REVISITANDO PELA DEFESA NACIONAL –ESTUDO SOBRE REDIVISÃO TERRITORIAL DO BRASIL DE OCLÉCIO BARBOSA MARTINS: IDENTIDADE E REPRESENTAÇÕES
ROSILENE APARECIDA OLIVEIRA DE SOUZA∗∗∗∗
A pesquisa analisa a obra Pela Defesa Nacional: Estudo Sobre Redivisão Territorial
do Brasil, de Oclécio Barbosa Martins, publicada em 1944. A obra é uma das mais
importantes para a compreensão das aspirações redivisionistas do território Brasileiro e respectivamente do território de Mato Grosso, causa que ardorosamente defendeu embasado nas questões da defesa Nacional e desenvolvimento econômico. Barbosa Martins para justificar a Redivisão do território do então Mato Grosso, afirmava estigmas de diferenças e alteridades insolúveis. O objetivo é situar o autor na época da escritura da obra, com suas preocupações, ações e projetos para o futuro de Mato Grosso. Pretende-se, sobretudo, desconstruir seus discursos, seus recortes regionais e suas representações sobre Mato Grosso e sobre o Brasil.
Um dos fatores mais intrigantes da história contemporânea regional, a divisão do território do Estado de Mato Grosso, suscita discussão entre os estudiosos da área, o consenso geral é unânime em afirmarem que os motivos para tal envolveram interesses econômicos, políticos, culturais e sociais, muito ainda se questiona a respeito das aspirações divisionistas, e a partir de quando as houve, ou ainda se intrinsecamente seria apenas o desejo da elite da porção sul do estado na participação política e não exatamente na separação do Estado.
Para Bittar, ”as porções do estado cresceram separadas, o mapa antigo com sua configuração alongada, fez com que o termo norte e sul fosse usado mesmo antes da separação ser oficial. Assim notamos que a divisão foi apenas um ato de reconhecimento da realidade”. (BITTAR, 1999, p. 94). Ainda é preciso enfatizar que “os espaços
correspondentes aos atuais Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, por sua localização próxima a fronteiras e sua intensa área despovoada, sempre foram motivos de conflitos e alteridades. Trata-se de espaços que foram objeto de uma disputa multissecular”. (CIMÓ, 2003, p. 19). Nesse contexto propicio a conflitos, somaram-se a grande distância dos centros dirigentes e a precariedade das vias de locomoção e comunicação, assim se fez necessária a ação do Estado nacional brasileiro, com intuito de garantir a segurança das fronteiras e a integridade territorial, fatores de potencial importância, pois antes de se
preocuparem com redivisão interna era preciso povoar, fixar e defender o território de inimigos externos.
2- Entendendo a Obra e o Autor
Barbosa Martins nasceu entre rios (atual cidade de Rio Brilhante, MS) em 1913 e, em 1937, bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Desde esse período em que foi estudante passou a militar pela divisão do território mato-grossense. Em 1932, juntamente com outros estudantes, fundou a Liga Sul Mato-Grossense1, cujo objetivo era pleitear a divisão do Estado de Mato Grosso. Após formado, em 1943, foi nomeado advogado de primeira entrância da Justiça Militar, foi delegado de Polícia, Deputado Estadual, em 1947, e vereador de Campo Grande entre 1955 e 1962. Foi auditor militar desde o final da década de 1960 até a metade da década seguinte. Barbosa Martins também foi filiado a União Democrática Nacional (UDN), partido conservador anti-getulista e que defendia um liberalismo conservador, muitas vezes flertando com o autoritarismo, outras com a ideia progressista. Por outro lado, Barbosa Martins apoiava Getúlio Vargas, sobretudo sobre a criação de territórios em regiões de fronteiras. Durante toda a sua vida militou pela divisão de Mato Grosso. Em 1959, publicou o manifesto Dividir para Multiplicar, incentivando a questão divisionista. Barbosa Martins faleceu em Campo Grande em 1976, antes de ver sua maior aspiração concretizada.
Os discursos de Barbosa somaram-se a outros que construíam dessemelhanças geográficas, históricas, políticas e culturais em Mato Grosso, trazendo à existência de várias regiões, que inexistiam anteriormente. Por exemplo, ao comparar o norte e o sul do estado de Mato Grosso construíram-se inúmeras diferenças, assim como identidades distintas. Essas construções foram inseriram-se em questões geopolíticas, de segurança nacional e de desenvolvimento da região. Ele propôs a divisão de Mato Grosso e a criação dos territórios de Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e Iguaçu. Nesse sentido, suas propostas e reivindicações inserem-se nas políticas de Getúlio Vargas para o extremo oeste do Brasil, consolidados na Marcha para o Oeste, a fim de ocupar os “vácuos demográficos” e nacionalizar as fronteiras geográficas tanto na Amazônia como no Centro-Oeste.
Barbosa Martins estudou as propostas de divisão do território brasileiro nas Constituições Brasileiras. O objetivo era justificar a redistribuição dos mesmos, como também a fusão de um ou mais territórios. A grande extensão territorial dificultava o controle
das fronteiras e a presença do Estado cuja presença era fluida, devido à falta de pessoal e de recursos. Seria uma porção do território brasileiro não incorporado à nacionalidade, vulnerável às invasões estrangeiras e desnacionalizada. Por outro lado, seria uma região estratégica por sua proximidade ás fronteiras e com inúmeras potencialidades, tanto agrícolas, pecuárias e minerais.
A “desnacionalização” e indefinição cultural das fronteiras de Mato Grosso também mereceu atenção especial de Getúlio Vargas. A “Marcha para o Oeste”, lançada pelo estado novo, em 1938, propunha-se a extirpar o isolamento e os regionalismos, reforçar a presença do Estado, subtrair a autonomia dos grandes proprietários rurais, reduzir a influência cultural estrangeira, ocupar e povoar os “espaços vazios” e integrar a fronteira oeste ao “corpo da nação” da qual estaria segregada. A expansão da fronteira agrícola e o aumento da produção, incentivada pelo Estado, visavam a redução dos custos dos alimentos nos centros urbanos, favorecendo, desta forma, a industrialização do país. O sul de Mato Grosso, pela posição estratégica, assumia uma importância vital na geopolítica de Getúlio Vargas, seja nacional ou intercontinental, assim, sobressaíram os interesses político-estratégicos e econômicos (comércio interno e externo), além da função de nacionalizar por meio da integração física do território nacional.
Assim, o Território de Maracajú era de interesse nacional e estratégico. Por outro lado, devido as diferenças econômicas, políticas e culturais ele já existia no imaginário da população pois, para Barbosa Martins, havia sentimentos de não pertencimento ao Mato Grosso.
3-Redivisão Territorial: Diante da Constituição Brasileira
Oclécio Barbosa Martins faz uma análise da evolução da constituição com esse inicio das aspirações redivisionistas:
1° O cômodo dos povos (Independência); 2° O bem do Estado (Império) e
3° A defesa Nacional (República) – Planos e anseios redivisionistas de Mato Grosso. Para Martins, desde o período colonial e após a independência o Estado sempre se eximiu das devidas atribuições de dividir o território como forma de diminuir os custos com o desbravamento e fixação desses territórios.
O primeiro registro de proposta fundamentada de reajustamento nas extensões territoriais das antigas províncias foi em 1849 durante o Império, 26 anos após a primeira tentativa fracassada dos Andradas em aprovar na Assembleia Constituinte uma proposta redivisionista, Vartnhagem publica seu tão debatido Memorial Orgânico, pelo qual tem o arrojo de cortar o Brasil em vinte departamentos, modificado depois para vinte e duas províncias. (MARTINS, 2011, p. 20).
Ainda no Império outros brasileiros ilustres defendiam a urgente redivisão das grandes províncias, viam nas grandes extensões empecilho para o progresso, entre os mais destacados podemos citar Tavares Bastos que escreveu em 1870, o seu livro A Província, o qual defendia não somente a criação de novos territórios, mas a descentralização administrativa, em 1880 o major Augusto Fausto de Souza, baseado no critério natural dos acidentes geográficos e o relativo equilíbrio demográfico, propõe uma reorganização das províncias, que das atuais 20 passariam a ser quarenta. No meio politico sobressaiu o senador Cândido Mendes e já na república Quintino Bocaiuva, que no governo provisório foi um dos promissores na luta pela reestruturação política e demográfica do Brasil e é durante a República que surgiu uma extensa lista de homens públicos, políticos e estudiosos favoráveis ao redivisionismo territorial.
“Cazzolato, enfatiza que a questão territorial está no alicerce das sociedades, mas para tal é necessário intensos debates envolvendo os mais variados estatus da sociedade e avanços institucionais, oque pode levar muitos anos. O Brasil em seus quinhentos anos de formação tem um histórico ininterrupto de fragmentação territorial, mas apesar disso, nunca avançou nos critérios para lidar com a questão.” (CAZZOLATO, 2011, p. 15).
Martins fez uma breve retrospectiva das propostas na Constituição para a criação de novos territórios no Brasil. “O primeiro projeto que se fez menção a essa questão, foi proposto por Antônio Carlos de Andrada, embebido pelas influências Francesas, dividia o país em comarcas, que na verdade seriam divisões meramente judiciais e não administrativas”. (MARTINS, 1932, p.25 e 26).No seu art. 2° trazia o seguinte texto:
Do território do Império conveniente divisão em comarcas, destas em distritos e dos distritos em termos e nas divisões se atenderia aos limites naturais e igualdade de população quando fosse possível. Entretanto as aspirações de Andrada não seriam aprovadas e a constituição foi elaborada com o seguinte texto: O seu território é dividido em Províncias na forma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado. (MARTINS, 1932, p.25).
Segundo Martins um avanço no quesito da descentralização só foi possível na Constituinte Republicana de 1891, porém somente o Estado, ou seja, as antigas províncias poderiam ao seu critério se dividir, o que levantou intensas críticas, pois nenhum estado queria perder força ou poder, essa insatisfação era assunto constante na pauta de discussão do plenário da câmara de deputado.
Quando a Constituição de 1937 entrou em vigor com o golpe dado por Getúlio Vargas, se instaurou a ditadura do Estado Novo, e as aspirações divisão e autonomias de novos Estados sofreram um retrocesso e os ideais imperialistas foram retomados, vejamos seu texto no art.6°:” A União poderá criar no interesse da defesa nacional, com partes desmembradas dos Estados, territórios federais, cuja administração será regulada em lei especial”. (MARTINS, 1932, p29). É exatamente nesse contexto que as primeiras ditas verdadeiras aspirações sul mato-grossenses são relatadas, encabeçada por uma elite letrada, justificavam e legitimavam as mesmas pela “evolução da constituição”, e o descaso da porção norte em relação aos irmãos do sul, assim se cria a Liga Sul Matogrossense2, que iniciaram através de seus membros escritos e manifestos de descontentamento.
Considerações Finais
Durante o período do Governo do Estado Novo, o movimento separatista ficou praticamente paralisado, apenas ressurgindo em 1954, onde lideranças políticas do sul, com base em Campo Grande intensificaram a campanha divisionista do Estado através da imprensa, distribuição de cartazes e de reuniões promovidas em várias cidades, essas ações ficaram conhecidas como “manifesto pró- divisão”, e tinham como objetivo atrair a população para a causa.
A divisão do Estado de Mato Grosso mesmo diante dos ensejos da elite “sul mato-grossense” e das preocupações nortistas, só ocorreria em 1977, durante o regime militar. Geisel tinha objetivos tanto geopolíticos, sanados pela ocupação das fronteiras, quanto político e econômico, pois agregaria mais um Governador a favor do regime. O fator de maior surpresa foi à rapidez e o sigilo com que a divisão teria sido aprovada e anunciada. Os jornais da época registraram em suas manchetes que a população em geral tanto do sul quanto do
2 Liga Sul Matogrossense, entidade legalmente constituída em 1932, com a finalidade de pleitear a divisão do
norte, foram “pegos de surpresa”. Não podemos precisar se a elite sulista não teve efetiva participação na divisão, mas o que é unânime entre pesquisadores da área é o fato da decisão ter vindo de cima para baixo, ou seja, do governo federal.
Nesse contexto era necessário se construir uma identidade sul mato-grossense e todos os meios políticos, culturais e da imprensa seriam responsáveis por esta construção às presas, nem sempre compromissada com a verdade. Essa construção se faria do presente para o passado e teria como objetivo justificar a divisão como algo inevitável, outro objetivo seria a construção do sentimento de pertença ao novo identitário, que erroneamente era legitimado com discursos de oposição e aversão ao outro (matogrossense).
Nesse sentido, a obra Pela Defesa Nacional– estudo sobre redivisão territorial do
Brasil é importante para compreender as lutas divisionistas tanto em Mato Grosso como no
Brasil, assim como para analisar as políticas do Estado com relação à fronteira oeste do Brasil.
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