• Nenhum resultado encontrado

Quando morrer vira um bom negócio

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Quando morrer vira um bom negócio"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

morte sempre foi um assunto delicado e um tanto incô-modo. Ir ao ce-mitério, part i-cipar de um velório e enterrar uma pessoa nunca foram

situ-ações muito agradáveis. No entanto, de um tempo para cá, todo esse ritual tem sido marcado pelos interesses financeiros. He-ranças que causam disputas fa-miliares, seguros de vida cada vez mais comuns, serviços

inusi-tados oferecidos pelas funerárias e até a compra de ossos humanos por estudantes universitários, se t o rnaram atividades lucrativas responsáveis por um crescimento de um mercado da morte.

Os enterros são bom exemplo CARLA VENEZUELA, JOANAFRÓES, RENATAVIOT ETATIANEEITELWEIN

Quando

morrer

vira

um bom negócio

Seguros de vida, venda de ossos e serviços funerários

movimentam um mercado em ascensão

Cemitério São João Batista

(2)

desse comércio que gira em torno da morte. Os rituais estão ainda mais diferenciados e, com tanta variedade, atingem praticamente todos os grupos sociais. Os preços e os serviços variam de acordo com as funerárias e com os ce-mitérios, e o que se pode perceber é que, definitivamente, cuidar de mortos virou um negócio lucrati-vo.

A concorrência forte é explici-tada não só pelos diversos opci-onais oferecidos, como também pelo “plantão” que os corretores das funerárias fazem na porta do Instituto Médico Legal (IML). A atividade, apesar de não parecer eticamente correta, é comum, e

os empregados das casas fu-nerárias aproveitam o momento para distribuir cartões e fazer propaganda.

A maior parte das funerárias disponibiliza uma espécie de serviço completo para seus cli-entes: possuem um atendimento 24 horas, fazem a liberação do corpo junto ao IML, oferecem a seus clientes convênios e planos de assistência, realizam funerais internacionais e ainda contam com uma variedade de tipos de enterros e caixões, conhecidos no mercado como urnas mortuárias.

Os planos oferecidos se encai-xam em diversas categorias, das simples às s u p e r- l u x u o s a s. Os preços incluem urnas, flores, tras-lados, maquiagem, tratamento do corpo e velório. Tais pacotes de serviços têm diferentes valores e custam a partir de R$ 300, po-dendo chegar a R$ 20 mil. Além dos gastos com a funerária, a família também terá que pagar pelo local onde o morto é enter-rado, o chão perpétuo.

Os tipos e preços de cemitérios também se diferenciam depen-dendo do que a família deseja. Desde os mais simples até os mais sofisticados, oferecem uma e n o rme variedade. No cemitério Memorial do Carmo, no Caju, o único vertical do Brasil, há várias opções de jazigos. O mais barato deles custa R$ 9 mil e existe ainda a possibilidade de se

“Os processos que

envolvem testamentos,

não dependem

somente de leis, mas

também do

relacionamento dos

envolvidos”

Eduardo Labruna

Banho, barba e vestimenta.

Tamponamento - Utilização de chumaços de algodão nas cavidades da face para obstruir o mau-cheiro.

Desodorização - Processo químico que neutraliza o odor do cadáver.

Tanatopraxia - Técnica que utiliza a aplicação correta de produtos químicos em corpos falecidos, visando à desinfecção e o retardamento do processo biológi-co de debiológi-composição, o que permite a apresentação dos mesmos em biológi-condições me-lhores para o velório.

Necro-maquilagem – Maquiagem aplicada no morto antes do enterro.

Preparando o corpo

Renata Viot

(3)

financiar o pagamento dos títu-los perpétuos em até 12 vezes.

Já no Jardim da Saudade, que segue a linha de um parque, um padrão americano, tem um visu-al diferenciado dos outros cemi-térios, com um espaço todo gra-mado e lápides padro n i z a d a s . Nele, só existe uma opção de jazi-go perpétuo, mas de acordo com a localização, os preços mudam. O mais barato é o mais distante da capela e sai por R$ 16.400, o mais caro, que tem melhor loca-lização, custa R$ 58 mil. O cemi-tério também oferece um finan-ciamento de até 10 vezes.

Para quem não pode gastar tanto dinheiro, a solução são en-terros mais singelos. No Cemi-tério do Caju, os jazigos perpétu-os custam de R$ 10 mil a R$ 25 mil, e ainda há como opção as sepulturas de aluguel, que ficam em poder das famílias por três anos. Nessa categoria existem os carneiros – quadrados de cimento armado – por R$ 178, as gavetas, no valor de R$ 121, e as sepul-turas rasas, que saem por apenas R$ 27.

No entanto, as variedades não acabam por aí. Além de sepulta-mentos tradicionais, existe a opção da cremação. A única urn a c rematória do Rio de Janeiro se localiza no Cemitério do Caju. Para que uma pessoa seja cre m a-da, é necessário seguir os pro c e d i-mentos normais do enterro e ainda pagar pelo Plano de C remação, disponível em todos os cemitérios. Os preços desse plano variam de R$ 200 a R$ 550.

Vale lembrar que, para os que não querem ter trabalho na últi-ma hora, alguúlti-mas funerárias

oferecem os planos de assistência funeral, no qual os interessados pagam um valor mensal pelos serviços que vão querer em seu próprio enterro. Na Santa Casa, por exemplo, o valor mínimo da mensalidade é de R$ 6 e o valor máximo é de R$ 132. Depois de quitar três pagamentos, o enterro já é inteiramente pago pela fu-nerária, caso a pessoa “morra antes do tempo”.

Seguro de vida: um mercado crescente

Em outro setor do mercado da morte, encontramos um de seus principais financiadores, os se-guros de vida. Cada vez mais pes-soas pagam para garantir a suas famílias um tipo de remuneração pela morte do segurado. A área está crescendo a cada dia que passa. Os comerciais se propa-garam e as propostas das segu-radoras se tornaram mais atra-entes e mais acessíveis para grande parte da população.

Marlene Lima, dona de casa de 67 anos, já tem o seguro há cinco anos e credita o crescimento do i n t e resse das pessoas em con-tratar planos desse tipo ao fato de os seguros terem se tornado mais baratos.

– As pessoas passaram a achar a idéia mais aceitável. Antes, fazer

um seguro de vida era estranho, não era algo norm a l . Hoje em dia, não há mais esse tipo de pre-conceito, afirma Marlene.

São muitos os atrativos ofereci-dos, o que aumenta as opções para os interessados, e além das seguradoras, os bancos também entraram no ramo, instituindo-se uma forte concorrência na área. Dependendo dos bancos, são ofe-recidas simulações de indeni-zação pela internet, a s s i s t ê n c i a funeral e residencial, que ga-rante a visita de pro f i s s i o n a i s , sem custos extras, em casos emer-g e n c i a i s .

D e t e rminados tipos de seguro possibilitam ao cliente definir a indenização mais adequada para o bem-estar de sua família. Os p reços das mensalidades mudam c o n f o rme o valor do benefício desejado e da idade, sendo esta a causadora de uma variação de até 1000% no valor das parcelas. Os s e rviços exclusivos chegam a 40 e em determinados casos é possível re c o rrer ao seguro até mesmo em situações banais, como consert o de fechadura, mudança e limpeza da re s i d ê n c i a .

O mercado está se mostrando tão lucrativo e com tanta concor-rência que os seguros estão cada vez mais direcionados para agradar os mais diferentes perfis. Um exemplo é um novo tipo de seguro direcionado apenas para mulheres, que, além das assistên-cias tradicionais, oferece a opção de cobertura por diagnóstico de câncer de mama ou de colo do útero. Nesta situação, a cliente tem o direito de receber o paga-mento do benefício em vida, sem a comprovação de gastos.

“Vamos ao cemitério

e pedimos o que

precisamos. Os

crânios custam em

torno de R$ 50”

R. C.

(4)

Todas essas vantagens chama-ram a atenção da psicóloga Joyce Quadros, de 51 anos, que pensa em fazer um seguro de vida. Segundo ela, o atendimento espe-cial para mulheres com câncer é um grande diferencial, principal-mente na sua idade, quando a incidência da doença é maior.

– O seguro de vida é um tipo de conforto, tanto financeiro como psicológico, na hora da morte da pessoa, diz a psicóloga.

Heranças que dividem as famílias

O u t ro assunto ligado ao merc a-do da morte e que pode causar muita polêmica é a herança f a m i l i a r. Segundo o dicionário Aurélio, herança é aquilo que se recebe dos pais, das gerações a n t e r i o res e da tradição, uma espécie de legado, ou ainda, patrimônio (ativo ou passivo) deixado por alguém ao morre r. Já a definição jurídica de testamento é: “um ato de última vontade, pelo qual o autor da herança dis-põe de seus bens para depois da m o rte e faz outras disposições”.

O que seria um benefício para os herdeiros facilmente se trans-forma em motivo de brigas e dis-putas judiciais. O aposentado Arnaldo Engel, 60 anos, já pas-sou por problemas com a he-rança de sua mãe. Há dez anos, quando Olga Engel faleceu, a sua irmã passou por cima do testa-mento e desobedeceu a justiça, ficando com todos os bens deixa-dos pela mãe para os três filhos. Como Arnaldo e a irmã mora-vam em estados diferentes, os irmãos iniciaram uma batalha judicial que durou quatro anos e resultou em um gasto de aproxi-madamente R$ 20 mil.

– Tentamos chegar a um acor-do, mas não conseguimos. Aí, eu e meu irmão optamos por entrar na justiça. Como morá-vamos em locais diferentes, o caso ficou ainda mais complica-do. Ficamos quatro anos brigan-do na justiça e no final, eu gastei um dinheirão com os advogados – diz.

Segundo Eduardo Labruna, 35 anos, advogado especialista na área de órfãos e sucessões, os processos que envolvem herança e inventário são os mais impre-visíveis no direito.

– Os processos comuns geral-mente duram cerca de três anos. No entanto, processos que en-volvem testamentos, não depen-dem somente de leis, mas tam-bém do relacionamento dos envolvidos – explica.

O testamento garante que bens deixados pelo morto sejam en-tregues para as pessoas deseja-das. No entanto, nem sempre a lei é válida, pois em caso de assassinato do possuidor dos bens, a herança é anulada.

– Existe um dispositivo legal que diz que aquele que atentar contra a vida do testador, ficará fora da herança. Por exemplo, se uma filha tenta matar a mãe, conseguindo ou não, ela não ganhará a parte que lhe cabia na herança – completa.

Compra de ossos: um merc a d o ilegal e lucrativo

Embora desconhecida por mui-tas pessoas, a compra de ossos humanos é outra atividade que fomenta o mercado da morte. Não raramente, estudantes da área biomédica utilizam partes do corpo humano para pesquisa e estudo na universidade. A com-pra de “peças”, termo usado como referência para as partes do esqueleto, apesar de ser uma prática ilegal, é cada vez mais comum.

Segundo a estudante de Medi-cina R. C., de 23 anos, os alu-nos procuram os coveiros para conseguir os crânios e os den-tes.

– Vamos ao cemitério e pedi-mos o que precisapedi-mos. Os crânios custam em torno de R$ 50 e os dentes, R$ 1 cada, conta.

“Antes, fazer um

seguro de vida era

estranho. Hoje em

dia, não há mais esse

tipo de preconceito”

Marlene Lima Arnaldo Engel segura o documento

“Formal de Partilha”

(5)

A compra de restos humanos ainda é maior devido aos altos preços dos materiais sintéticos:

– O preço da réplica de um crânio pode chegar a R$ 150, três vezes mais caro do que os ver-d a ver-d e i ros. Além ver-disso, muitas delas não são perfeitas, não é difícil encontrar uma réplica com defeitos e falhas, o que atrapalha os nossos estudos.

De acordo com o advogado Labruna, esse tipo de atividade ilegal caracteriza o crime de vilipêndio de cadáveres e/ou suas cinzas.

– O artigo 212 do Código Penal trata dessa questão. A pena pre-vista para tal crime é de detenção de um a três anos e multa a ser aplicada pelo juiz – relata La-bruna. Já a enucleação de olhos de cadáveres para fins didáticos não é considerado crime.

O médico recém-formado Pedro Paulo Ribeiro, 23 anos, afirma também que em muitas facul-dades, os funcionários das insti-tuições mantêm um acordo com os coveiros para facilitar a venda para os estudantes.

– Essas pessoas já têm uma fonte fixa no cemitério e funcionam co-mo intermediários. Mesco-mo sendo

uma atividade clandestina, alguns estudantes pre f e rem esta opção por ser mais acessível – revela o m é d i c o .

P e d ro Paulo ressalta ainda que o comércio é impulsionado pela falta de recursos das faculdades. Ele diz que o material disponível nas universidades públicas é

p recário e antigo, algumas pe-ças chegam a ter mais de 30 a n o s.

– Esse fato torna necessária a p rocura pelo material próprio. Isso não acontece nas faculdades particulares, que compram ca-dáveres regularmente – conta o médico.

Uma única urna funerária é resultado do corte de três árvores de, em média, 30 anos cada.

O vereador Gilson Barreto, do PSDB-RJ, apre-sentou um projeto de lei, em 1997, para proibir a madeira como material dos caixões e substi-tuí-la por produtos alternativos como o isopor.

De acordo com a lei, quem ganha até dois salários mínimos não é obrigado a pagar funeral.

No cemitério Jardim da Saudade, um funcio-nário busca o interessado na compra do jazigo em casa e o leva para conhecer o cemitério.

Caso você avise a morte de uma pessoa com 48 horas de antecedência, ganhará um abatimento de 30% do valor do funeral.

Você sabia?

Referências

Documentos relacionados

O fabricante não vai aceitar nenhuma reclamação dos danos causados pela não observação deste manual ou por qualquer mudança não autorizada no aparelho.. Favor considerar

TABELA 1 - Porcentagem de explantes com brotações, número médio de brotações por explante e porcentagem de necrose de protocormos de Hadrolaelia grandis, cultivados em

A apixaba- na reduziu o risco de AVE e embolismo sistêmico em mais de 50%: houve 51 eventos entre os pacientes do grupo apixabana versus 113 no grupo do AAS

Pode acontecer que outros já fizeram a mesma operação, com a mesma maneira de fazer, ou já viram em outro lugar, mas verão que estou fazendo e fotografando da minha maneira, e

É perceptível, desta forma, o constante aumento do aprofundamento dos personagens: os “príncipes” têm agora não só nome e falas, mas personalidades bem desenvolvidas,

Grandes fornecedores têm acrescentado a tecnologia GPON ao seu portfólio de redes de acesso banda larga, e as operadoras em todo o mundo estão interessadas em implantar a tecnologia

• Resolução: é a medida da capacidade do sistema em reproduzir detalhes do objeto. A unidade de especificação da resolução pode ser a contagem total de pixels do

Amanda Pereira dos Santos Rocha Técnico(a) de Enfermagem. Ana Carolina Leite de Souza