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A Maior Farsa do Mundo.

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Academic year: 2021

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A Maior Farsa do Mundo.

Salmerón

Eu estava bem cético quanto a sua existência. Eu não sou uma pessoa muito normal, aliás, não sou nada normal. Claro, normalidade é algo totalmente relativo. Digamos que sou relativamente excêntrico, então.

E estava relativamente cético quanto a sua existência. Dela, digo eu. Eu dificilmente me interesso por outras pessoas. Não é que eu seja um misantropo ou algo da natureza, é que na maioria das vezes, simplesmente não acho as pessoas interessantes.

Elas geralmente têm personalidades pré-fabricadas, e falam de assuntos que interessam a pessoas pré-fabricadas. E até hoje, posso contar nos dedos as pessoas interessantes que conheci.

Por isso, fiquei abismado ao conhecê-la. Foi tudo uma grande coincidência, diga-se de passagem.

Meu sábado tinha começado como qualquer outro sábado. Levantei-me ressaqueado, tomei uma mão de analgésicos e fiz um café. Bebi o café. Iniciei meu computador e liguei meu programa de mensagem instantânea. Alguém havia tentado me adicionar. Estranhei, já havia um bom tempo que ninguém me adicionava à lista de contatos. - Oi... Quem é você, por favor? – Escrevi, e de imediato desconfiei que fosse algum hacker incompetente tentando me passar um vírus.

- Oi, eu sou a Lorena. Eu vi seu MSN em algum lugar e decidi te adicionar.

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sem mais o que fazer que não se fingir de mulher. Decidi cooperar, era sábado a tarde e eu estava entediado.

- Prazer Lorena, eu sou o Anderson. Enfim, você faz o quê? – Me reclinei sobre a poltrona e estiquei as pernas. Esperei um pouco.

- Eu sou estudante, faço curso de Letras na UFRGS.

Parei um pouco e pensei. Balancei a cabeça em negação, argumentei que o fato dela(e) fazer letras não queria dizer que ela era interessante. Resolvi estender a conversa, não custava nada afinal.

- Você deve gostar de literatura então, não é? – Duvido que algum pré-adolescente sem mais o que fazer vá conhecer literatura de verdade. Esse será o teste de ferro.

- Sim, eu gosto muito de Hemingway, Machado de Assis, Veríssimo, Bukowski. Gosto de escrever poesias também. Adoro o Vinícius de Moraes. – Tudo bem. Talvez não fosse ela fosse real. Mas eu permanecia desconfiado.

E permaneci desconfiado. Mas depois de um tempo, acabei aceitando o fato de que ela não só era real, como era sem dúvida a menina mais foda que conheci. Desconheço palavra melhor que “foda” para descrevê-la.

Em todos os aspectos possíveis, ela era perfeita. Seu rosto podia não ser o mais lindo de todos, mas tinha beleza característica, e pelo que tinha descrito para mim seu corpo era tão belo quanto sua face. Além disso, ela se assimilava a mim em todos os quesitos.

Tinha gosto musical refinadíssimo. Digo isso não só pelo fato dela escutar grandes mestres, como Bob Dylan e David Bowie. Ela também tocava violão e cantava.

Tinha talento literário. De verdade. Tudo bem, talvez seja só a paixonite falando. Mas eu admirava seus textos.

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Era impressionante como ela não falhava em nenhum quesito. Acabei me apaixonando perdidamente por ela. Sem nunca tê-la visto. Meu modus operandi havia mudado, não era mais o Anderson racional, e sim mais um imbecil apaixonado. Um imbecil feliz.

Esqueci de comentar. Eu vivo em uma cidade chamada São Jurandir do Porto Velho. Daqui até Porto Alegre, são aproximadamente 2618 Km. Decidi que iria até lá vê-la.

Comprei minha passagem São Jurandir – Porto Alegre, o ônibus sairia daqui a quatro dias, o que me daria tempo de preparar tudo.

Passei toda a tarde ansioso, esperando para poder falar com ela. Finalmente, ela ficou online.

- Adivinha... To indo aí te visitar. – Esse foi o Anderson não-racional falando. O Anderson racional já estava enterrado no fundo do meu subconsciente.

- Você ta de brincadeira comigo? – Eu li a mensagem e dei um sorriso abestalhado. - Daqui a quatro dias eu pego o ônibus e vou aí te visitar. Sem brincadeira!

- Nossa que maravilhoso! Vou me preparar pra você então. Vou te esperar na rodoviária e daí agente resolve o que faz!

Preparei tudo. Roupas, dinheiro, programas. Meu coração batia com antecipação, chegou finalmente o dia em que iria conhecer Lorena, a menina mais perfeita que já conheci. Entrei no ônibus, e esperei. Esperei, esperei e esperei. É uma viagem absurdamente longa. Inevitavelmente, caí no sono e, inevitavelmente sonhei com ela. Apesar de que foi um sonho estranho, já que ainda não sabia como ela era.

Na última parada antes da chegada final, comecei a suar como um animal. Estava demasiadamente nervoso. Fui até o bar e pedi logo quatro doses de cachaça. Engoli as quatro a seco.

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- Dá mais quatro. – O balconista franziu a testa e relutantemente serviu-me as outras doses. Na saída, comprei uma garrafinha de uísque nacional.

Cerca de duas horas depois, cheguei à Rodoviária Internacional de Porto Alegre. Tropecei para fora do ônibus e sentei-me em um canto, junto a minha fiel garrafa.

Uma moça loira passa e joga alguns trocados. Não era ela. Passaram-se quinze minutos e finalmente, ouço alguém falando acima de mim.

- Desculpa o atraso, Anderson... Você está bem? - É você, Lorena?

- Sim. – Fechei meus olhos, e me apoiei na parede para levantar. Dei nela um beijo cinematográfico, que pareceu durar uma eternidade.

A esta altura já estava completamente anestesiado pelo álcool. Não sabia direito o que estava acontecendo. Só lembro que ela pegou minha mão e me levou até um quarto abafado de motel.

Fizemos sexo por um tempo. Eu admito, não vi nada. Quando acordei, ela estava deitada debaixo da coberta. Coloquei a mão na cabeça e aos poucos fui me situando. Levantei o lençol e lá estava ela.

Não era nada do que tinha dito. Ela devia pesar uns cem quilos, e faltava-lhe um olho na face. Estava completamente nua na cama, as pelancas e estrias causadas pela obesidade eram óbvias.

Meu estômago embrulhou. O rádio-relógio despertou, tocando “It’s All Over Now Baby Blue”.

Afundei meu rosto nas mãos e cai em prantos pela morte de minha dignidade. Aquela que estava deitada não era Lorena, a menina mais perfeita do mundo. Aquela era Lorena, a

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maior farsa do mundo.

Obra original disponível em:

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