Sem contar com assinantes, a Revista Espírita foi lançada por Kardec em 1 de janeiro de 1868. Conforme previram os Espíritos, constitui-se num instrumento importantíssimo para sondar a opinião dos homens e dos Espíritos sobre certos princípios, antes de admiti-los como parte integrante da Doutrina. A revista serviu como verdadeiro laboratório para Kardec, por onde podia perceber a repercussão das novas ideias no mundo, num esforço incessante do
pesquisador para manter acesa a chama que servia de luz à divulgação da Doutrina Espírita.
Em 15 de novembro de 1857, na casa do Sr. Dufaux e com a médium Sta. Ermance Dufaux, Kardec comentava com o Espírito comunicante sobre sua intenção de publicar um jornal espírita. Recebeu como resposta que conseguiria fazê-lo, mas que deveria perseverar em seu intento, pois era necessário que a ideia amadurecesse.
Como Kardec não dispunha de recursos para a empreitada, o espírito o orientava ainda a fazer um primeiro número bem feito, com ou sem financiador, pois abriria caminho para as outras edições. Ele havia pensado em fazer apenas um número a título de experiência, portanto, sem grandes compromissos com a qualidade gráfica. A orientação do Amigo Espiritual era para que o jornal contivesse matérias que interessassem tanto ao homem de ciência quanto ao vulgo, e
que criasse uma base sólida e séria, pois iria servir de instrumento aos trabalhos futuros que ele realizaria.
Em Obras Póstumas, 4.a Parte, item A Revista Espírita, Kardec escreveu a seguinte nota a respeito desse primeiro número do jornal: “Apressei-me em redigir o primeiro número, e o fiz aparecer em 1 de janeiro de 1858, sem ter dito nada a ninguém. Não tinha um só assinante, ou algum capitalista que me fornecesse os fundos necessários. Fi-lo, pois, inteiramente por minha conta e risco, e não tive motivo para me arrepender, pois o sucesso ultrapassou minha
expectativa. Os números se sucederam sem interrupção e, como havia previsto o Espírito, o jornal tornou-se para mim poderoso auxiliar. Reconheci mais tarde que tinha sido uma
felicidade eu não haver encontrado financiador, porque fiquei mais independente, ao passo que um estranho poderia ter querido impor-me suas idéias e sua vontade, entravando-me o
andamento do trabalho. Sozinho não tinha que prestar contas a ninguém por mais pesada que fosse a minha tarefa, como trabalho”.
Em A Gênese, publicada em janeiro de 1868, na sua Introdução, Kardec diz que os leitores
assíduos da Revista Espírita t
erão encontrado, em esboço, a maior parte das ideias desenvolvidas nessa obra, como foi feito com as anteriores. Diz: “Esse periódico é-nos muitas vezes um terreno de ensaios destinados a sondar a opinião dos homens e dos Espíritos sobre certos princípios, antes de admiti-los como parte integrante da Doutrina”.
O que torna esse periódico diferente do Journal di L’Amê que já existia ou do L’Espiritualiste
de la Nouvelle-Orléans
que chegavam à Europa editados em francês? Em objetivo, nenhuma diferença, pois todos possuíam os mesmos anseios e os mesmos propósitos. O que destacava a nova revista era que se tratava do veículo pelo qual Kardec lançaria, em primeira mão, as explicações, as ideias - ainda que preliminares em esboço - dos assuntos que iriam ser incorporados à Codificação. Era, pois, um instrumento através do qual Kardec se comunicaria com os adeptos da Doutrina que dava seus primeiros passos e se firmava como celeiro das verdades divinas.
Dessa forma, os adeptos que iam se formando na França - de um modo geral - , na Europa e nas Américas - e em particular no Brasil - teriam acesso aos estudos que se realizavam e aos fatos que ocorriam naquela época e que iam sendo conhecidos. Publicavam-se e discutiam-se
Foi através da Revista Espírita que em setembro de 1865, Kardec publicaria a notícia do seu quarto livro da Codificação: O Céu e o Inferno. Dois capítulos da nova obra foram publicados antecipadamente. O primeiro sob o título
Da Apreensão da Morte
, em janeiro de 1865, e o segundo, sob o título
Onde é o Céu
, no número de março do mesmo ano. Apareceram como se fossem simples artigos, mas o último trazia uma nota anunciando que pertenciam à nova obra de Allan Kardec e que logo seria publicada. Em setembro, a revista anunciava que a obra já estava à venda e apresentava, nessa edição, um resumo do seu prefácio revelando seu conteúdo. Dos títulos apresentados anteriormente, o primeiro manteve-se, e o segundo foi reduzido para
O Céu
. Ficaria faltando apena
s
A Gênese
para que a obra doutrinária codificada ficasse pronta. Três anos depois a codificação da Terceira Revelação foi concluída.
A Revista Espírita passou assim a ser o instrumento mais importante de divulgação e captação de tudo o que acontecia no meio espírita; e isso ressoou de tal maneira que não tardou muito para que no Brasil se sentisse o efeito. Em Salvador publicou-se, nos moldes do periódico francês, o Echo d’Além Túmulo; no Rio de Janeiro, o Reformador
e, no interior de São Paulo
,
O Clarim
(*). Era, no Brasil, uma conquista lenta contra a discriminação e a intolerância.
O último número, de abril de 1869, redigido pessoalmente por Kardec , saiu um dia após seu desencarne, em 31 de março de 1869, completando-se assim onze anos de publicação ininterrupta.
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Um pouco de história
Quando Kardec inicia a publicação da Revista Espírita e de suas obras e dá início às sessões de estudos e experimentações, pode contar com três jovens obscuros e desconhecidos,
médiuns que se desenvolveriam sob sua orientação e que, apesar de posteriormente
apresentarem destinos diferentes, seriam iguais no devotamento, na fidelidade e nos trabalhos prestados à Doutrina. Eram Camille Flammarion, Victorien Dardou e Pierre-Gaëtan Leymarie.
Com o desencarne de Kardec, Leymarie foi nomeado administrador da Sociedade Científica de Espiritismo – sociedade anônima criada por Kardec, à qual legou seus bens para assegurar o desenvolvimento do Espiritismo – e, ao mesmo tempo, redator-chefe e diretor da Revista
Espírita .
Durante 30 anos lutou continuamente contra os detratores e zombeteiros da Doutrina, abrindo a revista aos lutadores de todas as correntes espiritualistas e de ordem essencialmente
humanitária e moral, mas não se afastando – apesar das críticas acirradas de uns e acusações ou descontentamento de outros – da divisa do mestre de Lyon: “Fora da caridade não há
salvação”.
Em 16 de junho de 1875, o Ministério Público Francês moveu processo contra Leymarie, Édouard Buget e Alfred Henry Firman (médium americano de efeitos físicos), sob alegação de publicarem fotografias fraudulentas na revista, onde apareciam Espíritos desencarnados de
produzia na França. Com total controle da experiência, para evitar qualquer tipo de fraude, as fotografias foram feitas e atestadas como verdadeiras. A própria Sra. Kardec submeteu-se à pesquisa, atestando que na hora da foto havia invocado o nome do Codificador. E ele ali estava, ao lado dela.
Buget era médium e fotógrafo e muitas fotografias mediúnicas verdadeiras foram obtidas por ele e muitas pessoas atestaram essa veracidade. Entretanto, homem ganancioso e,
desconhecedor dos princípios doutrinários, tratou de ganhar dinheiro mais rapidamente
falsificando fotografias. Por ter estrita ligação com Leymarie, que ignorava essas fraudes, todos foram presos e condenados. Os jornais da época, acostumados a ridicularizarem os fatos espíritas, não pouparam esforços em fazer o mesmo com os acusados e com o espiritismo. Ficou muito claro durante todo o processo que o objetivo não eram os acusados, mas, sim, desacreditar a Doutrina e desmoralizar a prática mediúnica.
Gabriel Delanne, em seu livro O Espiritismo perante a Ciência, refere-se a esse caso da
seguinte maneira: “A despeito das alegações de mais de 140 testemunhas que afirmaram, sob palavra de honra, haver reconhecido personagens mortos de sua família, e obtido suas
fotografias, aproveitaram a má fé do médium Buget para fazer acreditar ao público que nessas produções só havia, de um lado, velhacaria e, de outro, credulidade estúpida”. Leymarie ficou preso durante um ano e nesse período, sua esposa, Mme. Marina Leymarie, assumiu suas obrigações. Buget conseguiu sua liberdade passando para a Bélgica e Firman livrou-se da prisão por meios influente. Após esse período Leymarie permaneceu no comando da revista durante trinta anos, desencarnando em 10 de abril de 1901. Nessa época a
Revista Espírita
era patrimônio dos espíritas do mundo inteiro, sendo publicada sob responsabilidade da União Espírita Francesa.
Após o desencarne de P.-G. Leymarie, a revista passou por muitas modificações no seu conteúdo, chegando mesmo a ser incorporada como patrimônio pessoal de um de seus diretores. Em 1976, com a extinção da União Espírita Francesa a revista deixou de existir. Todavia, com a criação da Union Spirite Française et Francophone em 1985, por um grupo de espíritas que voltavam das colônias francesas do Norte da África, agora independentes, para a pátria mãe, e companheiros de fé na própria França, foi possível iniciar-se uma batalha judicial que durou dois anos, culminando com a recuperação – por sentença judicial – do direito de utilização do título La Revue Spirite, em 1989.