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Bom senso como prática docente na educação infantil

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Academic year: 2021

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Autores da Capa: Maria Antônia Ferme Silveira Quintana e Ricardo Zigomático. Porto Alegre, 2019.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DOUTORADO EM EDUCAÇÃO

CATHARINA DA CUNHA SILVEIRA

BOM SENSO COMO PRÁTICA DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Porto Alegre 2019

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BOM SENSO COMO PRÁTICA DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora.

Orientadora: Profa. Dra. Dagmar E. Estermann Meyer

Porto Alegre 2019

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BOM SENSO COMO PRÁTICA DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora.

Aprovada em _____ de ___________________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Profa. Dra. Dagmar E. Estermann Meyer (Orientador)

___________________________________________

Profa. Dra. Claudia Amaral Lamprecht (SMED/POA)

___________________________________________

Prof. Dr. Luis Armando Gandin (PPGEDU/UFRGS)

___________________________________________

Prof. Dra. Maria Cláudia Dal'Igna (PPGEDU/Unisinos)

___________________________________________

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Dedico esta tese à Dagmar, professora que exerceu a docência ensinando muito a mim e a muitas outras professoras e professores.

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Agradeço a minha orientadora, professora Dagmar, pela orientação absolutamente dedicada! Dagmar, estou contente por ter produzido esta tese sob a tua orientação! Soubestes, mais uma vez, impulsionar-me a ir adiante e, ao mesmo tempo, dimensionar e acolher minhas im-possibilidades e escolhas! Obrigada! Para além de agradecer a possibilidade de produzir esse trabalho sob teu olhar afetivo e profundamente competente, te agradeço a presença atenta na minha vida nos últimos dez anos. O teu trabalho de professora e pesquisadora, rigorosamente comprometido com a produção de conhecimento a partir da Universidade pública, oportunizou-me uma formação vigorosa: construí outros modos de pensar, oportunizou-me encorajastes a duvidar do instituído, a exercitar o cuidado e a ética profissional, me levastes a conhecer lugares e pessoas e, sobretudo, fostes me ensinando a ser alguém que lança menos o olhar da falta e mais o olhar das potências e dos encontros! Minha querida Dag, sou tão grata! Foi um privilégio! Eu era uma menina e tornei-me uma mulher adulta ao teu lado! As marcas da tua presença em minha vida me fizeram e seguirão comigo. Obrigada pela docência dedicada, pela confiança em nossas parcerias de trabalho, pela amizade afetuosa e, de forma muito especial, pelo olhar materno (aquele mesmo que tornastes tua e nos ofereceste como agenda de pesquisa) que tantas vezes senti lançares a mim!

Às professoras e professores integrantes da banca avaliadora desta tese – Profa. Dra. Claudia Lamprecht, Profa. Dra. Maria Claudia Dal’Igna, Prof. Dr. Luis Armando Gandin e Prof. Dr. Rodrigo Saballa de Carvalho, agradeço por terem aceitado o convite e pela avaliação rigorosa. É uma honra tê-los como minhas arguidoras e arguidores. Agradeço, ainda, a professora Dra. Michele Vasconcelos, que integrou a banca do projeto de tese e que me possibilitou algumas das reflexões que teci na construção da mesma.

À Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, através do Programa de Pós-Graduação em Educação, oportunizou uma educação pública e de qualidade. Aos professores do PPGEDU que, através das disciplinas ofertadas, convidaram-me a pensar a docência e a escola no tempo presente. De forma especial, agradeço às professoras Dra. Guacira Louro, Dra. Rosângela Soares, Dra. Jane Felipe e ao professor Dr. Fernando Seffner pelas diversas aprendizagens que pude realizar no âmbito de suas aulas e, também, naquilo que envolveu o GEERGE. Às/os funcionárias/os do PPGEDU e das bibliotecas da UFRGS e, ainda, aos colegas que estiveram à frente da representação discente – em especial ao Gregory Balthazar e ao Daniel Momoli, muito obrigada. Agradeço à CAPES e ao CNPQ, duas agências de fomento que me concederam Bolsas de Pesquisa ao longo dos últimos anos, oportunizando-me uma formação

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que eu tive!

À professora Maria Cláudia, agradeço ainda, por ter me recebido em sua disciplina na Unisinos, momento potente da minha formação no doutoramento. Maria, o modo como exerces a docência e te movimentas pela Educação são exemplos importantes para mim! Talvez não possas dimensionar o quanto! Ao professor Rodrigo, agradeço a oportunidade da realização do estágio docente em sua disciplina e, sobretudo, pelo diálogo que temos estreitado. Foi um aprendizado inestimável ser “a estagiária do teu estágio”, Rodrigo! Às alunas, futuras colegas professoras Andreia, Daniela, Giovana, Luísa, Jady e Nathália obrigada pela acolhida e pela possibilidade de ensino e partilha. À professora Claudia, pela acolhida e atenção no espaço institucional que ocupa, possibilitando a produção dessa tese. Ao Gandim e seu grupo, agradeço as indicações de leituras e o diálogo afetivo e efetivo.

Ao citar o nome do colega e professor André Luís e das colegas Rosilene e Olívia, última turma que leu e discutiu meu trabalho, agradeço a cada uma/um que durante estes anos todos compuseram o “grupo de orientação”. Este sempre foi um espaço ímpar para a construção do meu pensamento, e essa tese é fruto dos nossos afetivos, comprometidos e respeitosos diálogos. O grupo, em suas diferentes composições, sempre me desafiou muito! E, certamente, serão dos nossos encontros o que eu mais sentirei saudades! Ao André, ainda, agradeço o auxílio atencioso e dedicado no momento da finalização deste trabalho: jamais esquecerei da tua acolhida! Obrigada, André! De forma especial, ainda, agradeço a Sandra, Carin, Letícia, Pri, Ile e Je: queridas, obrigada pelos diálogos, exemplos e acolhidas.

Professora Ana Maria Barbosa Mariano, professora Janaína Machado e professora Letícia Bottari, muito obrigada pelo apoio comprometido e pela escuta generosa aos diferentes momentos que vivi em função da feitura desta tese e que muitas vezes significaram ajustes nas minhas rotinas de trabalho no âmbito do meu exercício docente. Vocês compreenderam minhas solicitações e, na medida do que se fazia possível em função dos nossos regimes e das nossas legislações, foram tornando o meu percurso formativo conciliável com o exercício docente. Houve momentos, sobretudo ao longo dos últimos dois semestres, que o corpo cansou e pediu descanso, e, ainda que em períodos curtos, precisei ausentar-me das escolas. A acolhida de vocês a cada retorno fazia diminuir o sentimento de culpa que eu me impunha e, também por isso, reconheço e agradeço o profissionalismo e o cuidado de vocês como condições de possibilidade para que eu realizasse este trabalho. Obrigada! Ao citá-las, agradeço às demais professoras que estiveram posicionadas como minhas diretoras e que igualmente me auxiliaram

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professoras que participaram dessa pesquisa! Queridas, ainda que eu não possa citar os nomes de vocês, saibam que estou feliz por ter conversado com vocês e, a partir daí, construir um trabalho que, sob muitos aspectos, elogia a nossa docência.

Anna Carolina e Mariana, minhas colegas e amigas queridas. A vocês duas, agradeço a partilha das reflexões docentes, o entusiasmo teimoso frente às conquistas das nossas crianças e frente à instituição escola. Vocês duas imprimiram muitos sentidos a esta tese e, para além dela, imprimem um sentido especial ao meu viver. Obrigada, gurias, pela torcida, pelo apoio, pelas trocas, pelo sentimento “de irmãs” que nos une.

Fernanda, querida colega e amiga, agradeço aos inúmeros apoios a este trabalho, e, sobretudo, ao diálogo que há tempo travamos. Jaqueline, obrigada pelo diálogo sempre tão potente. Algumas palavras que me dissestes em um dos nossos últimos encontros reverberam em meu fazer docente e, consequentemente, nesta tese.

À minha amiga Patrícia, ao Carlos e à Carolina, obrigada pelo trabalho de revisão, formatação e de transcrição. Ricardo, obrigada pelo auxílio durante a produção do material empírico. Maria Antônia Ferme Silveira Quintana e Ricardo Zigomático, obrigada pela produção da capa deste trabalho.

Meus familiares. Daniela, obrigada por ter me apresentado à Pedagogia e por partilhar o amor a nossa profissão. Muito do que escrevi nesta tese é eco das reflexões que, ano após ano, somos capazes de produzir ao dialogarmos sobre as nossas escolas, nossas turmas e nossa formação. Teus olhos brilham intensamente quando falas sobre ensinar e é um privilégio ser testemunha disto! Essa tese, Dani, sob muitos aspectos, é NOSSA! Sila, obrigada pelo espaço planejado tantas vezes cedido para que eu pudesse me concentrar e escrever. Obrigada pelas dedicadas leituras aos meus textos que iam, aos poucos, nos divertindo dada a familiaridade com a perspectiva teórica que ias produzindo. Obrigada por tantas vezes que tivestes uma palavra acolhedora e certeira diante das incertezas que fazer este trabalho produziu em mim. Minha primeira aluna, nas inúmeras brincadeiras de “ser profa” que experimentamos, obrigada, sobretudo, por ser a mão que jamais vai soltar da minha. Antônio, esta tese tem um pouco daquele mate que apreciamos juntos no verão de Tramandaí, momento que topastes discutir bom senso comigo! Bruno, obrigada pelo espaço em tua casa, por escolheres o melhor computador para a escrita do trabalho, por seres vigilante das minhas senhas e, sobretudo, obrigada pelo teu silêncio atento, que se quebra sempre nas horas mais acertadas! Te tenho como meu irmão! Ana Carolina e Maria Antônia, minhas duas queridas! Presenças alegres na

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capa que fizestes junto ao teu dindo! Teu desenho imprimiu mais vida a esta Tese. À minha mãe e ao meu pai, cada um ao seu modo e com as intensidades que lhe foram possíveis ao longo de suas vidas, por me ensinarem o gosto pelo estudo! Pai, até hoje é possível abrir teus livros e encontrar recortes de jornais com matérias relacionadas ao assunto abordado, ou à autora ou ao autor que o tinha escrito, ou, ainda, à cidade em que a história se passa. Talvez, dessa forma, tenhas sido o primeiro a me mostrar a relação possível entre os livros e o dia a dia em que vivemos. Mãe, até hoje, quando chego ao campus central da UFRGS, reconheço o perfume da minha infância, quando em algumas vezes, fui ao teu trabalho e pude te ver feliz, dedicada a fazer da Universidade e do serviço público um espaço acolhedor e à serviço da sociedade. Entre tantos outros significados que a conclusão desta tese tem para mim, um deles é o de mostrar como sou grata aos exemplos e as vivências que vocês me oportunizaram. Mãe, a exemplo do investimento neste percurso para conquistar o título de Doutora em Educação, minhas escolhas e movimentos profissionais têm relação profunda com a imagem de mulher que pudestes apresentar à mim: aquela que é corajosa, que tem no fazer profissional um espaço importante para a sua realização e o seu viver feliz. O teu coração de mãe, agora “reforçado”, é uma das forças para o meu viver! Obrigada por tanto!

Quero agradecer, ainda, a outras mulheres: duas outras mães que tenho, Ana e Helenara. As duas professoras! As duas produziram em mim memórias afetivas sobre o estar na escola e dedicar-se aos alunos! Obrigada por tanto cuidado! Helenara, para além do amor familiar que nos une, serei sempre grata por teres feito de mim “uma Piazita”, experiência que tanto influenciou a docência que hoje sou capaz de exercer! À Gisele, que está sempre na torcida por mim! E às minhas amigas: Márcia, Letícia, Patis – são três – e Guadalupe, agradeço a torcida e distintos apoios à “sujeita da tese” que habitou em mim nesses últimos tempos!

Ricardo, obrigada por teres me dito, junto à minha mãe, lá em 2014, “vais fazer a prova, sim, não deixa para depois!”. A exemplo deste impulso, obrigada por tantos outros nessa última década que, diariamente, escolhemos estar juntos. Essa tese é um dos frutos da nossa parceria, dos planos que fomos construindo e que, aos poucos, vamos assistindo “fazer temporada”. Sabes o quanto gosto de ouvir “respeito muito minhas lágrimas, ainda mais minhas risadas...”. Faço alusão à letra da canção para agradecer por estares comigo nos choros, mas, sobretudo, por me quereres rindo! Ao te agradecer publicamente, exponho que, embora sejamos tão diferentes, “a nossa Fé no mundo é parecida” e, por isso, sigo desejando que possamos coreografar novas rotas e protagonizar novos sonhos. “A vida é amiga da arte, é a parte que o sol me ensinou”!

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Esta tese se situa no campo dos Estudos de Gênero e dos Estudos Foucaultianos e coloca em discussão o exercício da docência na Educação Infantil, realizado em escolas públicas e na periferia urbana. O movimento teórico-metodológico toma como ponto de partida o entrelaçamento entre gênero e governamentalidade neoliberal, para examinar o tempo presente e os investimentos que se faz sobre a docência neste contexto. O corpus empírico analisado emerge da conversa com professoras da rede municipal de ensino de Porto Alegre/RS, atuantes na Educação Infantil. Os ditos das docentes são analisados e permitem discutir como uma determinada noção de bem-estar infantil informa as professoras e as posiciona como sujeitos que enunciam não poder se isentar diante das necessidades das crianças e de suas famílias, desde uma determinada organização de suas rotinas de trabalho, da relação com outros serviços e instâncias de atenção à primeira infância e das políticas públicas que se direcionam à ela. Resulta da problematização que se empreende, o mapeamento de uma recorrência nas falas das professoras: a expressão bom senso. Aposta-se nessa expressão como um enunciado potente e, para tanto, considera-se algumas inscrições teóricas da expressão, para, então, traçar uma concepção particular e descrever e problematizar elementos constitutivos daquilo que se argumenta ser uma prática docente na Educação Infantil: a prática docente da professora sensata. Defende-se que o uso do bom senso é generificado e útil ao governo, na medida em que possibilita espaços de autoria docente que acabam por colocar em curso o governo da vida das populações que acessam a Educação Infantil, ao mesmo tempo, sugere-se que a docência sensata é potente para a produção de relações que acabam fissurando a captura total dos sujeitos que trabalham e acessam essas escolas de Educação Infantil.

Palavras-chave: Docência. Educação Infantil. Estudos de Gênero. Estudos Foucaultianos. Docência Sensata

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This thesis is placed in the fields of Gender Studies and of Foucauldian Studies and fosters discussion regarding the practice of teaching in Early Childhood Education in public schools and schools located in the poor suburbs. The theoretical-methodological movement takes as a starting point the interlacing between gender and neoliberal governmentality to examine the present time, and the investments that are made in respect to teaching in this context. The analyzed empirical corpus emerges from the interviews with teachers from the municipal school network of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, active in Early Childhood Education. The teachers’ statements are analyzed and allow discussing how a certain notion of child well-being informs the teachers and positions them as individuals who declare that they cannot remain neutral as to the needs of the children and their families from a given arrangement of their work routines, their relationship with other services and instances of early childhood care, and the public policies aimed at it. A result of the undertaken problematization is the mapping of a recurrence in the teachers’ statements: the expression “common sense”. A great emphasis is place on this expression as a powerful statement and, for this purpose, some theoretical inscriptions of the expression are considered to, then, inscribe a particular conception and describe and problematize constitutive elements of that which is disputed to be a teaching practice in Early Childhood Education: the teaching practice of the sensible teacher. It’s sustained that the practice of common sense in teaching is generified and useful to the government as far as it enables spaces of authorship in teaching that end up setting in motion the ruling of the life of the populations that access Early Childhood Education and, at the same time, it’s suggested that sensible teaching is powerful in producing relationships that end up fissuring the total capture of the individuals who work on and access these Early Childhood Education schools.

Keywords: Teaching. Early Childhood Education. Gender Studies. Foucauldian Studies. Sensate teaching.

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La tesis se sitúa en el campo de los Estudios de Género y de los Estudios Foucaultianos y pone en discusión el ejercicio de la docencia en la Educación Infantil realizado en escuelas públicas de la periferia urbana. El movimiento teórico-metodológico tiene como punto de partida el entrelazamiento entre género y gubernamentalidad neoliberal para examinar el tiempo presente, y las inversiones que se hace sobre la docencia en este contexto. El corpus empírico analizado emerge de la conversación con maestras de la red municipal de la enseñanza de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brasil), actuantes en la Educación infantil. Los dichos de las maestras son analizados y permiten discutir como una determinada noción de bienestar infantil informa a las profesoras y las posiciona como sujetos que enuncian no poder eximirse delante de las necesidades de los niños y de sus familias desde una determinada organización de sus rutinas de trabajo, de la relación con otros servicios e instancias de atención a la primera infancia y de las políticas públicas que se direccionan a ella. De la problematización resulta el mapeo de una recurrencia en los dichos de las maestras: la expresión “buen juicio”. Se apuesta en esta expresión como un enunciado potente y, para ello, se considera algunas inscripciones teóricas de la expresión para, entonces, inscribir una concepción particular y describir, problematizar aspectos constitutivos de aquello que se argumenta ser una práctica docente en la Educación Infantil: la práctica docente de la maestra sensata. Se defiende que la práctica del buen juicio docente es generificada y útil al gobierno en la medida en que se posibilita espacios de autoría docente que acaban por poner en marcha el gobierno de la vida de las populaciones que acceden a la Educación infantil, mientras que se sugiere que la docencia sensata es potente para la producción de relaciones que acaban por fisurar la captura total de los sujetos que trabajan y acceden a estas escuelas de educación infantil.

Palabras-clave: Docencia. Educación infantil. Estudios de género. Estudios foucaultianos. Enseñanza sensata.

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1 COMEÇAR A USAR O BOM SENSO ... 13

1.1 Educação, cuidado, docência e a Educação Infantil municipal e pública de Porto Alegre: o contexto ... 22

1.2 Educação, governamentalidade, gênero e políticas públicas para a primeira infância: o tempo presente ... 33

1.3 Conversas sobre o contexto no tempo presente ... 43

2 BOM SENSO NA CONDUÇÃO DAS CONDUTAS DAS CRIANÇAS E SUAS FAMÍLIAS E DAS PROFESSORAS SOBRE SI MESMAS: “NA EDUCAÇÃO INFANTIL O PEDAGÓGICO PASSA POR TUDO” ... 56

2.1 Bom senso e cuidados físicos: o que e quando assumir? ... 66

2.2 Bom senso e cuidado social: o que, como e por que suprir? ... 74

2.3 Bom senso e cuidado emocional: quando e como intervir? ... 79

2.4 “Vai prevalecer sempre o bom senso”: bom senso como prática docente contexto-situada ... 84

2.5 “Eu não faço como professora”: bom senso como prática de articulação de saberes .... 94

3 “COM AS ARMAS QUE A GENTE TEM”: GÊNERO COMO ORGANIZADOR DE CONDUTAS DOCENTES SENSATAS ... 108

3.1 Bom senso como prática que supre falhas estratégicas ... 108

3.2 “E se fosse teu filho?”: bom senso na relação com “o outro” ... 124

4 BOM SENSO NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE PERIFERIA: CAPTURAS E POSSIBILIDADES ... 140

REFERÊNCIAS ... 146

ANEXO 1 – Termo de Consentimento ... 154

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1 COMEÇAR A USAR O BOM SENSO

Jogávamos jogo da memória, eu e meu aluno João. O restante do grupo1 envolvia-se com outros objetos, agrupados conforme as crianças foram interessando-se pelas mesmas brincadeiras, em diversos outros cantos da sala. O horário do almoço se aproximava. Então, antecipo a João,2 que assim que acabasse o nosso jogo, eu o convocaria, junto ao restante da turma para o guarda-guarda.3 João me olha, faz um pedido e um diálogo se estabelece:

Esse diálogo passou a me acompanhar desde então. De certo modo, esse diálogo acompanhou-me porque me provocou a pensar, justamente, na qualidade de “saber ser profa” que João me designava.

Ao iniciar a apresentação deste estudo, rememoro o que me disse João para afirmar que, desde diferentes instâncias e posições, uma criança, uma família, professoras e políticas públicas estão implicadas na construção e fazem circular compreensões sobre “saber ser profa”. Teço críticas a alguns desses significados nessa tese, a partir do diálogo que estabeleci com seis professoras, minhas colegas, municipárias envolvidas com o exercício docente na Educação Infantil da rede pública de ensino do munícipio de Porto Alegre, assim como eu.

Ao conversar com essas colegas, tive o objetivo de colocar em discussão a incidência de políticas públicas lato sensu sobre o exercício docente na Educação Infantil pública e, em diálogo à noção de transbordamento da escola, para qual acenam Antônio Nóvoa (2006; 2012)

1 O grupo referido era composto por crianças de cinco anos de idade e compunha uma turma de Jardim B, conforme

nomenclatura da rede municipal de ensino de Porto Alegre/RS.

2 Nome fictício.

3 A expressão é amplamente conhecida no âmbito da Educação Infantil e refere-se ao momento de organização

dos brinquedos pelas crianças.

4 Nas escolas de Educação Infantil de turno integral, costuma-se ter o caderno da turma. Nele, professoras,

monitoras e estagiárias registram a vivência das crianças no turno de sua responsabilidade, e dessa forma, o caderno serve como comunicação entre as equipes de trabalho que atendem as crianças nos diferentes turnos de funcionamento da escola. O caderno serve, portanto, como um documento de registros oficiais. Para além desse caderno, costumo ter um outro material para registros particulares.

João: Ahh profa! Hoje depois do almoço tu fica com nós?

Catharina: Tu sabes que a profa não pode ficar, que à tarde a profa estuda. João: Profa, tu estuda o que mesmo?

Catharina: Eu estudo lá no centro, naquele lugar que fomos ver o teatro, lembra? Eu estudo para aprender sempre mais, João, eu estudo para saber ser profa

João: Ah profa, mas tu já sabe ser nossa profa, fica com nós!

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e demais autoras.5 Este objetivo tinha (e tem) relação com a minha trajetória como pesquisadora, desde as pesquisas das quais participei ao longo da minha graduação em Pedagogia, como bolsista de iniciação científica, no decorrer do curso do mestrado e, agora, ao longo do curso de doutorado em Educação, conforme irei explicitar no decorrer deste texto. Por ora, aponto que, de maneira geral, esses estudos que integrei procuraram pensar sobre os modos de se promover a inclusão social no Brasil contemporâneo, anunciada por diferentes discursos e instâncias como forma de melhorar a vida de mulheres, homens e crianças de nossa sociedade – considerada, pelos mesmos discursos e instâncias, desigual.

Para produzir, então, o material empírico aqui analisado, contatei a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, e através dela, emiti um convite a 426 escolas de Educação Infantil que compõem a rede própria de ensino, endereçado a uma professora por escola, para uma conversa que intitulei Roda de conversa – Docência na Educação Infantil e políticas públicas para a primeira infância: desafios, limites e tensões atuais. Desse universo, tive a adesão de seis colegas. Recebi-as na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em uma manhã do mês de novembro de 2017. Apresentei-lhes, nesse dia, artefatos que compõem algumas políticas públicas direcionadas a crianças de zero a seis anos de idade e também coloquei em discussão cenas do meu próprio exercício docente. Essa conversa fora certificada às professoras e funcionou, nesta investigação, como um disparador de questões que, depois, foram aprofundadas em conversas minhas com cada uma delas.

Foi no decorrer da roda de conversa coletiva que, ao comentar uma cena vivenciada por mim como professora, uma das colegas disse que o trabalho na Educação Infantil de nossa rede demandava que ela tivesse bom senso.7 No momento em que ouvi a expressão enunciada pela professora, eu reconheci, como colega, o uso da noção de bom senso para a tomada de decisões no âmbito das nossas vivências cotidianas – sobretudo nos desafios – na escola infantil. Não raro, quando uma regra não está explicitada de forma escrita ou quando uma situação não prevista acontece, a orientação que a Secretaria de Educação aponta para as profissionais das escolas, ou que uma colega diz a outra no próprio contexto escolar, é essa mesma “usa o teu bom senso”. Ao ouvir a expressão como professora eu a reconheci e, ao mesmo tempo, ali posicionada como pesquisadora e mediadora de uma roda de conversas, em processo de

5 Conforme irei mostrar na seção 1.3 deste estudo.

6 A rede de Educação Infantil municipal é composta por 43 escolas. O convite não fora feito à escola onde trabalho

como professora.

7 Farei uso do itálico ao longo da tese, sempre que minha intenção for chamar atenção para uma expressão e/ou

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implementação de uma investigação, me intriguei. Afinal, como aquela expressão podia ser reconhecida por mim e pelas demais colegas? A que mesmo nós nos referíamos ao usar essa expressão? O que ela implicava em termos de ação, de modos de fazer na Educação Infantil? Resolvi retomar a expressão nas conversas individuais8 com as professoras. Até aquele momento, tratava-se de uma desconfiança, de algo que poderia, ou não, ajudar-me a pensar sobre o lugar da escola infantil e das professoras no projeto de inclusão social contemporâneo. Ao conversar com algumas das professoras, fui eu quem retomei a expressão, já outras colegas, antes mesmo que eu pudesse retomá-la, fizeram uso da expressão bom senso, usando-a como um recurso para dizer de seus exercícios docentes. As conversas com as minhas colegas foram, em seu desenrolar, desafiando-me cada vez mais a colocar a expressão sob suspeita.

Um dos primeiros movimentos que fiz foi o de desmembrar a expressão: senso é uma palavra de origem latina – sensu – e remete às noções de percepção, sentimento e saber. Dicionarizada, a palavra na língua portuguesa é caracterizada como um substantivo masculino e indica tanto para o sentido da qualidade de ser sensato, quanto para o sentido da capacidade de julgar, entender e sentir. Considerando tais sentidos, pude perguntar: O que é ser uma professora sensata? Uma professora que tem senso, e que, portanto, é sensata, julga as situações a partir de quais saberes? O que ela coloca em funcionamento em termos de entendimento e sentimento quando age com senso frente às situações que a demandam na escola infantil? Mas a expressão circula nas práticas da/na Educação Infantil de forma composta. Nessa direção, quando relacionamos o substantivo senso ao adjetivo bom, o que se produz?

Voltando ao dicionário, este instrumento, como disse Dagmar Meyer9 (1999, p. 152), “tão enredado nas operações de fixação e legitimação dos significados atribuídos às palavras”, encontrei bom senso definido tanto como capacidade quanto como uma forma. Como capacidade, ele nos permite agir, e como forma, ele qualifica tal ação como ponderada e equilibrada.

Perguntei, então, em outros termos: se quem age com senso, age com sensatez, quem age com bom senso, age com boa sensatez? O que seria uma professora de Educação Infantil de boa (ou sem) sensatez? Intrigantemente, umas das coisas que mais ouço quando digo que ou

8 Embora a expressão possa ser contraditória, já que uma conversa difere de algo que é de uma pessoa só, recorro

à expressão individual para diferenciar estes momentos, onde estive conversando com uma professora de cada vez, do momento da conversa coletiva, onde as seis professoras estiveram presentes e puderam conversar entre elas, a partir da minha mediação.

9 Opto por explicitar o primeiro nome das autoras e dos autores na primeira vez em que são citados nesta tese, pois

compreendo que este é um movimento político assumido por algumas vertentes dos Estudos de Gênero na medida em que, ao proceder dessa forma, busca evidenciar a produção de conhecimento realizada por professoras e pesquisadoras (que se reconhecem como) mulheres.

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professora de Educação Infantil e menciono o número de crianças sob minha responsabilidade diária, algumas das minhas condições de trabalho e o quanto sou realizada com o que faço, é: “meu Deus, tu és louca, eu não dava para isso”. Vale registrar que, no âmbito de discursos do senso comum, uma pessoa louca seria aquela acometida pela desrazão, justamente uma pessoa sem sensatez. Nesse movimento entre, ao mesmo tempo, tomar o termo como familiar e intrigar-me com o seu uso reiterado nas práticas na Educação Infantil, eu o assumi como um enunciado potente para a construção da tese.

Juntamente a este movimento de delimitar significações para a palavra, busquei pelo possível uso dessa noção na literatura pedagógica. Encontrei discussões sobre a noção de bom senso em Antonio Gramsci, Célestin Freinet e em Paulo Freire.

Célestin Freinet, se inscreve, historicamente, entre os educadores identificados com a corrente da Escola Nova, que, nas primeiras décadas do século 20, emerge como uma possibilidade de criticar as práticas escolares centradas no professor e na cultura enciclopédica, propondo, em seu lugar, uma educação ativa por parte das/os educandas/os. Na Educação Infantil, a organização das salas por espaços circunscritos10 tem inspiração em sua obra. O autor, em seu livro A pedagogia do bom senso (2004, primeira edição em 1985), defende a ideia de que para saber como agir, as/os docentes deveriam fazer mais uso do bom senso do que das verdades produzidas pela pedagogia. Segundo ele, na medida em que os saberes sobre os modos de educar foram se complexificando, experimentou-se a cisão entre aprendizagens escolares e aprendizagens úteis para a vida real. Para o autor, o sucesso do ensino depende de experiências práticas e intrinsicamente relacionadas às necessidades das/os estudantes e isso exigiria das/dos professoras/es menos uso de teorias e mais uso do bom senso: bom senso, dessa forma, é por ele entendido como algo que difere do que é teórico, trata-se de um saber derivado da observação da lógica e natural da vida. Para Freinet (2004, p. 185), o bom senso é importante para a Pedagogia e para as/os professoras/es

[...] na perigosa bifurcação onde esta se afasta da vida e se transforma em escolástica. É nessa bifurcação que devemos, também nós, escolher e nos orientar. Longe de nós o pensamento de que os livros, o raciocínio lógico e a palavra esclarecida sejam supérfluos ou inúteis. São condição do progresso, mas deverão entrar em ação apenas

10 Grosso modo, trata-se de uma organização intencional da sala de referência da escola infantil (comumente

chamada de sala de aula) onde brinquedos e diferentes materiais são agrupados de forma a criar contextos de brincadeiras disponíveis e convidativos para as crianças. Por exemplo, uma caixa de papelão pintada como um fogão, com panelas, colheres e pratos por cima podem constituir-se como o canto da cozinha onde as crianças poderão brincar de fazer e comer comidinhas. Busca-se delimitar esse espaço através de tapetes, ou outros materiais para o piso, e torna-se interessante pensar nas lateralidades e na altura que podem circunscrever esse espaço. Há uma noção sobre a criança, o brincar e a intencionalidade pedagógica da escola infantil imbricadas nessa organização espacial.

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quando a experiência houver lançado seus alicerces e enterrado suas raízes na vida individual e social. O nosso papel e a nossa função, nesse grau primário que condiciona as construções posteriores, serão justamente agir, verificar, comparar, experimentar, ajustar. Experimentar e ajustar não só materiais brutos ou peças mais ou menos trabalhadas, mas elementos de criação e de vida. Esta filosofia não é só nossa, pessoal. É de todas as pessoas sensatas cujo testemunho poderíamos invocar.

Paulo Freire, que nomeia a escola de Educação Infantil em que trabalhei enquanto desenvolvi esta tese, em seu clássico A pedagogia da autonomia (1996) defende o uso do bom senso por parte da docência nas escolas e lança tais assertivas: “É o meu bom senso que me adverte” e “Meu bom senso me diz” (FREIRE, 1996, p. 25-26). Na obra, apreendo que bom senso é uma capacidade a que a professora deve recorrer para realizar sua docência de forma coerente com seus pressupostos pedagógicos (FREIRE, 1996, p. 61). Em termos freirianos, o conceito está relacionado, então, à capacidade de agir e de se comportar de acordo com determinados pressupostos pedagógicos. Importa salientar que um dos pressupostos pedagógicos fundantes para Paulo Freire é o de considerar a totalidade da vida de um aluno:

É o meu bom senso, em primeiro lugar, o que me deixa suspeitoso, no mínimo, de que não é possível à escola, se, na verdade, engajada na formação de educandos, os educadores se alhearem das condições sociais, culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seu meio de convívio social. (FREIRE, 1996, p. 25).

Freire defende que a docência não pode “ficar alheia” aos diversos marcadores que constituem os alunos e suas famílias. Nessa direção, para a pedagogia freiriana exercer a docência com bom senso é levar “em consideração as condições em que eles [alunos e alunos] vêm existindo.” (FREIRE, 1996, p. 27).

Já para compreender o uso da noção de bom senso no referencial gramsciano, foi preciso considerar, também, uma outra expressão a que me remeteram todos os dicionários em que busquei a significação para bom senso: a expressão ‘senso comum’. Em Gramsci, senso comum é um modo de pensar partilhado por uma sociedade e que se estabelece a partir da conexão entre diferentes tipos de conhecimento, muitas vezes conflitantes entre si, que se conectam com a vida cotidiana das pessoas, com seus atos mais triviais e que acabam se tornando a maneira de ver o mundo. Na obra desse autor, senso comum tem relação com a noção de hegemonia que a sustenta.

No entanto, não se pode dizer que o senso comum depende apenas da hegemonia para existir, nem se pode afirmar que o senso comum é formado apenas pelas ideias hegemônicas. Tampouco, em relação à hegemonia, é possível dizer que ela só se faz presente através do senso comum. O que existe é uma relação de interdependência entre senso comum e hegemonia. O senso comum é, ao mesmo tempo, a naturalização

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de determinadas ideias de grupos hegemônicos – os interesses desses grupos, através do senso comum, deixam de ser vistos como dominantes e passam a ser entendidos como naturais, como essenciais na vida prática – e também é a base com a qual as ideias hegemônicas precisam estar conectadas. (Luis Armando GANDIM e Iana Gomes de LIMA, 2016, p. 158).

Com esses/as autores/as, que se conectam com a perspectiva de Gramsci, compreendi que, tal qual o conceito de hegemonia, o senso comum também inclui uma ideia de movimento, que envolve um terreno que precisa ser constantemente conquistado. Importa entender a noção de senso comum do autor, justamente, porque para tal pensador o senso comum possui um núcleo sadio, o qual ele chama de “bom senso”: “As ideias só se tornam efetivamente hegemônicas se elas conseguem se converter em senso comum, conectando-se aos elementos de bom senso presentes no senso comum.” (Michel Maurice DEBRUN, 2001, p. 111). Dessa forma, segundo o filósofo Debrun, na perspectiva de Gramsci, os elementos do bom senso são justamente os que permitem os deslocamentos, as transformações naquilo que se tornou um senso comum social. Segundo sua interpretação, o bom senso não substitui o que é senso comum, mas permite que ele seja “renovado a partir de dentro e potencializado criticamente” (DEBRUN, 2001, p. 111). A partir disso, pude pensar: na Educação Infantil, agir com bom senso seria, então, movimentar um certo senso comum? Mas o que estamos tomando como senso comum, e o que podemos compreender como elementos que compõem o que seria seu núcleo saudável (nos termos de Gramsci), quando falamos que “agimos com bom senso” diante das questões que o cotidiano da escola infantil nos coloca?

O movimento que fiz, até aqui, não é indicativo da intenção de assumir a definição de bom senso de um ou outro autor para, a partir daí, problematizar o que me disseram as professoras ao enunciar a expressão. Considerei as inscrições teóricas de cada autor/a, suas definições para a expressão bom senso, para considerar que ela carrega muitos sentidos possíveis e que ela tem uma história. Busquei, então, partindo da inscrição teórica que eu assumo para a construção da tese, colocar tais sentidos em movimento, justamente para pensar de que forma eles contribuem para produzir outros sentidos à noção de bom senso que as professoras acabam por colocar em funcionamento quando exercem a docência na Educação Infantil no tempo presente.

Uma das minhas inscrições é o pensamento de Michel Foucault. Para Foucault, uma das tarefas de quem se coloca a pensar é a de tornar táticas e estratégias de poder visíveis, não no sentido de descobrir o que está escondido, mas no sentido de tornar visível o que precisamente é visível: “O papel da filosofia é fazer ver aquilo que vemos.” (FOUCAULT, 2001, p. 43-44). A proposição do autor me instiga: afinal, o que vemos quando vemos uma professora que tem

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senso? E, mais ainda, o que vemos quando pedimos que ela pense, sinta, enfim, que ela aja com um senso bom, com um bom senso?

Foucault (2001) sugere que se deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal, e que se passe a colocá-la em termos de existência: “Não mais perguntar: o poder é bom ou mal, legítimo ou ilegítimo, questão de direito ou de moral?” (FOUCAULT, 2001, p. 44). Para o autor, o mais produtivo é pensarmos como o poder faz funcionar “um conjunto de coisas que constituem a trama da nossa vida cotidiana.” (FOUCAULT, 2001, p. 43). Inspirada por seu pensamento, problematizo a relação entre bom senso e docência na Educação Infantil, a partir de políticas públicas para a primeira infância e da noção de transbordamento escolar, para pensar o que se estabelece como sensatez, bons entendimentos e sentimentos das professoras de creche e de pré-escola na contemporaneidade. Contudo, o movimento que faço busca descrever uma prática de bom senso no campo educacional voltado à primeira infância menos para divulgar as expectativas a que ela convoca a docência e mais para pensar em termos de produção dessa verdade. O que está em jogo? Como o bom senso da/na professora se tornou um investimento para o poder? Como diferentes programas e políticas públicas dão – e embaralham – as cartas nesse jogo?

Este estudo ancora-se, ainda, e fundamentalmente, em Estudos de Gênero pós-estruturalistas. Esses apostam na potência de questionar o pensamento binário e posicional por meio do qual aprendemos a pensar o mundo em termos de feminino e masculino. Ancorada no trabalho da desconstrução, essa perspectiva funciona, nas palavras de Guacira Louro (2003, p. 43), “buscando tornar visível a dependência mútua de cada elemento do par [masculino e feminino], colocando em questão a hierarquia, invertendo-a e, finalmente, buscando os referentes comuns, a lógica de todo binarismo”. A tese que construí, nessa direção, busca descrever como o exercício docente está relacionado com um pensamento binário sobre a vida. Discuto, a partir deste referencial, que o poder sobre a vida está, forte e centralmente, referendado por compreensões cisgêneras e heteronormativas: sinalizo que é a partir dessa lógica que as professoras são convocadas ao uso do bom senso em seus exercícios profissionais, em função da primeira infância.

A partir do material produzido no diálogo com as colegas professoras, e partindo desses referenciais, pude então, descrever e problematizar um modo contemporâneo de ser docente na Educação Infantil – que nomeio de docência sensata. A tese que defendo descreve os usos que as professoras dizem fazer do bom senso buscando mostrar como eles constituem uma prática contexto-situada e generificada. E problematiza que “saber ser profa” está ligado “mais a contingências do que necessidades, a mais arbitrariedades do que evidências, mais a

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contingências históricas complexas, mas passageiras, do que a constantes antropológicas inevitáveis.” (FOUCAULT, 2001, p. 691).

Isso implica a compreensão de que nossas práticas correspondem, sempre, a jogos de verdade, e, ao mesmo tempo, significa compreender também que os efeitos desses jogos não são universais, tampouco fixos. Ou seja, saber ser professora é sempre contingente, “diz respeito somente aos procedimentos e efeitos de conhecimento aceitáveis num momento e domínio definido.” (CANDIOTTO, 2010, p. 1). Argumento: neste tempo presente, aquilo que aceitamos como aceitável tem exigido de nós, professoras, usar o bom senso. Tomo este enunciado – usar o bom senso – como potente para descrever, nesta tese, uma determinada profissionalidade: a docência comprometida com ‘tudo aquilo’ que pode compor o pedagógico endereçado à primeira infância, na Educação Infantil pública de periferia.

Ao apresentar este estudo, realizado nos últimos quatro anos, durante as tardes depois da escola, rememoro a pergunta do meu aluno João e ela me suscita uma outra resposta: estudei para desaprender. Com esta tese, ao mostrar alguns dos modos como nos constituímos como professoras, estou preocupada, justamente, com a urgência de liberar o pensamento e trabalhar com a produtividade de, em um certo sentido, “não saber mais ser professora”. Com esse propósito, este estudo não busca abandonar ou desqualificar o trabalho docente exercido nas Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIS), a tese aponta para desnaturalizações que podem abrir espaço para outras possibilidades de pensamento absolutamente comprometidas com o nosso fazer profissional junto às crianças pequenas e às crianças bem-pequenas.

É verdade que minha atitude não cabe naquela forma de crítica que, sob o pretexto de um exame metódico, recusa todas as soluções possíveis, exceto uma, que seria aquela boa. [Aqui, a compreensão sobre crítica] Cabe, no entanto, na ordem da “problematização”: da elaboração de um âmbito de fatos, de práticas e de pensamentos que, segundo minha opinião, põem problemas à política. Não penso, por exemplo, que exista uma “política” que possa deter a solução justa e definitiva. (FOUCAULT, 2015, p. 591).

Com as palavras de Foucault, exponho o ponto de vista que exploro: não pleiteio soluções, mas sim busco pela descrição de fatos, de práticas e de pensamentos que têm feito de nós as professoras sensatas que temos sido. Se por um lado não apresento – porque não acho possível fazê-lo – soluções justas e definitivas sobre nossos rotineiros11 desafios, por outro acredito que descrevê-los, colocando em evidência tais desafios têm, no ato mesmo de dar a ver, a potência de abrir lugar para outros modos de pensar e de agir. Enfim, a liberação do

11 A expressão remete ao conceito de rotina discutido por Maria Carmem Silveira Barbosa (2006). Trata-se,

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pensamento significa perguntar: “Como chegamos a pensar do modo como pensamos sobre o exercício docente na Educação Infantil municipal, pública e, sobretudo, nas periferias da cidade?”. Para isso, reconto os depoimentos e as questões que as minhas colegas professoras me narraram. Narro, também, muito do que vivi e sigo vivendo como docente nessa rede. Busco problematizar essas narrativas para pensar sobre como determinadas situações acabam por ser tomadas como próprias da docência na Educação Infantil. A que jogos de verdade correspondem os manejos realizados, as decisões tomadas, as posturas assumidas, as dúvidas declaradas por parte da docência que pratica o bom senso, da docência que é sensata?

Discuto essas questões comprometida a responder algumas perguntas centrais que conduziram a realização dessa pesquisa:

• Que práticas docentes emergem na educação infantil pública em articulação com, ou em decorrência de, políticas direcionadas à primeira infância? Como o gênero atravessa e organiza essa(s) prática(s) e que sujeito docente é constituído nesse processo?

Com o objetivo de responder a essas questões, organizo a tese em quatro capítulos. O primeiro deles é este, onde busquei apresentar o objeto de pesquisa e o percurso percorrido para sustentar a presente tese. Neste capítulo, aponto as perspectivas teóricas nas quais ancoro este estudo e as perguntas de pesquisa que nortearam a investigação. Na seção 1.1, apresento a rede de ensino que é lócus da pesquisa, buscando articular a sua organização e proposta aos contextos da Educação Infantil no Brasil e às verdades sobre a relação entre cuidado, educação e docência que constituíram um lugar para a profissionalidade docente nesta etapa da Educação Básica. Na seção 1.2, discuto de forma mais aprofundada as perspectivas teóricas que sustentam esta tese, tomando cada uma delas como pontos de partidas – de igual importância e em articulação – para esse estudo. Na seção 1.3, discuto a produção do corpus empírico dessa tese, bem como os procedimentos e a noção de ética que a conforma.

No capítulo que segue, passo a descrever a noção de bom senso que pude problematizar a partir do que disseram as professoras participantes – essa descrição constitui as seções 2.1, 2.2 e 2.3; e a partir dela, na seção 2.4, irei sustentar a noção de que o bom senso deve ser pensado como uma prática, e que como tal, deve ser descrito e problematizado a partir de um tempo e de um espaço específicos – no caso deste estudo, as escolas de educação municipais, públicas e localizadas na periferia urbana. Na última seção desse capítulo, discuto como a prática do bom senso parece estar comprometida com a profissão docente.

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No capítulo seguinte, problematizo a noção de falhas das políticas públicas que, segundo as professoras, é o que acaba por convocá-las para o uso do bom senso; na primeira subseção desse capítulo, coloco em discussão como conhecimentos de gênero podem estar organizando a prática docente do bom senso e, na segunda, discuto elementos que, ao constituir da forma como procuro argumentar, generificadamente, a prática do bom senso docente, fazem funcionar o que estou chamando de docência sensata. No último capítulo, retomo as discussões de cada seção para, ainda, mostrar a potência que a prática do bom senso docente pode assumir frente às verdades do tempo presente.

1.1 Educação, cuidado, docência e a Educação Infantil municipal e pública de Porto Alegre: o contexto

A rede de ensino de Educação Infantil de Porto Alegre é composta por 43 escolas de Educação Infantil de sua Administração Direta. Este número é composto por escolas conhecidas como EMEIS12 e por aquelas conhecidas como Jardins de Praça.13 A administração direta mantém, ainda, turmas de Educação Infantil em escolas que oferecem Ensino Fundamental e, sob administração indireta, diversas creches que atendem um grande número de crianças através do conveniamento com o município.14 Embora a rede de atendimento seja ampla, o debate sobre a oferta da Educação Infantil segue rotineiramente em voga, pois existe uma porcentagem considerável de bebês e crianças pequenas fora da escola e isso, no tempo presente, constitui-se como um problema porque, no Brasil, a creche e a pré-escola têm sido posicionadas como instâncias desejáveis e necessárias para toda e qualquer criança.

Nem sempre foi assim.

Até bem pouco tempo não era imperativo, tal como é no tempo presente, que uma criança fosse matriculada na Educação Infantil: muitas iriam diretamente cursar a então

12 As EMEIS são escolas de educação integral e estão situadas, majoritariamente, nas zonas periféricas da cidade.

Essa localização das escolas explica-se, porque muitas delas foram criadas pela Secretaria de Saúde e Assistência, outras porque foram transformadas em EMEIS a partir da extinção do projeto Casas de criança que constituíam-se como o abrigo de crianças em casas mantidas e atendidas pelas comunidades onde elas estavam localizadas, outras, ainda, porque foram construídas a partir das demandas do Orçamento participativo, ferramenta de administração utilizada pela Prefeitura de Porto Alegre nos anos em que a gestão municipal ficou conhecida como Frente Popular.

13 Essas escolas funcionam em meio turno e estão localizadas em praças da capital. Essas são as escolas de

Educação Infantil mais antigas do munícipio de Porto Alegre. Foram construídas na década de 40, a exemplo da experiência da cidade de São Paulo. Entre outros trabalhos que historicizam a Educação Infantil em Porto Alegre, ver Jane Felipe Souza (2000).

14 Há importantes trabalhos que versam sobre a organização da oferta das vagas de Educação Infantil neste

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chamada primeira série da Educação Básica, e isso não era um espanto. Entre outros, os discursos pediátricos, psicológicos e os discursos do senso comum, imbricados, constituíam como acertada a opção de ter as crianças pequenas em casa. Estou argumentando, portanto, que o modo de pensar – a inteligibilidade – de pouco tempo atrás considerava acertada a opção de levar apenas as crianças maiores para a escola. Refiro-me a não mais do que três décadas atrás. Importa observar que a Educação Infantil já era considerada uma necessidade para muitas famílias, e é justamente naquele período de redemocratização brasileira que a luta por creches desponta como movimento. Contudo, a creche e a pré-escola ainda não eram compreendidas como fundamentais para a vida das crianças.

O começo da minha escolarização ilustra o raciocínio que era tomado como verdadeiro naquele momento. Eu nasci em 1985, justamente no ano em que a ditadura militar brasileira se encerrou oficialmente. Filha de mãe e pai trabalhadores – minha mãe funcionária concursada desta Universidade – sou levada à escola aos cinco anos de idade. Fui matriculada em uma escola pública, do bairro de classe média onde morava, que ofertava turmas de Maternal, Jardim A e Jardim B. Minha mãe relata nunca ter tentado vagas para suas filhas na creche universitária da UFRGS, uma vez que entendia que seria melhor para mim e para a minha irmã irmos direto para escola, em um único turno. Antes dos meus cinco anos e dos quatro anos da minha irmã, ficamos em casa, em tempo integral, na companhia uma da outra e sob os cuidados de “uma babá”, empregada doméstica que morava conosco. Assistente social desta Universidade, minha mãe relembra: “era difícil conseguir vaga na Creche, as poucas vagas eram distribuídas por sorteio. Eu entendia que tinha que deixar para quem mais precisava, então levei vocês direto para o jardim, a gente entendia que levando para a escola só maiorzinhas, estávamos fazendo certo, o melhor para vocês”.15 Como busco expor, no tempo presente, não se pensa mais desse modo. Aconteceram mudanças nessa forma de compreensão sobre cuidar e educar a primeira infância, ao longo dos últimos 30 anos, possibilitadas, dentre outras coisas, pelas mudanças nas relações de gênero, e seus efeitos sobre a sociedade, articuladas a novas noções sobre os sujeitos infantis.

No Brasil, a Constituição de 1988 e a promulgação do ECA em 1990, são marcos importantes para a constituição de um novo entendimento sobre a creche e a pré-escola. Essas legislações posicionaram o bebê e a criança como sujeitos de direito, contribuindo para que a população infantil brasileira fosse tomada como um conjunto de indivíduos com direitos iguais ao cuidado e à educação. Potencializava-se a ideia de que a Educação Infantil se destinava

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menos aos filhos/as das famílias necessitadas para tornar-se mais um direito da criança a conviver com seus pares em espaços públicos e educativos. Paulatinamente, a estratégia de, justamente, dar a ver o caráter educativo da Educação Infantil e da igualdade das crianças dentro da democracia ganha força. A partir desse deslocamento na forma de compreender “o que é melhor para as crianças pequenas”, passaram a ir para as escolas não apenas as crianças que não podem ser cuidadas pelas famílias em casa; todas e quaisquer crianças passaram a ir para as escolas, porque começa-se a julgar que é direito delas aprender e conviver.

Os efeitos desses entendimentos sobre a infância e sobre o lugar da escolarização inicial que tiveram um marco importante nessas então novas legislações são vividos em Porto Alegre ativamente. Foi, por exemplo, no ano de 1996 que ocorreu a primeira elaboração de uma proposta político-pedagógica para a Educação Infantil deste munícipio e ela intitulava-se A criança como sujeito de Direitos (PORTO ALEGRE, 1999, p. 10). Antes disso, Porto Alegre já havia vivenciado a passagem da responsabilidade da Educação Infantil da então Secretaria de Saúde e Serviço Social para a Secretaria de Educação, o que significava, naquele contexto brasileiro, um efetivo avanço na Atenção à Primeira Infância. Marta Quintanilha (2012, p. 83) comenta esse período afirmando que

No final da década de 80, com uma nova forma de administrar a cidade pela Frente Popular e as conquistas da Constituição em relação à criança, a Secretaria de Educação [de Porto Alegre] passa a incluir a Educação Infantil da cidade no seu âmbito de trabalho de forma mais abrangente.

Nos anos 1990, segundo o estudo de Quintanilha, Porto Alegre vivenciou uma significativa expansão na Educação Infantil que não compreendia apenas a ampliação expressiva da oferta, mas envolvia uma mudança de compreensão sobre essa etapa de escolarização. A Educação Infantil ganhava legitimidade na rede municipal de ensino da cidade e isso era atestado, entre outras ações, por meio da proposição de concursos específicos para a seleção de professoras para essa etapa de ensino, momento de ingresso no quadro docente da rede municipal de três das seis professoras com as quais conversei. Quintanilha refere-se a esse momento como o da inauguração de uma nova profissionalidade docente neste munícipio: a professora da Educação Infantil.

Não se [tratava] de ampliação do grupo de professores na perspectiva do trabalho docente culturalmente já demarcado, com o modelo de docência historicamente instituído, mas a criação e legitimação do trabalho docente desenvolvido na Educação Infantil na sua integralidade, garantindo as funções de cuidar e educar [...] (QUINTANILHA, 2012, p. 87).

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Como forma de garantir e consolidar o caráter profissional daquelas que passaram a trabalhar na Educação Infantil, naquele momento, a SMED Porto Alegre ocupava-se em referendar o entendimento de que as creches e as pré-escolas tinham caráter educacional, buscando avançar na desassociação de práticas assistenciais e compensatórias do escopo de atuação dessas instituições educativas. O caderno pedagógico número 15,16 publicado em 1999 no âmbito da gestão educacional municipal, expressa de forma contundente essa ideia, na medida em que acena para uma concepção de pedagogia da infância que considera as crianças como sujeitos ativos e que devem ter o acesso à escola garantido.

O grupo de trabalho 07 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), ao historicizar o seu percurso, relembra que, ao longo dos anos 1990, aquelas e aqueles que se ocupavam de discutir a escola de Educação Infantil pautavam o debate sobre a filantropia e a educação compensatória como uma questão fundamental desse tempo. A exemplo de Porto Alegre, as discussões naquele momento passavam a se ocupar, mais centralmente, com a “Defesa do direito de todas as crianças à educação pública e não apenas para as crianças consideradas carentes, rompendo com modelos assistencialistas e de educação compensatória.” (Ligia AQUINO,17 2007, n.p.).

Ao olhar para essas continuidades e descontinuidades históricas que marcaram a Educação Infantil desta rede de ensino, articulando-a ao que se vivia no Brasil de forma mais geral, me parece significativo destacar que os Movimentos Feministas e os Movimentos de Mulheres foram aliados importantes para a transformação do entendimento da função da Educação Infantil, a partir, sobretudo, do final dos anos 1980. Eu, por exemplo, quando ingressei no doutorado, já compreendia a importância dos feminismos para a oferta da Educação Infantil no Brasil. Contudo, pude aprender, ao longo deste estudo, que tais movimentos não incidiram apenas sobre a abrangência da oferta, mas contribuíram para o deslocamento de um status da Educação Infantil.

Conforme Maria Amélia Telles, foi no I Congresso da Mulher Paulista, em 1979, que o Movimento Luta por creches foi criado no Brasil. Telles aponta que, rapidamente, o Movimento teve adesão em outros estados, ganhando força no Rio de Janeiro e também aqui, no Rio Grande do Sul. A autora considera que

[...] o desempenho das feministas foi valioso para combater a ideia de que o filho só [seria] bem criado com a participação direta da mãe. [...] “o filho não é só da mãe” é o primeiro slogan do movimento unificado, uma contribuição das feministas. A

16 Este documento também é conhecido pela denominação Caderno Amarelo.

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seguir, veio o combate ao caráter de orfanato ou de depósito de crianças que caracterizava as poucas creches existentes [ao longo do período da redemocratização]. O movimento exigiu que a creche devia ser encarada, tanto pelo Estado como pela sociedade, como um direito da criança à educação. (TELLES, 1993, p. 104).

Na mesma direção, Moisés Kulmann Jr. (2007) conclui que o Movimento de Luta por creches incidiu na reflexão sobre a qualidade do estar com e cuidar das crianças. O movimento passa a alavancar uma discussão sobre qualidade e, nela, a expressão do que vem a ser cuidar, e também educar, passa a ser central e cada vez mais adensada e disputada:

A defesa do caráter educacional das creches foi uma das principais bandeiras do movimento de luta por creches e dos profissionais dessas instituições, que promoviam encontros para discutir suas condições de trabalho e se organizavam em entidades como a Associação dos Servidores da Secretaria da Família e do Bem Estar Social, na cidade de São Paulo (ASSFABES). O vínculo das creches aos órgãos de serviço social fazia reviver a polêmica entre educação e assistência, que percorre a história das instituições de Educação Infantil. Nesta polaridade, educacional ou pedagógico são vistos como intrinsecamente positivos, por oposição ao assistencial, negativo e incompatível com os primeiros. (KULMANN JR., 2007, p. 108).

O debate, vivenciado em São Paulo, aqui em Porto Alegre e no país de modo geral, foi importante para problematizar a noção de creches como instâncias de guarda dos filhos das mães trabalhadoras e empobrecidas e da chamada educação pré-escolar como espaço-tempo para o desenvolvimento de um certo estímulo orientado para as crianças pequenas, com o objetivo de compensar o que, supostamente, suas famílias, por encontrarem-se em situação de vulnerabilidade social, deixavam de lhes prestar. Em outras palavras, buscava-se discutir os investimentos de cuidados e de atenção educativo-pedagógica a determinadas crianças na direção de minimizar as lacunas e torná-las aptas para a educação escolar.18

Com a emergência de – e a convergência entre – diferentes noções sobre família, sobre ser mãe e mulher, e sobre desenvolvimento saudável das crianças, a inserção das crianças pequenas no espaço escolar desloca-se, ao passo que vai tornando-se cada vez mais aceitável – e importante – que as crianças frequentem a Educação Infantil. A pré-escola e, de forma ainda mais especial, a creche, vão paulatinamente deixando de serem vistas como aparatos para substituir a mãe, opção ou uma necessidade de algumas famílias – das mais pobres – para tornar-se desejável e direito de todas as crianças.

Cláudia Amaral Santos (2009) investe justamente na compreensão sobre esses deslocamentos na designação de quem cuida das crianças, sobretudo dos bebês, ao longo das

18 Saliento que concomitante a essas noções sobre a escola de Educação Infantil, também existiam outras,

sobretudo, nas redes privadas de ensino, cuja ênfase era a socialização e um caráter lúdico positivado, especialmente, destinados às crianças filhas dos trabalhadores/as mais escolarizados e bem-remunerados.

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últimas décadas. A autora analisa duas versões do manual de puericultura mais vendido no Brasil, o Manual do Médico Delamare: uma de 1963 e a outra, a edição do ano de 2002. Se, por um lado, a pesquisadora destaca que as mães são narradas em ambas as edições como aquelas que desempenham os cuidados ideais durante todo o primeiro ano de vida do bebê, por outro, ela chama a atenção para as indicações feitas “às mães que não podem ficar com os filhos” e “às mães que trabalham fora”. A tese da autora dá a ver o deslocamento narrativo sobre a creche: se, na edição de 1963, a escola infantil aparece como um lugar a ser evitado ou, ao qual deveriam ser levadas apenas as crianças mais crescidas – por poucas horas e com o intuito de uma certa socialização –, na de 2002, a creche aparece como instituição na qual se pode confiar, uma substituta adequada do cuidado materno.

Conforme vai se tornando um lugar requerido para o estar de toda e qualquer criança, a Educação Infantil vê-se em voltas com novos desafios. Entre eles, o modo como o cuidado realizado a partir da escola acontece, passa a ser bastante debatido.

Pesquisadoras e pesquisadores da área avaliam que, embora potente a ponto de acabar elevando a Educação Infantil ao patamar de primeira etapa da Educação Básica brasileira, a estratégia de enfatizar o caráter educativo em detrimento da noção de substituição do cuidado materno gerou efeitos indesejáveis para a noção dos cuidados. Eles passaram, de certo modo, a serem entendidos como função de menor prestígio ou função não educativa. A área dá-se conta disso e passa, ao longo dos anos 1990 e também na década seguinte, a empenhar-se para proclamar a Educação Infantil como educação e, ao mesmo tempo, ressignificar as ações de cuidado, por exemplo, daquelas que envolvem a alimentação, a higiene e o sono, como integrantes desta educação destinada à primeira infância, porque intrínsecas à vida dos zero aos seis anos, especialmente.

Sobretudo a partir de 1996, quando da promulgação da LDB, na qual oficialmente a Educação Infantil passa a ser compreendida como primeira parte da Educação básica brasileira, a produção acadêmica, os movimentos sociais e a legislação irão investir no argumento de que cuidar também é educar. Tizuko Kishimoto (1999, p. 61) argumentava, logo após a promulgação da LDB, que as formações para as profissionais da pré-escola fossem fortemente qualificadas para que não referendassem a “tradição instalada em nosso país e que estimula práticas antigas de fragmentar o cuidar e o educar”.

Na medida em que as escolas passam a receber esses pequenos sujeitos que de forma tão inerente requerem cuidado, foi tornando-se imprescindível conceituar as ações de cuidar como sendo da ordem do pedagógico. A indissociabilidade entre cuidar e educar passava a ser um importante pressuposto a ser ensinado para as profissionais dessa etapa de ensino e tal

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indissociabilidade tornou-se um indicativo de boas práticas, de qualidade da Educação Infantil19. Era preciso construir o entendimento com aquelas professoras ingressantes, e de forma especial com aquelas que porventura migravam do Ensino Fundamental para a Educação Infantil, de que educar e cuidar eram ações intrinsecamente ligadas e de competência da escola. O caderno 15 da SMED Porto Alegre vai ao encontro desse entendimento, em diferentes passagens, destacando que esta rede se ocupou de fazer essa discussão, atenta às discussões nacionais: “Cada ação na Educação Infantil é, intrinsicamente, cuidado e educação” (PORTO ALEGRE, 1999, p. 17). Ao justificar seu estudo de doutoramento, Judith Guerra, narra-se como professora atuante na rede municipal desse período e suas palavras expressam o contexto daquela época.

Em 1996, com a reorganização estrutural da Secretaria Municipal de Educação, passei a integrar a coordenação de um novo setor, ocasião em que começamos a construir a Proposta Político-pedagógica da Educação Infantil para a cidade de Porto Alegre. Apontávamos para um currículo que possibilitasse dar visibilidade aos contextos educativos que envolvessem a simultaneidade do cuidar e do educar, na medida em que essas dimensões fazem parte da vida cotidianas das crianças. Naquela ocasião, nosso propósito não era organizar uma lista de conteúdos ou sequência de atividades, mas um olhar crítico para os problemas e temas da infância. [...] Enfim, essa proposta foi publicada em dezembro de 1999, no Caderno pedagógico número 15, da Secretaria Municipal de educação de Porto Alegre. (Judith GUERRA, 2005, p. 14).

Assinalo que uma década após a promulgação da LDB, eu começava a estudar pedagogia nesta Universidade. Inscrita em um momento histórico no qual a área da Educação Infantil via-se menos preocupada com a construção e mais com uma consolidação do que vinha a ser qualidade nessa etapa de ensino, minha formação foi perpassada pelo princípio de que todo o cuidado deve ser pedagógico a fim de garantir a integralidade do desenvolvimento dos sujeitos infantis. Isso significava, e significa ainda hoje, que a docência deveria comprometer-se com o planejamento de uma jornada escolar na qual o bebê ou a criança pequena tivescomprometer-sem a ludicidade perpassando todos os momentos, inclusive e imprescindivelmente, naqueles em que os cuidados com o seu corpo e com sua saúde acontecem. Se por um lado, no curso de Pedagogia eu não aprendi a trocar as fraldas de um bebê, por exemplo, por outro, eu aprendi a pensar os momentos da trocas de fraldas em meus planejamentos docentes, sentindo-me convocada a pensar sobre a importância de tornar este e os outros momentos de cuidado significativos para as crianças. De forma importante, aprendi que as ações do cuidado faziam parte da minha responsabilidade docente quando formada, e que não deveriam, portanto, ser

19 Sinalizo que o estudo de Daniela Oliveira Guimarães (2011) apresenta uma discussão importante sobre a relação

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