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PERCURSOS E ENTRAVES DAS CATEGORIAS GÊNERO E RAÇA NA EPISTEMOLOGIA

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Academic year: 2021

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ERCURSOS E ENTRAVES DAS CATEGORIAS

GÊNERO E RAÇA

NA EPISTEMOLOGIA FEMINISTA NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

Elismênnia Aparecida Oliveira1

Resumo: Partindo da pesquisa sobre os usos e abusos das categorias feministas, a partir da década de 1960, quando são inseridas nas universidades do país, neste estudo apresento parte da pesquisa de tese sobre a intersecção entre “gênero e raça” no pensamento social brasileiro por meio de: 1) revisão bibliográfica metafeminista sobre o tema e do; 2) estudo exploratório com os Currículos Lattes de lideranças de grupos e núcleos de pesquisa cadastrados no Diretório do CNPq. Nesse sentido serão analisados campos de “título”, “temáticas de pesquisa” dos grupos e núcleos e a “formação e organização de eventos” de suas lideranças para que, em um segundo momento, sejam apontados questionamentos acerca da efetividade da interseccionalidade e consubstancialidade na produção feminista bem como sobre os usos específicos da categoria “raça”, já que por vezes a produção feminista não esta isenta do racismo institucional universitário. Como resultados pontuo que a “ausência de estudos sobre raça e gênero esta presente na produção feminista” tal como a ausência da categoria “gênero e do arsenal feminista estão ausentes nos estudos sobre raça”, e que os poucos estudos que existem no país sobre a temática de intersecção são de pesquisadoras negras, por vezes identificadas como feministas, nos deixando diante de uma produção interseccional que estaria localizada em feministas negras e no feminismo negro.

Palavras-chave: Epistemologia feminista. Diretório de núcleos e grupos de pesquisa do CNPq. Produção de conhecimento sobre gênero e raça.

A inserção do pluridimensional “gênero e raça”: os desafios da intersecção e do acesso aos bancos de dados

Seja pelo preenchimento de formulários de identificação diária ou violências vivenciadas por quebra de estereótipos de sexualidade, estética e corporalidade, “gênero e raça” são categorias identitárias que perpassam as pessoas, as normas e as pesquisas sociais. No pensamento social brasileiro, nas ciências biológicas e sociais aplicadas, é comum o uso dessas categorias para mensurar populações e repensar políticas públicas. Amplamente conhecidas, elas são tidas como multidimensionais e estudadas em contextos de hierarquia, relações de poder e diversidade social na forma de classificação e aprofundamento no estudo das relações sociais (CRENSHAW, 2002).

Mas, essa amplitude apresenta também dificuldades em relação a inserção e intersecção de ambas no pensamento social e nas universidades, mesmo no campo das ciências sociais, em que é

1 Nos estudos é doutoranda em Sociologia na Universidade Federal de Goiás - Goiânia - Brasil. Feminista, periférica, e

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2 preciso eleger entre “quais discussões, disciplinas e contextos” elas serão analisadas. Ao mesmo tempo, em boa parte da discussão sobre elas estão presentes as “ausências de intersecção que elas apresentam com outros marcadores e entre elas”, até nos campos feministas (SIMÕES, 2012). Pensando nesses processos, adotei a proposta de estudar a inserção e a intersecção dessas categorias no circuito institucional do saber, as universidades, a partir do estudo do Currículo Lattes de lideranças de grupos e núcleos de pesquisas, que têm por temática central “gênero e raça”. Nos currículos, com a análise dos campos, preenchidos na plataforma, “organização de eventos” e “formação”, aponto inferências sobre as temáticas que têm sido desenvolvidas ao longo dos anos de atuação dos grupos e núcleos conjunta ao contexto social.

Entretanto, a escolha dos currículos de lideranças abarca também dificuldades: no acesso de informações, o banco de dados da Plataforma Lattes não é facilitado2; na amplitude de sub-temática que vão desde a entrada de mulheres e homens, e suas identidades étnico-raciais declaradas, no ensino superior brasileiro até a permanência, formação e atuação nos temas e áreas de pesquisa; na investigação sobre cargos ocupados nas universidades; e no levantamento de espaço de discussões e enfrentamento ao racismo. Assim, fora as questões de inserção na universidade, existem ainda as complicações referentes as categorias gênero e raça em suas viagens semânticas, pois ambas têm circulações distintas nas ciências sociais e na sociedade brasileira, tais como as que são apontadas por Lia Zanota (1998), Karla Adrião (2008), José Petruccelli (2013), Rafael Osório (2013), Cecília Sartenberg (2014) e Laura Moutinho (2014). Tendo isto em vista, apresento neste artigo algumas dificuldades sobre os Currículos Lattes e a relação de intersecção entre gênero e raça como parte de uma pesquisa de doutorado em curso, que muito ainda trará ao longo dos próximos três anos.

Pensando raça e gênero no Diretório de grupos e núcleos de pesquisa do CNPq

Para trabalhar a junção das categorias “raça e gênero” parto de teorias feministas, descoloniais e terceiro-mundistas sobre interseccionalidade a partir de Kimberlé Crenshaw (2002) e seus desdobramentos em consubstancialidade de Daniéle Kergoat (2010) e Helena Hirata (2015) e nos conceitos de sistema-mundo-moderno-colonial de gênero de Maria Lugones (2008), já que todas esses conceitos/teorias são coexistentes ao apontar “a correlação contextual e multifacetada em que

2 Mesmo sendo um banco de dados público para acesso a extração de dados em forma de arquivos para tabulação é

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3 as hierarquias sociais tem se estruturado” com ênfase em gênero, raça/etnia e classe social, ou considerando “a maior parte de variáveis coexistentes e substanciais” a vida das pessoas em seus contextos.

Nesse sentido, o estudo de temas em interseção não é só a partir de categorias eleitas, neste caso gênero e raça, mas está permeado de categorias como idade, sexualidade, região, língua, local de moradia, linhagem familiar, e outras tantas em que o estudo sobre sua inserção em universidades passa. Nesse artigo, especificamente, a maior parte delas não será trabalhada, a ênfase será na investigação conjunta entre as categorias e o contexto social em que emerge a produção de conhecimento, considerando a geopolítica de poder-saber (MIGNOLO, 2003; QUIJANO, 2005; LUGONES 2008) que resultou na produção do racismo-sexista-estrutural.

A partir disso, desenvolvo uma análise descritivo-exploratória do Currículos Lattes de lideranças de grupos e núcleos de pesquisa que estudam a temática de gênero e raça e estão cadastrados no Diretório de grupos do CNPq. A análise de 189 currículos de líderes, sendo 40 pesquisadores e 149 pesquisadoras, foi realizada após a publicação em 2015, no site do Senado Federal, de uma lista com o nome de 161 grupos e núcleos de pesquisa que interseccionam gênero e raça no Brasil e estavam atualizados até o fim de 20143. Da lista, de grupos e núcleos, foram verificados os que ainda atuavam e escolhidos os Currículo Lattes de suas lideranças para então extrair alguns campos, entre os quais foram analisados, para este artigo, os itens: a) título de nomeação do grupo ou núcleo de pesquisa e; b) organização de evento.

A análise das categorias “raça e gênero”, entendidas como autodeclaração de “cor e sexo” foram um problema a parte já que o acesso as declarações descritas sobre étnico-racial e de sexo não estão registradas publicamente na Plataforma, e a estratégia em “inferir as identidades por fotografia, tonalidade da pele, e nome de registro a partir de um olhar politicamente treinado”, de uma pesquisadora que reconhece seu local de branquitude, não deixa de ser uma armadilha, sujeita a reprodução de fenótipos étnico-raciais comuns no Brasil, como aponta Jacques d”Adesky (2006), e em fenótipos de sexo vinculados a identidade de gênero, também comuns, como aponta Miriam Grossi (1998). No entanto, entre optar pela a invisibilização desses marcadores em ambientes universitários, já que eles não são disponibilizados, e entre o risco de cair em definições estereotipadas

3 A lista fez parte de uma pesquisa sobre núcleos e grupos de pesquisa com eixos de gênero e raça no Brasil e sua

construção e publicação fez parte de uma pesquisa institucional vinculada ao Programa de Equidade de Gênero e Raça da Secretaria Interministerial de Políticas para as Mulheres (SPM) extinta em 2015.

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4 e biologizantes, a escolha metodológica política foi partir da identificação de sujeitos mesmo tendo apenas suas fotografias públicas e os nomes de registro no Currículo Lattes. Pois, essas marcações identitárias refletem as relações sociais, políticas e econômicas da ocupação dos espaços em que o estudo dessa geopolítica do conhecimento, pode demonstrar, segundo Walter Mignolo (2003), a localização da corporalidade e as relações de poder em circuitos racistas e sexistas presentes nas dinâmicas de poder-saber.

Dadas essas ressalvas a análise a seguir aponta: 1) a invisibilidade da categoria raça nas produções conjuntas a gênero; 2) a ausência de discussões dos conceitos raciais nos grupos e núcleos de pesquisa e na organização e promoção de eventos e; 3) a flutuação de algumas palavras-chaves que indicam um processo de ausência de pesquisadores e pesquisadoras negras identificadas em grupos e núcleos de pesquisa, bem como a necessidade de mais pesquisas no campo de produção de conhecimento acadêmica.

Em nome da invisibilidade da raça e do gênero: conceitos e interesses a partir da nomeação dos grupos e núcleos de pesquisa e da organização de eventos acadêmicos

As Tabelas 1, 2 e 3 devem ser lidas de forma cuidadosa, pois foram arbitrariamente construídas pelas inferências da pesquisadora, no caso eu. Com o nome de “distribuição por sexo/cor das lideranças”, elas trazem tabulações a partir do estudo das fotografias e dos nomes de registro, e resguardada toda complexidade disto, as informações indicam que “existem mais mulheres brancas nesse campo de pesquisa, que intersecciona raça e gênero”. Ou seja, o quadro inicial reflete o atual estágio de racismo institucional brasileiro em que a maior parte de pesquisadores e pesquisadoras é branca (WERNECK, 2013). E mesmo que tenham mais mulheres nas universidades, proporção também populacional em que já temos mais mulheres que homens, elas aparecem nesse campo por serem um público maior nos cursos de humanidades e saúde, áreas de cuidado (BLAY, 2006), correspondentes aos cursos que estudam as categorias “gênero e raça”.

A falta de identificação racial, para o acesso ao público e pela ausência de fotos na Plataforma, cria uma diferença estrondosa entre gênero e raça, já que a maior parte são pesquisadoras brancas, em sequência pesquisadores brancos para só então termos a presença de mulheres negras e homens negros. Esses dados, que refletem a ausência de docentes negros nas universidades brasileiras, ainda

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5 refletem a ausência de estudantes e de auxílio a permanência, como discutem Isabela Tavares, Maria Lúcia Braga e Betina Lima (2016) sobre a distribuição de bolsas de pesquisa no ensino superior.

Tabela 1: Distribuição por sexo/cor das líderes e dos líderes dos grupos e núcleos de pesquisa do CNPq a partir de inferências da pesquisadora por fotos e nomes completos

sem identificação negros Brancos totais

12 3 25 40

sem identificação negras Brancas

67 8 74 149

Fonte: Tabela gerada a partir da identificação por fotografia das lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Diretório de Grupos e Núcleos de Pesquisa do CNPq, 2015.

Elaboração: Própria.

A maior presença de mulheres, 149 para apenas 40 homens, por sua vez, precisa ser analisada com cautela, pois não é que as mulheres sejam a maioria na maior parte dos altos cargos de pesquisa do conhecimento universitário, mas que, em produções identificadas com gênero e feminismo existe uma “guetização e feminização da produção” (BLAY, 2006) em que, os poucos homens que entram, têm estudado temas referentes à sexualidade e diversidade, conforme podemos notar também nas tabelas 2 e 3.

Tabela 2: Distribuição por sexo/cor da nomeação dos grupos e núcleos de pesquisa do CNPq com a palavra-chave “gênero” a partir de inferências da pesquisadora por fotos e nomes completos

sem identificação negros brancos totais

0 1 7 8

sem identificação negras brancas

23 3 27 53

Fonte: Tabela gerada a partir dos nomes dos grupos e núcleos de pesquisas. Diretório de Grupos e Núcleos de Pesquisa do CNPq, 2015.

Elaboração: Própria.

Tabela 3: Distribuição por sexo/cor da nomeação dos grupos e núcleos de pesquisa do CNPq com a palavra-chave “raça” a partir de inferências da pesquisadora por fotos e nomes completos

brancas negras sem identificação totais

5 3 2 10

brancos negros sem identificação

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Fonte: Tabela gerada a partir dos nomes dos grupos e núcleos de pesquisas. Diretório de Grupos e Núcleos de Pesquisa do CNPq, 2015.

Elaboração: Própria.

Na leitura da distribuição acima, mesmo sendo uma produção identificada em gênero-raça, a maior parte dos grupos não têm no título identificações/conceitos referentes ao étnico-racial. Sobressaem-se as nomeações/conceitos sobre a categoria gênero e temas amplos que não fazem referência nem a gênero e nem a raça de forma direta, tais como: direitos humanos; diversidade; educação. Entendendo os títulos como o momento de “exposição conceitual” do tema central de pesquisas, essa ausência das categorias raciais, - raça, quilombola, negra, negritude, afro, áfrica, negro, preta4 - interseccionadas ao gênero, e a baixa quantidade das categorias étnico-raciais nas titulações, é possível afirmar que existe uma invisibilização conceitual das intersecções entre gênero e raça que é reflexo da formação universitária em que esses temas são ausentes no ensino superior, conforme pode ser percebido nos gráficos sobre formação e organização de eventos. Em relação a organização de eventos a mesma dinâmica de androcentrismo racista, que produz a guetização da produção de mulheres, e exclui pesquisadoras e pesquisadores negros, pode ser descrita a partir dos Gráficos 1, 2, 3, e 4 em que a maior parte das temáticas corresponde a gênero, sexualidade e temas gerais de direitos humanos, violência, saúde e direitos sexuais e reprodutivos. As categorias utilizadas nos campos de estudos étnico-raciais são minoria, seja no processo de formação seja no processo de organização de eventos.

Gráfico 1: Mapeamento da organização de eventos e de conclusão de curso da graduação, mestrado e doutorado com os marcadores de raça/negritude.

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Os termos do “campo de estudos étnico-raciais” são os mais recorrentes no preenchimento do campo de formação - monografia, dissertação, tese - e no campo de “organização de eventos” r estão presentes na integrada no Gráfico 2.

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Fonte: Tabela gerada a partir dos itens de “produção/organização de eventos” e “formação”, graduação, mestrado e doutorado, das 190 lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Os itens são contabilizados a partir do “trabalho de conclusão de curso”, e de “eventos organizados” sendo que na graduação, a monografia, não é preenchida na maior parte dos currículos. Currículo Lattes, 2015.

Elaboração: Própria.

Alguns gráficos também apontam especificidades históricas do surgimento dos conceitos, como o Gráfico 2, sobre gênero e feminismo, em que o tema “mulher” tem picos de produção e citação maior ao longo das décadas na formação universitária, ou seja, mais pessoas fizeram seus trabalhos de conclusão de curso utilizando a “categoria mulher” e continuaram produzindo sobre “mulheres”. Essa categoria, mulher, é melhor entendida quando mesclada com os temas amplos “violência e saúde”, pois são eles que a condicionam a ter mais recorrência que a categoria “gênero e feminismo” nos gráficos sobre organização de eventos. Processo semelhante acontece no Gráfico 3, de diversidade sexual, já que nele a “categoria sexualidade” é a que tem o maior número de citações, e tal como a categoria “mulher”, a categoria “sexualidade” tem maior vazão porque aparece conjunta a temas gerais como “escola, direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos”.

Gráfico 2: Mapeamento da organização de eventos e de conclusão de graduação, mestrado e doutorado com os temas de gênero/feminismo.

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Fonte: Tabela gerada a partir dos itens de “produção/organização de eventos” e “formação”, graduação, mestrado e doutorado, das 190 lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Os itens são contabilizados a partir do “trabalho de conclusão de curso”, e de “eventos organizados” sendo que na graduação, a monografia, não é preenchida na maior parte dos currículos. Currículo Lattes, 2015.

Elaboração: Própria.

Gráfico 3: Mapeamento da organização de eventos e de conclusão de graduação, mestrado e doutorado com os temas de diversidade sexual.

Fonte: Tabela gerada a partir dos itens de “produção/organização de eventos” e “formação”, graduação, mestrado e doutorado, das 190 lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Os itens são contabilizados a partir do “trabalho de conclusão de curso”, e de “eventos organizados” sendo que na graduação, a monografia, não é preenchida na maior parte dos currículos. Currículo Lattes, 2015.

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9 Nesse sentido o Gráfico 4 demonstra a relação entre todos os gráficos anteriores, agora sintetizados em códigos guarda-chuva em que podemos sugerir que a produção sobre marcadores raciais é mais próxima aos marcadores de sexualidade, ambos apresentam diversidade de conceitos e ausências de produções, ao mesmo tempo em que ambos tem um histórico de invisibilidade social, seja pela discussão e institucionalização tardia do racismo institucional (WERNECK, 2013), seja pelo apagamento e o ódio social à diversidade sexual (GROSSI, 1998).

Gráfico 4: Mapeamento da organização de eventos e de conclusão de graduação, mestrado e doutorado.

Fonte: Tabela gerada a partir dos itens de “produção/organização de eventos” e “formação”, graduação, mestrado e doutorado, das 190 lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Os itens são contabilizados a partir do “trabalho de conclusão de curso”, e de “eventos organizados” sendo que na graduação, a monografia, não é preenchida na maior parte dos currículos. Currículo Lattes, 2015.

Elaboração: Própria.

A leitura dos gráficos também aponta que a produção de temas relacionados a negritude, gênero e diversidade é mais recorrente durante a organização de eventos que durante a formação, ou seja, as pesquisadoras e pesquisadores que hoje estudam gênero e raça no Brasil não tiveram formação com esses temas, nem produziram trabalhos de conclusão de curso durante a graduação, mestrado e doutorado com esses temas. Temos uma questão de contexto sócio-histórico do surgimento dos conceitos/temas do pensamento social que pode ser percebida na Tabela 4.

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10 Tabela 4: Mapeamento da organização de eventos e de conclusão de graduação, mestrado e doutorado.

décadas eventos formação 1970- 1979 1 8 1980 - 1989 13 17 1990 - 2000 113 25 2005 - 2010 289 13 2010- 2015 297 9 total 713 72

Fonte: Tabela gerada a partir dos itens de “produção/organização de eventos” e “formação”, graduação, mestrado e doutorado, das 190 lideranças dos grupos e núcleos de pesquisas. Os itens são contabilizados a partir do “trabalho de conclusão de curso”, e de “eventos organizados” sendo que na graduação, a monografia, não é preenchida na maior parte dos currículos. Currículo Lattes, 2015.

Elaboração: Própria.

Ao estabelecer a relação de análise na junção do tema dos títulos com a de organização de eventos percebemos tendências em “ora pautar mais gênero de forma não inter-relacionada aos estudos de raça e vice-versa”. Isso é um apontamento interessante aos discursos de “interseccionalidade e consubstancialidade” por demonstrar que boa parte das pesquisas não considera ainda sequer “eixos centrais que perpassam a vida das pessoas”, quanto mais a “multiplicidade de temas por contexto”. Conforme Luzinete Simões (2013) e Laura Montinho (2014) apontam, existe o que se nomearia de ausência dos marcadores raciais e da discussão sobre racismo na produção acadêmica, e pela distribuição dos temas ao longo das décadas, é possível dizer que alguns temas como homofobia, sexualidade, quilombola, raça, negritude e população negra “passam a aparecer” como temas de pesquisa a partir dos anos 2000”, momento político e social marcado pela expansão das discussões de ações afirmativas e de acesso da população negra, que, como aponta Jurema Werneck (2013), chegou ao ápice de evidenciar políticas de combate ao “racismo-sexista-institucional” desde políticas de governo com a instituição dos Ministérios Especiais da Igualdade racial e das Mulheres, ambos construídos por decreto em 2003 e desmontados em um regime de crise política em 2016.

Se por um lado gênero e raça são categorias amplamente solidificadas e utilizadas em distintas áreas de saber (MOUTINHO, 2014), sua intersecção não está solidificada nem mesmo nas vertentes feministas, que no Brasil estudam gênero, raça e feminismos como categoria central, nem nas vertentes afro-caribenhas, negras, brasileiras onde se estuda raça (SIMÕES, 2012). Assim, no que toca ao pensamento social e a sociologia, se parte da produção fundamental sobre raça é pensada em relação à classe social e estado-nação (MOUTINHO, 2014), a comum intersecção, em pesquisas,

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11 entre raça e sexualidade, gênero e classe social prioriza as relações entre “sexualidade, raça e classe social”, e entre “sexualidade e gênero”, enquanto a discussão sobre raça e gênero é produzida a partir das ausências, das não citações, e das não considerações (MOUTINHO, 2014; SIMÕES, 2012).

Mediante essas indicações, e a todos os questionamentos abertos, deixo duas vias para as pesquisas futuras: 1) o estudo da trajetória das pesquisadoras e pesquisadoras, que poderá indicar porque existe mais correlação entre sexualidade e raça, e sexualidade e gênero bem como várias outras questões e; 2) “porque a intersecção de gênero e raça é feita por pesquisadoras negras”, se seria esse um espaço do feminismo negro, também nas universidades.

Referências

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WENECK, Jurema (org.). Racismo Institucional: uma abordagem conceitual. Geledez e CEFEMEA (Cord.), Rio de Janeiro: Gelédes, 2013.

Routes and barriers of the categories of “gender and race” in feminist epistemology at Brazilian universities

Abstract: Based on the investigation about the uses and abuses of feminist”s categories, since 1960s, when those categories was introduced in the universities of our country, this paper ( findings of Ph.D.”s research in progress) examines the intersection between "Gender and Race" in Brazilian social thought. Along these lines, I attempt to review the literature on the metafeminist issue and present an exploratory study on the Lattes Curricula of groups leaders and research centers registered in the CNPq Directory. Indeed, the fields of “thematic analysis” of groups and centers and the “formal education/ event production” of their leaders will be analyzed in order to, in a second moment, point out questions about the effectiveness of intersectionality and consubstantiality in feminist production as well in the specific uses of the category of "race", once the feminist production is sometimes not exempt from institutional racism at universities. As results i mark it that the “absence of studies about race and gender” it”s present in the feminist production, as the absence of the category “gender and feminist arsenal” are far away on the studies about race, and the few studies that exist in the country

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13 about the theme of intersection are from black researchers, by time identified as feminist, leaving us facing a intersectional production that would be localized in the black feminists and black feminism. Keywords: Feminist epistemology; Centers and research groups: CNPq; Brazil: Production of knowledge about race and gender.

Referências

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