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Número (janeiro a junho de 2014) Cadernos de Gênero e Tecnologia Publicação trimestral

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Academic year: 2021

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Número 29-30 (janeiro a junho de 2014)

Cadernos de Gênero e Tecnologia Publicação trimestral

Coordenação Editorial: Lindamir Salete Casagrande e Nanci Stancki da Luz Coordenação de Entrevistas: Lindamir Salete Casagrande

Conselho Editorial:

Ana Paula Vosne Martins (UFPR); Carla Giovana Cabral (UFSC);

Cristina Tavares da Costa Rocha (IEG/UFSC); Emília Emi Takahashi (AFA);

Fanny Tabak (PUC-RJ); Gilson Leandro Queluz (UTFPR); Iara Beleli (UNICAMP);

Lindamir Salete Casagrande (UTFPR); Luciana Martha Silveira (UTFPR); Diagramação: Albert Lobo

Supervisão Grá ca: Sandra Bressan Capa: Ronaldo de Oliveira Corrêa

Impressão: Grá ca da UTFPR Tiragem: 200 exemplares

Indexado em: Dedalus - Banco de Dados Bibliográ cos da Universidade de São Paulo. C122 Cadernos de gênero e tecnologia / Periódico Técnico-Cientí co do

Pro-grama de Pós-Graduação em Tecnologia da UTFPR. Ano 1, n.29-30 (janeiro a junho de 2014 - Trimestral). -Curitiba: Editora UTFPR (denominação anterior: Editora CEFET-PR).

N. 25 - ISSN 1807-9415

Publicação do Núcleo de Gênero e Tecnologia – GeTec/PPGTE/UTFPR - 2013

1. Tecnologia e sociedade – Periódicos. 2. Mulheres e Estudos téc-nicos – Periódicos. 3. Educação tecnológica – Periódicos. 4. Antropolo-gia – Periódicos. I. Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.

Maria Cristina de Souza (UTFPR); Maria Rosa Lombardi (FCC); Marília Gomes de Carvalho (UTFPR); Maristela Mitsuko Ono (UTFPR); Nanci Stancki Silva (UTFPR); Marise Rodrigues (CEFET-RJ); Ronaldo de Oliveira Corrêa (UFPR); Sonia Ana Leszczynski (UTFPR)

CDD : 373.246 CDU : 373.6

Classe - Base de Datos Bibliográ ca de Revistas de Ciencias Sociales y Humanidades. Cadernos de Gênero e Tecnologia

Núcleo de Gênero e Tecnologia - GeTec Programa de Pós-Graduação em Tecnologia - PPGTE Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR Av. Sete de Setembro, 3165 CEP-80230-901 - Curitiba - Paraná.

Tel: (41) 3310-4711 Fax: (41) 3310-4712 e-mail: cadernogt@gmail.com homepage: www.ppgte.ct.utfpr.edu.br

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SUMÁRIO

EDITORIAL...5

ARTIGOS e ENSAIOS...10

Por uma ciência e epistemologia(s) feminista: avanços, dilemas e desa os... 10

Haverá lugar para o olhar de gênero na ciência brasileira? ... 20

Uma história toda sua: trajetórias de historiadoras brasileiras,1940 - 1990 ...32

Relações étnico-raciais e gênero na ciência: a situação da mulher negra no Brasil...43

Divisão sexual do trabalho no brasil: mulher cuidadora e homem provedor?...55

Catadoras de material reciclável: articulações entre tecnologia, trabalho e gênero...64

A divisão sexual do trabalho e os impactos do desenvolvimento tecnológico...89

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EDITORIAL

A publicação que recebeu o título de Cadernos de Gênero e Tecnologia a 10 anos atrás percorre um caminho na busca para a sua rmação no meio acadêmico como um espaço fundamental de publicação de estudos realiza-dos no Brasil e no exterior acerca da temática. Neste caminho encontramos alguns percalços, mas inúmeros motivos para persistir. Nesta trajetória os Cadernos de Gênero e Tecnologia tem apresentado contribuição signi cati-va na divulgação de estudos sobre Gênero, Ciência e Tecnologia merecen-do destaque pela professora Luzinete Simões Minella da UFSC no artigo Temáticas prioritárias no campo de gênero e ciências no Brasil: raça/etnia, uma lacuna? Publicado nos Cadernos Pagu no ano de 2013. Neste artigo ca evidente a contribuição dos Cadernos de Gênero e Tecnologia para a divulgação do conhecimento cientí co na temática, bem como, a relevância de sua continuidade para a construção e crescimento do campo.

Objetivando dar continuidade ao desa o de solidi car o campo de Ci-ência, Tecnologia e Gênero, publicamos este volume que reúne os números 29 e 30 dos Cadernos. Estes números apresentam a primeira parte de um dossiê composto de dois volumes que reúne trabalhos apresentados do V Seminário Nacional de Tecnologia e Sociedade realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia – PPGTE/UTFPR em parceria com a As-sociação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias – ESOCITE-BR realizado na UTFPR de 16 a 18 de outubro de 2013. Uma versão destes artigos foi publicada nos anais deste evento.

Este volume é composto por oito artigos que abordam a questão da divisão sexual do trabalho bem como de gênero, ciência e tecnologia, temas diretamente relacionados a área temática do periódico.

O primeiro artigo de autoria Antonio Carlos Lima da Conceição e Lina M. Brandão de Aras recebeu o título Por uma ciência e epistemologia(s) feminista: avanços, dilemas e desa os e teve por objetivo discutir “alguns desa os que se colocam ao processo de construção de teorias, em parti-cular, à elaboração de teorias feministas”. O autores argumentam que há um questionamento das teóricas feministas acerca de quem pode ou não fazer ciência, bem como, do que faz parte, é reconhecido como ciência e

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que merece ser conhecido. Para os autores “o feminismo propõe uma nova relação entre teoria e prática. Delineia-se um novo agente epistêmico, não isolado do mundo, mas inserido no coração dele, não isento e imparcial, mas subjetivo e a rmando sua particularidade.” Concluem seu artigo a r-mando que as mulheres têm capacidade para e sabem inovar na reorgani-zação dos espaços físicos, sociais, culturais e aqui, pode-se complementar, nos intelectuais e cientí cos. E o que me parece mais importante, sabem inovar libertariamente, abrindo o campo das possibilidades interpretativas, propondo múltiplos temas de investigação, formulando novas problematiza-ções, incorporando inúmeros sujeitos sociais, construindo novas formas de pensar e viver.

O artigo apresentado na sequência se intitula Haverá lugar para o olhar de gênero na ciência brasileira? de autoria de Regina Beatriz Vargas. Neste artigo a autora apresenta “estudos preliminares voltados à construção de indicadores sociais de gênero nas ciências, desenvolvidos no âmbito do Projeto Repercussões sociais da ciência, tecnologia e inovação, no LaDCIS – Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação da UFRGS.” A autora busca regatar a contribuição das mulheres na produção do conhe-cimento cientí co e tecnológico. A autora aponta para um abismo acerca desta participação e a rma que “não só as mulheres são ainda muito pou-cas nas áreas cientí co-tecnológipou-cas como também não existem polítipou-cas de incentivo ao seu ingresso nessas áreas e praticamente não há mulheres nos espaços decisórios.” Aponta ainda a ausência de espaço para as mu-lheres em instituições cientí cas e destaca que “há um grande caminho a percorrer e os estudos de gênero deveriam voltar seu foco urgentemente para a academia e as instituições de desenvolvimento cientí co e tecnológi-co.” Finaliza a rmando que isso não signi ca que “nada acontece com enfo-que de gênero nas universidades e na pesquisa brasileira. Várias iniciativas podem ser identi cadas, mas o fato é que elas são exceções.”

O terceiro artigo é uma contribuição de Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik intitulado Uma história toda sua: trajetórias de historiadoras brasileiras, 1940 – 1990 tem como objetivo “mapear, investigar e analisar as trajetórias intelectuais e pro ssionais, bem como explorar a riqueza das narrativas biográ cas que expressam as experiências pessoais, interpesso-ais e de vida das historiadoras brasileiras”. A pesquisa, que encontrava-se em andamento no momento da produção do artigo, era baseada na trajetó-ria de histotrajetó-riadoras que estiveram vinculadas a universidades brasileiras. A

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autora buscará identi car se o gênero foi uma variável importante na traje-tória acadêmica destas historiadoras, e a rma que é necessário investigar as situações diversas pelas quais passaram as referidas historiadoras para conseguirem se impor, divulgar seus trabalhos, valorizar-se mediante um local de trabalho marcadamente androcêntrico, consolidar e legitimar suas carreiras, fato que incide, portanto, no reconhecimento da existência de dis-putas simbólicas pela obtenção de projeção, liderança, prestígio e poder na instituição universitária.

Na sequência temos o artigo Relações étnico-raciais e gênero na ciên-cia: a situação da mulher negra no Brasil de autoria de Jussara Marques de Medeiros Dias e Nanci Stancki da Luz. Neste artigo as autoras trazem uma pesquisa que se encontrava em desenvolvimento naquele momento e tinha objetivo de “analisar as abordagens sobre gênero e relações étnico raciais na história da ciência e apresentar dados sobre a mulher negra pontuando a forma como a lei 12.711 de 2012 foi instituída na UTFPR”. As autoras apre-sentam uma re exão sobre a situação da mulher negra na sociedade brasi-leira e centram sua pesquisa nos cursos de Engenharia Civil e Licenciatura em Letras da UTFPR. As autoras argumentam que, embora o número de mulheres no meio universitário seja maior que o de homens, isso não se aplica a todos os cursos e tampouco às mulheres negras, elas permanecem muito poucas dentre o quadro discente da UTFPR.

No artigo Divisão sexual do trabalho no brasil: mulher cuidadora e ho-mem provedor?, os autores Marcio Rogério Kurz e Nanci Stancki da Luz buscam “conhecer e comparar diversos aspectos nas relações e realidades das mulheres no mundo do trabalho, sob a ótica da divisão sexual do tra-balho”. Os autores fazem uma discussão acerca das transformações nas con gurações familiares que vem ocorrendo na sociedade. Eles a rmam que estas transformações também atingiram o mercado de trabalho com a inserção cada vez maior das mulheres no mundo do trabalho remunerado. Para este grande contingente de mulheres trabalhadoras ainda existe a du-pla e até a tridu-pla jornada de trabalho, que no âmbito particular lhes impõe o cuidar dos lhos, do marido e das tarefas femininas típicas do sistema patriarcal. E, no âmbito público, lhes impõe enormes diferenças salariais e atividades precarizadas em relação aos homens.

Os autores concluem que a ampliação de mulheres no mercado de tra-balho formal provocou o acréscimo de mulheres nanceiramente indepen-dentes e este fato “contribui para as mudanças nas relações de gênero,

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permitindo também alterações na divisão sexual do trabalho e no enfra-quecimento da percepção de mulher apenas como cuidadora e do homem como único provedor.”

Na sequência apresentamos a contribuição de Daniela Isabel Kuhn e Nanci Stancki da Luz com o artigo Catadoras de material reciclável: articu-lações entre tecnologia, trabalho e gênero. Neste artigo as autoras re etem acerca do “desenvolvimento da tecnologia relacionada ao mundo do traba-lho de catadoras de material reciclável, articulando com os estudos de gê-nero e da divisão sexual do trabalho”. As autoras consideram “a tecnologia como construção social, tendo suas repercussões que re etem sobre as múltiplas dimensões da organização do trabalho” e desta forma está pre-sente também no trabalho das catadoras de material reciclável. Para elas “pensar no trabalho das catadoras implica, portanto, considerar que este ocorre inserido neste contexto de intensa presença da tecnologia no cotidia-no, sendo uma atividade laboral que se con gura no sistema capitalista e na perspectiva atual dos processos de globalização.” Concluem que ao re etir

sobre como funciona os poderes enraizados pela cultura do patriarcado no âmbito da atividade laboral das catadoras, pode colaborar para a conscienti-zação e autonomia destas mulheres. Pode signi car uma chave para que se abram portas de caminhos mais férteis na condução de um trabalho digno, deixando de alinhar-se às condições de um trabalho precário.

O artigo Condição feminina e trabalho: implicações sociais nos múlti-plos papéis desempenhados por mulheres de autoria de Flávia Granzotto Fachini e Graciele Alves Babiuk apresenta a discussão sobre o “papel da mulher na sociedade contemporânea, com suas implicações sócio-históri-cas advindas da construção social.” As autoras tem por objetivo analisar os impactos das múltiplas jornadas de trabalho na vida das mulheres. Buscam “contribuir para a análise das desigualdades do mundo do trabalho e de funções sociais atribuídas a homens e mulheres”. As autoras argumentam que para a realização deste trabalho foi necessário re etir sobre as trans-formações que vem ocorrendo nos arranjos familiares onde cada vez mais encontramos mulheres como “chefes de família”, ou seja, como as princi-pais provedoras do sustento familiar. Concluem que “as valorações que são feitas as chefes de família, apesar de muitos avanços, são extremamente limitadas, arraigada pelo machismo que a sociedade brasileira naturaliza dia após dia.”

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artigo A Divisão Sexual do Trabalho e os Impactos do Desenvolvimento Tec-nológico. Neste artigo a autora faz uma discussão acerca da tecnologia e o mercado de trabalho. Argumenta sobre a existência e permanência na sociedade brasileira da ideia de trabalhos masculinos e femininos, sendo os masculinos os mais valorizados. Ressalta que apesar das transformações ocorridas em nossa sociedade “ainda não se tem uma igualdade na distri-buição das atividades produtivas”. A autora faz uma re exão acerca da per-manência desta ideia no mercado de trabalho e conclui que “cabe ao gestor capitalista a distribuição das tarefas e das funções, bem como seu geren-ciamento à procura crescente de produtividade, e de mais-valia relativa e/ ou absoluta” pois ao capital o que interessa é o maior lucro independente se vem de mãos masculinas ou femininas. Raquel naliza o artigo a rmando que “tornar-se sujeito social na de nição de uma identidade no mundo do trabalho capitalista, se restringe ao/a trabalhador/a que se espelha no modo de produção vigente no sistema do capital.”

Estes são os artigos que compõe este número dos Cadernos de Gêne-ro e Tecnologia. Esperamos que as discussões aqui apresentadas possam contribuir com as discussões acerca de gênero e tecnologia. Como pode--se perceber, a questão de gênero perpassa situações rotineiras e atingem diretamente a ciência e tecnologia e o mundo do trabalho.

Desejamos a todas e todos uma ótima leitura.

Lindamir Salete Casagrande Nanci Stancki da Luz Editoras

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POR UMA CIÊNCIA E EPISTEMOLOGIA(S) FEMINISTA:

AVANÇOS, DILEMAS E DESAFIOS

For a feminist science and epistemology: Advances,

dilemmas and challenges

Antonio Carlos Lima da Conceição1

Lina M.Brandão de Aras2

Resumo

Este artigo discute alguns desa os que se colocam ao processo de construção de teorias, em particular, à elaboração de teorias feministas. Pretende identi car e analisar, os avanços e desencontros do campo das mulheres nas ciências, discutindo os principais posicionamentos para a construção de uma epistemologia feminista e a sua importância para os estudos feministas nas ciências sociais e humanas.

Palavras chave: Ciência, feminismo e epistemologia feminista.

Abstract

This article discusses some challenges in the process of building theo-ries, in particular, the development of feminist theories. Aims to identify and analyze the progress and failures of the eld of women in science, discus-sing the arguments for building a feminist epistemology and its importance to feminist scholarship in the social sciences and humanities.

Keywords: Science, feminism and feminist epistemology.

Nos últimos anos a situação das mulheres na ciência se constituiu, uma temática de certa autonomia no debate geral acerca do estado da ciência e da tecnologia no mundo contemporâneo. Podem ser estabelecidos

antece-1 Bacharel em Direito - UFBA, Licenciado em História – UCSAL, Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo – PPG/NEIM-UFBA e Doutorando PPG/NEIM – UFBA. curalima@ gmail.com

2 Doutora em História pela USP e professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplina-res sobre MulheInterdisciplina-res, Gênero e Feminismo/UFBA. laras@ufba.br

Artigos e Ensaios

cadernos dee gênero

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dentes signi cativos entre esse novo status político da questão da mulher na ciência, os estudos acadêmicos sobre as relações entre ciência, tecnolo-gia e sociedade, e os movimentos feministas.

Desde a “segunda onda do feminismo”, ocorrida entre as décadas de 60 e 70 - que coincide, por sua vez, com um momento chave na história da luta das mulheres por acesso ao conhecimento (KELLER, 1996), multipli-caram-se os estudos que vinculam as mulheres aos processos da ciência e da tecnologia na sociedade, que em grande medida tem incorporado um enfoque de “gênero”, conceito que planeja uma rede nição teórica e política com respeito ao conceito de sexo. Desde então, podem ser reconhecidos eixos problemáticos marcantes que orientam a re exão sobre a mulher nes-se campo.

Segundo (SARDENBERG, 2007 p.3), as feministas da Segunda Onda se depararam com o viés androcêntrico que tem permeado as teorias tra-dicionais, manifesto tanto na total exclusão ou invisibilidade do “feminino”, quanto na forma (distorcida) em que as mulheres e seu universo são re-presentados. Mas, as tentativas de incluir as mulheres e os temas relativos ao cotidiano feminino como objetos legítimos de investigação se forjavam, ainda, nos anos 70, com base nos mesmos conceitos, esquemas e métodos das teorias tradicionais, isto é, dentro dos próprios esquemas das proble-máticas patriarcais de legitimar as mulheres como objeto de investigação cientí ca, a sua legitimidade enquanto sujeitos do conhecimento, a autori-dade epistêmica - se batia com a questão da objetiviautori-dade e “neutraliautori-dade” cientí cas.

As pensadoras feministas vêm de há muito colocando em questiona-mento os parâmetros cientí cos de nidores de quem pode ou não ser sujei-to do conhecimensujei-to, do que pode consistir como conhecimensujei-to, ou mesmo o que pode ser conhecido. Um deles situa-se no segmento que tem sido chamado de “a questão da mulher na ciência”, e que refere à sua partici-pação, nas atividades cientí cas e tecnológicas, em particular na pesquisa, e aos problemas do acesso à carreira pro ssional respectiva. Desse ponto de vista, problematiza-se a questão da “igualdade”, aparentada claramente com o processo mais amplo de reivindicação dos direitos à igualdade das mulheres em todas as ordens da vida social. O caso do direito à igualdade na ciência e na tecnologia se traduz como igualdade no acesso à educação e em particular à educação superior; no ingresso à carreira cientí ca e seu desempenho posterior; no acesso a instâncias de decisão no

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desenvolvi-mento da ciência e da tecnologia na sociedade.

Outro eixo central tem-se constituído em torno de uma problematização de natureza epistemológica que, baseando-se na ideia da constituição so-cial do conhecimento cientí co, concentra-se na análise da natureza revolu-cionária do olhar feminino sobre o mundo e, portanto, no potencial inovador da pesquisa cientí ca gerada por mulheres. Dessa perspectiva, o problema não consiste tanto no melhoramento da participação das mulheres no siste-ma da ciência, senão nos esquesiste-mas interpretativos que dominam a constru-ção simbólica da natureza e da sociedade.

O conhecimento produzido sobre e pelas mulheres sempre foi visto como de menor valor, por versar sobre assuntos tidos como não afeitos ao rigor cientí co, nem dignos de serem contemplados pela ciência, como o cotidiano, as histórias de família, os gestos e os sonhos, en m, temas con-siderados como “coisas de mulher. Acrescem a essas críticas, voltadas para o tipo de objeto, outras que dizem respeito às atitudes das pesquisadoras, acusadas de não conseguirem agir com neutralidade, articulando teoria e prática de forma tão visceral, a ponto de não separar a construção do co-nhecimento, da militância. Isto faz com que, ainda hoje, quando é inegável a importância da pesquisa feminista no processo de re exão sobre a socieda-de, autores a rmem que “a contribuição feminista ainda não foi devidamente reconhecida no meio acadêmico, em particular por aqueles que insistem em manter uma postura formal em relação à ciência.

Esses, entre outros, são argumentos utilizados para di cultar a legitimi-dade do conhecimento feminista, deixando-o fora de muitas áreas do saber acadêmico, onde é visto com desprezo e desquali cação. Essas atitudes re etem os preconceitos que a sociedade tem com as atividades femininas e a falta de valor com que vê a mulher. Assim, mesmo sabendo-se que os estudos feministas são signi cativos em quantidade e qualidade, reiteradas a rmações indicam que “o conhecimento, seja sobre mulher seja sobre gê-nero, vem enfrentando di culdades para obter reconhecimento como tema relevante para as ciências sociais.

As próprias pesquisadoras feministas concordam com algumas das crí-ticas tecidas, em especial aquelas que as acusam de não separar teoria da prática, a rmando que isto faz parte do compromisso que têm com as mudanças sociais. Assim, a cada dia, conseguem abrir novos espaços na estrutura racionalista da academia, introduzindo novos temas de re exão, assim como novas perspectivas teóricas e metodológicas. É indiscutível

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que essa exibilização é uma forma de avanço para os estudos feministas, entretanto, os currículos acadêmicos continuam tratando a temática como marginal ou de menor importância.

As teóricas feministas têm a clara compreensão de que o conhecimento do mundo é socialmente construído e, dentro do mundo em que vivemos, determinado pelo gênero; pois, se este molda quem somos, também molda como pensamos e nossas concepções da ciência não podem se furtar a isso.

Jaggar e Bordo critica a ciência e questiona a concepção tradicional de que existe algo chamado natureza objetiva correspondendo a alguma realidade claramente discernível, que a mente humana pode compreender através do processo bastante simples e direto conhecido como razão. O método cientí co chegou a ser considerado como o veículo através do qual a mente, livre de fatores de classe ou status (religião, raça, nacionalidade, género) pode conhecer ou compreender essa realidade objetiva (Jaggar e Bordo In FARGANIS,1997 p.24).

Os autores citados ainda argumentam que se deve questionar o ideal cartesiano no qual se baseia a noção contemporânea da ciência, porque não leva em consideração o papel que a política e a história desempenham nessa busca etérea da verdade; além disso, não leva em conta as formas através das quais a razão, a emoção e a paixão signi cam coisas diversas e são avaliadas diferentemente por pessoas diferentes.

A epistemologia feminista contemporânea faz parte da crítica corrente ao modelo cartesiano de ciência, distinguindo-se de outros desa os, por atribuir preconceitos ligados ao gênero tanto ao método cientí co como à tradição epistemológica ocidental da qual ele faz parte. A contestação fe-minista não é a de a rmar que as mulheres podem, tão bem quanto os homens, raciocinar ou “fazer” ciência tal como é praticada agora. Em vez disso, sua posição é de que as mulheres que reconhecem e aceitam os pressupostos feministas sobre o mundo praticarão ciência de modo diverso num mundo que legitime esses pressupostos: usarão uma metodologia di-ferente ou se basearão num conjunto didi-ferente de práticas para observar e compreender o mundo à sua volta; serão conscientes da intencionalidade de seus estudos e dos usos que deles se farão.

No tocante a investigação do lugar das mulheres na ciência, esfera le-gitimada da produção do conhecimento, revelou tanto a ampla extensão dos

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fundamentos binários dessa ciência quanto a invisibilidade das mulheres como sujeitos dela. Como objetos da ciência, as mulheres de nidas não somente como diferentes dos homens, mas também como biologicamen-te inferiores e, entre outras coisas, inadequadas ao exercício do papel de cientista.

A crítica do pensamento tem frequentemente feito avançar o conheci-mento com mais e cácia do que o seu estabeleciconheci-mento. A crítica feminista à ciência aponta para uma área particularmente fértil em que as categorias do pensamento ocidental necessitam de revisão. Embora tais críticas tenham começado por indagações politicamente controvertidas, mas teoricamente inócuas, acerca da discriminação contra as mulheres na estrutura social da ciência, dos usos indevidos da tecnologia e do preconceito androcêntrico nas ciências sociais e na biologia, elas logo se avolumaram em interpela-ções das premissas mais fundamentais do pensamento ocidental moderno. E, com isso, as críticas implicitamente desa am as construções teóricas em que as questões iniciais foram formuladas, e segundo as quais poderiam ser respondidas.

Ao fazermos o exame da crítica feminista à ciência, devemos, portanto, re etir sobre tudo o que a ciência não faz, as razões das exclusões, como elas conformam a ciência precisamente através das ausências, quer sejam elas reconhecidas ou não. Não há dúvida de que a crítica feminista das ciências naturais e sociais identi cou e descreveu uma ciência mal condu-zida, isto é, uma ciência distorcida pela visão masculina preconcebida na elaboração da problemática, nas teorias, nos conceitos, nos métodos de investigação, nas observações e interpretações dos resultados.

A concepção de ciência iluminista explicitamente negava que as mu-lheres possuíssem a racionalidade e a capacidade de observação desapai-xonada e objetiva exigidas pelo pensamento cientí co. As mulheres podiam ser objeto da razão e da observação masculinas, mas nunca seus sujeitos, jamais poderiam ser mentes humanas re exivas e universalizantes. Somen-te os homens eram vistos como formuladores ideais de conhecimento; e entre eles, apenas os que pertenciam à classe, raça e cultura corretas eram vistos como detentores de capacidade inata para o raciocínio e a observa-ção socialmente transcendentes. As nalidades e propósitos de tal ciência se revelaram tudo menos libertadoras.

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Por uma epistemologia feminista da ciência

A crítica feminista à ciência e os estudos feministas da ciência, desen-volvem a partir dos anos 70 um espírito crítico re exivo voltado para todos os campos do conhecimento cientí co. Nesse período, a partir dos anos 70, a evidência de que a maioria dos cientistas são homens, faz com que a crítica feminista a ciência hegemônica preocupe-se em construir modelos de ciência implicados.

A primeira tipologia dos modelos de crítica feminista à ciência, foi efetu-ado por Harding, através do empirismo feminista, cujo ponto nodal de preo-cupação seria a discriminação e sub-representação das mulheres na ciên-cia (HARDING,1996). A solução seria atrair mulheres para a investigação, em uma tentativa de aumentar a representação das mulheres na ciência. Essa linha de orientação tem sofrido questionamentos, uma vez que a sua operacionalização e o seu caráter político, continua a funcionar dentro do paradigma da ciência tradicional, sem analisar a divisão teórico-metodológi-ca do androcentrismo.

Na perspectiva teórica do stand point, as mulheres cientistas são con-sideradas oprimidas pela comunidade cientí ca. Na produção do conheci-mento as mulheres cientistas, antes de serem cientistas, partiu de um de-terminado posicionamento na hierarquia social (classe, etnicidade, sexo, orientação sexual) (NEVES E NOGUEIRA, 2005). Essa posicionalidade é lida de forma a ser integrada na investigação propriamente dita. Nessa pers-pectiva as mulheres evidenciam um privilégio epistêmico que adviria da sua própria condição feminina o que as torna ideais para estudar as mulheres. Para as teóricas do stand point o conhecimento é parcial, contextualizado e experiencial (HARAWAY,1991).

Para as perspectivistas uma das formas de combater a opressão pa-triarcal instalada na ciência, seria valorizar a experiência feminina e a ne-cessidade de dar voz as mulheres. De acordo com Nogueira, as críticas a essas epistemologias, dizem respeito ao essencialismo e o diferencialismo que defendem, por basearem-se num privilégio epistemológico da condição feminina (NOGUEIRA, 2001).

A corrente de pensamento feminista pós-moderna vai buscar no movi-mento feminista pós-moderno e pós-estruturalista as suas principais refe-rências. Essa linha crítica centra-se na construção genderizada do projeto

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de ciência moderna. Rejeita as propostas a-política do empiricismo feminis-ta e o essencialismo e diferencialismo do sfeminis-tand point.

O projeto teórico-político ideológico pós-moderno feminista problemati-za a própria ideia das mulheres enquanto categoria ontológica. Para as teó-ricas pós-modernas a categoria mulheres ilude as divisões intracategorias.

Segundo Haraway,

Com o reconhecimento arduamente conquistado, da sua con-stituição histórica social, o gênero, a raça e a classe não po-dem constituir a base para a crença na unidade ‘essencial’. Não existe nada no fato de ser ‘fêmea’ que vincule natural-mente as mulheres. Não existe sequer o estado de ser ‘fêmea’, uma categoria em si mesma altamente complexa, construída em conturbados discursos cientí cos e outras práticas sociais.

A teorização feminista desenvolveu-se a partir da necessidade de uma forma de produção acadêmica que problematizasse as relações entre os sexos, mais do que produzisse análises a partir do privilegiamento do su-jeito. Existiria uma maneira feminina de fazer ciência radicalmente diferente da masculina? No campo teórico feminista há um entendimento de que as mulheres têm um modo de interrogação próprio do olhar feminino, um ponto de vista especí co ao abordar o objeto.

Sem dúvida alguma, há um aporte feminino/ista especí co, diferencia-dor, energizante, libertário, que rompe com um enquadramento conceitual normativo. Talvez daí mesmo a di culdade de nomear o campo da episte-mologia feminista.

Vejamos alguns aspectos desse aporte: o questionamento da produção do conhecimento entendida como processo racional e objetivo para se atin-gir a verdade pura e universal, e a busca de novos parâmetros da produção do conhecimento. Aponta, então, para a superação do conhecimento como um processo meramente racional: as mulheres incorporam a dimensão sub-jetiva, emotiva, intuitiva no processo do conhecimento, questionando a divi-são corpo/mente, sentimento/razão. Ainda nessa linha de pensamento, “em busca de parâmetros conceituais e losó cos alternativos, muitos pensado-res abraçaram modos de análise que rejeitam a dicotomização entre razão e paixão, entre saber e sentimento. ” (LONGINO,1995)

O pensamento feminista trouxe a subjetividade como forma de conhe-cimento, o que se opõe radicalmente ao ideal de conhecimento objetivo trazido das Ciências Naturais para as Ciências Humanas. Entrando num

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mundo masculino, possuído por outros, a mulher percebe que não detém a linguagem e luta por criar uma, ou ampliar a existente: aqui se encontra a principal fonte do aporte feminista à produção do conhecimento, à constru-ção de novos signi cados na interpretaconstru-ção do mundo.

Considerações nais

O feminismo propõe uma nova relação entre teoria e prática. Delineia--se um novo agente epistêmico, não isolado do mundo, mas inserido no coração dele, não isento e imparcial, mas subjetivo e a rmando sua par-ticularidade. Ao contrário do desligamento do cientista em relação ao seu objeto de conhecimento, o que permitiria produzir um conhecimento neutro, livre de interferências subjetivas, clama-se pelo envolvimento do sujeito com seu objeto.

Concordando com Sandra Harding: “Uma forma de resolver o dilema seria dizer que a ciência e a epistemologia feministas terão um valor próprio ao lado, e fazendo parte integrante, de outras ciências e epistemologias - jamais como superiores às outras.”

No caso dos estudos feministas, o sucesso da categoria do gênero se explica, em grande parte, por ter dado uma resposta interessante ao im-passe teórico existente, quando se questionava a lógica da identidade e se decretava o eclipse do sujeito. Categoria relacional, como observa Joan Scott, encontrou campo extremamente favorável num momento de grande mudança das referências teóricas vigentes nas Ciências Humanas, e em que a dimensão da Cultura passava a ser privilegiada sobre as determina-ções da Sociedade.

En m, parece que já não há mais dúvidas de que as mulheres sabem inovar na reorganização dos espaços físicos, sociais, culturais e aqui, pode--se complementar, nos intelectuais e cientí cos. E o que me parece mais importante, sabem inovar libertariamente, abrindo o campo das possibilida-des interpretativas, propondo múltiplos temas de investigação, formulando novas problematizações, incorporando inúmeros sujeitos sociais, construin-do novas formas de pensar e viver.

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Referências

BUTLER, Judith. Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity. New York: Routledge, 1990.

FARGANIS, Sandra. O Feminismo e a reconstrução da ciência social. In: JAGGAR, Alisson M. & BORDO, Susan R.(orgs.), Gênero, Corpo, Conhe-cimento. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos,1997, pp.224-240. FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Uni-versitária, 1986, p.54

GROSZ, Elizabeth. Bodies and Knowledges: Feminism and the Crisis of Reason, in ALCOFF, L. e POTTER, E. , op. cit. p. 206.

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HAVERÁ LUGAR PARA O OLHAR DE GÊNERO NA CIÊNCIA

BRASILEIRA?

There will be place for gender look at brazilian science?

Regina Beatriz Vargas3

Resumo

O presente trabalho descreve estudos preliminares voltados à constru-ção de indicadores sociais de gênero nas ciências, desenvolvidos no âm-bito do Projeto Repercussões sociais da ciência, tecnologia e inovação, no LaDCIS – Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação da UFRGS. O artigo introduz a crítica feminista à ciência tradicional e os es-forços acadêmicos de feministas no sentido de resgatar o papel da mulher e sua participação na produção do conhecimento cientí co e tecnológico e de evidenciar o caráter não neutro da ciência a partir da crítica à pseudo objetividade de seus pressupostos. Faz um breve apanhado das repercus-sões dos estudos feministas nas ciências, no âmbito dos países do norte global, especialmente nos EUA, seguido de um mapa em grandes linhas do cenário brasileiro dos estudos de gênero e da situação atual dessa temática no âmbito das prinicpais instituições de desenvolvimento cientí co no país. Os resultados do mapeamento preliminar apontam para a precariedade das análises de gênero em C,T&I no Brasil. O artigo naliza, apresentando o conceito de inovações com recorte de gênero introduzido por Londa Schie-binger, e contrapondo a situação brasileira aos eixos de análise da perspec-tiva de gênero propostos pela mesma autora, com vistas a apontar trilhas para o avanço das análises de gênero na ciência desenvolvida no Brasil. Palavras-chave: Estudos de gênero. Estudos feministas. Ciência, Tecnolo-gia e Inovação. Inovações com recorte de gênero.

Abstract

The present paper describes preliminary studies that aim at the deve-lopment of gender indicators for science and technology (S&T), which has been carried out as part of the Social Repercussions of Science, Technology

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and Innovation Project, of LaDCIS – the Laboratory for Dissemination of Science, Technology and Innovation, UFRGS. The article brie y introduces feminist criticism to the traditional science as well as the efforts by feminist scholars for retrieving the role and participation of women in the production of the scienti c and technological knowledge so far and for contesting the claims of rationality and objectivity of assumptions and methods of traditio-nal science. The article brings, then, a brief overview of the repercusions of women’s studies on sciences in developed countries, particularly in U.S., followed by a broad description of the Brazilian context of gender studies and the current situation of this theme within the main institutions of S&T development in the country. The rst ndings reveal a signi cant lack of gen-der analysis in Brazilian ST&I activities. The conclusion brings the concept of gendered innovations devised by Londa Schiebinger and confronts the Brazilian identi ed situation with the levels of analysis proposed by Schie-binger, aiming at indicating some paths towards the advancement of gender analysis in science and technology produced in Brazil.

Keywords: Gender studies. Feminist studies. Science, Technology and In-novation. Gendered innovations.

Introdução

Estudos sobre como o gênero in uencia, modela e estrutura o modo como se faz ciência, o tipo de tecnologia desenvolvida e a forma como esta é utilizada ainda constituem um campo novo e, ousa-se a rmar aqui, des-conhecido da maioria dos pesquisadores e pesquisadoras no Brasil. De um modo geral, a produção cientí ca brasileira parece – ainda escudada sob uma obsoleta ideia de neutralidade da ciência – desconsiderar o fator gêne-ro enquanto variável que pode afetar pressupostos e resultados da pesquisa cientí ca e, quase sempre, suas repercussões.

Em 1999, Londa Schiebinger4 se perguntava: “o feminismo mudou a

ci-ência?” E concluía apontando mudanças substantivas ocorridas em algumas áreas e avanços quanto ao reconhecimento dos impactos do fator gênero na pesquisa cientí ca e tecnológica – avanços resultantes, em parte, do crescente ingresso de mulheres na academia e, principalmente, do desen-volvimento de estudos feministas. Porém, sinalizava um longo caminho por

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percorrer até se poder a rmar que a ciência mudou. Em um esforço de sín-tese e de “tradução” das linguagens especializadas da literatura sobre gêne-ro e ciência pgêne-roduzida em campos variados do conhecimento, Schiebinger vai além da crítica feminista ao fazer cientí co, indagando quais mudanças bené cas e concretas o feminismo imprimiu à ciência. Nas suas palavras: “Por tempo su ciente, temos questionado o que a ciência está fazendo de modo errado. Agora é hora de averiguarmos o que os estudos de gênero podem oferecer na forma de novas abordagens e de novas prioridades e projetos de pesquisa” (SCHIEBINGER, 1999, pp.1-2; tradução minha).

No Brasil, cresce o acesso das mulheres aos cursos de graduação e pós-graduação, já havendo paridade em certas áreas como química e enge-nharia de processos. Mas persiste uma clara divisão sexual na distribuição entre as áreas de conhecimento. As mulheres, com raras exceções, ocupam a maioria das vagas dos cursos de menor status e das áreas ligadas ao cui-dado e serviços (educação, psicologia, enfermagem, serviço social)5.

Há vários estudos no Brasil sobre gênero e ciência, mas estes, em ge-ral, ou estão focados na participação das mulheres na academia e na pro-dução cientí ca usando indicadores quantitativos de participação por área e por funções hierárquicas, ou concentram-se nas relações de gênero impli-cadas nas práticas de diferentes áreas da ciência. Muito pouco se discute sobre abordagem de gênero, seja na de nição das prioridades de pesqui-sa ou no desenho dos métodos, modelos e sujeitos de pesquipesqui-sa, seja nos distintos impactos das tecnologias resultantes sobre a vida de homens e mulheres, entre outras questões relevantes para uma ciência comprometida com a igualdade.

Apoiado nas perspectivas de teóricas feministas como Sandra Harding (1983, 1987, 1991, 2010), Helen Longino (1987, 1989, 1990) e a já citada Londa Schiebinger (1987, 1999, 2012), este artigo traz um breve apanhado dos questionamentos levantados pelos estudos feministas ao modo tradicio-nal do fazer cientí co e busca situar o Brasil no contexto da abordagem de gênero na ciência, apontando desa os e caminhos para isto.

Buscando apontar os desa os a tal empreendimento, este artigo orga-niza-se em quatro seções, além desta introdução: a primeira discorre sobre a crítica feminista à ciência tradicional, destacando as mudanças de para-digma alcançadas em âmbito internacional e alguns dos impactos dos

estu-5 Ver, por exemplo, estatísticas pblicadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2013).

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dos feministas sobre o fazer cientí co nas últimas três décadas. A segunda situa os estudos feministas no contexto brasileiro em comparação com seu desenvolvimento nos países do norte, particularmente EUA. A terceira traz dados para uma análise do lugar do gênero na ciência brasileira. E, por m, a quarta seção apresenta o conceito de inovações com recorte de gênero e os três níveis de análise, para o enfoque de gênero nas ciências, propostos por Schiebinger (2012), com vistas a apontar caminhos para a construção desse olhar na ciência brasileira.

A crítica feminista e o enfoque de gênero na ciência

Ao longo do século XX, os estudos feministas despontaram, consoli-dando-se como uma escola teórica de crescente legitimidade e relevância para o desenvolvimento das ciências, particularmente das ciências sociais. A pesquisa feminista apontou a sistemática desconsideração da produção cientí ca das mulheres na tradição acadêmica ocidental. Tal crítica pôs em questão os pressupostos fundantes da Ciência Moderna, denunciando a falácia de sua suposta “neutralidade” garantidora da objetividade necessá-ria à busca de “verdades cientí cas”. Sem recorrer a tais fundamentos, as práticas feministas de produção do conhecimento apoiam-se em uma práxis política voltada a transformar as relações de gênero vigentes na sociedade moderna (SARDENBERG, 2007).

Schiebinger (1987) identi cou quatro abordagens conceituais no cam-po de estudos sobre gênero e ciência: uma primeira resgata da obscuridade as mulheres cujas contribuições cientí cas foram negligenciadas pela cor-rente predominante de historiadores da ciência; a segunda, complementar à anterior, analisa a participação das mulheres nas instituições cientí cas enfatizando seu limitado acesso aos meios de produção cientí ca e seu status atual nas pro ssões cientí cas. A terceira examina o modo como as ciências têm representado (e deturpado) a natureza das mulheres. Uma quarta abordagem analisa a natureza masculina da ciência, tentando des-velar distorções nas próprias normas e métodos cientí cos que resultaram da histórica exclusão das mulheres do processo de construção de ciência ocidental moderna.

A emergência da teoria feminista nos anos 1970-1980 tinha, portanto, uma faceta política – buscava estimular mudanças na vida cotidiana desve-lando o papel das ideologias de gênero na estrutura subjacente a nossos

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modos de organização (FOX-KELLER, 2006). Tal intento implicava reexa-minar os pressupostos básicos fundantes dos campos tradicionais do saber acadêmico. Outro seria o mundo, se tivesse sido percebido, descrito, estu-dado e pensado a partir da perspectiva das mulheres. Ao desvelar os víncu-los entre produção do conhecimento e interesses de classe, a teoria crítica evidenciou que as teorias sociais normativas ditas “neutras” ou imparciais podem misti car a realidade, colocando-se a serviço da manutenção do sta-tus quo capitalista ao invés de transformá-lo. A clivagem de gênero constitui um aspecto ainda mais ubíquo da realidade social do que a classe. Em vista disso, o feminismo assumiu para si a tarefa de desvelar os aspectos dessa realidade ocultados e deformados pela vinculação do “humano” ao “mas-culino”, e colocou em questão praticamente todo o conhecimento cientí co e visão de mundo construídos pela ciência (HELD, 1985; HARDING, 2010; VARGAS, 2012).

O que distingue a pesquisa feminista não é a natureza do método utili-zado, nem um conteúdo especí co que possa produzir, e sim seu processo – o modo como utiliza os métodos convencionais, as áreas ou objetos que aborda e o modo como emprega suas descobertas (HARDING, 1987; LON-GINO, 1987). Os estudos feministas concentram-se nas condições sociais das mulheres em uma sociedade sexista, patriarcal, de dominação mascu-lina. Buscam lançar luzes sobre práticas sexistas não percebidas, aceitas como naturais/normais; sobre a “cegueira de gênero” das políticas e das instituições, que tendem a excluir, ignorar, invisibilizar e/ou silenciar as mu-lheres gerando uma ordem social desigual e discriminatória.

Ao longo do século XX, especialmente com o surgimento dos primeiros estudos sobre gênero e ciência na América do Norte e na Europa ocidental, observaram-se avanços signi cativos no acesso das mulheres às áreas das chamadas “ciências duras”. O entendimento, estimulado pela ação política de acadêmicas e acadêmicos feministas, de que as competências e habili-dades para áreas como matemática, física e engenharias não são exclusi-vidade masculina levou à formulação de políticas de fomento à inserção de mulheres nessas áreas. Estudos feministas da ciência modi caram o con-teúdo do conhecimento humano em várias disciplinas6. As políticas jogam

um papel crucial nessas mudanças – seja via aporte de recursos e criação de programas de estímulo à inserção de mulheres em áreas cientí cas de

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ponta, seja via diretrizes e normas que condicionam o nanciamento de pes-quisas à inclusão de abordagem de gênero7 e/ou étnica (SCHIEBINGER,

1999; 2012).

No entanto, embora signi cativos, tais avanços estão longe de repre-sentar mudança de fato no fazer cientí co. Mesmo nos países do norte glo-bal, pioneiros nas ações de fomento à participação das mulheres na pro-dução cientí ca e na eliminação do viés de gênero na pesquisa, ainda se observa grande disparidade entre os números de mulheres e de homens nas chamadas hard sciences e, principalmente, nas escalas hierárquicas de maior poder e prestígio e entre os detentores de maior volume de recursos para pesquisa.

O cenário brasileiro

O contexto de emergência dos estudos de gênero no Brasil é o dos mo-vimentos de mulheres e feminista por melhores condições de vida, creches, saúde e democratização, durante a ditadura militar – movimento marcado pela militância política em partidos de esquerda e na luta democrática. Tal origem na mobilização social marcou sua trajetória – a presença simultânea das feministas nos movimentos sociais e partidos de esquerda e na aca-demia, em boa medida, pautou as temáticas priorizadas pelos estudos de gênero, que tanto bebiam da experiência de mobilização como constituíam instâncias de re exão e elaboração de novas demandas.

Nesse aspecto, o feminismo acadêmico brasileiro distinguiu-se daquele que se desenvolveu nos EUA. Lá, os estudos feministas nasceram, jun-tamente com os estudos raciais, de protestos que emergiam nas univer-sidades nos 1960s e questionavam a organização cientí ca e pro ssional dominante, seus critérios de autoridade cientí ca, sua hierarquia e os pres-supostos cientí cos que fundavam as correntes preponderantes da sociolo-gia. Nesse contexto, a re exão sobre a experiência das mulheres e a crítica ao establishment através dos women’s studies realizaram-se, principalmen-te, na docência, com a criação de novos cursos e programas universitários (HEILBORN; SORJ, 1999; REYNOLDS et al., 2007).

7 Por exemplo, as diretrizes estabelecidas pelos National Institutes of Health – NIH, em 1994 e atualizada em 2000, para a inclusão de mulheres e de minorias como sujeitos de pesquisa em investigações clíni-cas: NIH Guideline on The Inclusion of Women and Minorities as Subjects in Clinical Research - Updated

August 1, 2000. Disponível em:< http://grants.nih.gov/grants/funding/women_min/guidelines_update.

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Já no Brasil, o contexto político e social atraiu o foco dos estudos de gênero para as questões sociais que afetavam as mulheres. Assim, esses estudos, ao invés de questionar a organização e a hierarquia acadêmicas, voltaram-se para a sociedade e a organização do Estado, buscando subsi-diar a formulação de políticas públicas com enfoque de gênero. A militância nos movimentos, paralela à atuação acadêmica, deixou em segundo plano uma ação questionadora mais incisiva nas universidades. Além disso, a luta por democracia exigia fomentar a união nesses espaços, e não um con-fronto. Núcleos de estudos sobre a mulher e gênero criaram-se em várias universidades, em lugar de cursos e programas universitários como ocorreu nos EUA, e adotaram linhas de pesquisa variadas relacionadas à experiên-cia das mulheres8.

As feministas brasileiras tiveram sucesso em sua estratégia de dar visi-bilidade aos problemas que afetam a vida das mulheres e introduzir novos paradigmas de análise dessas questões, pautando-as tanto no campo so-cial e político como no teórico, acadêmico. Tal estratégia, no entanto, já em meados dos 1990s dava sinais de esgotamento, sem que outra capaz de fazer frente aos novos desa os se anunciasse (SOARES, 1994). Visibilida-de, por si só, não assegurou nem assegura a superação dos problemas, e sobram lacunas em várias áreas da sociedade para que as desigualdades de gênero possam ser eliminadas. A reprodução de antigos paradigmas e estereótipos nas práticas cotidianas das instituições brasileiras e de muitos pro ssionais em diferentes setores, sugere a falta da abordagem de gênero nas diretrizes que orientam tais práticas9, o que pode ser resultado da pouca

disposição das e dos feministas a um confronto na academia sobre o modo como se está a produzir conhecimento e, sobretudo, como se segue for-mando os cientistas e pro ssionais que ocuparão posições nas instituições e atenderão as demandas da sociedade.

O lugar do gênero na produção cientí ca brasileira

Se o feminismo logrou tornar visível a desigualdade de gênero no Bra-sil e impulsionar a formulação de políticas públicas para o

enfrentamen-8 Destacavam-se nessas linhas as temáticas trabalho, família, educação, participação política, saúde, sexualidade

.

9 Ver, por exemplo, estudo de VARGAS, 2012 sobre políticas de saúde das mulheres e a educação médica no Rio Grande do Sul.

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to dessas desigualdades, as conquistas acadêmicas do movimento foram bem mais tímidas. O campo de estudos de gênero permaneceu marginal na academia. Apesar da criação de um grande número de núcleos de pesqui-sa nespesqui-sa área no Brasil, com raras exceções, não se constituíram cursos interdisciplinares de estudos feministas ou de gênero, seja de graduação ou de pós-graduação. Mas isso não é tudo.

Mais importante, Estudos de gênero ou Estudos Feministas sequer aparecem na classi cação de Áreas de Conhecimento de nida pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A tabela, organizada em quatro níveis – grande área, área, subárea e especialidade – e totalizando 340 disciplinas recebeu, em 2008, por decisão do Conselho Superior da CAPES, a inclusão da Grande Área Multidisciplinar que contem-pla “as áreas Interdisciplinar, Ensino de Ciências e Matemática, Materiais e Biotecnologia. Além disso, criou dentro da área Interdisciplinar, as subáreas Meio-Ambiente e Agrárias; Engenharia/Tecnologia/Gestão; Saúde e Biológi-cas; e Sociais e Humanidades” (CAPES, 2012). Em nenhuma delas se en-contra Estudos de Gênero ou Estudos Feministas, o que nos dá a dimensão da importância que esse campo de conhecimento recebe no Brasil.

Esse fato não deve surpreender, posto que entre os vinte membros do Conselho Superior da Capes (CAPES, 2013) só se encontram duas mulhe-res, nenhuma delas entre os membros natos (7 homens) ou entre os repre-sentantes do setor acadêmico (mais 7 homens). Esse desequilíbrio de gê-nero nos órgãos de gestão da educação superior não constitui exclusividade da CAPES: a diretoria executiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí co e Tecnológico – CNPq (2013) está composta por cinco homens e nenhuma mulher; o conselho deliberativo da instituição inclui quinze mem-bros, dos quais só três são mulheres; os comitês de assessoramento têm sua composição majoritariamente masculina – em seu conjunto, os 48 co-mitês contam com 229 assessores e 107 assessoras, sendo que nas áreas das ciências exatas e da terra e nas áreas de maior prestígio acadêmico, o sexo masculino detém o monopólio quase absoluto. A Câmara de Educa-ção Superior do Conselho Nacional de EducaEduca-ção segue esta mesma lógica: entre os seus doze membros, há apenas uma mulher (MEC, 2013). Essa con guração das instâncias de “poder” na educação superior, por um lado, só repete a situação prevalente de dominação masculina das instâncias de-cisórias e de controle dos recursos, em todas as esferas da vida social, no Brasil como no resto do mundo em maior ou menor escala. Por outro lado,

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aponta como uma séria ameaça ao projeto de construção da igualdade de gênero, pois, quando o centro de irradiação do conhecimento e da cultura não está apropriado dos conceitos e valores que orientam esse projeto, ca fácil entender porque três décadas de investimento feminista em estratégias políticas de construção da igualdade tiveram tão poucos resultados subs-tantivos.

À guisa de conclusão: trilhas para a mudança

Apontando o alto custo econômico e social das pesquisas com viés de sexo e de gênero, especialmente na área da saúde, Londa Schiebinger in-troduziu, em 2005, o conceito de inovações com recorte de gênero (gende-red innovations) (SCHIEBINGER et al. 2011-2013). Este refere-se ao uso da análise de sexo e de gênero como um recurso no desenvolvimento de novos conhecimentos e tecnologias10. Tratando de sondar caminhos para a

mu-dança, no escopo dos estudos de ciência, tecnologia e gênero, Schiebinger (2012) destaca três níveis de análise, visando compreender as conexões entre mulheres, instituições e os conceitos de sexo e gênero nas ciências: a participação das mulheres na ciência; o lugar do gênero nas instituições cientí cas e a análise de gênero na pesquisa.

Tomando esses níveis como etapas para mudança, e trazendo a aná-lise para o contexto brasileiro, vemo-nos diante de um abismo. Não só as mulheres são ainda muito poucas nas áreas cientí co-tecnológicas como também não existem políticas de incentivo ao seu ingresso nessas áreas e praticamente não há mulheres nos espaços decisórios. Ademais, dados desagregados por gênero são escassos e, muitas vezes difíceis de acessar. Faltam diretrizes para a equidade de gênero nos espaços de produção cien-tí ca e tecnológica e o ingresso massivo de mulheres na educação superior não tem apontado para a superação das desigualdades, pois persiste uma divisão de gênero entre as áreas.

Quanto ao lugar do gênero nas instituições cientí cas, a própria clas-si cação da CAPES das áreas de conhecimento é o exemplo cabal de que este lugar simplesmente não existe. Nesse contexto, não pode haver

qual-10 Schiebinger criou um projeto de mesmo nome (Gendered Innovations project), revisado por pares, o qual desenvolve métodos práticos para a análise de sexo e gênero, destinados a cientistas e engenhei-ros, e disponibiliza estudos de caso que demonstram como a análise de sexo e gênero pode conduzir à inovação (Ver em: <http://genderedinnovations.stanford.edu>).

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quer expectativa da integração da análise de gênero na pesquisa. Portanto, há um grande caminho a percorrer e os estudos de gênero deveriam voltar seu foco urgentemente para a academia e as instituições de desenvolvi-mento cientí co e tecnológico.

Uma política recente do CNPq, supostamente comprometida com a promoção da participação das mulheres na ciência, é reveladora da ce-gueira de gênero que afeta os órgãos de ciência e tecnologia brasileiros: o programa “tem por objetivos estimular a produção cientí ca e a re exão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no País e promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas” (CNPq, 2013 – grifo meu). Ou seja, mais do mesmo, pois esta re exão e produção é o que feministas no Brasil vêm fazendo há três décadas.

Finalizando, é importante mencionar que não se trata aqui de dizer que nada acontece com enfoque de gênero nas universidades e na pesquisa brasileira. Várias iniciativas podem ser identi cadas, mas o fato é que elas são exceções. São o resultado de crenças e valores de determinadas pes-soas e não traduzem uma política nacional – ou local que seja – com esses valores, único meio com potencial para efetivar mudanças.

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UMA HISTÓRIA TODA SUA: TRAJETÓRIAS DE

HISTORIADORAS BRASILEIRAS, 1940 - 1990

A History all your:

trajectories of women brazilian

historians, 1940 -1999

Carmem Silvia da Fonseca Kummer Liblik11

Resumo

Mapear, investigar e analisar as trajetórias intelectuais e pro ssionais, bem como explorar a riqueza das narrativas biográ cas que expressam as experiências pessoais, interpessoais e de vida das historiadoras brasileiras, constituem a natureza essencial da problemática deste artigo. Para tanto, delimitaremos duas gerações de historiadoras pro ssionais que se sobre-põem, as quais estiveram vinculadas às universidades públicas brasileiras conforme suas produções acadêmicas e prática docente: 1ª geração (1940-1970), responsável pela iniciação dos estudos historiográ cos, escolha de objetos e procedimentos vinculados à História cientí ca, ao lado da con-solidação das cátedras; e 2ª geração (1971-1990), responsável pelo início dos primeiros cursos de pós-graduação no país, os quais voltaram-se para novos temas, propostas metodológicas, extinção evolutiva das cátedras e, sobretudo, para pesquisas regularmente organizadas. Tal problemática será analisada mediante o questionamento se o gênero se constitui, ou não, como elemento estruturante na diferenciação e pro ssionalização dos(as) historiadores(as) no campo disciplinar histórico. Espera-se, com isso, com-preender inicialmente os papéis assumidos e a maneira como as historia-doras brasileiras se inseriram no âmbito universitário e contribuíram para a consolidação das pesquisas historiográ cas, constituindo assim, suas traje-tórias intelectuais e pro ssionais.

Palavras-chave: historiadoras brasileiras, gênero, trajetória intelectual e pro ssional

Abstract

Map, investigate and analyze the intellectual and professional

trajec-11 Doutoranda em História. Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Federal do Paraná. e-mail: carmemsfk@gmail.com

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tories, as well as exploring the wealth of biographical narratives that ex-press personal, interpersonal and life experiences of Brazilian historians, constitute the essential nature of this paper. Therefore, we will delimitate two generations of professional historians (which overlapping), linked to the Brazilian public universities, according to their academic works and teaching practice: the 1st generation (1940-1970), responsible for the initiation of his-toriographical studies, choice of objects and procedures related to scien-ti c History, alongside the consolidascien-tion of the university chairs, and 2nd generation (1971-1990), responsible for the initiation of the rst postgradu-ate courses in the country, which have turned to new subjects, methodolo-gical proposals, progressive extinction of the university chairs and, mainly, for regularly organized research. This issue will be examined by questioning whether gender constitutes, or not, a structuring element in the differentiation and professionalization of the historians in the disciplinary eld of history. It is expected, therefore, understand the roles assumed initially and how the women Brazilian historians were inserted in the university and contributed to the consolidation of historiographical research, thus as well, their intellectual and professional trajectories.

Keywords: Brazilian historians, gender, intellectual and professional trajec-tories

Partimos do pressuposto de que na constituição da epistéme ocidental o sujeito conhecido é quase sempre masculino. A partir disso, quando imagi-namos um grande historiador, instintivamente o imagiimagi-namos homem, tanto é que com certa frequência ouvimos a expressão “o pai da história” sendo ra-ríssimo pensarmos na possibilidade eventual de que a ciência histórica tem uma “mãe”. Apesar disso, o interesse e a investigação pela vida, envolvi-mento, escrita e atuação das mulheres que escreveram narrativas históricas sobre o passado – quer seja sob o ponto de vista amador e desvinculado da academia, quer seja sob a perspectiva da história considerada cientí ca – e que se pro ssionalizaram na carreira como professoras e pesquisadoras, têm sido manifestados nos debates historiográ cos internacionais desde o início da década de 1980 e se aprofundado especialmente nos primeiros anos do século XXI.

Sobre este tema, a pesquisa que merece grande destaque, devido em grande parte à sua erudição e contribuição ao campo epistemológico e his-toriográ co e, sobretudo, à menção sobre a construção da prática pro

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