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A superexploração do trabalho em economias periféricas dependentes

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A superexploração do trabalho em economias

periféricas dependentes

Marisa Silva Amaral Universidade de São Paulo (USP)

A superexploração do trabalho em economias periféricas dependentes

Resumo: O presente artigo parte do escopo de análise da teoria marxista da dependência, que identifica a superexploração do trabalho como característica fundamental da condição dependente, fato este marcado pela intensificação do processo de transferência de valores produzidos na periferia e acumulados nos países do centro. Pretende demonstrar como o processo de acumulação de capital leva à formação de um exército industrial de reserva e como este último contribui com as formas de superexploração do trabalho e com o seu fortalecimento para o caso dos países dependentes, em especial os latino-americanos.

Palavras-chave: acumulação capitalista, exército de reserva, dependência, superexploração do trabalho.

A Brief Review of the Content of Super-exploitation of Workers in Dependent Peripheral Economies

Abstract: This paper uses the Marxist theory of dependence, which identifies the super-exploitation of workers as an essential characteristic of the dependent condition, a fact that is marked by the intensification of the transfer of wealth produced in the periphery and accumulated in the countries of the center. It intends to demonstrate how capital accumulation leads to the formation of an industrial reserve army and how this contributes to the forms of super-exploitation of labor and to its strengthening in dependent countries, particularly those of Latin America.

Key words: capitalist accumulation, reserve army, dependence, super-exploitation of labor.

Recebido em 30.03.2009. Aprovado em 30.06.2009.

ARTIGO

Marcelo Dias Carcanholo Universidade Federal Fluminense (UFF)

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Introdução

A teoria marxista da dependência entende a situ-ação dependente como um condicionamento da eco-nomia de certos países em relação ao desenvolvi-mento e expansão de outras economias. Desta for-ma, os países dominantes poderiam se expandir e se auto-sustentar enquanto que os dependentes apenas poderiam fazê-lo como um reflexo da expansão dos anteriores (DOS SANTOS, 1970). Nos termos de

MARINI (2000, p. 109), a dependência deve ser

[...] entendida como uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo âmbito as relações de produção das nações subor-dinadas são modificadas ou recriadas para assegu-rar a reprodução ampliada1 da dependência.

Analisando o processo de constituição da eco-nomia mundial que integra as ecoeco-nomias nacionais ao mercado global, observa-se que as relações de produ-ção são desiguais porque o desenvolvimento de certas partes do sistema ocorre às custas do subdesenvolvi-mento de outras. As relações tradicionais são basea-das no controle do mercado por parte basea-das nações hegemônicas e isto leva à transferência do excedente gerado nos países dependentes para os países domi-nantes, tanto na forma de lucros quanto na forma de juros, ocasionando a perda de controle dos dependen-tes sobre seus recursos. E a geração deste excedente não se dá, nos países periféricos, por conta da criação de níveis avançados de tecnologia, mas através da superexploração da força de trabalho (MARINI, 1991). Nessas circunstâncias, a acumulação de capital assume suas próprias características. Em primeiro lugar, ela é caracterizada por profundas diferenças em nível doméstico, no contexto local de um merca-do de trabalho barato, combinamerca-do com uma tecnologia capital-intensiva. O resultado, sob o ponto de vista da mais valia relativa, é uma violenta exploração da força de trabalho, que se dá justamente como consequência do já mencionado intercâmbio desigual e dos mecanismos de transferência de valor que ele reforça. Ocorre que o resultado imediato destes me-canismos é uma forte saída estrutural de recursos, que traz consigo graves problemas de estrangulamento externo e restrições externas ao crescimento. E a única atitude que torna possível às economias perifé-ricas garantir sua dinâmica interna de acumulação de capital é o aumento da produção de excedente através da superexploração da força de trabalho,

[...] o que implica no acréscimo da proporção excedente/ gastos com força de trabalho, ou, na elevação da taxa de maisvalia, seja por arrocho salarial e/ou extensão da jor-nada de trabalho, em associação com aumento da inten-sidade do trabalho (CARCANHOLO, 2004, p. 11).

Ou seja, a dinâmica do intercâmbio desigual cul-mina em superexploração e não em estruturas capa-zes de romper com os mecanismos de transferência de valor, e isto implica necessariamente numa distri-buição regressiva de renda e riqueza e em todos os agravantes sociais já conhecidos deste processo.

Dadas estas características estruturais da de-pendência, a intenção é a de identificar, a partir da-qui, os aspectos que explicam o recurso à superexploração do trabalho por parte da periferia para dar prosseguimento ao seu processo interno de acumulação. Ou, mais especificamente, o de per-ceber as relações existentes entre a superpopulação relativa e os mecanismos de superexploração do tra-balho característicos da dependência e dos proces-sos de transferência de valor (da periferia para o centro) que lhe são próprios.

O tema da superexploração do trabalho e o exército industrial de reserva

O tema da superexploração da força de trabalho, apontada por Marini (1991, p. 2000) como sendo a característica estrutural demarcadora da condição dependente vivida pelos países da periferia em rela-ção aos países do centro do capitalismo mundial, guar-da relação evidente com a lei geral guar-da acumulação capitalista2 de Marx, especialmente quando são

tra-tadas a funcionalidade do exército industrial de re-serva para a acumulação capitalista e, ao contrário e muito mais importante, sua “disfuncionalidade” no que diz respeito aos impactos perniciosos que provoca em relação à classe trabalhadora em geral.

Tratando especificamente o tema da superex-ploração do trabalho, Marini nos mostra que sua ocor-rência se dá em função da existência de mecanis-mos de transferência de valor entre as economias periférica e central3, levando a que a mais valia

pro-duzida na periferia seja apropriada e acumulada no centro. Configura-se, assim, uma espécie de “capi-talismo incompleto” na periferia (aquilo que Marini chamou de “capitalismo sui generis”), justamente porque parte do excedente gerado nestes países é enviada para o centro – na forma de lucros, juros, patentes, royalties, deterioração dos termos de tro-ca, dentre outras –, não sendo, portanto, realizada internamente. Então, os mecanismos de transferên-cia de valor provocam, digamos assim, uma interrup-ção da acumulainterrup-ção interna de capital nos países de-pendentes que precisa ser completada e, para tanto, mais excedente precisa ser gerado. E esta expropri-ação de valor só pode ser compensada e incrementada no próprio plano da produção – justamente através da superexploração – e não no nível das relações de mercado, por meio de desenvolvimento da capacida-de produtiva. Em outras palavras,

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[...] a apropriação de mais valia de um capital por outro não pode ser compensada pela produção de mais valia mediante a geração endógena de tecnologia pelo ca-pital expropriado, estabelecendo-se, de maneira irrevogável, a necessidade da superexploração do tra-balho (MARTINS, 1999, p. 128).

A explicação para este fato passa fundamental-mente pela análise da concorrência intrassetorial (den-tro de um mesmo setor produtivo) e a da concorrên-cia intersetorial (entre setores distintos de produção) e se articula necessariamente com a análise da ten-dência à queda da taxa de lucro4 – que, embora não

seja tratada neste ensaio por absoluta falta de espa-ço, merece ser aqui pelo menos apontada, pois é o eixo através do qual se desenvolvem os tipos de con-corrência antes mencionados.

Tratando primeiramente da concorrência intrassetorial, ocorre que o aumento da produtivida-de em produtivida-determinado setor propicia, do ponto produtivida-de vista de cada capitalista particular, a criação de mais pro-dutos no mesmo espaço de tempo. Essa circuns-tância permite a este capitalista reduzir o valor indi-vidual de suas mercadorias a um nível inferior ao valor de mercado e, portanto, apropriar-se de uma mais valia extraordinária (ou superlucro), quando da realização destes produtos no mercado5.

Conside-rando que o mesmo ocorra com cada capitalista se-paradamente, o aumento de produtividade – esti-mulado pela possibilidade de apropriação de superlucro – generalizar-se-ia no ramo de ativida-de, determinado até o ponto em que houvesse ex-cesso de mercadorias e que, por isto, as mesmas tivessem seus preços rebaixados a um nível inferior ao de seus valores individuais, de modo a haver ne-cessariamente uma queda na taxa de lucro para o conjunto deste mesmo setor.

Lançando mão de certa formalização para o en-tendimento desta ideia, temos que três empresas dis-tintas (I, II e III) produzem uma mesma mercadoria A (MA) – e se encontram, portanto, no mesmo setor produtivo – com níveis distintos de produtividade, de modo que, para cada empresa, o tempo de trabalho necessário para a produção de MA não é o mesmo. Sendo assim, (I), (II) e (III) produzem valores (V) diferentes, sendo que estes valores são medidos em horas de trabalho, tal como segue:

V(I) = 4 horas V(I) + V(II) + V(III) = 18 horas V(II) = 6 horas

V(III) = 8 horas TTSN = 6 horas

O valor total produzido neste setor é de 18 horas e o tempo de trabalho socialmente necessário (TTSN)6 para a produção de uma mercadoria é de 6

horas – correspondente à média do tempo total gasto por todas as empresas dentro deste mesmo setor. A

empresa (I) é a mais produtiva, dado que despende menos tempo que as outras para produzir uma mer-cadoria. Tendo sido calculado o valor de mercado (VM) de uma mesma mercadoria (MA) em 6 horas (correspondentes ao TTSN), é possível afirmar que a empresa (I), portanto, se apropria de um valor su-perior àquele que produziu. Ou seja, ela produz uma mercadoria no valor de 4 horas, vende esta merca-doria pelo VM de 6 horas e, assim, apropria-se de um valor extra de 2 horas, sendo que estas últimas correspondem àquilo que Marx chamou de mais va-lia extraordinária, medida pelo valor de mercado sub-traído dele o valor da mercadoria quando sai da em-presa. A mais valia extra se dá, portanto, quando uma empresa se apropria de um valor superior ao que pro-duziu. Seguindo a mesma ideia, a empresa (III) é a menos produtiva, com um TTSN de 8 horas, de modo que perde 2 horas em termos de valor, isto é, o valor que produz é maior que o VM. A empresa (II) não tem do que se apropriar de forma extraordinária, haja vista que o valor que produz é exatamente igual ao valor de mercado de A. Isso nos remete à primeira lei geral do processo de produção da riqueza aponta-da por Marx: por conta do processo de concorrência em busca da mais valia extra, as empresas procuram incessantemente aumentar sua produtividade, expli-cando-se, assim, a queda no VM das mercadorias e, por conseguinte, a queda na taxa de lucro das em-presas pertencentes ao setor em questão.

O ponto crucial deste esquema está na noção de redistribuição que ele nos aponta. É possível notar, a partir do que foi dito, que os capitais mais produtivos se apropriam de um valor superior ao que produzi-ram, sendo o contrário verdadeiro para o caso dos capitais menos produtivos. Ocorre que a apropria-ção se dá justamente como resultado de algo produ-zido anteriormente, ou seja, não é possível que um capital se aproprie de um valor que não foi gerado. Sendo assim, se um capital se apropria de um valor superior ao que produz, de um valor maior que a sua contribuição quando da formação da massa total de valor gerada, significa que, de outro lado, há um ca-pital gerando um valor sem se apropriar dele, há um capital produzindo algo para que os outros capitais mais produtivos se apropriem.

Transpondo estes aspectos para o nível do co-mércio internacional, devemos agora tratar as em-presas (I), (II) e (III) como pertencentes a países distintos. Deste modo, o capital (I), mais produtivo, deve ser entendido como pertencente a um país do centro do capitalismo mundial, o capital (III) precisa ser tratado como inserido em um país periférico, exa-tamente por ser o menos produtivo, e o capital (II) neutraliza-se diante das colocações que pretendemos realizar, porque produz valor idêntico ao valor de mercado de A, em nada contribuindo com o meca-nismo de redistribuição ao qual nos referimos.

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Assim sendo, e recorrendo ao esquema proposto, ocorre que os países periféricos são aqueles que produ-zem mais valor (8 horas), tendo em vista que utilizam relativamente mais trabalho vivo do que trabalho morto no processo produtivo – e é justamente o trabalho vivo o único capaz de produzir riqueza nova. Contrariamente, os países centrais (mais produtivos), por utilizarem me-nos força de trabalho frente ao que utilizam em meios de produção – isto é, por terem alta composição orgânica do capital (c/v) –, geram menos valor (4 horas). Contradito-riamente, quando se atinge o nível da apropriação da ri-queza gerada, o processo tendencial se dá de maneira inversa: os países periféricos, embora produzam mais valor, não se apropriam dele, pois são incapazes de produzir mercadorias cujo valor esteja abaixo de seu valor de mercado; são, portanto, incapazes de reduzir seu TTSN. Inversamente, os países centrais, embora produzam me-nos valor, garantem sua apropriação baseados num TTSN que se encontra abaixo da média do setor, estando, as-sim, abaixo do VM da mercadoria A.

Assim, torna-se cabível afirmar que a apropria-ção empreendida por parte dos países centrais se dá justamente às custas da ausência de apropriação por parte dos periféricos. Se assim o é, parece-nos cor-reto dizer que a periferia produz valor que não será apropriado por ela internamente, mas transferido para os países do centro e por eles acumulado.

O mesmo ocorre no nível da concorrência intersetorial. Recorrendo ao esquema marxista da trans-formação dos valores em preços de produção, e utili-zando a fórmula c + v + m (onde c representa o capital constante, v representa o capital variável, c + v ex-pressa, portanto, o capital total investido e m diz res-peito à mais valia resultante de um período produtivo), que nos mostra o valor (V) produzido ao final de cada estágio de produção, temos que três empresas distin-tas (I, II e III) produzem as mercadorias A (MA), B (MB) e C (MC), respectivamente – e se encontram, portanto, em diferentes setores produtivos. Elas o fa-zem com níveis distintos de produtividade, com uma mesma massa de capital total inicial de 100 unidades – distribuídas entre capital constante e capital variável, de maneira diversa para cada empresa individualmen-te, dado que, como já dito, seus níveis de produtividade são igualmente distintos, ou, melhor dizendo, são em-presas que se encontram em setores de diferentes ní-veis de produtividade, uns tecnologicamente mais avan-çados, outros não – e com uma taxa de mais valia (m’) de 100%7, da maneira que segue:

A empresa (I) se encontra, no caso, num setor tecnologicamente mais avançado e, portanto, mais produtivo, dado que a massa de capital constante in-vestido (60 unidades) é superior à massa de capital variável (40 unidades), ou, em outras palavras, o gasto com MP é relativamente superior ao gasto com FT, de modo que a composição orgânica do capital (c/v) é mais elevada. Seguindo o mesmo raciocínio, a em-presa (III) se estabelece num setor de mais baixa produtividade, tendo em vista que a massa de capital constante (40 unidades) é inferior à massa de capital variável (60 unidades), de tal forma que o dispêndio com FT supera em termos relativos o gasto com MP. Como a produção de mais valor depende da utili-zação da força de trabalho no processo produtivo e, mais do que isto, só pode se dar por intermédio desta utilização, fica notório que a empresa (I), mais pro-dutiva, aquela que utiliza uma menor massa relativa de trabalhadores no processo, é justamente a que produz menos valor (60c + 40v + 40m = 140V). Con-trariamente, a empresa (III), menos produtiva, gera mais valor (40c + 60v + 60m = 160V), tendo em vista que a utilização de trabalho vivo é relativamente maior que a de trabalho morto e que, portanto, a massa de mais valia (m) gerada é superior. Então, a produção de valor se dá de maneira mais eficaz nas empresas menos produtivas, sendo o oposto igualmente verda-deiro. Esta é a conclusão parcial a que nos permite chegar o esquema proposto; parcial porque se limita à análise do valor gerado ao final de cada processo produtivo, ainda sem nenhuma referência a respeito de como se dá a apropriação deste excedente.

Partindo, então, para este nível de análise, temos que a taxa de lucro (l’) é a própria mais valia, consi-derada em relação a todo o capital empregado (c + v), ou seja, em relação ao capital constante, somado ao capital variável – e não mais apenas ao trabalho vivo, como ocorria no caso da taxa de mais valia –, podendo ser expressa por l’ = m / c + v. Sendo assim, como consideramos que todas as empresas em seus respectivos ramos de atividade empregam um mes-mo capital total de 100 unidades, as variações na taxa de lucro para cada empresa individualmente acom-panham as modificações ocorridas em termos da mais valia produzida por cada uma destas empresas, de modo que aquelas mais produtivas têm taxa de lucro mais baixa e vice-versa. Esta diferenciação em termos de l’ estimula a concorrência entre os seto-res, de modo que capitais mais produtivos (capital I,

Elaborado pelos autores.

M c + v m’ (= m/v) m V l’ PP PP - V

(I) A 60c + 40v = 100 100% 40 140 40% 150 + 10 (II) B 50c + 50v = 100 100% 50 150 50% 150 0 (III) C 40c + 60v = 100 100% 60 160 60% 150 - 10

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por exemplo) se transferem para ramos de maior l’ (capital III, por exemplo). Ao fazê-lo, provocam a queda na taxa de lucro das empresas pertencentes a este último ramo e a elevação de sua própria taxa de lucro. Este movimento, por sua vez, faz com que os capitais menos produtivos, agora com l’ mais baixa, transfiram-se para ramos mais produtivos, que con-quistaram uma elevação em sua taxa de lucro. E esta oscilação segue continuamente até que os setores que competem entre si tenham sua l’ igualada8,

ces-sando o estímulo que faz com que um capitalista vá de um setor para o outro.

Forma-se assim o lucro médio9 (l

m), que é

justa-mente resultado da média simples das taxas de lucro de cada empresa – considerando, ainda, que capitais de mesmo montante recebem o mesmo lucro médio. Como, no caso, a taxa de lucro média é de 50%, o lm é, portanto, igual a 50. A partir disto são formados os preços de produção (PP) e, assim, nos aproximamos mais da questão sobre a forma como se dá a apropri-ação do valor gerado. O preço de produção reflete o preço contido na mercadoria quando ela sai da fábri-ca10 e pode ser expresso por:

PP = c + v + lm

ou, alternativamente, PP = V + lm - m

Daí, percebe-se que, como o capital total investido (c + v) e o lucro médio lm são os mesmos para cada empresa de cada setor, seus preços de produção (PP) são exatamente iguais em 150 unidades. A partir disto podemos chegar à noção das diferenças em termos de apropriação da riqueza gerada, bastando, para tal, subtrair dos PP das mercadorias seus valores (V). O resultado desta matemática simples é o de que “uma parte das mercadorias se vende acima do valor na mesma medida em que a outra é vendida abaixo” (MARX, 1974, p. 179). Há, portanto, valor sendo pro-duzido em (III) que não é acumulado dentro deste se-tor (que produz um valor de 160 unidades e só conse-gue realizar 150 unidades dadas pelo PP). Por outro lado, o setor (I) gera 140 unidades de valor e realiza 150 unidades dadas pelo PP. Então, recorrendo mais uma vez ao fato de que não é possível que um capital se aproprie de um valor que não foi gerado, as 10 uni-dades acumuladas em (I) só podem ser as mesmas 10 unidades expropriadas em (III). Esta ideia, novamen-te transposta para o nível do comércio innovamen-ternacional, leva-nos a afirmar, objetivamente, que a periferia (re-presentada pelo setor III menos produtivo) produz va-lor que será apropriado nos países do centro (repre-sentados pelo setor I mais produtivo). Objetivamente, o que ocorre é que as economias dependentes aca-bam se especializando na produção de mercadorias com menor avanço tecnológico (dependência tecnológica) e, portanto, estão sujeitas, dada a lei tendencial de igualação das taxas de lucro, a esse tipo

de transferência de valor em direção aos países cen-trais. Com isto, parece-nos irrevogável a visão de de-pendência desenvolvida por Marini (2000), como um processo que responde à lógica de acumulação global através da produção de valores na periferia que são apropriados no centro.

Adicionalmente, vale acrescentar que, quando se atinge o nível da concorrência intersetorial, é introduzida a ideia de progresso técnico, inserido e liderado por um capital individual pertencente ou vin-culado de forma direta ou indireta ao setor produtor de bens de consumo de luxo. Este dinamismo se jus-tifica pelo fato de que o setor produtor de bens-salá-rio não tem capacidade de sustentar o progresso téc-nico incorporado, haja vista que induz a ganhos de produtividade e à intensificação do trabalho, que aca-bam por produzir, ao mesmo tempo, uma queda no capital variável (ou na quantidade de força de traba-lho) empregado no processo produtivo em relação ao que se investe em capital constante (ou em meios de produção) e um excedente de mercadorias para o qual, consequentemente, não há demanda, tornando-se de difícil realização no mercado. Ou tornando-seja, trata-tornando-se de um processo contraditório, que amplia a massa de mercadorias produzida ao mesmo tempo em que re-duz a possibilidade de realização dessas mercadorias mediante a diminuição relativa de força de trabalho na estrutura produtiva.

Ao contrário, o setor produtor de bens luxuosos encontra a capacidade de sustentação do progresso técnico na própria perda de participação do capital variável no processo de produção. É justamente a força de trabalho empregada que constitui a deman-da para produtos suntuários, de modo que o aumento de produtividade tem limites muito mais restritos de interferência na incorporação de progresso técnico por parte do setor produtor de bens de luxo do que por parte do setor produtor de bens-salário.

Introduzida esta ideia, ocorre que a concentração da produtividade (ampliação da composição orgâni-ca do orgâni-capital, c/v) no setor produtor de bens de luxo (e seus fornecedores de bens de capital) traz à tona a necessidade de se ampliar a escala de produção, a difusão tecnológica, o consumo de matérias-primas por parte deste setor e, na esteira deste processo, também o consumo de força de trabalho, ao mesmo tempo em que é limitada a capacidade de forneci-mento de mercadorias por parte do setor produtor de bens-salário – mercadorias estas indispensáveis para a reprodução da força de trabalho, inclusive a utiliza-da na produção de bens luxuosos –, utiliza-dados os dife-renciais de produtividade existentes entre ambos os setores. Ou seja, como a produtividade no setor pro-dutor de bens-salário é inferior àquela relativa ao setor produtor de bens de luxo, tendo em vista que a capa-cidade de incorporação tecnológica por parte daque-le setor é bastante inferior à deste último, o primeiro

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é incapaz de produzir mercadorias em quantidade suficiente para repor as necessidades de reprodução dos trabalhadores incorporados ao segundo, mesmo que consiga baixar seus preços individuais a um nível inferior aos preços de mercado.

Sendo assim, os insumos fornecidos pelos produ-tores de bens-salário são depreciados e desvaloriza-dos como consequência imediata de ampliações na produtividade, da concorrência e do consequente nivelamento da taxa de lucro entre capitais individu-ais neste setor. O que faz com que seja rompida a queda na taxa de lucro – verificada pela análise da concorrência intra-setorial – no setor produtor de bens luxuosos. Isto se explica pelo fato de que, ao cair o valor dos bens-salário, cai também o valor da força de trabalho empregada no setor de bens suntu-osos, simplesmente porque a reprodução dos traba-lhadores torna-se mais barata e uma parcela dos sa-lários pode ser subtraída.

Verifica-se, assim, um aumento da mais valia re-lativa no setor de bens luxuosos, conseguido em de-trimento do setor de composição orgânica mais bai-xa (o de bens-salário), que sofre perda da mais valia absoluta, gerada em função de ampliações na produ-tividade e na concorrência intrassetorial para este setor específico de produção. Isto conduz a uma si-tuação na qual seus preços são fixados abaixo do valor de suas mercadorias e para a qual a única pos-sibilidade de compensação é a de que os preços da força de trabalho sejam também fixados abaixo de seu valor. Então, a perda de mais valia absoluta no setor produtor de bens-salário só pode ser compen-sada pela exploração do trabalho justamente por conta dos encadeamentos que se dão a partir dos níveis de concorrência antes expostos, especialmente a con-corrência que se dá entre setores distintos de produ-ção. Sinteticamente, trata-se de um estado no qual são introduzidas, no espaço de circulação, inovações tecnológicas geradas por setores de composição or-gânica mais elevada, de modo a estimular um cresci-mento da produtividade e uma depreciação das mer-cadorias nos setores de composição orgânica inferi-or, cuja perda de mais valia não pode então ser com-pensada por geração endógena de progresso técni-co, mas sim pela superexploração do trabalho11.

Transportando estes aspectos para o nível das relações entre países ou regiões, podemos dizer que

[...] os países centrais passam a concentrar, em seu aparato produtivo, os elementos tecnológicos que articulam o crescimento da composição técnica e orgânica do capital que permitem o desdobramen-to internacional de D em D’. Os países dependen-tes são objeto dessa articulação e oferecem os ele-mentos materiais para a especialização do centro através de sua integração à divisão internacional do trabalho. [...] Diferentemente dos países

cen-trais, onde a relativa homogeneização da base tecnológica permite aos segmentos vinculados ao ‘setor produtor de bens-salário’ responder tecnologicamente às inovações introduzidas pelos segmentos vinculados ao consumo suntuário, cri-ando as bases para um mercado de massas e para a indústria de bens de capital que alavancarão de forma orgânica a industrialização no centro; os pa-íses dependentes, ao se integrarem no mercado mundial, a partir de grandes desníveis tecnológicos, não poderão responder da mesma forma, recorren-do à superexploração recorren-do trabalho (MARINI, 2000, p. 127, destaque dos autores).

Feitos estes esclarecimentos, há quatro formas prin-cipais de superexploração do trabalho – atuando de forma isolada ou combinada (e esta última parece ser a tendência) – que possibilitam a continuidade do pro-cesso de acumulação capitalista na periferia, quais sejam: a) o aumento da intensidade do trabalho; b) a prolongação da jornada de trabalho; c) a apropriação, por parte do capitalista, de parcela do fundo de consu-mo do trabalhador – então convertido em fundo de acumulação capitalista – valendo o comentário de que este mecanismo atua no sentido de criar “condiciones a través de las cuales el capital termina violando el valor de la fuerza de trabajo12“ (OSORIO, 2004, p. 95);

e d) a ampliação do valor da força de trabalho sem que seja pago o montante necessário para tal.

A primeira destas formas de superexploração denota que, numa jornada de trabalho constante, o trabalho é intensificado e o trabalhador passa a pro-duzir mais valor num mesmo espaço de tempo. A segunda, reflete um aumento do tempo de trabalho excedente para além daquele necessário à reprodu-ção do próprio operário, de modo que o mesmo “se-gue produzindo depois de ter criado um valor equiva-lente ao dos meios de subsistência para seu próprio consumo” (MARINI, 2000, p. 123). A terceira, repre-senta um mecanismo através do qual a classe capi-talista se vê fortalecida no sentido de impor uma queda nos salários a um nível inferior àquele corresponden-te ao valor da força de trabalho. A ampliação do EIR é um bom exemplo disto, dado que os trabalhadores empregados se submetem a uma situação de arro-cho salarial, tendo em mente a existência de pressão por parte dos desempregados, que se sujeitariam a uma remuneração inferior em troca de trabalho. Fi-nalmente, a quarta forma está relacionada à ideia de que a determinação do valor da força de trabalho é histórico-social e, com o avanço das forças produti-vas e, portanto, das necessidades humanas, esse va-lor sobe e, se não é pago integralmente, temos uma nova forma de superexploração do trabalho.

Neste momento, é relevante dizer que os qua-tro mecanismos expostos têm como característica fundamental

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[...] o fato de que são negadas ao trabalhador as condições necessárias para repor o desgaste de sua força de trabalho: nos dois primeiros casos, porque ele é obrigado a um dispêndio de força de trabalho superior ao que deveria proporcionar nor-malmente, provocando-se assim seu esgotamento prematuro; no último, porque se retira dele inclusi-ve a possibilidade de consumir o estritamente in-dispensável para conservar sua força de trabalho em estado normal (MARINI, 2000, p. 126).

Significa dizer, de maneira geral, que o trabalho se remunera abaixo de seu valor e isto, por si só, deixa patente a existência de superexploração.

Recuperados estes mecanismos, torna-se relevan-te, por fim, relacioná-los mais diretamente com a existência do exército industrial de reserva – abor-dado por Marx e brevemente reproduzido em nota anterior. Essa relação tem o intuito de completar os apontamentos feitos anteriormente, quando iniciamos o tratamento da superexploração em si e o de revitalizar a ideia de que a teoria marxista é indispen-sável ao tratamento da real dinâmica de funciona-mento do sistema capitalista de produção e, consequentemente, da explicação dos fenômenos que configuram e caracterizam a condição dependente.

Relacionar o EIR com a superexploração significa mostrar sua ação no sentido de exacerbar as formas ou os mecanismos de

extra-ção de mais valia antes apon-tados. Sua atuação mais ge-ral é a de fortalecer a ocor-rência da superexploração do trabalho e, sendo assim, pro-voca impactos simultâneos sobre os mecanismos de ex-tensão da jornada de traba-lho, de intensificação do tra-balho e de queda salarial. Logo, implica em elevação da taxa de mais valia (m/v) e consequente elevação da taxa de lucro (l’). Isto ocorre por-que, como já dito, a existên-cia de uma massa de traba-lhadores, que se encontra ex-cluída, às margens do merca-do de trabalho (massa de de-sempregados), exerce uma pressão sobre aqueles traba-lhadores que se encontram efetivamente empregados, forçando a que se submetam

a todas as formas de superexploração existentes, sob pena de se verem substituídos e desempregados por “trabalhadores da reserva” num momento futuro. Ou seja, a oferta de trabalho é muito maior que a demanda,

há trabalhadores desempregados (ou subempregados), vivendo em condições de pobreza inferiores às dos as-salariados. Tudo isto cria, evidentemente, um ambiente de competição entre os próprios trabalhadores, cada qual na tentativa de se ver empregado, seja através de ma-nutenção ou de ingresso no mercado de trabalho.

Com isso, fica clara a funcionalidade do EIR para a acumulação capitalista, que se sustenta justamente baseada na superexploração, tanto através de ampli-ação da mais valia absoluta quanto da mais valia re-lativa. Mais do que isto, esta é a tendência mesma do sistema capitalista: ampliar a composição do capital, engrossar a massa de trabalhadores que compõem o EIR para, com isso, ter as portas abertas à amplia-ção da superexploraamplia-ção baseada nos quatro meca-nismos de extração citados e, consequentemente, para o fortalecimento da acumulação.

Considerações finais

Diante do que foi exposto, temos que a superexploração da força de trabalho é a caracterís-tica estrutural que demarca a condição dependente de um país. Sua ocorrência se dá em função da exis-tência de mecanismos de transferência de valor en-tre as economias periférica e central, levando a que a mais valia produzida na periferia seja apropriada e acumulada no centro. Isto configura uma espécie de “capitalismo incompleto” na periferia, por conta da inter-rupção de sua acumulação interna de capital, que só pode ser completada com a gera-ção de mais excedente no próprio plano da produção, justamente através da superexploração do trabalho. Vimos ainda que o funcio-namento do sistema capitalis-ta tem como lei geral uma pro-dutividade crescente, ou, dito de outra maneira, este siste-ma demonstra usiste-ma tendência ao incremento da composição orgânica do capital, de modo que aumenta a massa de ca-pital constante, relativamente à massa de capital variável. O impacto imediato deste movi-mento da acumulação capita-lista é a formação de um exér-cito industrial de reserva (EIR) que traz consigo a possibilidade crescente de exploração capitalista dos assalariados, seja em termos de extensão da jornada de trabalho, seja pela intensificação do

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de trabalho é a característica

estrutural que demarca a

condição dependente de um

país. Sua ocorrência se dá em

função da existência de

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periférica e central, levando a

que a mais valia produzida na

periferia seja apropriada e

acumulada no centro.

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balho numa mesma jornada, seja, ainda, em ter-mos de arrocho salarial.

Para além desta relação imediata entre a superexploração do trabalho e o EIR, está a rela-ção entre o próprio EIR e a taxa de lucro. Ao per-mitir a aplicação de mecanismos intensificadores da superexploração do trabalho, a existência do EIR leva a que seja detida ou temporariamente pa-ralisada a tendência à queda da taxa de lucro, ten-do em vista que esta última será tanto maior quan-to maior for a massa de mais valia e, portanquan-to, os graus de expropriação do trabalho. Esta possibili-dade de ampliação da taxa de lucro – que é o ob-jetivo capitalista por excelência – acaba por refor-çar e até mesmo justificar a ocorrência de superexploração e, portanto, a continuidade na for-mação da superpopulação relativa fortalecedora deste processo.

Referências

CARCANHOLO, M. D. Causa e formas de manifestação da crise: uma interpretação do debate marxista. 1996. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 1996.

______. Dialética do desenvolvimento periférico: depen-dência, superexploração da força de trabalho e alternativas de desenvolvimento. In: IV COLÓQUIO LATINO-AMERICANO DE ECONOMISTAS POLÍTICOS, 31 de outubro a 2 de novembro. Anais..., São Paulo, 2004.

DOS SANTOS, T. The Structure of Dependence. American Economic Review, New York, p. 231-236, May, 1970. MARINI, R. M. Dialéctica de la dependência. México: Ediciones Era, 1991.

______. Dialética da dependência. Petrópolis: Vozes, 2000.

MARTINS, C. E. Superexploração do Trabalho e Acumulação de Capital: reflexões teórico-metodológicas para uma economia política da dependência. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, n. 5, p. 121-138, dez., 1999.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. 5 v.

OSORIO, J. Crítica de la economía vulgar – Reproducción del capital y dependencia. México: Grupo Editorial Miguel Angel Porrúa, jul. 2004.

Notas

1 Nos termos da teoria marxista, o esquema de reprodução simples envolve um departamento produtor de meios de produção e um produtor de bens de consumo e tem, como principal característica, o fato de que toda a mais valia, apropriada pelos capitalistas, é gasta em consumo improdutivo, ou seja, tudo o que é ganho é também gasto em bens de consumo. No caso do “esquema de reprodução ampliada”, que envolve também os dois departamentos, o capitalista não mais irá gastar, sob a forma de consumo improdutivo, toda a mais valia de que se apropria. Esta última é repartida em duas frações, de modo que uma delas corresponde à demanda do capitalista por bens de consumo e a outra é reinvestida em capital constante e capital variável; é, em outras palavras, acumulada. Desta forma, o que de fundamental as torna distintas não é o valor que cada uma delas é capaz de produzir, mas sim o modo como se dá a realização deste valor. Para o entendimento mais detalhado destes esquemas, consultar Marx (1974), Livro II, Seção III. 2 Por falta de espaço, uma recuperação acerca do funcionamento da lei geral da acumulação capitalista de Marx foi por nós suprimida. Para nossos propósitos, vale apenas apontar que, o que Marx pretendia ao discutir a lógica desse processo era esclarecer que o sistema capitalista tem como lei geral uma produtividade crescente. A tendência é a de que a composição orgânica do capital aumente progressivamente e que, portanto, aumente a massa de capital constante relativamente à massa de capital variável, levando à formação de um exército industrial de reserva (EIR) como impacto da própria acumulação capitalista. Esta população excedente é produto necessário da acumulação e é, simultaneamente, sua própria alavanca, tornando-se condição fundamental de existência do próprio modo de produção capitalista. A dialética da questão – e isto é fundamental – está no fato de que, ao reproduzir este sistema e permitir que haja ampliação da riqueza ou do capital social, a população trabalhadora produz as condições que a tornam relativamente supérflua a este mesmo modo de produção. Significa dizer que, quando ocorre um incremento na composição do capital (é a própria tendência no capitalismo), deve ser ampliada a produtividade do trabalho como instrumento de intensificação do processo acumulativo, ao invés de ocorrer uma expansão nos níveis de contratação de trabalhadores, que possam ser incluídos no processo produtivo, operando os novos meios de produção e acrescentados neste mesmo processo. Então, amplia-se a quantidade de máquinas e equipamentos e a contratação de trabalhadores não acompanha esta ampliação. Para um aprofundamento na questão, consultar Marx (1974), Livro I, Capítulo XXIII.

3 Embora a existência do intercâmbio desigual se constitua, de fato, numa forma de exacerbar e fortalecer “a sede de acumulação” e a exploração do trabalho, que daí deriva, MARINI (2000, p. 124) nos mostra que “não é, a rigor, necessário que exista o intercâmbio desigual para que

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comecem a funcionar os mecanismos de extração de mais valia [...]; o simples fato da vinculação ao mercado mundial e a consequente conversão da produção de valores de uso à produção de valores de troca que implica, têm como resultado imediato desatar um elã de lucro que se torna tanto mais desenfreado quanto mais atrasado é o modo de produção existente.”

4 À medida que se desenvolve o modo de produção capitalista, percebe-se – e isto já foi mencionado em nota anterior – que a classe capitalista tende a ampliar sua produtividade como forma de ampliar também a acumulação de capital, de modo a produzir mais mercadorias num mesmo espaço de tempo. Este aumento de produtividade se configura, em primeira instância, numa ampliação da relação entre meios de produção e força de trabalho (MP/FT), utilizados no processo produtivo. Isto significa dizer que a composição orgânica do capital, ou a relação entre capital constante (c) e capital variável (v) investidos, também se amplia, mesmo que seja em proporção menor que aquela outra. Em outras palavras, o que se percebe é uma maior participação de c em relação ao capital global – e, portanto, numa participação reduzida dos salários em relação a este último. E, como “a taxa de lucro é uma função da taxa de mais valia e da composição orgânica do capital, ‘pressupondo uma taxa de mais valia constante’, o crescimento da composição orgânica do capital leva necessariamente à queda da taxa de lucro. Esta é a lei da queda tendencial da taxa de lucro” (CARCANHOLO, 1996, p. 15, destaque dos autores). Isto posto, vale lançar a ideia de que a ampliação da superpopulação relativa contribui para que haja elevação da taxa de lucro – contrariando sua tendência à queda –, de modo que este objetivo final justifica, do ponto de vista capitalista, os próprios mecanismos de superexploração fortalecedores do EIR, considerando que a possibilidade de auferir maiores lucros forma uma relação direta com a possibilidade de engrossar o exército de reserva e reforçar a expropriação do trabalho. Esta tendência à queda da taxa de lucro foi brilhantemente percebida por Marx e tratada em toda a Parte Terceira do Livro III de O Capital, sob a denominação de Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro (LQTTL). Os fatores contrariantes a esta lei de tendência estão referidos no Capítulo XIV deste mesmo livro. 5 O valor individual refere-se à quantidade de trabalho necessário

para a produção de uma mercadoria numa empresa específica; o valor de mercado é a média de todos os valores individuais de todas as empresas conjuntamente (é o trabalho socialmente necessário); e a mais valia extraordinária é a diferença entre estes dois valores, quando de sua realização no mercado. 6 O TTSN diz respeito ao tempo que a sociedade gasta para

produzir uma mercadoria e corresponde, portanto, ao valor (V) da mesma.

7 Aqui convém lembrar que a mais valia é derivada do capital variável, do trabalho vivo empregado na produção de mercadorias, e apenas deste trabalho (ou deste capital), sendo

expressa numa proporção dele. O que ocorre é que parte da jornada de trabalho do trabalhador é voltada para a sua própria reprodução, produzindo um valor equivalente ao da FT e a outra parte, o trabalho excedente, destina-se ao capitalista, à produção de mais valia. Sendo assim, a mais valia é a parte excedente do trabalho vivo (ou do capital variável) da qual se apropriam os capitalistas e a taxa de mais valia (m’) expressa exatamente a relação entre a mais valia e o capital variável (m/ v). Quando consideramos que a taxa de mais valia é de 100%, significa que, numa jornada de trabalho de 8 horas, 4 horas correspondem ao tempo de trabalho socialmente necessário para que a força de trabalho se reproduza e as outras 4 horas restantes dizem respeito ao trabalho excedente (através do qual o trabalhador gera mais valia) do qual se apropria o capitalista. Deste modo, o valor da mais valia produzida é, neste caso, exatamente igual ao valor da força de trabalho ou ao tempo que a mesma despende para fazer face às suas necessidades de autorreprodução.

8 O processo de igualação das taxas de lucro entre distintos setores também é uma lei tendencial de funcionamento da economia capitalista, sujeita, portanto, a todos os movimentos de contratendência que lhe são correlatos, como o processo de concentração/centralização do capital, por exemplo. 9 Vale ressaltar que o lucro médio deve ser entendido como

tendência, porque é fruto (ou resultado) de uma outra tendência, que é a de que capitais com menor taxa de lucro se transfiram para ramos de atividade que apresentem uma l’ maior e que, como tendência, pode não se confirmar, pode ser barrada por fatores contrariantes que evitem ou posterguem sua concretização.

10 Notemos que está excluída do PP a mais valia produzida, justamente porque esta corresponde à fatia da qual se apropria o capitalista. Ela apenas se inclui de maneira indireta na formação do referido preço, pois está embutida no lm auferido por esse capitalista. Além disto, vale acrescentar que o PP não é correspondente ao preço de venda ou preço de mercado (PM), pois, se ambos fossem iguais, implicaria igualdade entre oferta e demanda, fato meramente casual na dinâmica capitalista. Então, as mercadorias não são vendidas pelos seus valores, embora estes expliquem seus preços de produção. Se assim fosse, estaria anulada toda a ideia de Marx a respeito da realização de um valor superior àquele que se tem quando do ingresso no processo produtivo. Os valores simplesmente regulam as oscilações dos preços de mercado, que, por sua vez, flutuam em torno dos valores. 11 E é justamente isto (a maior parte do aumento da

produtividade num país ou região sendo explicada pela incorporação tecnológica produzida em outro país ou região) que “fundamenta o desenvolvimento dependente de uma região” (Ibidem, p. 126).

12 A efetiva queda no valor da força de trabalho e, portanto, a efetiva “violação” da troca de equivalentes, só pode se dar

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pelo aumento da produtividade nos setores produtores de bens-salário, fazendo com que os preços destes bens sejam reduzidos. Deste modo, a reprodução da força de trabalho torna-se mais barata (o proletariado consegue garantir sua subsistência gastando menos recursos) e, portanto, seu valor diminui, provocando queda nos salários e, consequentemente, aumento relativo da mais valia. Um arrocho salarial que se dê por outros motivos diferentes deste (o aumento do EIR, por exemplo) não implica em queda do valor da força de trabalho. Estas observações nos remetem, inclusive, a uma diferença crucial entre a exploração do trabalho predominante no centro e a exploração do trabalho que predomina na periferia. Osorio (2004, p. 94) nos mostra que, no primeiro caso, a “explotación se apoya en el ‘aumento de la capacidad productiva’, lo que puede alcanzarse respetando el valor de la fuerza de trabajo y propiciar mejores salários y mayor consumo” e que, no segundo caso, “las formas de explotación se sustentan em la violación del valor de la fuerza de trabajo.” Esta observação não significa que a acumulação no centro e na periferia se deem exclusivamente destas formas; apenas que a superexploração da força de trabalho, nas economias dependentes, tende a se aprofundar por ser a alternativa de acumulação interna de capital, frente à transferência de valores produzidos na periferia e que são acumulados no centro da economia mundial.

Marisa Silva Amaral

ms.amaral1@uol.com.br

Mestre em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (IE/UFU) Doutoranda em Economia das Instituições e do De-senvolvimento pela Faculdade de Economia, Admi-nistração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (IPE/FEA/USP)

Orientadora: Leda Maria Paulani

Marcelo Dias Carcanholo

mdcarc@uol.com.br

Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) Professor da Faculdade de Economia da Universi-dade Federal Fluminense (UFF)

USP

Faculdade de Economia Administração e Con-tabilidade

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