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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Práticas devocionais e Religiosidade Popular: as mulheres ribeirinhas nos festejos religiosos de comunidades ao longo do rio Madeira1

Adriano Lopes Saraiva (UNIR); Selma Suely de Oliveira Sarmento (UNIR) Palavras-chaves: Práticas devocionais; Religiosidade popular; Mulher ribeirinha. ST 49 - Gênero, Cultura e Desenvolvimento: um debate na Amazônia

Apresentando o tema do trabalho

Historicamente, segundo Mary Del Priore o espaço da mulher além do trabalho e seu cotidiano eram regidos pelas atividades em torno da igreja; dos festejos, das procissões, além das práticas domésticas, como rezar o terço diante do oratório e ensinar aos pequeninos as principais orações.

No tocante a religião, este foi um espaço além da família onde a mulher podia transitar sem maiores problemas, afinal a religião se tornou “afeminada” (WOODHEAD, 2002). E nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, esta situação é observada com grande freqüência, uma vez que as atividades da igreja são papéis da mulher.

Afinal as igrejas e outros espaços sagrados particularmente ofereceram um espaço social que de outra forma não seria disponível às mulheres. Era um espaço onde seu papel como as que cuidavam dos lares, viúvas e mães podiam ser legitimados, articulados e recompensados, e assim elas poderiam acumular igualmente capital social e cultural, podendo exercer certa autoridade dentro deste espaço.

Esse artigo se propõe a analisar a participação da mulher ribeirinha na realização das festas religiosas, suas crenças e devoções religiosas no âmbito da religiosidade popular observada nas comunidades ribeirinhas de Porto Velho.

Gênero e religiosidade no contexto das comunidades ribeirinhas

A questão de gênero nas palavras de Scott é “[...] um termo proposto por aquelas que defendiam que a pesquisa sobre mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas no seio de cada disciplina” (1991, p. 2). Dessa forma a noção de gênero viria levantar não só “novas” temáticas, contribuindo para uma revisão das bases do pensamento científico e das práticas. O que nos mostra que o conceito de gênero permite compreender que não são as diferenças dos corpos de homens e mulheres que os posicionam em diferentes âmbitos e hierarquias, mas sim a simbolização

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que a sociedade faz delas. Assim, gênero é o conjunto de idéias que uma cultura constrói do que é ser mulher e ser homem e tal conjunto é resultado de lutas sociais na vivência cotidiana.

Como se processa, então, a aplicação concreta desses pressupostos implícitos nessas relações e como estudar a categoria gênero dentro desse contexto? Primeiramente, considerar gênero numa perspectiva analítica levando em consideração as relações sociais (as relações de gênero). Dessa forma, gênero é, em primeira e última instância, uma forma de ordenamento da prática social. Deve, portanto, ser tomado como possuindo uma estrutura internamente complexa, onde se sobrepõem várias lógicas diferentes. Assim, a perspectiva aqui adotada é aquela que defende que gênero não se resume a mera formulação cultural de um dado natural (de uma diferença anatômica, em última instância).

O conceito de religiosidade popular tem sua origem no culto e está presente em todas as civilizações, permitindo as mais diversas análises; contribuindo para entender as relações de homens e mulheres com suas crenças e o modo de relacionar-se em sociedade.

Para que possamos compreender com mais facilidade a carga emocional contida nas promessas, festas religiosas, romarias e procissões, dentre outras manifestações que materializam a fé, fazem-se necessário um estudo pormenorizado da religiosidade popular.

Oscar Beozzo, por exemplo, defende a substituição da expressão “religiosidade popular” por “práticas religiosas das classes populares”, do qual, salvo melhor juízo, julga-se lícito discordar, pois o autor insiste em tê-la como exclusivo “patrimônio de classes sociais exploradas e oprimidas” (BEOZZO, 1982, p. 745), desconsiderando que as manifestações de religiosidade popular independem de classe social. Sejam as práticas do catolicismo oficial, sejam as manifestações de religiosidade popular, ambas se sustentam em alicerce comum: a noção do sagrado.

As manifestações de religiosidade popular vão permear o imaginário do povo brasileiro em suas relações com o sobrenatural, formando-se em nosso país um catolicismo extra-oficial, de caráter pragmático, popular e tributário de superstições tomadas a outras religiões. A este irá se opor ao catolicismo romano, baseado nos preceitos do Clero, na figura da Santíssima Trindade, na figura do indivíduo e nos sacramentos.

Dentro da realidade amazônica vamos ter uma religiosidade permeada por vários aspectos. Somados aos que já foram comentados temos o fator indígena e as crenças do caboclo. Estes aspectos por si só, já são capazes de dar novas características às crenças e ao modo como o homem se relaciona como sagrado. Nas comunidades amazônicas temos deste os mistérios das encantarias, da pajelança, dos rituais até os momentos efervescentes das festas religiosas e o imaginário das entidades míticas do mundo da natureza. Essa maneira de se relacionar com o sagrado e com o universo das crenças não representa apenas o produto da amalgamação de duas tradições, a ibérica e

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a do indígena, estas duas fontes são formadoras da religião do ribeirinho da Amazônia, ressaltando que o componente ambiente físico é grande responsável por este fenômeno. (GALVÃO, 1976)

O Culto aos santos padroeiros e as práticas devocionais

Desde a chegada dos portugueses na costa brasileira e sua entrada no interior do país com o intuito de conquista, exploração e dominação do território; existe registro de festividades religiosas e de devoção aos santos. José Ramos Tinhorão (2000) descreve com riqueza de detalhes o ritual religioso da primeira missa e o contato dos portugueses recém chegados com os indígenas. A partir daí a inserção do catolicismo e de seus preceitos começou a ser disseminado naquela terra nova.

A vinda de missões jesuítas que datam do século XVII para a Amazônia e o contato com os indígenas, com suas crenças e suas devoções, somado a fenômenos que mais tarde vieram a contribuir para o atual formato da religiosidade praticada na região ribeirinha - como é o caso das correntes migratórias do início do fim do século XIX e início do XX - colaboram para originar uma forma de catolicismo que dá ênfase ao culto dos santos, às festas de santos e grupos organizados para realizar tais eventos. Em sua raiz está a atitude de adoração, de culto, de reverência ao sagrado, bem como a expressão dos desejos fundamentais a serem atendidos pelas divindades.

Nessa realidade temos os santos padroeiros como figuras de relevada importância dentro do universo das devoções das comunidades, dessa forma a figura de Deus e Jesus Cristo como entidades sagradas não se destacam tanto como dentro do contexto de populações urbanas. A figura da Virgem Maria assume a imagem de Nossa Senhora que nas comunidades ribeirinhas aparece revestida sob a identidade de santas de devoção de grupos de mulheres e de algumas praticantes de cultos místicos como as benzedeiras e rezadeiras, bem como as parteiras tradicionais que se pegam em oração às suas santas de devoção na hora da realização de seu ofício, o parto.

A devoção aos santos e a realização de festas têm características peculiares, posto que existam os santos de devoção que são individuais e existem os santos padroeiros da comunidade. A devoção individual a um santo leva o ribeirinho a prestar suas homenagens de forma isolada; já os santos padroeiros entram no calendário festivo das comunidades. Passam a ser comemorações coletivas de uma crença que perpassa apenas um individuo, chegando a congregar toda a comunidade em torno daquele santo. Alguns destes santos, representados por suas imagens fazem o papel de protetores ou patronos de alguns ofícios desenvolvidos pela comunidade; São Sebastião como santo dos pescadores é bom exemplo desta devoção (GALVÃO, 1976).

A imagem de um santo possui grande importância para uma comunidade, visto que “[...] acredita-se que determinadas imagens tenham poderes especiais, capacidades de milagres e de maravilhas que outras idênticas não possuem” (GALVÃO, 1976, p. 29-30). A imagem de Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil é revestida de uma áurea de misticismo e poderes especiais a

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ela atribuídos; da mesma forma é na região ribeirinha, as imagens de madeira ou de outro material, tornam-se as protagonistas das festividades e para ela são voltadas às crenças e as adorações.

Como podemos perceber, a devoção tem como característica a fidelidade, o pacto entre o santo e o devoto. Usando uma expressão de Pierre Bourdieu, podemos dizer que ela está inserida em uma “economia de trocas de bens simbólicos” (1999). Se uma das partes falha, esse vínculo se rompe, perde-se a credibilidade, dificultando a dimensão relacional entre aquele que fez a promessa e o santo. Dessa forma para Bourdieu (1999), essa economia dos bens simbólicos se apóia na crença, a reprodução ou crise dessa economia baseiam-se na reprodução ou na crise da crença, isto é, na perpetuação ou na ruptura do acordo entre as estruturas mentais e as estruturas objetivas das relações que fazem parte do modo de vida dos grupos sociais.

Nesse contexto os santos continuam servindo de ponto de referênciapara os devotos e o espaço sagrado (o santuário, as igrejas, etc.) constituem-se em espaços privilegiados onde as graças e os dons celestes são distribuídos com mais abundância, suprindo dessa forma as múltiplas carências das camadas populares. Em nossos dias também há santos e figuras que permeia a fé popular que atuam fora dos chamados “espaços sagrados”, como é o caso de Padre Cícero no interior do nordeste brasileiro e outros menos evidentes. Esses santos e figuras de renomada importância para o universo das crenças e devoções populares não são menos eficientes do ponto de vista devocional, atraindo um segmento significativo dos fieis católicos (incluindo ai um grande número de mulheres) que, para o desespero de padres e bispos, evadem-se das missas dominicais para buscarem os lugares de aparições de Nossa Senhora ou de fenômenos equivalentes.

Anotações conclusivas

A utilização do conceito de gênero na religiosidade popular e nos festejos religiosos deve levar em consideração que esses aspectos são dinâmicos, que constroem e são construídos pelas experiências e vivências cotidianas tanto de homens e mulheres a partir de representações sociais. Assim, compreende-se que a construção de gênero envolve tanto pressões de contexto, como escolhas individuais, como o contexto histórico e processo pelo qual os sujeitos passam em sua existência. Tais aspectos nos permitem a construção da abordagem social de gênero, pois as identidades e papéis sociais são exercidos concretamente através das ações das mulheres dentro do espaço das festas e das práticas devocionais que fazem parte do contexto da religiosidade popular.

A participação das mulheres nestes espaços de sociabilidade é significativa e a partir delas se constituem redes de trabalho e ações, envolvendo o funcionamento de modelos de organização baseados na estrutura social de organização social das comunidades nas quais homens e mulheres moram e convivem. Mesmo assim, um aspecto observado é que as mulheres estão longe do poder da Igreja Católica, embora representem a maioria dos fiéis e ativistas. Pode-se dizer, assim, que o

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poder da Igreja é sustentado pela atuação das mulheres, cujos papéis sociais são de exclusão e marginalização do poder eclesiástico, embora a dominação masculina apareça como natural.

Referências

ALMEIDA, Miguel Valle de. Gênero, masculinidade e poder: revendo um caso do sul de Portugal. Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

BEOZZO, José Oscar. Religiosidade Popular. In: Revista Eclesiástica Brasileira. Vol 36, Fac. 168 de Dezembro de 1982.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 5ª edição, 1999. CESAR, Waldo. O que é popular no catolicismo popular. In: Revista Eclesiástica Brasileira. Vol. 36, Fasc. 141 de Março de 1976.

CLAVAL, Paul. O Tema da Religião nos Estudos Geográficos. In: Espaço e Cultura. UERJ - Rio de Janeiro, nº 7. Jan/Jun de 1999, p. 37-58.

DEL PRIORE, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000. DURKEIM, Émile. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Ed. Paulinas.

FILHO, José Bittencourt. Matriz Religiosa - religiosidade e mudança social. Petrópolis: Vozes/KOINONIA, 2003.

GALVÃO, Eduardo. Santos e Visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas. 2ª ed. São Paulo, Ed. Nacional; Brasília, INL, 1976.

GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Editora Universidade Paulista, 1991.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2ª Ed., 1993. MAFFESOLI, Michel O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas

MAUÉS, Maria Angélica Motta. “Trabalhadeiras” e “Camarados”: relações de gênero, simbolismo e ritualização numa comunidade amazônica. Belém: Centro de Filosofia e Ciências Humanas/UFPA, 1993.

PASSOS, Mauro (org). A festa na vida – significado e imagens. Petrópolis: Vozes, 2002.

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WOODHEAD, Linda. Mulheres e Gênero: uma estrutura teórica. Revista de Estudos da Religião – REVER, Rio de Janeiro, Nº 01, 2002, pp. 1-11.

1Trabalho fruto de reflexões e estudos dentro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero – GEP Gênero a

partir da pesquisa sobre festejos religiosos e religiosidade popular em comunidades ribeirinhas de Porto Velho, Estado de Rondônia realizada no curso de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente que resultou na dissertação com o título “Festejos e Religiosidade Popular: o festejar em comunidades ribeirinhas de Porto Velho/RO” sob a orientação do prof. Dr. Josué da Costa Silva – Dep. de Geografia da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

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