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SÍNDROME HEMOLÍTICO URÊMICA

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Academic year: 2021

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SÍNDROME HEMOLÍTICO URÊMICA

Krissia Kamile Singer Wallbach

INTRODUÇÃO

Lesão de células endoteliais é o evento primário nas doenças microvasculares renais, que incluem microangiopatia trombótica (MAT), esclerodermia, síndrome do anticorpo antifosfolípide, etc. (1)

A MAT é caracterizada por presença de trombos na microvasculatura associada a anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e disfunção orgânica, que, através da hiperativação do complemento, resultam em 3 patologias conhecidas: purpura trombocitopênica trombótica (PTT), síndrome hemolítico urêmica (SHU) e coagulação intravascular disseminada (CIVD). (1)

Moschcowitz descreveu pela primeira vez a PTT em 1924, Gasser et al. Descreveram a SHU em 1955 e Hardaway e McKay descreveram a CIVD em 1963 (2–4). Historicamente, a SHU é definida pela tríade anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e disfunção renal, enquanto a PTT é composta pela pêntade clássica anemia hemolítica, trombocitopenia, disfunção renal, febre e sintomas neurológicos (3).

(2)

 Primária (por desregulação das vias do complemento): o Mutação de genes do complemento;

o Anticorpos contra o fator H do complemento;

 Secundária: o Infecções:

 Bactérias produtoras de toxina Shiga;  Pneumococo;

 HIV (responsivos à TARV), H1N1;

o Toxicidade por drogas: inibidores de calcineurina (ciclosporina, tacrolimus), inibidores de VEGF;

o Erros inatos do metabolismo (cobalamina C);

o Doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico, pós parto, etc).

Nesta sessão abordaremos a síndrome hemolítica urêmica típica, com ênfase nos quadros diarreicos (mais comuns), e também a atípica (mediada por complemento).

1. SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA TÍPICA (SHU)

Os quadros de disfunção renal, anemia hemolítica e trombocitopenia associados a diarreia invasiva e enterocolite, normalmente secundários a infecção por cepas de E. coli entero-toxigênica, somam cerca de 90% dos casos de SHU e são conhecidos como SHU típica ou diarréica.

1.1 EPIDEMIOLOGIA

Mais de 90% dos casos de SHU diarréica têm como causa infecção por cepas de E. coli entero-toxigênica – a toxina Shiga é produzida, mais comumente, pelo sorotipo O157:H7, mas também pelos sorotipos O111:H8, O103:H2, O123, O26 (5,6). Ocorre principalmente em crianças abaixo do 5 anos e tem incidência anual geral de 1 a 2 casos por 100000. Sua ocorrência em adultos está ligada a grandes epidemias, com alta morbimortalidade (5,6). Os 10% restantes se devem, principalmente, a infecções por Shigella dysenteriae e Streptococcus pneumoniae (6).

(3)

A maior parte dos casos ocorre em países subdesenvolvidos e populações rurais, dadas as piores condições de atendimento médico, com pico nos meses de calor (junho a setembro no hemisfério norte e novembro a fevereiro no hemisfério sul) (3).

Uma metanálise publicada em 2003 mostrou uma taxa de mortalidade de 9% para SHU típica, com a maior parte dos óbitos ocorrendo na fase aguda da doença (7). Após 4 anos de seguimento, foram observadas sequelas na função renal (queda da taxa de filtração glomerular <80mL/min/1,73m2, hipertensão ou proteinúria) em 25% dos casos e evolução para doença renal em estádio terminal em 3%. O prognóstico foi mais favorável em pacientes sem hipertensão ou proteinúria >300mg/24h, mesmo com disfunção renal (7).

1.2 PATOGÊNESE

A toxina Shiga altera a atividade de moléculas regulatórias do complemento, ocasionando sua deposição em células endoteliais.

Após ingestão de alimentos contaminados por bactérias produtoras desta toxina, ela é liberada no intestino, causando diarreia invasiva por efeito direto na mucosa intestinal – as bactérias aderem-se às células epiteliais, destruindo os vilos intestinais. Ocorre translocação para a circulação, onde encontra hemácias, plaquetas e monócitos que expressam receptores de toxina Shiga em sua superfície, carregando a toxina para outros órgãos, como os rins, onde fazem nova lesão direta (3).

No caso da SHU secundária à infecção pneumocócica, sua patogênese não é clara. Acredita-se que esteja ligada a liberação de N-acetil neuraminidase (sialidase) (8).

1.3 QUADRO CLÍNICO

A SHU complica 6 a 9% dos casos de infecção por E. Coli enterro-toxigênica (5). Tipicamente há um quadro prodrômico de dor abdominal, náuseas, vômito e diarreia, que podem mimetizar colite ulcerativa e apendicite e precedem o desenvolvimento de SHU em 5 a 10 dias (9). A diarreia se torna sanguinolenta em 1 a 3 dias após o início do quadro – sangue vivo nas fezes ocorre em 80-90% das crianças infectadas com cultura de fezes positiva (7).

(4)

Pacientes com SHU secundária à infecção pneumocócica tipicamente apresentam pneumonia (70%) acompanhada de derrame pleural ou empiema. Meningite é a forma de apresentação inicial em 20-30% dos casos, porém há relatos de bacteremia isolada, sinusite e otite média envolvidos (7).

Pode haver envolvimento do sistema nervoso central (convulsões, coma, isquemia – tipicamente relacionado à E. coli, em quadros com pior prognóstico), trato gastrointestinal (colite hemorrágica, necrose e perfuração intestinal, prolapso retal, peritonite, etc), disfunção miocárdica, pancreática e hepática associadas ao quadro (9).

1.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico, baseado na presença da tríade clássica: anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e lesão renal aguda, identificadas por alterações laboratoriais.

 Anemia hemolítica microangiopática: Hb <8g/dL associado a Coombs direto negativo e esfregaço de sangue periférico com presença de esquizócitos em grande quantidade (>10%) e células em capacete;

 Trombocitopenia: normalmente < 40000/mm3 nos casos de SHU, ocasionando purpura ou sangramentos ativos;

 Lesão renal aguda: desde hematúria e proteinúria leves até disfunção renal grave associada a oligoanúria (50% dos casos). Hematúria microscópica e hipertensão são muito comuns. Cilindros hemáticos podem ser encontrados (9).

A presença de síndrome diarréica recente associada a outros sintomas sistêmicos é bastante sugestiva. Nos casos e E. coli enterro-toxigênica, podem ser solicitados testes sorológicos (IgM e Ac anti-lipopolissacárides) contra os sorotipos mais frequentes ou cultura/ELISA nas fezes para confirmação (9). A biópsia renal pode sugerir o diagnóstico em casos duvidosos (9).

1.5 TRATAMENTO

O tratamento inicial da SHU é suportivo, e abrange os seguintes pontos:

(5)

 Transfusão de plaquetas se sangramento ativo ou procedimento invasivo;

 Manutenção do volume intravascular e correção de possíveis distúrbios hidroeletrolíticos com hidratação endovenosa e ajuste de eletrólitos séricos;

 Suspensão de drogas nefrotóxicas e potenciais causadoras de SHU;

 Avaliar terapia dialítica em casos de lesão renal aguda grave;

 Proporcionar suporte nutricional adequado (9).

Nos casos de SHU associada a infecção pneumocócica, é recomendado o início de antibioticoterapia empírica (1A) com cefalosporinas de 3a geração e vancomicina, até os resultados finais de culturas (9).

Agentes com ação direta contra o mecanismo patogênico presumido da toxina Shiga foram testados, incluindo agentes antitrombóticos, plasmaférese, fator ativador de plasminogênio tecidual e toxina Shiga-ligante por via oral. No entanto, nenhum destes teve sua eficácia comprovada e não são recomendados. Para casos em que há comprometimento do sistema nervoso central, a plasmaférese e/ou o eculizumabe (anticorpo monoclonal que bloqueia a ativação do complemento) podem ser indicados. (6, 9)

2. SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA TÍPICA (SHUa)

Os menos de 10% dos casos de disfunção renal, anemia hemolítica e trombocitopenia que não se associam a diarreia invasiva e enterocolite são conhecidos como SHU atípica ou SHU mediada por complemento (6). Pesquisas desenvolvidas nos últimos 20 anos mostram que grande parte dos casos de SHUa ocorrem por ativação irrestrita do complemento secundária a variações genéticas de seus fatores regulatórios (5). Tais desordens podem ser primárias ou secundárias a infecções, medicações ou neoplasias.

2.1 EPIDEMIOLOGIA

A SHUa é uma doença rara. De forma geral, tem incidência estimada de 2 a cada 1000000 indivíduos na população norte-americana (10) e de 7 a

(6)

cada 1000000 de crianças na Europa (9). Apresenta alta morbimortalidade e péssimo prognóstico, com taxa de mortalidade de cerca de 25% e progressão para doença renal em estágio terminal (DRET) em quase 50% dos casos (6).

Menos de 20% dos casos são familiares – estes pacientes possuem pior prognóstico, com evolução para DRET em 50-80% dos casos (6).

A maior parte dos casos se deve a mutações genéticas, sendo a presença de anticorpos responsável por somente 6 a 10% dos casos (11). Podem haver casos envolvendo as duas situações.

A frequência estimada de mutações genéticas é (11):

 Fator H do Complemento (CFH, 20-30%)

 CD46 ou proteína cofatora de membrana (5-15%)

 Fator I do Complemento (CFI, 4-10%)

 Fração 3 do Complemento (C3, 2-10%)

 Fator B do Complemento (CFB, 1-4%)

 Gene da Trombomodulina (THBD, 3-5%)

Até há poucos anos, a SHUa era tida como uma doença infantil. Porém um estudo de 2013 obteve quase 50% dos indivíduos diagnosticados já na fase adulta (12).

2.2 PATOGÊNESE

As frações proteicas do complemento envolvidas na patogênese da SHUa fazem parte da via alternativa. Ocorre uma mutação de perda de função em um gene regulatório (CFH, CFI, ou CD46) ou de ganho de função em um gene efetor (CFB ou C3) (6, 11).

(7)

Modelo de ativação e regulação do complemento.

Figura retirada de Kavanagh D, Goodship TA, Richards A. Atypical Hemolytic Uremic Syndrome. Semin Nephrol. 2013. 33:508-530.

O mecanismo proposto para a ocorrência de SHUa é a de um evento predisponente ou trigger, como uma infecção ou gestação, em um indivíduo portador da mutação genética ou de anticorpos específicos, que levam a ativação contínua da via alternativa do complemento, resultando em formação ininterrupta de complexos de ataque à membrana. Estes complexos causam dano ao endotélio renal, com ativação da cascata de coagulação e surgimento de microangiopatia trombótica (MAT) (11).

Estudos desenvolvidos em animais sugeriram um papel importante da ativação da fração C5 na patogênese da SHUa, embasando o uso de eculizumabe como tratamento específico (11).

2.3 QUADRO CLÍNICO

O quadro clínico esperado é o mesmo da SHUa, incluindo pródromos infecciosos – 70 a 80% dos pacientes relatam evento prévio que envolve ativação do complemento, incluindo quadros infecciosos diarreicos (25%) e pulmonares. Gestação também pode ser um trigger. (6, 11). Hipertensão grave refratária costuma ser observada.

Ao contrário dos quadros de SHU típica, estes pacientes podem relatar episódios prévios de SHU, além de história familiar positiva.

(8)

Manifestações extrarrenais ocorrem em 10 a 20% dos casos de SHUa, sendo que os sintomas neurológicos são os mais frequentes (10%). (10)

2.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é realizado através do quadro clínico compatível com a tríade clássica associada a desregulação do complemento.

História prévia de SHU em membros da família e episódio prévio de SHU mediada por complemento (principalmente dos 6 aos 12 meses de vida ou durante a gestação e pós-parto) sugerem o diagnóstico. As medicações em uso também devem ser avaliadas. (6, 9)

A avaliação inicial inclui dosagem de C3 e C4, trombomodulina, fatores H, B e I, expressão leucocitária de CD46 e teste para anticorpos contra o fator H. Pacientes com mutações no C3, fator B e anticorpos contra fator H costumam apresentar níveis séricos baixos de C3 com níveis normais de C4, porém o C3 também pode estar dentro da faixa normal, deviso a outras mutações. Portanto, valores normais das frações do complemento disponíveis pra dosagem não excluem o diagnóstico (9, 11).

O diagnóstico definitivo requer genotipagem, para screening das possíveis mutações e presença de anticorpos. Entretanto, tais testes não são amplamente disponíveis, o que pode dificultar o diagnóstico e indicação de tratamento específico. Os testes genéticos devem ser indicados para pacientes com história sugestiva, para aqueles que não tiveram causa identificada e também para os quadros com evolução desfavorável (9, 11).

2.5 TRATAMENTO

As mesmas medidas suportivas indicadas para o tratamento de SHU típica devem ser empregadas nos casos de SHU atípica.

O eculizumabe, um anticorpo monoclonal humano contra a fração C5 do complemento, é considerado o tratamento de primeira linha para SHU mediada por complemento decorrente de defeitos genéticos (tanto em rins nativos quanto enxertos renais) e também pode ser usado em casos de SHU por anticorpos contra fator H. (6, 11)

O tratamento deve ser começado dentro de 48 horas após o diagnóstico, porém, dado o seu custo muitíssimo elevado (estimado em

(9)

400000 dólares ao ano), a plasmaférese pode ser considerada como possível tratamento inicial. Se houver falha terapêutica, o eculizumabe deve ser iniciado (11).

A identificação de anticorpos contra o fator H do complemento ou de sua mutação devem ser realizadas antes da introdução de eculizumabe, pois existe resposta em mais de 50% destes casos com plasmaférese, que pode ser considerada terapia inicial para estes casos (13).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ruggenenti P, Cravedi P, Remuzzi G. Microvascular and Macrovascular Diseases of the Kidney. Brenner and Rector's The Kidney, 2-Volume Set, 10th Edition. Elsevier, 2016, pp 1175-1188.

2. Cheung V, Trachtman H. Hemolytic uremic syndrome: toxins, vessels, and inflammation. Front Med (Lausanne), eCollection Nov 2014 4;1:42. 3. Mele C, Remuzzi G, Noris M. Hemolytic uremic syndrome. Semin

Immunopathol (2014) 36:399–420

4. Ruggenenti P, Noris M, Remuzzi G. Thrombotic microangiopathy, hemolytic uremic syndrome, and thrombotic thrombocytopenic purpura. Kidney Int (2001) 60:831–846

5. Nachman PH, Clarck WF, Derebail V. Vaso-Occlusive Disorders and Kidney Disease. Nephrology Self-Assessment Program - Vol 13, No 1, January 2014:7-16.

6. Noris M, Remuzzi G. Atypical hemolytic-uremic syndrome. N Engl J Med 361: 1676–1687, 2009

7. Garg AX, Suri RS et al. Long-term renal prognosis of diarrhea-associated hemolytic uremic syndrome: A systematic review, meta-analysis, and meta-regression. JAMA 290: 1360–1370, 2003.

8. Copelovitch L, Kaplan BS. Streptococcus pneumoniae-associated hemolytic uremic syndrome. Pediatr Nephrol. 2008 Nov; 23(11):1951-6. Epub 2007 Jun 13.

9. Niaudet, P. Overview of hemolytic uremic syndrome in children. UpToDate, 2016.

(10)

10. Kavanagh D, Goodship TA, Richards A. Atypical Hemolytic Uremic Syndrome. Semin Nephrol. 2013. 33:508-530.

11. Niaudet, P. Complement-mediated hemolytic uremic syndrome. UpToDate, 2016.

12. Fremeaux-Bacchi V et al. Genetics and outcome of atypical hemolytic uremic syndrome: A nationwide French series comparing children and adults. Clin J Am Soc Nephrol 8: 554–562, 2013

13. Loirat C, Garnier A, Sellier-Leclerc AL, Kwon T. Plasmatherapy in atypical hemolytic uremic syndrome. Semin Thromb Hemost. 2010 Sep;36(6):673-81. Epub 2010 Sep 23.

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