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Defesa administrativa contra a ação de cartéis Claudio Weber Abramo Diretor executivo

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Academic year: 2021

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Defesa administrativa contra a ação de cartéis Claudio Weber Abramo

Diretor executivo

Quando pessoas do mesmo ramo de negócios se encontram, mesmo que para se divertirem, a conversa quase sempre termina numa conspiração contra o público ou em algum artifício para elevar preços.

Adam Smith: A Riqueza das nações, Livro 1, Cap. X, Parte 2.

A tendência à cartelização dos mercados é reconhecida desde os primórdios da economia. Embora competidoras nos mercados em que atuam, empresas têm o objetivo comum de maximizar os seus lucros. Como (seguindo Karl Marx) num mercado perfeito a taxa de lucro econômico tende a zero, segue-se que é do interesse das empresas estabelecer limites para o grau de competitividade nos mercados em que atuam.

Elas fazem isso estabelecendo cartéis. Um cartel é a associação entre empresas (usualmente temporária1) para o estabelecimento de patamares de preços para os bens ou serviços que produzem e para a contenção da oferta. Uma consequência direta da existência de um cartel são os esforços de seus integrantes no sentido de erigir barreiras à entrada de novos participantes que possam reduzir os níveis de preços ofertados. Os modos que usam para isso são

variados, incluindo-se pressões exercidas sobre fornecedores comuns, indução de legisladores no sentido de se inventarem barreiras legais artificiais e outros.2

Como um cartel só pode manter-se a partir de um acordo explícito entre seus integrantes e com base numa administração constante das condições acordadas (incluindo-se a vigilância permanente sobre os parceiros do cartel para identificar burlas aos arranjos), é menos frequente que se formem em setores atomizados e com grande

mobilidade de entradas e saídas de empresas. A maior parte se constitui em setores oligopolizados, ou seja, quando as empresas participantes são poucas e de grande porte.

1 A duração média de cartéis detectados nos EUA e na União Europeia tem sido de 8 anos.

2 Em Buch-Hansen, H.: “Freedom do Compete? The Cartelization of European

Transnational Corporations”, Competition & Change Vol 16 nº 1 (2012) encontra-se uma análise da frequência com que empresas integrantes da influente European Roundtable of Industrialists (que reúne os dirigentes das maiores indústrias do continente) foram condenadas por formação de cartel: entre 1990 e 2010, nada menos de um terço delas sofreu tais sanções, apesar do discurso fortemente

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Uma peculiaridade dos cartéis é que sua organização e administração é sempre realizada pela alta cúpula das empresas. Não é um assunto relegado a funcionários subalternos.

Qualquer análise que se faça a respeito de cartéis esbarra numa dificuldade metodológica que parece intransponível: o fato de a informação disponível sobre eles decorrer exclusivamente da

observação de casos detectados. Nada se sabe a respeito de cartéis não identificados.

Assim, não se conhecem completamente os determinantes para a formação de cartéis de modo geral, seu modo de operação, os mecanismos que usam para manter a disciplina interna, as distribuições de preços que impõem ao mercado, os efeitos de sazonalidades e de incidentes conjunturais e assim por diante. Resta ao investigador desenvolver métodos de detecção, o que se faz pelo acompanhamento sistemático dos preços e do jogo perde-ganha em cada mercado, analisados no âmbito de modelos matemáticos (teoria dos jogos).

Existe na economia uma vasta literatura empírica a respeito de cartéis,3 a começar do século XIX. Em tempos mais recentes, os

esforços realizados nos EUA e no âmbito da União Europeia no sentido de coibir a sua ação tem dado origem a informação suficiente para o desenvolvimento de modelos explicativos e preditivos.

A grande maioria dessa literatura focaliza cartéis que agem em mercados genéricos. Os estudos que se concentram nos mercados públicos são muito menos frequentes. Estes procuram estabelecer as condições de que o poder público dispõe ou poderia dispor para coibir o funcionamento dos cartéis nas compras públicas. Aspectos relacionados ao papel que os agentes públicos desempenham para garantir a manutenção continuada de cartéis não são abordados nessa literatura, talvez por ser óbvio: os agentes compradores têm

conhecimento completo a respeito de todas as variáveis relevantes (participantes, preços e distribuição de contratos), situando-se assim em posição privilegiada para reconhecer que um cartel age em seu âmbito de responsabilidade.

Uma característica econômica peculiar aos mercados públicos, e que não está presente em outros mercados, é o fato de que a demanda é fixada pela autoridade governamental. Como não há demanda abaixo dos preços praticados, isso resulta em incentivos particularmente fortes para a formação de cartéis.

Reconhecendo os prejuízos que a cartelização traz para o bem-estar comum, os Estados modernos contam com legislação antitruste, que proíbe a formação de cartéis. (Há, contudo, Estados em que a

3 Um panorama útil dessa literatura encontra-se em Levenstein, M. e Suslow, V.: “Cartels and Collusion – Empirical Evidence”, em Blair, R.D. e Sokol, D.D. (eds.):

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cartelização é, quando não estimulada, senão benevolamente tolerada.)

A introdução dos acordos de leniência nas legislações antitruste tem levado a resultados controversos. Ao lado de autores que encontram motivos para considerá-los úteis, outros contestam o valor desse mecanismo ou condicionam a sua aplicabilidade à presença de condições não usualmente presentes.4

A principal vantagem apontada nos acordos de leniência é a

identificação de cartéis que se encontram em operação. Já entre os defeitos apontados no mecanismo estão o risco de facilitação, e não de dificultação, do conluio entre empresas,5 uma possível tendência à estabilização de cartéis instituídos, o uso do acordo por uma empresa para denunciar uma parceira com a qual mantém um cartel de utilidade declinante num certo mercado, com a finalidade de

enfraquecer a posição dessa mesma parceira em outros mercados (ou em outros cartéis) e outros. Também, os acordos de leniência parecem não ter efeito preventivo melhor do que as alternativas que não os admitem, pois a reincidência parece ser invariante sob um ou outro regime (Harrington).

No caso dos mercados públicos, ao lado de argumentos em seu favor6 há posições no sentido de que os acordos de leniência podem ser contraproducentes.7

Mercados públicos

Os mercados públicos oferecem vantagens consideráveis em relação aos mercados em geral no que concerne a possibilidade de detectar

indícios de atuação de cartéis. Com efeito, enquanto nos mercados não-públicos os consumidores têm condições mínimas de acompanhar e

4 Ver, por exemplo, Chen, J. e Harrington Jr, J.E.: “The Impact of the Corporate Leniency Program on Cartel Formation and the Cartel Price Path”, em Ghoral, V. e Stennek, J. (eds.), Political Economy of Antitrust, North Holland (2007);

Hinloopen, J. e Onderstal, S.: “Going Once, Going Twice, Reported!”, Tinbergen Institute Discussion Paper (2009); Buccirossi, P. e Spagnolo, G.: “Leniency

Policies and Illegal Transactions”, Journal of Public Economics Vol 90, 6-7 (2006); Choi, J.P. e Gerlach, H.: “Global Cartels, Leniency Programs and International Antitrust Cooperation”, CESifo Working Paper Industrial Organization nº 3005 (2010).

5 Porque os acordos de leniência reduzem a expectativa de custos decorrentes da detecção de delinquência. Motta, M. e Polo, M.: “Leniency programs and cartel prosecution”, International Journal of Industrial Organization 21 (2003).

6 Por exemplo, no âmbito da regulação da União Europeia, Brisset, K. e Thomas, L.: “Leniency Program: A New Tool in Competition Policy to Deter Cartel Activity in Procurement Auctions”, European Journal of Law and Economics 17 (2004).

7 Heimler, A.: “Cartels in Public Procurement”, Journal of Competition Law &

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analisar os preços praticados e os padrões de comportamento dos ofertantes, nos mercados públicos os agentes do Estado têm conhecimento completo acerca dos participantes, dos preços que oferecem e das distribuições perde-ganha.8

A sistematização desse conhecimento é, portanto, uma condição necessária para detectar indícios de cartelização e para que se torne possível adotar medidas preventivas e corretivas. Dada a sua responsabilidade em assegurar a maximização da eficiência na

alocação dos recursos que lhe são confiados, cabe à administração pública estabelecer mecanismos ativos para essa finalidade.9

Tal acompanhamento exige a aplicação de análise estatística permanente sobre as principais variáveis em jogo (objetos das contratações, participantes, preços etc.).

Uma medida importante a ser adotada por governos seria, portanto, a instalação, seja nos centros de custos de maior relevância (bem como nos organismos de controle interno), seja em alguma unidade

centralizada, de grupos dedicados exclusivamente a essa tarefa. Tais grupos teriam a vantagem de implicar baixos custos de capital e de mão de obra. Por um lado, o capital fundamental é cognitivo; por outro, uma quantidade pequena de profissionais versados no assunto seria suficiente para projetar e operar um sistema de coleta,

armazenamento e análise de dados. O custo de desenvolvimento de tal sistema seria marginal, pois os próprios operadores o

desenvolveriam.

A principal dificuldade na adoção de semelhante estratégia seria encontrar os profissionais necessários para conduzi-la, pois a área acadêmica correspondente não é muito ativa no Brasil. No sentido de desenvolver capacitação nessa área, a administração do estado

poderia firmar convênios com as universidades públicas estaduais (tanto na área de economia como na de matemática aplicada) para estimular a formação desses profissionais.

De modo a delinear o terreno, conviria também (caso isso já não tenha sido feito) familiarizar-se com a atividade que organismos nacionais e estrangeiros desenvolvem na detecção de cartéis. Entre os nacionais estão equipes de auditores especializados do Tribunal de Contas da União e o grupo de análise estatística da

Controladoria-Geral da União.

8 O mesmo se pode dizer de mercados estratégicos que, por serem oligopolizados, são regulados, como os de telecomunicações, aviação e outros.

9 Uma referência importante é Bajari, P. e Summers, G.: “Detecting Collusion in Procurement Auctions”, Antitrust Law Journal 143 (2002-2003), bem como o anterior Bajari, P e Ye, L.: “Competition Versus Collusion in Procurement Auctions:

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Internacionalmente, além da União Européia, o National Bureau of Economic Research dos EUA tem desenvolvido trabalhos na área de detecção de cartéis.

A coleta de indícios estatísticos é uma condição necessária para combater cartéis nos mercados públicos, mas obviamente não é suficiente.

Os indícios estatísticos nunca são indubitáveis em sentido estrito. Além de flutuações imprevistas não capturadas pela modelagem que se empregue, podem ocorrer falsos positivos, ou seja, situações de fato concorrenciais mas que produzem estatísticas que recaem dentro dos limiares de alarma dos sistemas.10 (Um motivo para isso é a

existência de conhecimento que seja público no âmbito dos participantes.)

O que a reunião de indícios de funcionamento de um cartel justifica é a abertura de investigações. Uma vez detectada (a posteriori) uma alta probabilidade de atuação de um cartel num determinado mercado público, o conhecimento completo que a autoridade correspondente detém sobre todas as transações efetuadas naquele mercado torna igualmente provável que a ausência de detecção tenha decorrido seja de inépcia, seja de má fé.

A despeito disso, convém frisar que a principal utilidade da condução de inquéritos administrativos não é a identificação de culpados e consequente oferecimento de denúncias (o que, obviamente, deve ser feito, quando as circunstâncias o recomendarem), mas o diagnóstico de falhas administrativas que propiciem alteração dos procedimentos gerenciais, de modo a evitar que elas se perpetuem.

10 Exemplos desse tipo no mercado brasileiro de combustíveis no varejo encontram-se em Ragazzo, C.: “Screens in the Gas Retail Market: The Brazilian Experience”,

Referências

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