• Nenhum resultado encontrado

Construindo notícias na sala de aula de Língua Portuguesa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Construindo notícias na sala de aula de Língua Portuguesa"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Pa

ge

12

Construindo notícias na sala de aula de Língua Portuguesa

Este relato apresenta uma experiência em docência de Língua Portuguesa realizada no primeiro semestre de 2018 referente à disciplina curricular de Estágio de Docência em Português II do curso de Letras da UFRGS. Tal experiência foi realizada em uma turma de segundo ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual localizada na cidade de Porto Alegre. A turma continha cerca de trinta alunos e o tempo de realização das atividades foi de 20 horas/aula.

Introdução

Desde o início, buscamos montar um projeto que atingisse os alunos. Como ambos estudamos em escolas públicas e um de nós estudou na escola em que realizamos este estágio, entramos conhecendo bem a realidade da escola. Entramos dispostos, com a liberdade que a escola nos ofereceu, a realizar nosso projeto trazendo as reflexões que viemos, ao longo dos anos, construindo na universidade.

Durante as observações da turma, percebemos alguns fatos importantes: a falta de participação dos alunos nas aulas e o uso constante de celulares deles. Em conversa com a professora titular, esboçamos nosso projeto definindo como gênero estruturante notícias e como temática as tecnologias e suas implicações na sociedade. Após as primeiras aulas, no entanto, percebemos que não haveria necessidade de restringirmos a temática do projeto, pois sentimos que os alunos poderiam trazer suas próprias temáticas. Já na proposta de escrita de primeira versão de uma notícia, pedimos que os alunos escrevessem a notícia sobre o que quisessem. Segundo SIMÕES (2012, p. 14) “se queremos formar cidadãos críticos, temos que acolher, praticar e desenvolver a participação criativa, crítica e atuante nas nossas próprias salas de aula

(2)

Pa

ge

13

como espaços de ação social democrática” Após lermos a primeira versão da notícia dos alunos, diante da riqueza de temas, já visualizamos o produto final do nosso estágio bem delineado: um jornal da turma.

Descrição do Projeto

Nossa intenção era realizar um trabalho que privilegiasse a leitura, a escrita e também a oralidade. Durante as observações das aulas de português, percebemos que o trabalho que vinha sendo realizado nas aulas privilegiava aspectos da gramática tradicional. Além do mais, percebemos que os alunos acabavam não se envolvendo com as aulas. Essa última constatação também foi realizada em outras disciplinas.

Reconhecendo as dificuldades e nossa responsabilidade como professores, encaramos nosso estágio como um desafio. Sentíamos que precisávamos apresentar algo diferente para os alunos. Algo que despertasse o interesse deles. Segundo Solé (1998, p.43), “não devemos esquecer que o interesse também se cria, se suscita e se educa e que em diversas ocasiões ele depende do entusiasmo e da apresentação que o professor faz de uma determinada leitura.” Para criar esse interesse, fomos seletivos na escolha das notícias. Buscamos sempre escolher aquelas que tivessem temáticas atuais e cotidianas, que de alguma forma dialogassem com a realidade dos alunos, que significassem para eles. Segundo Pavani (2003, p.25), “a imprensa escrita, diária e local, oferece diversas possibilidades à criança e ao adolescente de exercitarem variadas formas de aprendizagem tendo por base temas da atualidade [...]”

Nosso trabalho com o gênero notícia teve três momentos: o primeiro, de leitura, discussão e reconhecimento dos elementos da notícia; o segundo, de sistematização do gênero e escrita das notícias; o terceiro, de leitura em voz alta das notícias produzidas pelos alunos, discussão sobre elas e reescrita. Refutamos sempre o mito que a escrita se dá num momento, mas sim num processo. Além do mais, buscamos sempre mostrar aos alunos que a escrita só se dá quando há um interlocutor. Cagliari (1998, p.213) coloca que “... o professor deve desenvolver

(3)

Pa

ge

14

atividades de produção de textos dentro de um contexto no qual o aluno tenha um interlocutor e um leitor real para o que produz...” Refletindo sobre as ideias de Bakthin (2003) sobre a relativa estabilidade dos gêneros do discurso, em momento algum tentamos afirmar algo sobre o gênero trabalhado. Além de trazermos notícias diferentes, respeitamos a individualidade, a subjetividade e o estilo de cada notícia escrita pelos alunos.

Progressão de aulas: os temas discutidos e as produções realizadas

Em nossa primeira aula buscamos levar diversas notícias que envolvessem algum assunto que fosse consequência das novas tecnologias. Para tanto, colocamos, primeiramente, os alunos em um semicírculo e entregamos uma notícia por dupla. As notícias possuíam tanto assuntos cômicos, como “Homem morre após tirar 'selfie' com granada para "impressionar amigos" na Rússia”, “Mulher descobre traição do marido após foto no Instagram”, quanto temáticas sérias, como “Alemanha exige pressão a empresas de tecnologia para proteção de dados”, “Proteção de dados ganha importância na política e economia no Brasil”. As duplas deveriam ler as notícias e identificar os seguintes pontos: Quem estava envolvido?; O que aconteceu?; Onde ocorreu?; Por que aconteceu?; Quando ocorreu? e Como aconteceu?. Após a realização da identificação, cada dupla resumiu para a turma sobre o que se tratava a sua notícia. A partir disso, foram feitos vários debates sobre o uso das redes sociais, cyberbullying, fake news, entre outros temas que sugeriam as notícias. Nessa primeira aula, sentimos que conseguimos conquistar os alunos para o gênero que escolhemos trabalhar, a notícia. Além disso, através das perguntas e respostas, os alunos puderam já identificar diversos aspectos do gênero notícia.

Na aula seguinte, demos como suporte aos alunos um material que detalhava todas as partes de uma notícia, a estrutura e seus elementos constituintes: manchete, título auxiliar, lead e corpo do texto. Em seguida, se encontrava uma notícia, já utilizada na aula anterior, com todas essas estruturas destacadas. Após esse trabalho,

(4)

Pa

ge

15

realizou-se a proposta dos alunos escreverem a sua própria notícia. Os alunos tiveram a liberdade de escolher sobre o que queriam escrever e se queriam contar um fato real ou fictício. Todos os alunos escreveram a sua notícia e mostrou-se muito ampla a diversidade de textos que foram produzidos. Nos chamou a atenção a recorrência de alunos que quiseram contar sobre um episódio de racismo ocorrido na escola com dois alunos nossos. Assim, cerca de três notícias relataram o fato de diferentes perspectivas.

“Alunos são vítimas de racismo em escola”, “Protesto e racismo”, “Escola faz ato contra racismo após abuso”, foram algumas das manchetes criadas pelos alunos. Além disso, outras notícias do mundo de vivência próprio dos alunos foram escritas, tais como: “Street Wear ganha cada vez mais espaço nas ruas”, “Castração comunitária ganha voluntários em Porto Alegre”, “Colégio Tubino Sampaio traz robô gigante para festa do dia “D””, “Grupo de Americanos salva vidas de animais de rua”. Foram escritas notícias de diversas áreas, como esportes, moda e beleza, eventos da cidade, fatos ocorridos na escola, música, criminalidade, entre outras.

Na aula seguinte, colocamos os alunos em um semicírculo e propusemos a leitura de todas as notícias que haviam sido escritas. Devido a insegurança e timidez dos alunos, nós professores lemos as notícias sem dizer quem havia escrito. Dessa maneira, os colegas levantaram críticas e sugestões para a realização de melhorias no texto. Além disso, nós como condutores do grupo, buscamos elogiar, valorizar e realizar críticas construtivas nos textos dos nossos alunos. Percebemos que essa atividade gerou um sentimento de orgulho autoral nos alunos. Muitos alunos pareciam muito contentes quando líamos o seu texto para o grupo e alguns até mesmo expressavam que aquela notícia era a sua.

Como continuação ao projeto, na aula seguinte, os alunos receberam os textos que já haviam sido lidos com correções e apontamentos para uma reescrita. Nesta aula, até mesmo, alunos que não estavam presentes na primeira escrita, quiseram, então, escrever a sua notícia. A atividade de reescrita foi bem sucedida e os alunos realizaram grandes melhorias em seu texto.

(5)

Pa

ge

16

Buscando aprofundar a temática do gênero notícia com os alunos, realizou-se uma atividade que se chamava Uma história, duas versões. Nela os alunos tiveram que comparar o ponto de vista de duas notícias que retratavam o protesto contra o aumento das passagens de ônibus de Porto Alegre em 2013. A primeira notícia tinha como manchete “Manifestação em Porto Alegre termina com atos de vandalismo” enquanto a segunda dizia “Protesto contra aumento da passagem mobiliza centenas em Porto Alegre”. A partir disso, os alunos precisaram interpretar qual era o ponto de vista de cada notícia. Nessa aula, foram discutidas questões sobre manipulação midiática, sobre a não neutralidade da escrita e da informação e sobre como a leitura poderia levá-los a criar o seu próprio ponto de vista.

Como produto final do projeto, propusemos aos alunos a criação de um jornal com todas as notícias escritas por eles. Para isso, os alunos escolheram juntos um nome para o jornal e cada aluno também selecionou uma imagem para a sua notícia. O nome escolhido pelos alunos para o jornal foi Resenhas 204 e teve como inspiração pensar em textos que fossem uma espécie de resumos do cotidiano, algo simples, porém significativo também. Na seleção de imagens, os alunos foram muito criativos e participativos. Notícias como as do ato de racismo ocorrido na escola tiveram imagens reais dos alunos da instituição protestando. Por fim, os alunos receberam o seu jornal diagramado e impresso e o resultado foi o melhor possível. Pudemos ver eles com interesse lendo as suas notícias e as notícias dos colegas e alguns também mostrando o jornal para os seus pais e amigos de outras turmas quando foram buscá-los na saída da aula.

(6)

Pa

ge

17

Considerações finais

Buscamos, com esse trabalho, refletir sobre nossa experiência na disciplina de Estágio de Português II. E ao refletir sobre nossa experiência, não podemos deixar de refletir (ou tentar refletir com base em nossas observações) sobre a experiência dos alunos. Embora o fracasso seja também algo interessante e importante para

(7)

Pa

ge

18

pensarmos nossas práticas, tivemos uma boa caminhada e chegamos a um resultado satisfatório. Tanto para nós quanto para os alunos. Os feedbacks dos alunos, mesmo daqueles que não gostaram de muitas das nossas práticas em sala de aula, o engajamento deles nas atividades e a evolução nas escritas das notícias, nos mostraram bem isso.

Tentamos, aula a aula, proporcionar uma experiência diferente. Desde a organização da sala em semicírculo às atividades propostas. Atividades orais, de leitura e de escrita. Muitas delas das quais os alunos não estavam acostumados. Se a escola é um lugar em que indivíduos devem exercitar sua cidadania, não acreditamos que a sala de aula é um lugar de silêncio. Por isso, incentivamos sempre que os alunos usassem suas vozes, interagissem entre si. Da mesma maneira, não acreditamos em aula de português sem atividades de leitura, interpretação de texto e escrita, uma vez que são maneiras de agir sobre o mundo.

Nunca esquecendo do nosso papel como professores de português, buscamos trabalhar as dificuldades de escrita dos alunos. E isso só foi possível graças ao trabalho em dupla, ao nosso empenho em olhar esse outro que é aluno e que também nos ensina a cada aula. Com o jornal da turma pronto, nosso sorriso ao ver o sorriso dos alunos por se reconhecerem não apenas como alunos na aula de português, mas como autores. Apesar do pouco tempo de estágio, acreditamos ter feito um bom trabalho. E quando dizemos bom trabalho, não estamos dizendo que estamos totalmente satisfeitos. Mas estamos satisfeitos. Sem o advérbio, pois assim mantemos a chama acesa, não nos acomodamos, buscamos sempre novos desafios, novas formas de construir a educação libertária que acreditamos.

(8)

Pa

ge

19

Referências

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998.

PAVANI, Cecília (Org). Jornal: (In) Formação e ação. Campinas, SP: Papirus, 2002

SIMOES, Luciene Juliano. Leitura e autoria: planejamento em Língua Portuguesa e Literatura; colaboração de Ana Mariza Filipoouski, Diana Marchi e Joice Welter Ramos; ilustrações de Eloar Guazelli. – Erechim: Edelbra, 2012.

Referências

Documentos relacionados

Figura 8 – Gráfico do tipo heatmap para o desequilíbrio de ligação entre os marcadores em uma região genômica de 1 Mbp do cromossomo 1 para o marcador 4582295 (posição

Após a implantação consistente da metodologia inicial do TPM que consiste em eliminar a condição básica dos equipamentos, a empresa conseguiu construir de forma

- Se o estagiário, ou alguém com contacto direto, tiver sintomas sugestivos de infeção respiratória (febre, tosse, expetoração e/ou falta de ar) NÃO DEVE frequentar

ABSTRACT: The toxicological effects of crude ethanolic extracts (CEE) of the seed and bark of Persea americana have been analyzed on larvae and pupae of

O gráfico nº11 relativo às agências e à escola representa qual a percentagem que as agências tiveram no envio de alunos para a escola Camino Barcelona e ainda, qual a percentagem de

Assim como a Intemet, a Intranet também tem seu papel fundamental nas organizações parao gerenciamento dos sistemas empresariais. Em verdade a intranet é o

Portanto, podemos afirmar que alcançamos o nosso objetivo, pois o resultado do estudo realizado nos forneceu dados importantes para a compreensão daquilo que nos

xii) número de alunos matriculados classificados de acordo com a renda per capita familiar. b) encaminhem à Setec/MEC, até o dia 31 de janeiro de cada exercício, para a alimentação de