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A judicialização das políticas públicas para saúde fundada no paradigma da dignidade humana

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PATRÍCIA FÁTIMA SCHUCK

A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA SAÚDE FUNDADA NO PARADIGMA DA DIGNIDADE HUMANA

Ijuí (RS) 2020

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PATRÍCIA FÁTIMA SCHUCK

A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA SAÚDE FUNDADA NO PARADIGMA DA DIGNIDADE HUMANA

Projeto de pesquisa da monografia final do Curso de Graduação em Direito da

Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Ma. Eloisa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2020

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edico este trabalho, a Deus e aos meus filhos, Marcos e Eduarda, que são minha força motriz.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pela vida, força e coragem. Aos meus dois amados e guerreiros filhos que se mantiveram firmes ao meu lado em todos estes anos de luta, me encorajando e incentivando diariamente.

À minha orientadora, mestra Eloisa Argerich, por ter aceito este desafio, pela sua dedicação,

disponibilidade e ensinamentos durante todo o desenvolvimento do trabalho.

A todos meus verdadeiros amigos que de alguma forma contribuíram para que eu mantivesse firme.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, e

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Não basta que todos sejam iguais perante a Lei. É preciso que a Lei seja igual perante a todos.”

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RESUMO

O presente estudo aborda a judicialização do Poder Executivo nas ações que visam a concessão de medicamentos a pessoas necessitadas em face ao princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, faz uma breve análise da divisão dos Poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário quanto às suas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como às atribuições que cabem a cada um para verificar se está havendo quebra do princípio da separação dos poderes entre o Judiciário e o Executivo nas demandas de medicamentos. Apresenta-se, também aspectos referentes ao direito fundamental a saúde e sua relação com o direito à vida, bem como a garantia do direito a saúde mediante políticas sociais e econômicas. Ainda se desenvolve a implementação das políticas social e econômica que visem à redução do risco de doença e outros

agravos, explicitando o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Analisa-se a judicialização das políticas públicas para saúdefundada no paradigma da dignidade humana, referindo-se as políticas públicas na área da saúde para compreender o posicionamento dos Tribunais Superiores nas

demandas por medicamentos, cirurgias e internações, bem como a fixação de parâmetros para a sua concessão.

Palavras-chave: Direito Fundamental Saúde. Dignidade da pessoa humana.

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ABSTRACT

This study addresses the judicialization of the Executive Branch in actions aimed at granting medicines to people in need in view of the dignity of the human person. Thus, it makes a brief analysis of the division of the Executive, Legislative and Judiciary Powers in terms of their functional, administrative and financial autonomies, as well as the attributions that are up to each one to verify if there is a breach of the principle of separation of powers between the Judiciary and the Executive in the demands of medicines. It also presents aspects related to the fundamental right to health and its relationship with the right to life, as well as the guarantee of the right to health through social and economic policies. The implementation of social and economic policies that aim to reduce the risk of disease and other diseases is also being developed, explaining universal equal access to actions and services for the promotion, protection and

recovery of health. The judicialization of public health policies based on the human dignity paradigm is analyzed, referring to public health policies to understand the position of the Superior Courts in the demands for medicines, surgeries and hospitalizations and the setting of parameters for their concession.

Keywords: Fundamental Health Law. Human dignity. Judicialization. Public policy. Medicines.

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LISTA DE SIGLAS

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

ART. Artigo

CF Constituição da República Federativa do Brasil CNJ Conselho Nacional de Justiça

COVID-19 Coronavirus

CPC Código de Processo Civil

HUAP Hospital Universitário Antônio Pedro

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS Instituto Nacional de Previdência Social

OMS Organização Mundial da Saúde

RE Recurso Extraordinário

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça SUS Serviço Único de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...11

1 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO À SAÚDE ...14

1.1 O direito a saúde na Constituição Federal e sua dupla vertente...14

1.1.1 O direito fundamental a saúde e sua relação com o direito à vida...16

1.2 A garantia do direito a saúde mediante políticas sociais e econômicas...18

1.2.1 Política social e econômica que visem à redução do risco de doença e outros agravos...21

1.2.2 Acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde...25

1.3 A Legislação infraconstitucional e os limites econômicos e financeiros: a escassez e o custo dos medicamentos, cirurgias e internações...27

2 A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA SAÚDE FUNDADA NO PARADIGMA DA DIGNIDADE HUMANA...33

2.1Conceito de políticas públicas na área da saúde...33

2.2 Judicialização das políticas públicas para à saúde...37

2.2.1 Princípio da dignidade humana: Paradigma para judicialização...40

2.3 Posicionamento dos Tribunais Superiores nas demandas por medicamentos, cirurgias e internações e a fixação de parâmetros para a concessão...45

CONCLUSÃO...51

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INTRODUÇÃO

É importante referir que o direito à saúde previsto no art. 196, da Constituição da República Federativa do Brasil, é direito de todos e dever do Estado, sendo que está interconectado ao direito à vida e à dignidade humana. Desta forma, é fundamental destacar que a efetivação do direito à saúde seja por meio do fornecimento de medicamentos, cirurgias ou internações é competência constitucional. Ou seja, cada ente federativo possui atribuições estabelecidas com relação ao desenvolvimento de ações e políticas públicas na área da saúde. Observa-se que ante a inércia do poder público na concretização do direito à saúde, o Poder Judiciário tem atendido as demandas da sociedade no que diz respeito aos serviços na área da saúde, principalmente no fornecimento de medicamentos, cirurgias e internações para as pessoas necessitadas, criando o denominado fenômeno da judicialização.

Desse modo, quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória, utilizando o seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Para a sua realização é utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, com a seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, que contribuíram para a construção de um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, respondendo o problema proposto, refutando as hipóteses levantadas para a consecução dos objetivos propostos na pesquisa.

Considerando o exposto, este trabalho está dividido em dois capítulos, nos quais realiza-se uma reflexão sobre o direito à saúde, uma vez que é um direito fundamental social que está interligado ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

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Dessa forma, no primeiro capítulo estuda-se aspectos relacionados sobre o direito à saúde no contexto constitucional e infraconstitucional, para compreender a sua dupla vertente, no que se refere aos direitos prestacionais.

Ainda, aborda-se o direito fundamental a saúde e sua relação com o direito à vida, bem como a garantia desse direito para todos e em igualdade de condições, ou seja, o acesso igualitário e universal descrito no texto constitucional. Destaca-se que a abordagem referente a teoria da reserva do possível em confronto com o mínimo existencial para comprovar que a escassez de recursos não pode se sobrepor a dignidade da pessoa humana.

É possível reconhecer que o direito fundamental à saúde alcança a tutela do indivíduo pela promoção, proteção e sua recuperação por meio de políticas públicas e sociais que preserve a vida humana, pois não há como ter uma vida digna e com qualidade sem saúde, haja vista que saúde e vida estão inter-relacionados. Indubitavelmente, a vida e a saúde estão intimamente ligadas e indissociáveis com a dignidade humana e, em decorrência dessa premissa, o Estado é o garantidor do direito à saúde.

Assim, examina-se a importância que assumem, no contexto do direito à saúde, as políticas sociais e econômicas referidas na Constituição Federal de 1988, imprescindíveis para a efetivação desse direito social fundamental para a existência humana.

Importa também salientar que as políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos são fundamentais para a concretização do direito fundamental social à saúde.

No segundo capítulo, objetiva-se fazer uma reflexão sobre a judicialização das políticas públicas para saúdefundada no paradigma da dignidade humana, abordando a importância das políticas públicas realizadas pelo Poder Executivo para o atendimento das demandas sociais. Também, desenvolve-se aspectos referentes a utilização dignidade da pessoa humana para a tomada de decisões dos Tribunais Superiores nas demandas por medicamentos, cirurgias e internações.

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Ressalta-se que o fenômeno da judicialização do direito à saúde, no que diz respeito especificamente as políticas públicas nesta área, exige que se estude, primeiramente, os conceitos de políticas públicas e sua judicialização, haja vista a necessidade de verificar quais os critérios utilizados para o reconhecimento do direito fundamental à saúde.

Por derradeiro, ainda investiga- se a atuação e posição dos Tribunais Superiores, nos quais se incluem o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça e os critérios utilizados no julgamento dos casos a ele apresentados, tendo como paradigma o princípio da dignidade humana.

Por último, estuda-se, também, alguns dados do Conselho Nacional de Justiça, dos anos de 2011 a 2019, para compreender a crescente judicialização na área da saúde, especialmente no que concerne às internações e fornecimento de medicamentos, pois a cada dia mais cidadãos recorrem à justiça para a concretização de seus direitos.

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1 A EFETIVAÇÃO DO DIREITO HUMANO À SAÚDE

É importante referir que o direito à saúde previsto no art. 196, da Constituição Federal, é direito de todos e dever do Estado, sendo que está interconectado ao direito à vida e à dignidade humana. Desta forma, é fundamental destacar que a efetivação do direito à saúde seja por meio do fornecimento de medicamentos, cirurgias ou internações é competência constitucional. Ou seja, cada ente federativo possui atribuições estabelecidas constitucionalmentecom relação ao desenvolvimento de ações e políticas públicas na área da saúde. Observa-se que ante a inércia do poder público na concretização do direito à saúde, o Poder Judiciário tem atendido as demandas da sociedade no que diz respeito aos serviços de saúde, principalmente no fornecimento de medicamentos, cirurgias e internações para as pessoas necessitadas, criando o denominado fenômeno da judicialização.

Pretende-se realizar uma reflexão sobre o direito à saúde, uma vez que é um direito fundamental social que está interligado ao direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, nesse capítulo estuda-se aspectos relacionados sobre o direito à saúde no contexto constitucional e infraconstitucional, para compreender a sua dupla vertente, no que se refere aos direitos prestacionais.

Ainda, aborda-se o direito fundamental a saúde e sua relação com o direito à vida, bem como a garantia do direito à saúde para todos e igualdade de condições, ou seja, o acesso igualitário e universal descrito no artigo 196 do texto constitucional. Por último, destaca-se a abordagem referente a teoria da reserva do possível em confronto com o mínimo existencial para comprovar que a escassez de recursos não pode se sobrepor a dignidade da pessoa humana.

1.1 O direito a saúde na Constituição Federal e sua dupla vertente

Merece destaque o registro de que o direito à saúde está positivado na Constituição da República Federativa do Brasil como um direito fundamental e dever do Estado. Neste sentido, estabelece a CF/88, no art. 6º os direitos sociais, destacando-se,

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“à educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Nesta perspectiva, alerta-se que a saúde recebe um tratamento diferenciado, pois assegura a garantia da dignidade da pessoa humana a partir de aspectos referentes aos direitos fundamentais.

Necessário se faz compreender o conceito de saúde para que se possa abordar a dupla vertente dos direitos sociais, principalmente no que diz respeito a saúde. Observa-se que, no entendimento de Germano Schwartz (2004, p.127):

A saúde como direito humano baseia-se no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo teor expressa o direito de todo ser humano à prestação sanitária. A adoção de tal conceito levou quase todas as Constituições do mundo a afirmarem a saúde como um direito fundamental do homem, determinando a relação obrigacional

entre o Estado (devedor) e indivíduo (credor). (SCHWARTZ, 2004):

Dessa forma, percebe-se que o direito à saúde é um direito de toda a humanidade e como tal não pode ser negado a nenhum ser humano. Em outras palavras: o direito a saúde não pode ser violado, uma vez que é um direito subjetivo e, portanto, oponível ao Estado.

As afirmações de Schwartz (2001, p. 43, grifos do autor), sobre à saúde são essenciais para a compreensão de sua importância, pois é:

[...] um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.

Dessa afirmação pode- se dizer que a saúde é altamente significativa, na medida em que cabe ao Poder Público dispor, mediante lei, o seu controle, regulamentação e principalmente como irá desenvolver políticas públicas para dar atendimento aos necessitados.

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Nesse aspecto, Lenza (2018, p. 1232, grifos do autor) adverte que:

Como se sabe, a doutrina aponta a dupla vertente dos direitos sociais, especialmente no tocante à saúde, que ganha destaque, enquanto direito social, no texto de 1988: a) natureza negativa: o Estado ou o particular devem abster-se de praticar atos que prejudiquem terceiros; b) naturezapositiva: fomenta-se um Estado prestacionista para implementar o direito social.

Seguindo o raciocínio do autor, pode-se dizer que a natureza negativa diz respeito ao fato de que o Estado não pode realizar atos que tragam prejuízos aos cidadãos, no entanto, em relação a natureza positiva evidencia-se que o Estado tem o dever de realizar prestações materiais que atendam às necessidades da população na área da saúde.

Nesse prisma, é inegável que o legislador constituinte de 1988, apresentou tais prestações como dever do Estado, conforme se vê no art.196.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Em vista disso, é possível reconhecer que o direito fundamental à saúde alcança a tutela do indivíduo pela promoção, proteção e sua recuperação por meio de políticas públicas e sociais que preserve a vida humana, pois não há como ter uma vida digna e com qualidade sem saúde, haja vista que saúde e vida estão inter-relacionados.

1.1.1 O direito fundamental a saúde e sua relação com o direito à vida

É imprescindível esclarecer, contudo, que a saúde não pode ser considerada desconectada do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a saúde não diz respeito a ausência de doença, mas sim refere-se ao bem-estar físico, psíquico, emocional, cultural, econômico e mental.

Neste sentido a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1948, apresenta o seguinte conceito: “Saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou outros agravos”.

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Nesse rumo, não se pode deixar de mencionar que “à saúde é vista como necessidade humana, cuja satisfação associa-se imediatamente a um conjunto de condições, bens e serviços que permitem o desenvolvimento individual e coletivo da sociedade” (ALMEIDA FILHO et. Al, 2002, p.880).

A saúde é, na realidade um conceito histórico, social, político e jurídico e como tal está inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, que dispõe:

Art. XXV – Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais

indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle

Ressalta-se que a DUDH evidencia que a saúde está inter-relacionada com o bem-estar do homem e neste se inclui os direitos sociais fundamentais como alimentação, habitação, segurança, entre outros, e por isso o Estado tem o dever de promover políticas públicas e econômicas voltadas aos interesses da população.

Na mesma direção são as lições de Uadi Lammego Bulos (2003, p. 1291) com relação ao conceito de direito à saúde, quando diz que “a saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do homem e, não apenas, a ausência de afecções de doenças”, razão pela qual a CF/88 da especial ênfase a esse direito.

No âmbito das demandas de saúde pode-se afirmar que tem a ver com as necessidades básicas do ser humano, pois sem saúde não há como sobreviver com dignidade.

Para Luciana Gaspar Melquíades (2011, pp. 167-169) são demandas de saúde de primeira necessidade,

[...] todas aquelas prestações que se podem esperar do Estado e que são indispensáveis para a manutenção da vida. Já demandas de saúde de segunda necessidade são todas aquelas que promovem o bem-estar, mas que não são indispensáveis para a garantia do direito de fruição da vida.

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Certamente que a autora supracitada deixa claro que o Estado é o promotor das políticas públicas que promovem ações voltadas à garantia de atendimento à saúde de forma igualitária e universal mencionado no art. 196 CF/88.

Sublinha-se que o direito a saúde está vinculado ao direito a vida, uma vez que, o indivíduo que não se encontra em equilíbrio físico, mental, psicológico, espiritual e social, aspectos fundamentais da vida e necessárias para a sua sobrevivência, certamente não gozará de boa saúde.

À dignidade da pessoa humana equipara-se à vida saudável, que no entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p.5) aproxima os conceitos de vida digna à vida saudável, ressaltando que:

[...] o completo bem-estar físico, mental e social densifica o princípio da dignidade humana, pois não se imagina que condições de vida insalubres e, de modo geral, inadequadas, sejam aceitas como conteúdo de uma vida com dignidade.

Esse entendimento remete à justiça social que faz parte do arcabouço constitucional, ao menos no que diz respeito ao direito social e fundamental a saúde e as prestações materiais devidas pelo Estado por força do art. 196 da CF/88, que garante a todos o acesso universal e igualitário, mediante políticas sociais e econômicas.

Evidentemente que o direito à saúde é de extrema relevância para o ser humano, “[...] porquanto pressuposto à sua vida e dignidade; não soa absurdo afirmar que a negativa ao direito à saúde corresponde a negar todos os demais direitos do cidadão, pois sem saúde, de nada valeria ter acesso à educação, lazer etc.,” explica Schwartz (2004, p. 128).

Indubitavelmente, a vida e a saúde estão intimamente ligadas e indissociáveis, como direitos fundamentais soberanos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil e com a dignidade humana e, em decorrência dessa premissa, o Estado é o garantidor do direito à saúde, mediante políticas sociais e econômicas.

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No contexto do direito à saúde, percebe-se a essencialidade que as políticas sociais e econômicas referidas na Constituição Federal de 1988 se fazem imprescindíveis para a efetivação desse direito social fundamental para a existência humana, que deve ser assegurado pelo Estado.

De acordo com o dispositivo da CF/88 que trata especificamente da regulamentação do direito à saúde, destaca-se o art. 197, in verbis:

Art. 197: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (BRASIL, 1988).

A explicação é simples. O Estado não pode eximir-se de promover ações e serviços de saúde, pois a Lei nº 8.080/90 instituiu o Sistema Único de Saúde- SUS- com a finalidade de prestar, proteger e promover, por meio de órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público, um conjunto de serviços e ações na área da saúde. (BRASIL 1990).

Com relação ao dispositivo constitucional supramencionado Schwartz (2004, p.102) ressalta que:

[...] o dever do Estado em relação à saúde deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas. Aqui, estamos diante de um estado interventor, e, também, diante da primazia da ação estatal positiva na defesa do direito à saúde – e jamais da inércia- e, conectando-se, essencialmente, à ideia de um direito social da saúde (como efetivamente também o é) [...].

Ressalta-se com muita ênfase que a saúde é um bem jurídico inestimável e todos almejam ter, mas deve-se afirmar que é muito mais que apenas ausência de doenças, conforme explicitado pelo conceito da Organização Mundial da Saúde – OMS, pois

[...] ela abrange também fatores psicológicos, sociais, culturais e ambientais. Além disso, também podemos dizer que a saúde tem uma ligação íntima com a felicidade, afinal, a experiência de bem-estar e plenitude é alcançada e mantida mais facilmente quando nossa estrutura está bem e em harmonia. (OSTERMANN, 2017)

(19)

Percebe-se, assim, que falar em saúde, mediante políticas sociais e econômicas requer muita atenção, pois há uma interconexão entre a vida, saúde e dignidade humana, uma vez que o ser humano não pode ser visto em partes. Ele é um ser completo, e sua dignidade está atrelada a uma vida com saúde, bem-estar social, psicológico, ambiental e cultural.

A partir desse artigo, denota-se que o acesso universal e igualitário, impõe ao Estado a realização de políticas públicas que busquem a concretização do direito à saúde à toda população. Nesse ponto, acentua-se a importância que assume o Serviço Único de Saúde (SUS) que segundo Guido Ivan Carvalho e Lenir Santos (2011,p. 55) é considerado “como conjunto de ações e serviços públicos de saúde executados ou prestados por órgãos, entidades ou instituições federais, estaduais e municipais da administração direita, indireta ou fundacional”., como já mencionado anteriormente. (Lei nº 8.080/90)

Insta salientar, nesse ínterim, que “a universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência [...]” é, uma garantia fundamental de todos os brasileiros ou estrangeiros residentes ou não no Brasil, mas que aqui estejam como turistas refugiados, ou sob outra denominação, independentemente de contribuição ou não. (CARVALHO; SANTOS, 2001, pp. 71-72).

A Lei nº 8.080/90 define que a saúde é parte de um contexto em que estão incluídos outros aspectos e em caráter complementar, “lei federal autoriza e incentiva todos os agentes políticos e sociais a fiscalizarem a implementação de políticas públicas para garantir que elas atendam a premissa e complementaridade propostas pelo caput art.3º.” (CARLINI, 2014, p.54).

Desse modo é possível afirmar que é obrigação do Estado a realização de políticas públicas que promovam a prevenção da saúde e a redução de doenças, para tornar efetivo o direito à saúde preconizado no texto Constitucional de 1988.

Importa também salientar que as políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos são fundamentais para a concretização do direito fundamental social à saúde.

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1.2.1 Políticas social e econômica que visem à redução do risco de doença e outros agravos

Na perspectiva da redução do risco de doença e outros agravos, denota-se que a saúde é tipificada como um bem jurídico indissociável do direito à vida e, por isso, o Estado tem o dever de protegê-la.

Nesse sentido para André da Silva Ordacgy (2007):

A Saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser-humano, digna de receber a tutela protetiva estatal porque se

consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais.

Observa-se, a partir dessas considerações, que se a saúde é o bem mais importante para o ser humano e, conforme a CF/88, é um direito subjetivo individual, cuja prestações materiais devem ser ofertadas pelo Estado. Desse modo, a União assume a responsabilidade de organizar e oferecer os serviços necessários à saúde, bem como pelo atendimento das solicitações realizadas pelos cidadãos no que tange a tratamentos médicos, internações e medicamentos.

Constata-se que para a redução de riscos de doenças e outros agravos a CF/88 estabeleceu atribuições a cada um dos entes federados para a divisão de tarefas no que diz respeito ao fornecimento de medicamentos. Consoante explicita Henrique Hoffmann Monteiro Castro, (2005, p.5):

Nesse âmbito, estabeleceu-se uma divisão de tarefas no que tange ao fornecimento de medicamentos, de maneira que o sistema básico de saúde fica a cargo dos Municípios (medicamentos básicos), o fornecimento de medicamentos classificados como extraordinários compete à União e os medicamentos ditos excepcionais são fornecidos pelos Estados. Percebe-se, claramente, a composição de um sistema único, que segue uma diretriz clara de descentralização, com direção única em cada esfera de governo.

Na esteira de tal posicionamento, deve-se esclarecer que para o cidadão não importa qual o ente federativo que vai ser àquele que vai lhe fornecer o medicamento. O

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que interessa é que efetivamente lhe seja assegurado o direito requerido, pois o Estado não pode ser omisso na sua função principal, qual seja, garantir o bem de todos.

O entendimento de Ordacgy (2007, p.11) sobre o tema é relevante, uma vez que para ele:

A notória precariedade do sistema público de saúde brasileiro, bem como o insuficiente fornecimento gratuito de medicamentos, muitos dos quais demasiadamente caros até paras as classes de maior poder aquisitivo, têm feito a população civil socorrer-se, com êxito, das tutelas de saúde para a efetivação do seu tratamento médico, através de provimentos judiciais liminares, fenômeno esse que veio a ser denominado de “judicialização” da Saúde.

Nesse aspecto reside a judicialização da saúde, sendo inquestionável que o direito à saúde deve ser atendido de forma ampla, uma vez que, conforme já exposto, o artigo 196 da CF/88 é muito claro e não se restringe apenas aos casos de risco à vida, mas também de contribuir para que todos, independentemente, classe, raça, sexo, etc. tenham o mínimo de dignidade e bem- estar.

Esse tema já foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, no qual reconhecem a obrigação do Estado em promover à saúde. No entanto, também reconhecem que o Estado não é um segurador universal, principalmente quando o pedido para custear tratamentos médicos e fornecer medicamentos ainda em fase experimental, não autorizado pela Anvisa, tem alto custo e privilegiam o direito individual e não coletivo (STF, 2019).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (22), que o Estado não pode ser obrigado a fornecer

medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. A decisão foi tomada, por maioria de votos, no julgamento do Recurso

Extraordinário (RE) 657718, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Marco Aurélio (STF, 2019).

É de se destacar que no entendimento da maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que a exigência de regulação dos medicamentos, é essencial para evitar a criminalização da comercialização de medicamentos sem a autorização da Anvisa.

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Colaciona-se, a seguir, decisão do STF, julgada em 22 de maio de 2019 que desobriga o Estado a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa, sendo que o plenário do STF, fixou a seguinte tese, com repercussão geral:

1) O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.

2) A ausência de registro na Anvisa impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.

3) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos:

I – a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras; II – a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior;

III – a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4) As ações que demandem o fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão ser necessariamente propostas em face da União.

Contudo, se faz necessário esclarecer que o STF ao efetuar o julgamento que desobriga o Estado em fornecer medicamentos sem registro se deve também, a excessiva judicialização da matéria, onerando o Estado em detrimento das políticas públicas destinadas a toda coletividade e, desse modo a questão da universalidade deixa de ser atendida.

As decisões do Superior Tribunal de Justiça não contrariam o STF, tanto que no REsp 1.657.156, julgado pela 1 Seção, em 2018, fixou a seguinte tese:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

(i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

(iii) existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.(STJ,2018).

Isto posto, registra-se o quanto são fundamentais as teses desenvolvidas pelos Tribunais Superiores, pois sem dúvida o cidadão paciente terá segurança jurídica com relação ao seu pedido.

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Nota-se, portanto, que o direito à saúde está intrinsicamente ligado à dignidade humana, não obstante as teses fixadas quanto aos medicamentos não autorizados pela Anvisa, não signifiquem a falta de acesso e da universalidade das políticas sociais e econômicas.

As políticas sociais e econômicas são compreendidas por Sonia Fleury (2008, p.38) como:

[...] o conjunto de atividades relacionadas à estrutura e implementação de estratégias relacionadas a melhoria da qualidade de vida da

população de um país, região ou localidade. Dentre estas estratégias incluem-se aquelas pertinentes a minimizar os efeitos dos problemas sociais, sejam oriundos de uma carência, ou restrição ao

desenvolvimento de capacidades individuais, uma situação de conflito entre grupos ou a transgressão de um ou mais direitos

No entendimento da autora, essas políticas se consubstanciam por meio do planejamento e desenvolvimento de programas, projetos e leis que envolvem a necessidade de recursos físicos, humanos e financeiros. “Estes investimentos, independente da entidade administrativa, do setor que realiza a função e da fonte de financiamento (pública, cofinanciamento dos beneficiários, doações) configuram o que chamamos de gasto ou investimento social” (FLEURY, 2008, p. 27. sic).

Na realidade, o que se quer enfatizar é que os governos federal, estadual e municipal, precisam desenvolver uma gestão voltada a melhoria,

[...] dos índices sociais relacionados coma saúde, educação, entre outros, sua mensuração se faz com a observação das mudanças apresentadas pelo público alvo entre a situação prévia e a situação após o início da política. [...]. (FLEURY, 2008, p. 27).

Significa dizer que se houver melhores índices sociais relativos à educação, por ex., haverá impactos positivos na área da saúde. Por outro lado, ainda levanta- se a questão relativa “[...] à valorização econômica de bens e serviços que são transferidos a população, tem mensuração atrelada à incidência em que a referida valorização alcança no ingresso do número total dos lares”. (Fleury ,2008, pp. 28-29).

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Ressalta-se, ainda que, segundo a Organização Mundial de Saúde- OMS- as políticas sociais e econômicas na área da saúde são essenciais, pois as precárias condições socioeconômicas da população geram problemas de saúde e invés do Poder Público priorizar os recursos para outras áreas sociais, como a educação, moradia, lazer, etc., tem que aplicar muitos recursos em políticas públicas na área da saúde e para tratamentos de doenças e atender demandas por fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, sem atuar na prevenção dessas doenças (RODRIGUES, 2016) .

No aspecto da alocação de recursos financeiros pelos entes federativos que reside um dos problemas das políticas na área da saúde. Veja-se:

No que se refere aos impactos das políticas sociais, as políticas de saúde naturalmente cumprem um papel relacionado ao impacto social, políticas de saúde efetivas são potentes ao elevar indicadores como expectativa de vida, redução de doenças infectocontagiosas ou ocupacionais, redução de índices de mortalidade infantil, redução da desnutrição e problemas de baixa imunidade, entre outros. Políticas de saúde, sobretudo aquelas caracterizadas pelo acesso universal, são robustos instrumentos para estabelecer mecanismos de impacto redistributivo, pois produzem um efeito de desmercadorização ao custear, por meio de verbas públicas reunidas a partir de impostos, o atendimento de saúde a todos os cidadãos, inclusive aqueles que não possuem condições de arcar com os custos ( RODRIGUEZ, 2016, p. 236).

Diante do exposto, acredita-se que para que o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde é fundamental que o Poder Público em conjunto com os agentes da área da saúde e com a sociedade, definam as prioridades e os parâmetros de ação e, principalmente, estabeleçam planos e programas de saúde para o atendimento da coletividade, e que o acesso seja para todos de maneira universal e igualitária (RODRIGUEZ, 2016).

O impacto que as políticas sociais e econômicas podem gerar com relação a melhoria das condições de saúde da população possibilitará que o acesso universal e igualitário ocorra de maneira a promover, recuperar e proteger a saúde de todos.

1.2.2 Acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde

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É no âmbito ao direito a saúde que se verifica de forma mais acentuada o acesso universal igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde. Nesse aspecto é que se percebe a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) que é a maior política pública existente no Brasil no que se refere ao direito à saúde.

Consoante leciona Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p.96):

[...] As ações de promoção da saúde de prevenção de doenças eram desenvolvidas quase que exclusivamente pelo Ministério da Saúde. A assistência médico-hospitalar era prestada pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS – autarquia vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social. Entretanto, o sistema não era universal, pois alcançava somente os trabalhadores da economia formal, segurados do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS – e dependentes, enquanto o restante da população tinha “um acesso bastante limitado à assistência à saúde – normalmente restrito às ações dos poucos hospitais públicos e às atividades filantrópicas de determinadas entidades assistenciais.

Diante das informações prestadas pela autora supracitada o SUS é na realidade uma das políticas públicas de maior acesso, universal e igualitário, desta forma constata-se que é o responsável por promover ações e constata-serviços de saúde.

Por outro lado, é inegável que o SUS é o agente de saúde mais importante de nosso País, sendo responsável direto pelo acesso ao direito fundamental à saúde. Muito embora o SUS seja considerado o maior agente de saúde, o noticiário nacional divulga diariamente casos de falta, demora de atendimento, demonstrando a precariedade na qual se encontra à saúde no Brasil.

Anota-se, ainda, que a demora no atendimento bem como no fornecimento de medicamentos corresponde a falta de orçamento e a falta de profissionais da saúde para dar conta das demandas e, por isso, muitos casos são levados ao judiciário.

Sem dúvida, mesmo que o SUS tente de alguma forma atender a todas as demandas na área da saúde, sabe-se que as políticas sociais desenvolvidas não são suficientes para tornar o acesso universal e igualitário e, muito menos para assegurar a igualdade de tratamento de todos os cidadãos.

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Partindo do pressuposto de que o direito à saúde é um direito de todos, conforme a Constituição Federal, deve-se atentar para o fato de que, em princípio todos seriam atendidos em seus pedidos no âmbito administrativo, sem necessidade de procurar a via judicial. No entanto, a realidade se mostra diferente e o direito à saúde tomou um rumo inevitável, qual seja, procurar a via judicial para atender as necessidades dos cidadãos.

Aplicação pelo Poder Judiciário, como pauta de solução das demandas por tratamentos médicos ou medicamentos esbarra em dois princípios: reserva do possível e o mínimo existencial.

1.3 A Legislação infraconstitucional e os limites econômicos e financeiros: a escassez e o custo dos medicamentos, cirurgias e internações

Uma das grandes dificuldades no que diz respeito a promoção ao direito à saúde está relacionada com a concretização material, dever do Estado, enquanto ente político com competência para realizar a distribuição de recursos, no sentido de dar a assistência a todos necessitados.

Assume relevo o questionamento a respeito da teoria da reserva do possível, a qual o Estado necessita ter a sua disposição recursos orçamentários indispensáveis para possibilitar o acesso igualitário, bem como a universalidade e a solidariedade.

Em outras palavras, a reserva do possível ou reserva do financiamento possível, nada mais é do que a alocação de recursos para custear as demandas na área da saúde. No entanto, os entes federativos alegam em defesa dos direitos da coletividade que não há recursos suficientes para atender todas as necessidades nessa área.

Neste sentido, para Gilmar Ferreira Mendes (2015, p. 642) justifica que a reserva do possível é alegada “[...] em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatizando que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais[..],”que significa ressaltar que o Estado teria que fazer escolhas observando o critério de justiça social.

(27)

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já possui posicionamento sobre o princípio da reserva do possível, especialmente em votos do Ministro Celso de Mello, que assinalou da seguinte forma:

Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira de pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. (STF, RE 436966/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 26/10/2005) (BRASIL, 2014g, p.8).

Destaca-se que o STF está remetendo sua posição ao fato de “[...] quando se trata de direitos fundamentais prestacionais, deve-se considerar a existência de recursos à sua efetivação[...]” por que sabe- se que os recursos são finitos e as demandas por medicamentos, cirurgias, internações e as demais demandas na área social são amplas. (STF, RE 436966/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 26/10/2005) (BRASIL, 2014g, p.8).

Para George Marmelstein (2011, p.356) “a reserva do possível é uma limitação lógica e, de certo modo, óbvia à atividade jurisdicional em matéria de efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Afinal, sem dinheiro não há como realizar diversos direitos”.

De outra parte, também no que diz respeito a esse fenômeno, importa frisar que, os Tribunais Superiores, com destaque para o STF, há o reconhecimento de que o direito à saúde pode ser exigível em juízo, uma vez que o art.196 CF/88 estabelece-o como dever do Estado.

Destaca-se que se faz necessário investigar até que ponto o Estado pode valer-se do princípio da reserva do possível para eximir-se de sua obrigação de fornecer medicamentos ou autorizar tratamentos médicos.

Ana Paula Barcellos (2002, p. 236) resume a reserva do possível da seguinte maneira:

(28)

[...] a expressão reserva do possível procura identificar o fenômeno econômico da limitação dos recursos disponíveis diante das

necessidades quase sempre infinitas a serem por eles supridas. No que importa ao estudo aqui empreendido, a reserva do possível significa que, para além das discussões jurídicas sobre o que se pode exigir judicialmente do Estado – e em última análise da sociedade, já que é esta que o sustenta –, é importante lembrar que há um limite de possibilidades materiais para esses direitos.

De fato a reserva do possível tem uma conexão direta com o orçamento público, no entanto, não pode ser invocado pelo Executivo para deixar de cumprir decisões prolatadas pelos Tribunais Superiores, uma vez que a saúde está intrinsicamente ligada à vida e a dignidade humana e, para tanto o Estado deve sempre observar as peculiaridades de cada caso concreto.

De outra banda, em razão do direito coletivo o Estado só poderá assegurar o Direito pleiteado se puder fazer frente aos gastos que serão dispendidos com o direito individual. Claro que a questão da disponibilidade de recursos assume especial relevância no caso dos direitos fundamentais sociais, porém esses direitos demandam a existência de recursos financeiros para que as prestações materiais sejam realizadas (OLSEN, 2011).

É obvio que a concretização das prestações materiais estatais necessárias para a saúde passa necessariamente pelo orçamento público, mas o princípio da reserva do possível não pode se constituir em empecilho para o Poder Público se eximir de suas obrigações.

Inclusive, sobre o orçamento, Ricardo Lobo Torres (2000, p. 110) explica, que: O relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário […]

Dessa forma é possível observar que o desenvolvimento das políticas públicas está condicionado ao elemento “financeiro” do Estado. Portanto, se o Poder Público não possui reservas orçamentárias, a concretização de políticas públicas hábeis a suprir e concretizar os direitos fundamentais ficam comprometidas (AMARAL, 2000).

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Deve-se se ter o maior cuidado ao tratar da implementação de políticas públicas, na área da saúde, uma vez a escassez de recurso tem sido um dos maiores obstáculos à sua implementação. Nesse caso, a tese da reserva do possível, não pode ser invocada.

Uma decisão bem interessante sobre o a reserva do possível é a prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp Nº 1.185.474 – SC, em 2010, quando assinala que:

[...]

3.Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade. 4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos

Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preteri-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. [...] (STJ, REsp Nº 1.185.474 – SC, 2010, grifos do autor)

Desse modo, ao Poder Público é negada a possibilidade de utilizar-se de argumentos baseados na reserva do possível, pois estará deixando de cumprir com o apregoado pela CF/88 e expresso no seu Preâmbulo, ou seja, construir

[...] um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos […] (grifos nossos). (CF/88).

Prosseguindo sobre a impossibilidade de invocação da reserva do possível, mais uma vez, utiliza-se a tese desenvolvida pelo STJ, no REsp Nº 1.185.474 – SC, em 2010, já citado acima que explica:

[...]

5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à

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6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social.

[...] (STJ, 2010, grifos do autor).

Frente ao posicionamento do STJ, constata-se, portanto, que a alegação da reserva do possível choca-se com o mínimo existencial, pois esse nada mais é do que assegurar que direitos fundamentais sociais, tais como: alimentação, saúde, educação, moradia, entre outros, possam ser exercidos pelos cidadãos dessa forma viver com dignidade.

Outro ponto a se destacar diz respeito ao mínimo existencial., que é um conceito que ainda suscita debates entre doutrinadores, destacando – se Torres (2009, p. 56) que assim o define: como “ o direito às condições mínimas de existência,” ou seja, sem o mínimo necessário para ter uma sobrevivência digna, o ser humano anão consegue manter-se e manter a sua família, por isso, nesse mínimo se inclui, saúde, educação, moradia, trabalho, alimentação, direitos sociais fundamentais para a existência humana.

Ainda sobre essa questão, Torres (2009, p. 69) aponta que:

Não é qualquer direito mínimo que se transforma em mínimo existencial. Exige-se que seja um direito a situações existenciais dignas. Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os

prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados. Observa-se, assim, que a dignidade humana e o mínimo existencial caminham lado a lado, são inseparáveis e cabe ao Estado fornecer, por meio de políticas sociais, econômicas e públicas as prestações materiais básicas, sob pena de o Poder Judiciário determinar que realize o que prevê a Constituição de 1988.

Aqui reside um dos pontos cruciais relativos ao mínimo existencial. O Estado tem o dever de assegurar os direitos fundamentais e os direitos econômicos e sociais, por meio de prestações materiais positivos. Essas prestações, “[...] abrange todas as condições e elementos necessários para a manutenção de uma vida digna, livre e participativa”, estando interconectado com a dignidade humana, segundo Torres (2009, p. 73).

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Sem, no entanto, esgotar o assunto, acentua-se que a pesquisa objetiva, ainda, realizar uma reflexão sobre a judicialização das políticas públicas para saúdefundada no paradigma da dignidade humana, abordando a importância das políticas públicas realizadas pelo Poder Executivo para o atendimento das demandas sociais. Também, pretende-se desenvolver aspectos referentes a utilização dignidade da pessoa humana para a tomada de decisões dos Tribunais Superiores nas demandas por medicamentos, cirurgias e internações, o que será abordado no segundo capítulo.

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2 A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA SAÚDEFUNDADA NO PARADIGMA DA DIGNIDADE HUMANA

Neste capítulo, objetiva-se investigar o fenômeno da judicialização do direito à saúde, no que diz respeito especificamente as políticas públicas nesta área. Para isso, estuda-se, primeiramente, os conceitos de políticas públicas e sua judicialização, haja vista a necessidade de verificar quais os critérios utilizados para o reconhecimento do direito fundamental à saúde.

Propõe-se, ainda, em investigar a atuação e posição dos Tribunais Superiores, nos quais se incluem o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça e os critérios utilizados no julgamento dos casos a ele apresentados, tendo como paradigma o princípio da dignidade humana. Analisa-se, também, alguns dados do Conselho Nacional de Justiça, dos anos de 2011 a 2019, para compreender a crescente judicialização na área da saúde, especialmente no que pertinente às internações e fornecimento de medicamentos.

2.1 Conceito de políticas públicas na área da saúde

Falar em políticas públicas não é uma tarefa das mais difíceis, mas demanda um retorno ao que já se mencionou no primeiro capítulo com relação ao direito à saúde, ou seja, a afirmação de que é um direito fundamental integrante da segunda dimensão, os denominados direitos sociais, que apresentam como exigência a participação efetiva do Estado para a sua concretização. Dessa foram, é imprescindível a realização e implementação de políticas públicas no âmbito dos direitos sociais, notadamente na área da saúde, área vital para a consecução da dignidade humana, visando o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

Nesse contexto, é fundamental compreender o significado de políticas públicas, que no entendimento de Augusto Ivan de Freitas Pinheiro (2008, p. 11),

[...] são criadas por meio de instrumentos legais que definem um determinado aspecto social, cultural, econômico ou de ordenação territorial como prioritário para atuação do poder público, estabelecendo diretrizes, planos e metas a serem atingidos.

Na verdade se está afirmando que as políticas públicas requerem, sem sombra de dúvidas, uma tomada de decisão por parte do Poder Executivo, seja nacional, estadual ou

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municipal, quanto à a aplicação de recursos para o desenvolvimento de programas voltados à saúde e o atendimento de suas demandas, sejam elas na área de fornecimento der medicamentos ou internações, questão central dessa pesquisa.

Esclarecimentos sobre as políticas públicas são fornecidas por José Eduardo Faria (2002, p. 175) que as entende como sendo,

[...]conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado direta ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado segmento social, cultural, étnico ou econômico.

Salvo melhor juízo, argumenta Celina Souza (2017, p. 24) que as políticas públicas devem demonstrar que o Estado está comprometido em transformar situações que deixam os cidadãos sem condições de viver com dignidade. Segundo ela,

[...] para alguns doutrinadores as políticas públicas devem refletir um compromisso assumido pelo Estado de promover a igualdade, transformando situações existentes através da consolidação, da

concretização dos objetivos estipulados por estas políticas. É consenso também quanto às políticas públicas que o Estado tem a obrigação de criar programas, planos de ação e instrumentos de modo a garantir esse direito para os seus cidadãos, porém, na prática, o que se observa é um paradoxo entre o dever e o fazer.

Numa perspectiva mais pontual, a definição que mais se aproxima da área da saúde é a de Souza (2004, p. 26), quando essa assinala que:

Política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.

Evidencia-se, assim que as políticas públicas, em última ratio, “[...] na sua essência estão ligadas fortemente ao Estado, este que determina como os recursos são usados para o benefício de seus cidadãos [...] (SOUZA, 2004, p. 21).

Aponta-se que nesta quadra, as políticas públicas tem dois sentidos diferentes: o sentido político e o sentido administrativo.

(34)

Sentido político: encara-se a política público como um processo de decisão, em que há naturalmente conflitos de interesses. Sentido administrativo: as políticas públicas são um conjunto de projetos, programas e atividades realizada pelo governo. O governo decide o que fazer ou não fazer (RUA, 2014, p.17).

Com certeza, as políticas públicas na área da saúde têm dois sentidos, pois a tomada de decisão sobre os recursos que serão aplicados em uma área tão deficitária e carente não pode ficar dissociada das ações que serão postas em execução para garantir o exercício da cidadania. Então, a decisão governamental e a execução das ações, caminham lado a lado para a consecução dos fins do Estado?

Nesta quadra, Maria das Graças Rua (2014, p. 88) deixa bem claro que: Nada disso garante que a decisão se transforme em ação, e que a demanda que deu origem ao processo seja efetivamente atendida. Ou seja, não existe um vínculo ou relação direta entre o fato de uma decisão ter sido tomada e a sua implementação. E também não existe relação ou vínculo direto entre o conteúdo da decisão e o resultado da implementação.

Na verdade, a autora esclarece que nem sempre a decisão tomada pelo Executivo corresponde à implementação ou execução de determinada ação, pois muitas das decisões são tomadas em razão da judicialização de demandas que exigem resultados que se transformem em políticas públicas na área da saúde.

Nesse aspecto, Rua (2014, p.18) acentua que,

As políticas públicas englobam todos os cidadãos, de todas as escolaridades, independente de sexo, raça, religião ou nível social; Com o aprofundamento e a expansão da democracia, as

responsabilidades do representante popular se diversificam; Promove o bem- estar da sociedade; o bem- estar da sociedade está relacionado a ações de desenvolvidas e à sua execução em áreas como: saúde, educação, meio ambiente, habitação, assistência social, lazer, transporte e segurança, ou seja, deve-se contemplar a qualidade de vida como um todo; É a partir desse princípio que, para atingir resultados satisfatórios em diferentes áreas, os governos(federal, estaduais ou municipais) se utilizam das políticas públicas.

É de se salientar, também, que as políticas públicas na área da saúde, sejam nos âmbitos federal, estadual ou municipal têm se mostrado deficitárias e com uma série de problemas relatados recorrentemente pelos meios de comunicação, sejam revistas, jornais, mídias socais e por isso, o Poder Judiciário é acionado.

(35)

Exemplo disso, são as palavras do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que no dia 20 de março de 2020, disse em entrevista à Revista Exame que,

O Sistema Único de Saúde (SUS) têm tumultos e pontos de

problemas, mas não está em colapso, e que o governo está atuando de forma a preparar a rede para o crescimento dos casos confirmados da covid-19.

Nós temos muitas forças. Se nós não fizéssemos nada, se não aumentássemos a nossa capacidade instalada, se nós ficássemos parados, olhando, nós teríamos um mega problema, porque esse sistema, do jeito que ele vem, sem fazer nada, você colhe um colapso”, afirmou, em entrevista coletiva concedida no Palácio do Planalto, ao lado do presidente Jair Bolsonaro. “Nosso sistema ainda aguentaria, mesmo com a capacidade instalada normal, por volta de 30 dias (Revista Exame, 2020.p.26)

Essa manifestação mostra o quanto a área da saúde está com problemas, pois a crise do Coronavirus- COVID-19,1 está deixando bem claro que as ações políticas de investimento na saúde deixam a desejar e que agora precisam ser intensificadas para evitar um colapso e a perda de vidas.

No entanto, em épocas de normalidade, o que se tem verificado é que aquelas pessoas que não conseguem ser atendidas em seus pedidos de internação ou fornecimento de medicamentos, buscam a tutela de seus direitos na justiça brasileira, uma vez que o Estado não está cumprindo com suas atribuições constitucionais.

Percebe-se que os cidadãos tem cada vez mais procurado garantir seus direitos sociais, nos quais se inclui a saúde, por meio do ingresso de ações judiciais. Há uma tendência a judicialização da saúde que “[...] inverte a lógica do atendimento pelos órgãos públicos quando desconsidera as políticas públicas e os princípios do SUS de universalidade, integralidade e equidade.” (MACHADO, 2011, p. 123).

1 A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que apresenta um quadro clínico

que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maioria dos pacientes com COVID-19 (cerca de 80%) podem ser assintomáticos e cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória e desses casos aproximadamente 5% podem necessitar de suporte para o tratamento de insuficiência respiratória (suporte ventilatório).( BRASILIA, 2020).

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Diante deste cenário, é que surge o fenômeno da judicialização das políticas públicas na área da saúde.

2.2 Judicialização das políticas públicas para à saúde

Antes de adentrar especificamente no tema, há a necessidade de relembrar que no Brasil, atuam três poderes de Estado, constituídos de acordo como art. 2ª da Constituição Federal que assim expressa: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” ( BRASIL,1988).

A importância que assumem os Poderes da União é inquestionável, uma vez que cada um recebe diretamente do Texto constitucional atribuições específicas, mantendo funções principais e outras secundárias.

Ao Poder Legislativo cabe, entre outras atribuições, a elaboração de leis e a fiscalização dos atos do Poder Executivo. O mais democrático e representativo dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), o Legislativo é formado por vereadores, deputados e senadores eleitos pelo povo (SILVA, 2014).

Por outro lado, ao Poder Executivo, cabe tipicamente, a função de administração do Estado em consonância com as leis aprovadas pelo Poder Legislativo. No entanto, sabe-se que, atualmente, o Poder Executivo é um gestor dos interesses públicos, seja nos âmbitos federal, estadual ou municipal, pois as demandas nas áreas sociais são imensas e a área da saúde requer um planejamento responsável, equilibrado e voltado às necessidades da população.

O Poder Judiciário atualmente, tem como objetivo,

[...] perante a sociedade nacional, prestar a tutela jurisdicional, a todos e a cada um, indistintamente, conforme segue a Carta Magna e demais legislações, a fim de que a justiça seja distribuída de forma útil e a tempo hábil (SILVA, 2014, p. 146)

Evidencia-se que, o Poder Judiciário apresenta-se como um garantidor dos direito fundamentais e no caso, do direito fundamental à saúde, pois se tem observado que cada vez mais sua atuação tem sido muito enfática e tem contribuído para fazer justiça quando

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cidadãos recorrem ao Judiciário para obter a satisfação de suas demandas na área da saúde, especificamente no caso de internações e fornecimento de medicamentos – foco dessa pesquisa.

É inegável que o Poder Público, representado pelo Executivo, tem o dever de assegurar a todos, indistintamente, prestações universais e integrais de saúde, mas, também é importante referir que, na maioria das vezes, os Estados federados e municípios não possuem capacidade econômica e financeira de suportar os respectivos ônus. Destaca-se, neste cenário, que é necessário averiguar se o Estado possui condições para assumir a integralidade da assistência, seja no fornecimento de medicamentos ou internações, diante dos limites orçamentários.

Sem sombra de dúvidas que,

[...] se impõe ao Estado (em suas três esferas) o dever de atentar para a concretização do direito à saúde promovendo o acesso a

medicamentos e tratamentos essenciais a todos de que deles

necessitarem, como forma de garantir o direito à vida e ao bem estar, cumprindo sua missão constitucional de promover, proteger e recuperar a saúde de todos os cidadãos (BRAUNER; CIGNACHI, 2011, p. 39).

Observa-se que os entes federativos não conseguem dar conta de todas as demandas por medicamentos e internações e cada vez mais as pessoas hipossuficientes, por meio de ações judiciais buscam o Judiciário para terem seu direito à saúde assegurado.

Maria Claudia Crespo Brauner e Janaína Cristina Battistelo Cignachi (2011, p. 39) destacam que:

[...] a busca pela tutela dos direitos sociais via Poder Judiciário não interfere no princípio da repartição dos poderes, tampouco do princípio democrático ou, ainda, na discricionariedade do

administrador, pois não há invasão de competências ou funções. Ao contrário, faz com que se realize a justiça social.

Desse modo, é por óbvio que “o Judiciário tem como função precípua de julgar, na espécie, ações que buscam sanar eventual omissão do Poder Executivo, como é o caso do pleito judicial para a concessão de medicamentos, insumos e tratamentos”, explicam as autoras supracitadas (2011, p. 39).

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Percebe-se que assim que o Poder Judiciário faz a sua intervenção na área da saúde como o intuito de garantir que o direito social à saúde possa ser concretizado. Surge, então, o fenômeno da judicialização da saúde.

Neste sentido, as palavras de Luís Roberto Barroso (2008, p, 1) são esclarecedoras:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo — em cujo âmbito se encontram o presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade Não se pode esquecer que a judicialização tem sido muito debatida no meio acadêmico, social e jurídico, pois se está vendo o Poder Judiciário tomando decisões em nome do Poder executivo e fazendo valer suas decisões em nome da vida com parâmetros no princípio da dignidade humana.

O gráfico abaixo é bastante elucidativo no que tange ao aumento crescente de processos judiciais na área da saúde. O Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, publicado em 2019, apresenta números que deixam qualquer um perplexo, pois contempla demandas judiciais na área da saúde, tanto na Justiça de 1º e 2º graus, quanto nos Tribunais Superiores do Brasil. Veja-se:

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Essa representação gráfica apresenta uma realidade que conflita com os fundamentos inscritos na CF/88, quanto ao exercício da cidadania, o respeito à dignidade humana e a universalização da saúde.

2.2.1 Princípio da dignidade humana: Paradigma para judicialização

Não bastam as políticas sociais e políticas públicas serem implementadas pelo Poder Público, uma vez que “ações realizadas por grupos ou indivíduos, de natureza pública ou privada, as quais são direcionadas para a consecução de objetivos estabelecidos mediante decisões anteriores sobre uma determinada política pública” na maioria das vezes não alcançam todos aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade. (RUA, 2014, p. 89)

É preciso reconhecer que o paradigma que sustenta a atuação do Poder Judiciário enquanto órgão do qual emanam as decisões judiciais determinando o cumprimento pelos governos federal, estaduais e municipais, no que tange à saúde, é o princípio da dignidade humana.

Não se olvida que dignidade humana é o fundamento que oferece aos magistrados a possibilidade de proceder a “[...] ruptura política do círculo vicioso de auto reprodução histórica e psicológica dos males da saúde” e deste modo, honrar a importância da materialização e concretização do direito humano fundamental à saúde. A todos que dele necessitarem, independentemente de origem, raça, cor, sexo, idade. (SARLET, 2004, p. 100)

Sobre a dignidade humana Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p 101) versa:

O que se pretende demonstrar, neste contexto, é que o princípio da dignidade da pessoa humana assume posição de destaque, servindo como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da Constitucional. Cuida-se, em verdade, de critério basilar, mas não exclusivo, já que em diversos casos outros

referenciais podem ser utilizados (como, por exemplo, o direito à vida e à saúde na hipótese do meio ambiente, ou mesmo a ampla defesa e os recursos a ela inerentes, no caso da fundamentação das decisões judiciais e administrativas) (SARLET, 2004, p. 101).

Referências

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