BOLETIM DE CIÊNCIAS ECONÓMICAS
VOLUME XLV
A TRIBUTAÇÃO
DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO
“Não é possível que o homem dos nossos dias acredite no Estado em que vive, nem contribua com lealdade e diligência no levantamento dos encargos públi-cos, se a Administração não submeter rigorosamente os seus actos fiscais a uma ordem jurídica que inspire segu-rança nas suas relações com as economias privadas. Quantas vezes a fraude não é senão uma rude e amarga reacção para com um estado em que se perdeu a fé?”
BAJUNDA, Fernando Sains de, Os impostos, Editora Salvat de Grandes Temas, Barcelona, 1979, p 33.
1. INTRODUÇÃO
Um tema como o que nos propomos a tratar tem a vantagem de “ser novo” e o inconveniente de ser escassa a bibliografia disponível. Dentro da regulação tributária do comércio por via da Internet apenas abordaremos as impo-sições e dentro destas especificamente os impostos sobre o consumo (nomeadamente IVA) e sobre o rendimento.
Comércio electrónico (ou e-comerce), como se refere no Livro Branco para o Comércio Electrónico em Portu-gal, são “todas as formas de transacção comercial que envol-vam organizações ou indivíduos, baseadas no processamento de dados por via electrónica”. No nosso país serão já 10 mil as empresas (2,6% das PME) a colocar os seus produ-tos no mercado por esta via, segundo a mesma fonte.
Sendo uma forma virtual de negociar, atinge já uma dimensão considerável; Apenas no segmento B2B (comércio
triliões de dólares. Estima-se igualmente que sejam já 50 milhões os utilizadores regulares da rede para fins comer-ciais1. As trocas por meio de Internet constituem uma nova
maneira de negociar que se deve analisar em diversos pla-nos ou segmentos e onde tudo é negociável: casas, car-ros, livcar-ros, discos, serviços financeicar-ros, jurídicos, segucar-ros, “know-How”, software, viagens... A questão que se deve colocar é saber-se se as trocas por meio de Internet cons-tituem um facto gerador de incidência impositiva. Tal como se define na Resolução n.º 94/99 do Conselho de Ministros, fiscalmente, estas transacções devem equiparar-se às tradicionais pelo que as normas e princípios de inci-dência, lançamento, liquidação e cobrança lhe são aplicá-veis. Numa primeira aproximação, o fenómeno impositivo está associado ao conteúdo da informação e não varia só porque se transacciona por este meio. Assim, a compra e venda em loja de um livro tributado em IVA, será igual-mente tributado na encomenda electrónica e recepção por correio. O mesmo se passará na venda do direito de con-sultar o conteúdo do livro “on-line”? A resposta numa pri-meira aproximação parece dever ser positiva, ficando em aberto o problema da forma de tributar e métodos de con-trolo. Ainda numa primeira aproximação, a imposição não está ligada ao suporte, seja ele papel, CD-rom ou o “bit”, mas ao conteúdo em si.
Não obstante, entre os meios de negociar tradicio-nais e virtuais, havendo analogias há igualmente diferenças que começam pela grande desmaterialização de documen-tos, conteúdos e riqueza bem como a inerente dificuldade
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1 Dados recolhidos em R
OCHA, Paulo, “Internautes compram
mais na Web”, Revista Exame Digital, ano II, ed. 17, 15 Fev., Netcie, S. Paulo, 2001.
de controlo. Sendo uma característica do Estado o exer-cício efectivo do poder tributário como condição de sobe-rania, em face da crescente democratização da Internet e consequente alargamento do volume de trocas, teme-se a perda de controlo dessa capacidade de arrecadação.
Nestas comunicações há que destacar dois planos. Por um lado há a prestação de um serviço de telecomunicações e por outro há o conteúdo dessas comunicações. O for-necimento do acesso à comunicação remota e transferên-cia de dados entre dois terminais ligados à linha telefónica, é em si um facto gerador; trata-se de uma prestação de serviços de telecomunicações (anote-se que se encontra em estudo a viabilidade tecnológica de essa transmissão se fazer também por cabos eléctricos, por via hertziana e via saté-lite). Aqui o facto gerador está associado a uma actividade empresarial, a saber, ao fornecimento de tecnologia e ser-viço telefónico, mas não ao conteúdo e volume da trans-missão. O objecto do nosso estudo não incide sobre este fenómeno, mas apenas sobre os conteúdos negociais que se celebram na rede: compras e vendas, arrendamentos, alu-gueres, mútuos, empreitadas, etc. Estes podem assumir duas formas: Uma em que a Internet apenas serve como canal de negociação, conclusão e/ou pagamento do contrato se-guindo-se-lhe uma remessa física (a venda do livro com remessa à cobrança) ou em que o fornecimento do bem se efectua pela própria rede (a venda de um software que é descarregado directamente de um “web site” onde não há qualquer materialidade).
2. A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA REDE
Aquilo que hoje se designa por Internet, é um sistema mundial de comunicações sem dono, totalmente aberto, que usa como meio de transmissão de dados entre
termi-pendentemente da distância2.
Nos Estados Unidos, nos anos 60, no auge da guerra fria, criou-se a ARPA – Advanced Research Projects Agency. Tratava-se de um grupo de investigação encarre-gado de conseguir um sistema de comunicação remoto entre terminais de computador a partilhar por estabeleci-mentos de ensino e investigação e como forma de diver-sificar os meios de comunicação militares caso os existentes fossem destruídos por um ataque do bloco de leste. A pri-meira comunicação em rede ocorreu em 1969 e ligou qua-tro computadores em pontos geográficos diferentes. A demo-cratização da rede exigia “auto-estradas” difundidas e elas já existiam – as linhas telefónicas. Na altura, como ainda hoje cada computador pode falar uma língua diferente dos demais. Criou-se então um aparelho a colocar entre o computador e a linha telefónica que comuta a linguagem analógica das linhas telefónicas em linguagem digital que o computador entende nos “inputs” e o contrário nos “outputs”. É essa a função dos modems (modeladores/des-modeladores).
A evolução passou nos anos 70 e 80 pela criação de redes autónomas em escolas, edifícios até à altura em que estas sub-redes foram ligadas entre si – daí que a Internet seja uma rede de redes.
A circulação da informação tem por base algoritmos de encaminhamento que funcionam como um endereço e algoritmos de transmissão aos quais cabe transportar a mensagem desde o ponto de emissão até ao destino que-rido, procurando o caminho mais curto e eficiente,
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2 Definição desenvolvida a partir da apresentada em http://
FEDE -RAL NETWORKINSCOUNCIL, www.i-biznet.com.br/intg/intg20000930153406.asp