese alguns autores administrativistas optarem por denominar tal atributo apenas de executoriedade, parece mais correto adotar a expressão autoexecutoriedade, “[...] porque o prefixo ‘auto’ é que indica a condição de o ato ser executável pela própria Administração.”24

Sem embargos ao que foi dito acima, Celso Antônio Bandeira de Mello, utilizando a nomenclatura executoriedade, define o atributo ora tratado como a qualidade que a Administração tem para “[...] compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu.”25

Referido autor explica o motivo por que do uso da expressão materialmente em seu conceito ao distinguir exigibilidade de executoriedade, nos seguintes termos:

A executoriedade não se confunde com a exigibilidade, pois esta não garante, por si só, a possibilidade de coação material, de execução do ato. Assim, há atos dotados de exigibilidade mas que não possuem executoriedade.

... [...] graças à exigibilidade, a Administração pode valer-se de meios indiretos que

induzirão o administrado a atender o comando imperativo. Graças à executoriedade,

quando esta exista, a Administração pode ir além, isto é, pode satisfazer diretamente sua pretensão jurídica compelindo materialmente o administrado, por meios próprios e sem necessidade de ordem judicial para ceder a esta compulsão. Quer-se dizer: pela exigibilidade pode-se induzir à obediência, pela executoriedade pode-se compelir, constranger fisicamente.26

Vale dizer que o atributo da autoexecutoriedade só se aplica nos casos expressamente previstos em leis, bem como nas hipóteses em que, se tal atributo não for invocado, ocorrer grave comprometimento do interesse público.27 Demais disso, a autoexecutoriedade não afasta o controle a posteriori dos atos administrativos, sendo possível

24 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p.164.

25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 413 26

Ibidem, p. 414. 27 Ibidem, pp. 415-416.

(18)

ao administrado que se sentir lesado procurar as vias judiciais para responsabilizar o Estado por ato dos seus agentes ou para suspender o ato que ainda será executado.28

1.4 Vinculação e discricionariedade

Deve ser feita a devida distinção entre os atos administrativos discricionários e vinculados, vez que de fundamental importância para o estudo ora tratado.

O ato vinculado é conhecido como “regrado”, pois são aqueles praticados em consonância com uma lei que traça os requisitos e condições para a sua realização. “Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador [...]”29.

Ademais, Hely Lopes Meirelles aduz que:

Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público, o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo – o bem comum. Poderá, assim, a Administração Pública atuar com liberdade, embora reduzida, nos claros termos da lei ou do regulamento.30

Por sua vez, os atos discricionários são aqueles que “[...] a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização.”31

Nas palavras de José Cretella Júnior:

[...] manifestação concreta e unilateral da vontade da Administração que,

fundamentada em regra objetiva de direito que a legitima e lhe assinala o fim, se

28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2006, p.211. 29 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 170. 30

Idem.

(19)

concretiza livremente, independente de qualquer lei que lhe dite, previamente, a oportunidade e a conveniência da conduta, sendo, pois, neste campo, insuscetível de

revisão judiciária.32

Não se deve confundir ato administrativo discricionário com arbitrário. A discrição é a possibilidade de se atuar dentro dos limites da lei, sendo a arbitrariedade faculdade de agir “[...] sem qualquer limite, em todos os sentidos, sem a observância de qualquer norma jurídica. É a liberdade do ser irracional, que opera no mundo da força e da violência [...]”.33 Ou seja, o ato arbítrio é inadmissível pelo Direito, posto que contrário ou excedente da lei.

Desta feita, segundo Hely, para se realizar um ato discricionário deve o administrador estar sob os limites gerais do Direito, ou nos liames da legislação administrativa que lhe outorgue tal poder para que o exerça dentro dos limites de sua liberdade de opção.

Quanto ao controle desses atos pelo Poder Judiciário, importante salientar que a esse Poder não é conferido se manifestar sobre a conveniência, oportunidade ou justiça da atividade administrativa, ou seja, não é do âmbito de sua atuação decidir sobre os atos administrativos discricionário. O certo é que o Judiciário poderá agir nos casos dos atos vinculados, pois estes estão restritos à lei, e não se dispensa do Poder Judiciário o exame da legalidade, posto que “[...] é dever da Justiça esquadrinhar todos os ângulos em que se possa homiziar a ilegalidade, sob o tríplice aspecto formal, material e ideológico.” 34

Assim, nos casos de ato vinculado, o administrador age dentro de uma estreita esfera estabelecida pela lei que instituiu aquele ato, sendo possível o controle judicial.

32 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 223-224.

33

Ibidem, p. 222.

(20)

Entretanto, não cabe ao Poder Judiciário versar sobre a conveniência e oportunidade do administrador em realizar o ato discricionário. Tais atos vêm ao administrador com maiores aberturas para a sua atuação, dando a ele o juízo de conveniência e oportunidade para que realize o ato, embora, caso aja contra legem ou exorbitando a vontade da norma, poderá o administrador sofrer a intervenção do Poder Judiciário para penalizá-lo civil e criminalmente pelos excessos.

1.5 Invalidação dos atos administrativos

Em que pese alguns doutrinadores usarem a terminologia “anulação dos atos administrativos”, adota-se aqui a expressão “invalidação”, conforme usado por Celso Antônio Bandeira de Mello, uma vez que se trata de gênero que significa qualquer caso que vá de encontro à ordem jurídica, sendo que o termo “anulação” é apenas uma das espécies de invalidação.35

O referido autor ainda afirma que não existem graus de invalidade; que nenhum ato no Direito é mais inválido que o outro, sendo que há, sim, “[...] reações do Direito mais ou menos radicais ante as várias hipóteses de invalidade.” É exatamente esse grau de reações aos atos inválidos que caracteriza os atos nulos, anuláveis, irregulares e inexistentes.36

A invalidação pressupõe, assim, um vício de legalidade. Ou seja, o ato administrativo precisa preencher os seus requisitos para que possa produzir seus efeitos, pois

35

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 454. 36 Idem.

(21)

só assim o ato poderá ser “[...] válido e idôneo à produção de efeitos, não havendo a necessidade de desfazimento.”37

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

O motivo da invalidação é a ilegalidade do ato, ou da relação por ele gerada, que se tem de eliminar. Enquanto na revogação é a inconveniência que suscita a reação administrativa, na invalidação é a ofensa ao direito.38

Para se proteger a legalidade dos atos administrativos, a Constituição Federal de 1988 garante que sejam questionadas perante o Poder Judiciário39 a ilegalidade de tais atos por meio do mandando de segurança (art. 5º, LXIX); da ação popular (art. 5º, LXIII); da ação civil pública (art. 129, III) “[...] e, sobretudo, o princípio que assegura o recurso ao Judiciário quando haja lesão ou ameaça ao direito do indivíduo, consagrado no art. 5º, XXXV.”40

Conforme será analisado mais especificamente no próximo capítulo, no âmbito do Direito Administrativo, é com base na manutenção da legalidade dos atos administrativos que se confere o poder de autotutela à Administração Pública, o que significa dizer que esta pode invalidar seus próprios atos quando eivados de vício, pois o Estado-Administração age de acordo com a lei, e lhe cabe, decerto, o autocontrole da legalidade de seus atos.41

37 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 132

38 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 457. 39 Valem aqui as ressalvas feitas no item 1.4 deste capítulo quando foi tratado sobre a vinculação e discricionariedade dos atos administrativos.

40

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op cit, p. 134.

(22)

1.5.1 Atos inexistentes, nulos e anuláveis

Dependendo do grau de vício que se revestem os atos sujeitos à invalidação, estes podem ser considerados como inexistentes, nulos ou anuláveis. Os atos inexistentes são aqueles que em hipótese alguma podem ser sanados, “[...] cuja gravidade é de tal ordem que, ao contrário dos atos nulos ou anuláveis, jamais prescrevem e jamais podem ser objeto de ‘conversão’.”42

Consistem em comportamentos que correspondem a condutas criminosas ofensivas

a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de Direito que informam o ordenamento jurídico dos povos civilizados.43

Um exemplo de atos inexistentes são aqueles que versam sobre cometimento de crimes, como instruções dadas por autoridade policial para que seus subordinados “[...] torturem presos, autorizações para que agentes administrativos saqueiem estabelecimentos dos devedores do Fisco ou para que alguém explore trabalho escravo etc.”44

Por sua vez, são nulos os atos que a lei assim os declare, e aqueles que são racionalmente impossíveis de serem convalidados, “[...] pois se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior”, servindo como exemplos os atos de conteúdo ilícito, os praticados sem justa causa, etc.45

Os atos anuláveis também são aqueles que a lei assim os declare, ou, então, quando podem ser praticados novamente sem vício, como os atos expedidos por agente incompetente, os proferidos com defeitos de formalidade, entre outros.46

42 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 461. 43 Ibidem, p. 462.

44 Ibidem, p. 470. 45

Ibidem, pp. 470-471. 46 Ibidem, p. 471.

(23)

Sob outro prisma, importante destacar a distinção simples, porém precisa ao presente trabalho, feita por Almiro do Couto e Silva47, quanto aos atos administrativos nulos e anuláveis, sendo o primeiro comparado aos atos inexistentes, pois “[...] tal distinção é despida de caráter operativo [...]”48, e o segundo como aqueles atos que pressupõem a existência e, por isso, geram efeitos. Confira-se:

O referido autor aduz que os atos administrativos nulos são: a) os atos administrativos “patológicos e exarcebados”, onde se pode verificar erros grosseiros, manifestos e videntes, independentemente da hierarquia da norma violadora; b) aqueles atos que podem ser anulados de ofício pelo juiz, não estando sujeitos à decadência, podendo a administração pública anular o ato administrativo, a qualquer tempo, no exercício da autotutela; c) atos que, por sua natureza, situam-se no limite com a inexistência e não produzem qualquer efeito desde sua origem.

Já os atos anuláveis, segundo Almiro do Couto e Silva, são os demais atos administrativos viciados de ilegalidade que não se encaixam nas hipóteses supracitadas, sendo que, nestes casos, tais atos administrativos, além de produzirem seus efeitos enquanto não forem anulados, não estão sujeitos às regras da decadência e da prescrição, não podendo ser anuladas de ofício pelo juiz.

Destarte, forçoso concluir que atos administrativos que concedem vantagens patrimoniais ao servidor público nem sempre são manifestos e evidentes quanto ao vício que os maculam, nem mesmo são “patologicamente exarcebados”, pressupondo, assim, a boa-fé do servidor. Na realidade, adotando a visão de Almiro do Couto e Silva, tais atos

47 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, pp. 44-45.

(24)

administrativos são anuláveis, vez que existem, produzem seus efeitos e geram, em favor do administrado, a confiança merecedora de proteção, conforme será visto alhures.

1.5.2 Efeitos da invalidação

Os atos administrativos sujeitos à invalidação não deveriam existir, por isso mesmo, não deveriam produzir efeitos, o que vale dizer que tais atos, quando anulados, geram, em regra, efeitos retroativos – ex tunc.49 No entanto, Celso Antônio Bandeira de Melo50 explicita os efeitos dos atos administrativos que são invalidados pelo Poder Público, fazendo uma importante distinção sobre tais efeitos.

O autor afirma que, embora se reconheça que os atos nulos – ou seja, atos administrativos eivados de vício insanável - possuam, via de regra, efeito ex tunc, há hipóteses em que estes atos poderão sim ter efeito ex nunc. Para esta afirmação, o doutrinador aduz que mesmo nulos os atos, estes produzem efeitos, e devem ser respeitados, tomando como exemplo os efeitos que atingem terceiro de boa-fé.

Para que se reconheça efeito ex tunc ou ex nunc ao ato nulo, o autor classifica os atos administrativos em: unilaterais restritivos, ou seja, aqueles atos que restringem a esfera jurídica do administrado, hipótese que afirma que “[...] todas as razões concorrem para que a sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem fora indevidamente agravado pelo Poder Público das conseqüências onerosas”51; e em unilaterais ampliativos, que se traduzem em dilatação da esfera jurídica do administrado, o que gera, caso este não tenha concorrido para o vício do ato e agido de boa-fé, a fulminação do ato nulo apenas com efeito ex nunc.

49 Tais efeitos são conferidos aos atos inválidos e nulos, vez que aos anuláveis a regra é a incidência do efeito ex

nunc.

50

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006. 51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 456.

(25)

Assim, ensina o autor:

Com efeito, se os atos em questão foram obra do próprio Poder Público, se estavam, pois, investidos da presunção de veracidade e legitimidade que acompanham os atos administrativos, é natural que o administrado de boa-fé (até por não poder substituir a Administração na qualidade de guardião da lisura jurídica dos atos por aquela praticados) tenha agido na conformidade deles, desfrutando do que resultava tais atos. Não há dúvida de que, por terem sido invalidamente praticados, a Administração [...] deverá fulminá-los, impedindo que continuem a desencadear efeitos; mas também é certo que não há razão prestante para desconstituir o que se produziu sob o beneplácito do Poder Público e que o administrado tinha o direito de supor que o habilitava regularmente.52

Por fim, na mesma linha de raciocínio, o autor imputa a responsabilidade do Estado em responder por seus atos quando eivados de vício insanável em face do administrado de boa-fé, traduzindo-se em verdadeiro dever da Administração em suportar os prejuízos causados por ela mesma. In verbis:

[...] se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Administração, ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará, ipso facto, proclamando que fora a autora de uma violação da ordem jurídica. Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse de quaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas alheias todas as conseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda, à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé. Acresce que, notoriamente, os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade. Donde, quem atuou arrimado neles, salvo se estava de má-fé (vício que se pode provar, mas não pressupor liminarmente), tem direito de esperar que tais atos se revistam de um mínimo de seriedade. Este mínimo consiste em não serem causas potenciais de fraude ao patrimônio de quem neles confiou – como de resto devia confiar.53

A conclusão que se pode chegar é que, em regra, só os atos administrativos restritivos ou aqueles atos que, mesmo ampliativos, sofreram influência da má-fé do administrado, podem ter sua anulação vinculada ao efeito ex tunc. A primeira hipótese porque uma vez que diminuem ou de fato restringem a esfera patrimonial do administrado, este não pode suportar os efeitos maléficos de um ato ilegal; a segunda porque o efeito ex tunc vem como caráter de sanção em face do administrado que não agiu de boa-fé perante a Administração Pública.

52

Ibidem, pp. 456-457. 53 Ibidem, p. 458.

(26)

De outro modo, os atos administrativos ampliativos quando anulados devem produzir efeito ex nunc, nas hipóteses que o administrado não tenha concorrido para a prática ilegal do ato e agiu de boa-fé, em razão dos atributos da presunção de legitimidade e veracidade que gozam tais atos.

Embora não esteja explícito nas explicações de Celso Antônio Bandeira de Melo, os atributos a que se refere nas transcrições supra são compositores do princípio da segurança jurídica, sob o prisma da proteção à confiança, conforme será visto no próximo capítulo.

Por fim, discorda-se do referido autor quando este afirma que “Não há dúvida de que, por terem sido invalidamente praticados, a Administração [...] deverá fulminá-los, impedindo que continuem a desencadear efeitos;” porque, conforme será exposto, existem atos administrativos ilegais que podem continuar vigendo e produzindo efeitos, em nome do princípio da segurança jurídica (proteção à confiança).

(27)

2 Autotutela

2.1 Conceito

A autotutela apareceu pela primeira vez na jurisprudência do Conselho de Estado francês, em 1912, no caso Blanc, onde, sob a ideia de buscar a racionalidade e a eficiência administrativa, se permitiu ao autor do ato administrativo viciado desfazê-lo sob a forma de outro ato.54

Conforme se acredita por diversos doutrinadores pátrios, no direito brasileiro a autotutela foi reconhecida em janeiro do ano de 1943, na Apelação nº 7.704, onde o Supremo Tribunal Federal – STF “[...] considerou conveniente admitir o poder de anulação da autoridade administrativa quando o ato de apresentasse com ilegalidade.” Admitindo-se, assim, a validade da anulação, pela própria Administração, sem prévio assentimento do Poder Judiciário.55

Entretanto, importante frisar, a título de esclarecimento histórico, que primeiro julgado brasileiro que abriu alas ao fundamento da autotutela administrativa foi a Apelação Cível nº 2.359, datada de dezembro de 1918, ou seja, vinte e cinco anos antes da Apelação nº 7.704. O caso envolvia a anulação, pela Administração Pública federal, de ato de alteração da lista de lista de antiguidade de Oficiais da Marinha de Guerra. “O Juiz Federal da Seção do Distrito Federal, sem analisar o mérito da legalidade ou não do ato questionado,

sentenciou julgando procedente o pedido do Oficial prejudicado com a alteração da lista, pelo

54

MEDAUAR, Odete. Da retroatividade do ato administrativo. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 119. 55 Ibidem, p. 120.

(28)

simples fundamento de não poder a Administração Pública reformar seus atos, por mais

ilegais que fossem.”56

Nesse julgado, o então Ministro Pedro Lessa, em histórica fundamentação

sobre o hoje conhecido princípio da autotutela, assim discorreu:

Isso posto, considerando que nenhum fundamento jurídico tem a sentença apelada quando declara que ao Poder Executivo é vedado neste regímen político corrigir seus erros, cassar seus atos ilegais, seja embora evidente a ilegalidade dos atos anulados. Uma vez praticado ato ilegal pelo Governo da União, só o Poder Judiciário tem competência para reformar ou anular esse ato, desde que dele emana um direito individual: tal é a tese contida na sentença apelada. Não há regra de Direito nem princípio algum jurídico que autorize um juiz, que examina num processo regular se um certo ato da administração é, ou não, legal, a declarar ilegal esse ato em litígio, unicamente porque esse ato é a reforma ou anulação de um ato anterior da mesma administração. Não há disposição de lei, nem princípio de Direito, que vede à administração a reforma ou a cassação dos seus atos ilegais, visto como de atos ilegais nenhum direito pode emanar para as pessoas em benefício das quais foi realizado o ato ilegal. (...) Nem se diga, como já se disse, que era o contencioso administrativo que facultava sob o regímen monárquico, ao governo, ou à administração, o corrigir os seus próprios atos, os seus erros ou ilegalidades. Fora isso forma o mais falso juízo acerca do contencioso administrativo. Quando o Governo Imperial anulava um ato seu por verificá-lo ilegal, nenhuma intervenção tinha o contencioso administrativo, no caso. Era a administração graciosa que então reparava as suas faltas ou ilegalidades. Se o caso era levado ao contencioso administrativo, tínhamos então um tribunal administrativo a julgar causas, que, por sua natureza e de acordo com os princípios jurídicos hoje adotados por nossas leis, eram da competência do Poder Judiciário. A competência do poder administrativo contencioso passou para o Poder Judiciário, mas isso não quer dizer absolutamente que as atribuições da administração graciosa, ou parte delas, tenham igualmente sido transferidas para o Poder Judiciário. Não se compreende a missão do Poder Judiciário de tal arte falseada, que ele possa manter os atos ilegais e, algumas vezes, até criminosos, do Poder Executivo, já por este cassados, e declarados sem nenhum efeito, para mais tarde, em novas ações, e depois de grandes prejuízos da Fazenda Pública, concordando afinal com o Poder Executivo, declarar em sentença que tais atos são realmente contrários à lei. O Supremo Tribunal Federal reforma a sentença apelada e manda que sejam os autos devolvidos à primeira instância, a fim de julgar o juiz a quo, de meritis, pronunciando-se acerca da legalidade do ato que fez objeto desta ação.57

56 HORBACH, Carlos Bastide. Memória jurisprudencial: Ministro Pedro Lessa. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2007, p. 150-151.

(29)

Destarte, tais julgados do STF ganharam reiterado entendimento no Supremo e Tribunais estaduais durante a história, o que culminou na edição das Súmulas 346 e 473, do STF, onde dispõe, respectivamente:

a Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos.

a Administração Pública pode anular seus próprios atos, quando eivados de vício que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

Seguindo os entendimentos sumulados pela Suprema Corte brasileira, o legislador pátrio editou os artigos 114, da Lei nº 8.112/199058, e 53, da Lei nº 9.784/199959, respectivamente:

Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

Deste modo, uma vez que à Administração Pública cumpre zelar pelo interesse público e legalidade de seus atos, verificado que a medida contém ilegalidades, pode e deve ela mesma invalidar seus atos vinculados, ou, nos casos de atos discricionários, revogá-los. A esse poder-dever da Administração, dá-se o nome de autotutela.60

José dos Santos Carvalho Filho61 define a autotutela nos seguintes termos:

A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever

58 DISTRITO FEDERAL. LEI Nº 8.112, de 11.12.1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. DOU de 19.04.1991.

59 DISTRITO FEDERAL. LEI Nº 9.784, de 29.01.1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. DOU de 01.02.1999 e retificado em 11.03.1999.

60 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 130. 61

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136.

(30)

determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua auto-executoriedade, sem que dependa necessariamente de alguém que o solicite. Tratando-se de ato com vício de legalidade, o administrador toma a iniciativa de anulá-lo; caso seja necessário rever ato ou conduta válidos, porém não mais convenientes ou oportunos quanto a sua subsistência, a Administração providencia a revogação. [...]”

Por seu turno, Hely Lopes Meireles preceitua que:

A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui forma normal de invalidação de atividade legítima do Poder Público. Essa faculdade assenta no poder de autotutela do Estado. É uma justiça interna, exercida pelas autoridades administrativas em defesa da instituição e da legalidade de seus atos. Em casos excepcionais, por força do princípio da segurança jurídica e respeito à

boa-fé, o ato poderá deixar de ser anulado, o que exige motivação que demonstre a

prevalência daqueles frente ao princípio da legalidade [...]62

Por fim, vale dizer que a autotutela também designa o poder que a Administração possui de cuidar dos bens que integram o seu patrimônio, sendo dispensado título fornecido pelo Poder Judiciário, podendo ela mesma, exercendo seu poder de polícia administrativa, impedir ato atentatório à conservação dos seus bens.63

2.2 Limites

Embora assentado que os atos administrativos viciados de legalidade devem ser anulados pela própria Administração, é possível que, em certas situações, a autoridade Administrativa deixe de anulá-lo, em nome do interesse público, para que as consequências do desfazimento do ato em si e a sua repercussão não acarretem maior prejuízo que a sua subsistência.64

Assim, sob uma perspectiva histórica, José dos Santos Carvalho Filho, parafraseando Adilson Abreu Dallari, assevera que a autotutela administrativa deve encontrar limites, nos seguintes termos:

62 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 209. 63

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005, p. 87.

(31)

Modernamente, no entanto, tem prosperado o pensamento de que, em certas circunstâncias, não pode ser exercida a autotutela de ofício em toda a sua plenitude. A orientação que se vai expandindo encontra inspiração nos modernos instrumentos democráticos e na necessidade de afastamento de algumas condutas autoritárias e ilegais de que se valeram, durante determinado período, os órgãos administrativos. Trata-se, no que concerne ao poder administrativo, de severa restrição ao poder de

autotutela de seus atos, de que desfruta a Administração Pública.65

Demais disso, lecionam Odete Medauar e Lúcia Valle Figueiredo, respectivamente:

Embora o poder de anular permaneça pleno para qualquer ato atingido por ilegalidade, é possível que, em determinadas circunstâncias e ante a pequena gravidade do vício, a autoridade administrativa deixe de exercê-lo, em benefício do interesse público, para que as conseqüências do desfazimento em si e de sua repercussão não acarretem maior prejuízo que a subsistência do ato. E muitas vezes aparecem casos de atos que produziriam efeitos irretratáveis que tornariam inócua eventual anulação. 66

Deveras, diante de atos desconformados do ordenamento jurídico (é dizer, diante de atos desconformes da lei e dos princípios) em geral, deve a Administração proceder à invalidação. Somente assim não agirá diante da possibilidade de sanear, ou impedida por outras normas ou princípios do ordenamento jurídico. Nesta última hipótese conservará os atos para preservar o valor da segurança jurídica.67

A seguir, serão expostos especificamente quais são os principais limites à autotutela administrativa e suas consequências nos casos de anulação do ato administrativo.

2.2.1 Decadência

Derivado do latim cadens, que significa cair, perecer, cessar, a decadência é tratada, na terminologia jurídica, para exprimir a queda ou perecimento de um direito pela falta de seu exercício no prazo estipulado em lei.68

65

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 136.

66 MEDAUAR, Odete. Da retroatividade do ato administrativo. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 121.

67 Lúcia Valle Figueiredo apud SANTOS NETO, João Antunes dos. Da anulação ex officio do ato

administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2004, pp. 150-151.

(32)

Com efeito, a Lei nº 9.784/1999, em seu artigo 54 prescreve o prazo decadencial de cinco anos para que a Administração Pública possa anular seus próprios atos69, nos seguintes termos:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Nota-se que o prazo decadencial atinge o direito à Administração Pública de anular seus atos administrativos ampliativos, ou seja, aqueles atos que conferem uma dilatação da esfera patrimonial do administrado que de boa-fé gozou de seus efeitos. Ao revés, referida norma concede ao administrado o benefício de ter o ato administrativo anulado, a qualquer tempo, se este restringir sua esfera econômica.

Aclarando sobre a configuração de atos administrativos ampliativos e restritivos, veja-se a doutrina de Almiro do Couto e Silva:

Entre as muitas classificações dos atos administrativos há a que os distingue pelo caráter positivo ou negativo dos efeitos que produzem para os seus destinatários. Quando um ato administrativo gera ou reconhece direitos, poderes, faculdades ou vantagem juridicamente relevante ou ainda elimina deveres, obrigações, encargos ou limitações a direitos dos destinatários, dilatando seu patrimônio ou esfera jurídica, é ele qualificado como ato administrativo favorável, benéfico ou ampliativo, em oposição aos atos administrativos desfavoráveis, onerosos ou restritivos, que criam deveres, obrigações, encargos, limitações ou restrições para as pessoas que se endereçam.70

69 Importante salientar que tratamos desse prazo decadencial como aplicável somente no âmbito da Administração Pública no exercício do poder de autotutela. As discussões acerca da aplicação de tal prazo aos processos em tramitação no Tribunal de Contas da União - TCU extrapolam a limitação temática deste trabalho, mormente porque entendemos que o TCU, ao analisar atos administrativos, promove atividade de controle externo, e não poder de autotutela.

70 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, p. 46.

(33)

Nos tempos modernos, ocorre que o ato administrativo seja ao mesmo tempo benéfico e desfavorável ao servidor público, no entanto, para os fins de anulação do ato, “[...] a autoridade competente levará em conta apenas o aspecto positivo do ato administrativo, mesmo quando ele não puder ser separado do aspecto negativo.”71

O prazo decadencial em comento é contado da data da prática do ato administrativo, sendo tal data comprovada pelo meio de comunicação utilizado para cientificar seus interessados. “Em caso de dúvida ou de discrepância entra a data do ato e a da sua comunicação, há de se prevalecer a data do ato, pois assim determina a lei.”72

Ademais, em atenção ao § 1o do artigo 54, importante frisar que os “[...] vencimentos e demais vantagens remuneratórias de servidor público, proventos de aposentadorias, pensões, são prestações que se repetem no tempo [...]”, sendo que a data do primeiro pagamento é que marca o início do prazo decadencial de cinco anos estipulado pela Lei nº 9.784/1999.73

Desse modo, o prazo decadencial estabelecido pelo legislador pátrio é uma limitação ao poder-dever de autotutela administrativa advinda de uma ponderação entre os princípios da legalidade e da segurança jurídica, sendo esta última privilegiada em detrimento daquela, quando verificadas as circunstâncias descritas no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999.74

71 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, p. 47.

72 Ibidem, p. 50. 73

Idem. 74 Ibidem, p. 29.

(34)

Neste sentido:

[...] o art. 54 da Lei nº 9.784/99 de a medida do que seria “prazo razoável” para influir no juízo de precedência do princípio da segurança jurídica sobre o da legalidade, no cotejo ou no balancing test entre os dois princípios, em face da prolongada inação da Administração Pública, no que diz respeito ao seu poder [...] de autotutela.

Entenda-se bem: não se está postulando a atribuição de eficácia retroativa ao prazo do artigo 54 da Lei de Processo Administrativo da União. O que estamos afirmando é que essa lei, ao instituir o prazo de decadência do direito à invalidação, em regra inspirada no princípio da segurança jurídica, introduziu no nosso ordenamento jurídico parâmetro indicador do lapso temporal de tempo que, associado a outras circunstâncias, como a boa-fé dos destinatários do ato administrativo, estaria a recomendar, após o seu transcurso, a manutenção do ato administrativo inválido.75

Nas palavras de José Cretella Júnior, “no campo do Direito Administrativo o transcurso de tempo pode transformar mera questão de fato em direito subjetivo público, ocorrendo, no caso, o direito do administrado à manutenção do ato, verdadeira prescrição aquisitiva de direito subjetivo público a que o ato perdure.”76

Assim, transcorrido o prazo decadencial de cinco anos, o ato administrativo deve ser mantido com todos os seus efeitos, sejam eles passados ou futuros. Isto porque o que o prazo decadencial extingue, desde que não exista má-fé, é o direito da Administração Pública de pleitear a anulação do ato administrativo, seja pela via judicial ou pelo exercício da autotutela administrativa77, devendo prevalecer, nesses casos, o princípio da segurança jurídica com a manutenção do ato ilegal.

75 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, p. 54.

76 José Cretella Júnior apud MEDAUAR, Odete. Da retroatividade do ato administrativo. São Paulo: Max Limonad, 1986, p. 121

(35)

2.2.2 Princípio da Segurança Jurídica (proteção à confiança)

Embora hoje exista a regra da decadência explicitada acima, o fato é que antes do ano de 1999 não havia uma ponderação legislativa quanto aos princípios da segurança jurídica e da legalidade traduzidos em prazo quinquenal. Além disso, tal regra ainda não soluciona as hipóteses de anulação, no exercício da autotutela, de atos ilegais dentro do prazo decadencial de cinco anos.

Isto porque, não obstante a Administração Pública tenha o poder-dever de anular seus atos administrativos viciados de ilegalidade dentro de tal prazo decadencial, os efeitos produzidos pelo ato anulado se encontram em ambiente nebuloso na praxe da Administração estatal, razão pela qual esta, muitas vezes, incorre no erro de anular ex officio o pagamento indevido e exigir o seu ressarcimento ao Erário (efeito ex tunc), ao mero argumento de que o ato anulado era ilegal e que tal anulação se deu dentro prazo previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, em conformidade com as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.

Nesse sentido:

O que pode ocorrer é que, no curso do prazo de cinco anos, venha a configurar-se situação excepcional que ponha em confronto os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Nessa hipótese, deverá o juiz ou mesmo a autoridade administrativa efetuar a ponderação entre aqueles dois princípios, para apurar qual dos dois deverá ser aplicado ao caso concreto, mesmo ainda não se tendo configurado a decadência.78

Destarte, embora o princípio da legalidade seja muito relevante à manutenção da ordem jurídica – e, via de regra, é protegido no âmbito do prazo quinquenal -

78 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, p. 30.

(36)

não é um princípio absoluto. “Trata-se, ao contrário, de um primado hermenêutico necessariamente instrumental, no sentido de que a legalidade não traz consigo um fim em si mesmo.”79

Assim, em que pese a legalidade, na maioria dos casos, cumprir o seu papel instrumental da garantia da segurança jurídica, conforme exige o Estado de Direito, a aplicação irrestrita da legalidade no exercício da autotutela pode gerar casos de insegurança jurídica, conforme explicita Rafael Da Cás Maffini:

[...] em casos obviamente excepcionais, a legalidade induz a decorrências que, ao invés de concretizar a segurança jurídica, culmina por contrariá-la, razão pela qual se impõe a ponderação de tais valores, com vistas à consecução do Estado de Direito. Impõe-se, pois, como dito em outra época, que a legalidade seja “temperada” com outro valores não menos relevantes à segurança jurídica. 80

Neste ponto importante pensamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha que propõe a substituição da legalidade administrativa pelo princípio da juridicidade (princípio conformador do sistema constitucional), afirmando que o comportamento administrativo deve ir além da legalidade, não devendo se conter apenas na formalidade das normas jurídicas. “A lei não é considerada a única fonte do direito (embora se revele a principal delas), de modo que o administrador público não se submete apenas à lei, mas ao Direito, e este pode ser instrumentalizado por outros meios que não somente pela lei formal.”81

79 MAFFINI, Rafael Da Cás. Atos administrativos sujeitos a registros pelos Tribunais de Contas e a decadência da prerrogativa anulatória da Administração Pública. Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 3, n. 10, jul./set. 2005, p. 154.

80

MAFFINI, Rafael Da Cás. Atos administrativos sujeitos a registros pelos Tribunais de Contas e a decadência da prerrogativa anulatória da Administração Pública. Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 3, n. 10, jul./set. 2005, p. 155.

81Cármen Lúcia Antunes Rocha apud FINGER, Ana Cláudia. O princípio da boa-fé no Direito Administrativo. Universidade Federal do Paraná, Setor de Cięncias Jurídicas, Programa de Pós-Graduaçăo em Direito, Curitiba, ano 2005. Disponível em: <http://hdl.handle.net/1884/2618>. Acesso em 29 set. 2009.

(37)

Desta feita, o princípio da segurança jurídica se apresenta, juntamente com o da legalidade, como um dos dois pilares do Estado de Direito e se configura como verdadeiro limite ao poder de autotutela da Administração Pública.82

Conceituando e explicitando bem a posição da segurança jurídica no ordenamento jurídico nacional e suas consequências, afirma de Celso Antônio Bandeira de Melo:

Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois, de antemão, o que devem ou o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da “segurança jurídica”, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentro todos (sic) os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. Os institutos da prescrição, da decadência, da preclusão (na esfera processual), do usucapião, da irretroatividade da lei, do direito adquirido, são expressões concretas que bem revelam esta profunda aspiração à estabilidade, à segurança, conatural ao Direito. Tanto mais porque inúmeras dentre as relações compostas pelos sujeitos de direito constituem-se em vista do provir e não apenas da imediatidade das situações, cumpre, como inafastável requisito de um ordenado convívio social, livre de abalos repentinos ou surpresas desconcertantes, que haja uma certa estabilidade nas situações destarte constituídas.83

Ademais, quanto à qualificadora do princípio da segurança jurídica, qual seja, o da proteção à confiança, é necessário que se faça alguns esclarecimentos.

O princípio da proteção à confiança nasceu na Alemanha por meio de construção jurisprudencial, podendo-se dizer que referido princípio cingi-se “[...] predominantemente à questão da preservação dos atos inválidos, mesmo nulos de pleno

82 SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte, v. 2, n. 6, jul/set. 2004, p. 18.

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