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O controle de políticas públicas de saúde pelo poder judiciário

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

JOÃO BAHIA DE HOLANDA SOUSA

O CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

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JOÃO BAHIA DE HOLANDA SOUSA

O CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Administrativo.

Orientador: Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S725c Sousa, João Bahia de Holanda.

O controle de políticas públicas de saúde pelo poder judiciário / João Bahia de Holanda Sousa.

– 2013.

64 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2013.

Área de Concentração: Direito Administrativo. Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Poder judiciário - Brasil. 2. Políticas Públicas de Saúde - Brasil. 3. Controle jurisdicional de atos administrativos - Brasil. 4. Direito à saúde - Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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JOÃO BAHIA DE HOLANDA SOUSA

O CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de Concentração: Direito Administrativo.

Aprovada em ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________ Prof. Msc. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof. Dr. Dimas Macedo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Larissa Maciel do Amaral (Mestranda)

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A Deus.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas bênçãos que tem depositado em minha vida.

Ao Professor William Paiva Marques Júnior, não apenas pelo apoio e orientação a mim dispensados, mas, sobretudo, pela maestria com que desempenha as funções de Vice-coordenador e de Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.

Ao Professor Dimas Macedo e à mestranda Larissa Maciel do Amaral, pela presteza e disponibilidade em avaliar este trabalho.

À minha mãe, Tereza, pelas renúncias que fez para que eu pudesse gozar de uma vida amena, e, ainda, por ter acreditado em mim quando nem mesmo eu o fizera. Seus exemplos de probidade e de dedicação são o maior estímulo para que eu prossiga nos estudos com afinco.

À minha irmã, Juana, pela lealdade e companheirismo que, certamente, irão me acompanhar ao longo da vida.

À minha namorada, Isa, por fazer a minha vida incrivelmente mais feliz e completa. Suas palavras de incentivo e amor tornam simplórias as mais árduas tarefas.

Aos meus demais familiares, por confiarem no meu êxito profissional, em especial à minha avó, Francis, e à minha tia Angélica, por terem auxiliado em minha educação.

A todos os servidores e Procuradores com quem tive a oportunidade de conviver durante o estágio na Procuradoria-Geral do Estado do Ceará, em especial ao Dr. Érlon Moreira Pinto, referência de profissional que um dia almejo me tornar.

A todos os meus verdadeiros amigos, por me proporcionarem momentos de alegria.

Aos companheiros de faculdade, em especial aos amigos Moisés, Paulo, Aline e Mariana, por terem tornado a jornada acadêmica substancialmente mais leve e prazerosa.

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“Arrisque-se! Toda vida é um risco. O homem que vai mais longe é geralmente

aquele que está disposto a fazer e a

ousar. O barco da 'segurança' nunca vai

muito além da margem.”

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RESUMO

As inúmeras falhas no sistema público de saúde têm impelido muitos indivíduos a buscar judicialmente a satisfação de suas necessidades vitais básicas. Nesse sentido, têm crescido, por exemplo, o número de demandas versando acerca do fornecimento de medicamentos ou da realização de procedimentos médicos. Em razão da importância do fenômeno, este trabalho tem por finalidade analisar os principais aspectos do controle jurisdicional de políticas públicas voltadas à área da saúde. Para tanto, abordar-se-ão, inicialmente, os pressupostos e os limites do controle jurisdicional dos atos administrativos, dentre os quais se destacam o princípio da separação dos poderes e o princípio da proporcionalidade. Em seguida, mencionar-se-ão, alguns pontos relevantes do direito à saúde na Constituição Federal de 1988. Posteriormente, serão analisadas as políticas de saúde estatais em vigor, com enfoque no Sistema Único de Saúde. Ato contínuo, será abordado o controle jurisdicional de políticas públicas de saúde. Após a definição dos fundamentos de tal controle, proceder-se-á a uma análise de suas principais balizas, quais sejam: o princípio da proporcionalidade e as teorias da máxima efetividade; do mínimo existencial e da reserva do possível.

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ABSTRACT

The many flaws in the public health system have driven many individuals to seek court the satisfaction of their basic living needs. Accordingly, have grown, for example, the number of demands on medicines delivery or medical procedures performance. Due to the importance of the phenomenon, this study aims to analyze the main aspects of judicial review of public policies for health. Therefore, addressing will be initially assumptions and limits of judicial review of administrative acts, among which stand out the separation of powers principle and the proportionality principle. Then will be mentioned some relevant points of the right to health in the Constitution of 1988. Subsequently, will be analyzed the state health policies in force, with a focus on Sistema Único de Saúde. Immediately thereafter, will be addressed the jurisdictional control of public health policies. After defining the foundations of such control, will be carried out an analysis of its main boundaries, which are: the proportionality principle and theories of maximum effectiveness, the existential minimum and reserve possible.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ... 12

2.1 Conceito de Ato Administrativo ... 12

2.2 Atividades administrativas vinculada e discricionária ... 14

2.2.1 Hipóteses geradoras de discricionariedade ... 16

2.2.2 Conceitos jurídicos indeterminados ... 18

2.3 Apreciação judicial da discricionariedade administrativa e dos conceitos jurídicos indeterminados ... 20

2.4 Limites ao controle judicial dos atos administrativos ... 24

2.4.1 Princípio da Separação dos Poderes ... 24

2.4.2 Princípio da Proporcionalidade ... 26

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE ... 29

3.1 Aspectos relevantes do Direito à Saúde na Constituição Federal de 1988 ... 29

3.1.1 Conceito de Saúde ... 30

3.1.2 Natureza jurídica ... 32

3.1.3 Titularidade ... 34

3.1.4 Competências ... 36

3.2 Conceito de políticas públicas ... 37

3.3 O Sistema Único de Saúde ... 38

3.4 Outras importantes políticas públicas de saúde ... 42

4 CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PELO PODER JUDICIÁRIO ... 44

4.1 Fundamentos do controle judicial de políticas públicas ... 44

4.2 O direito à saúde como componente do mínimo existencial ... 48

4.2.1 Critérios para a dispensação judicial de medicamentos ... 50

4.3 Aplicabilidade da reserva do possível em tema de políticas públicas de saúde ... 52

4.4 Vias processuais adequadas ao controle jurisdicional de políticas públicas de saúde ... 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 61

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1 INTRODUÇÃO

O constitucionalismo, movimento sócio-jurídico que resultou no nascimento de constituições nacionais, surgiu como uma necessidade de limitar o poder estatal e de conter os abusos cometidos pelos governantes. Após um período em que pouca ou nenhuma restrição foi feita aos detentores do poder, percebeu-se a necessidade de conferir especial proteção a determinados direitos, tido como intrínsecos à condição humana, os ditos direitos fundamentais. Para tanto, buscou-se positivá-los em um texto escrito.

A realidade, entretanto, demonstrou que a inscrição no texto constitucional, por si só, não é capaz de assegurar a proteção e o cumprimento de tais prerrogativas carecedoras de especial tutela. Por vezes, as normas insertas no texto constitucional não passaram de promessas não cumpridas.

Surgiu, então, um novo paradigma: o Estado Democrático de Direito. Visando promover alterações fáticas mais consistentes que as alcançadas pelos demais estágios do constitucionalismo, esse modelo de Estado dedicou-se a conferir força normativa aos preceitos constitucionais. Alterou, inclusive, o papel atribuído ao Poder Judiciário, passando a ser defendida uma postura mais ativista.

O direito à saúde, por certo, pode ser elencado como um dos direitos a que se buscou conferir maior efetividade. Dotado de especial relevância, esse direito social demanda, basicamente, prestações fáticas por parte do ente estatal, o que, entretanto, não afasta uma dimensão negativa porventura existente, que consiste na proteção de interferências indevidas por parte do Estado ou de terceiros.

Essas prestações fáticas, normalmente, costumam ser definidas por meio de políticas específicas traçadas pelo ente estatal. Através de variados documentos, como leis, resoluções e decretos, o Poder Público estabelece as principais diretrizes e metas a serem alcançadas na área de saúde.

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Diante do exposto, avulta em importância o estudo do controle jurisdicional de políticas públicas. Apesar de ser uma realidade nos tribunais pátrios, o fenômeno encontra-se permeado de polêmicas, mormente no que diz respeito à fixação de critérios lógicos e razoáveis para a sua realização. É de se reconhecer, entretanto, que já houve considerável avanço na matéria, inclusive com pronunciamentos bastante elucidativos de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais serão colacionados sempre que possível.

A relevância do tema e sua inegável utilidade prática e justificam a realização do presente trabalho, no qual se busca proceder à uma compilação das principais ideias expostas na doutrina e na jurisprudência. Não há, todavia, qualquer pretensão de exaurir a matéria.

Para tanto, o presente trabalho estrutura-se em três partes.

A primeira delas aborda o controle judicial do ato administrativo, aspecto fulcral para se entender os limites e as possibilidades do controle de políticas públicas. Inicialmente é estabelecido o conceito de ato administrativo, sendo destacadas suas principais características. Em seguida, traçam-se as diferenças relevantes entre atividade administrativa vinculada e atividade administrativa discricionária, sendo mencionada, ainda, a questão dos conceitos jurídicos indeterminados. Ato contínuo, procede-se à análise da apreciação judicial de tais atividades, com destaque para a atuação discricionária, e dos conceitos imprecisos. Por fim, listam-se os limites ao controle judicial de atos administrativos.

O capítulo subsequente dispõe acerca das políticas públicas de saúde. Nele, são sublinhados, primeiramente, alguns aspectos relevantes do direito à saúde na Constituição brasileira, tais como: conceito; natureza jurídica; titularidade e competências. Em seguida, é firmado um conceito de política pública. Por fim, procede-se à uma análise das principais políticas estatais para a área da saúde, com especial enfoque no Sistema Único de Saúde.

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saúde. Por fim, são elencados os principais instrumentos de efetivação de políticas estatais na área da saúde.

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2 CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

A visão clássica do Direito Administrativo sustentava a existência de variados obstáculos ao amplo controle jurisdicional dos atos administrativos. Por bastante tempo, predominou a lição de que os magistrados deveriam se ater à análise da legalidade e da legitimidade de tais atos a fim de não incorrerem em violação à separação e à independência das funções estatais.

A atual ordem constitucional, contudo, conferiu ao Judiciário papel singular na preservação de direitos fundamentais. Para concretizar a finalidade de transformação social almejada pelo Estado brasileiro, tornou-se necessária a garantia de instrumentos judiciais idôneos à salvaguarda dos interesses da população. Houve, portanto, uma mudança de paradigma na apreciação jurisdicional dos atos administrativos.

O alargamento da cognoscibilidade jurisdicional, entretanto, demanda a adoção de critérios razoáveis previamente estabelecidos a fim de que seja preservada a margem de liberdade licitamente desfrutada pela Administração Pública.

2.1 Conceito de Ato Administrativo

Inexiste, no ordenamento jurídico pátrio, uma conceituação legal de ato administrativo. Por essa razão, controverte a doutrina acerca da exata noção do instituto.

Em que pese as divergências, pode-se afirmar, com relativa segurança, que, para que seja considerada ato administrativo, a manifestação há de ser exarada no exercício da função administrativa, independentemente de quem seja o seu emitente (agentes públicos ou particulares exercentes de função delegada do Poder Público).

Além disso, tais atos são, em regra, proferidos com caráter infralegal1, ou seja, com fiel subordinação ao preceito legal. A característica é diretamente decorrente do princípio da legalidade (Art. 37, caput, CF/88), segundo o qual, em

1

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suma, aos administradores só é dado atuar no campo expressamente permitido pela lei.

Há, todavia, hipóteses excepcionais de atos administrativos que derivam diretamente da própria Constituição Federal, sem que seja necessária lei intermediária para lhe supedanear a existência – os chamados atos administrativos autônomos. É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de extinção de cargos vagos por ato do Presidente da República (Art. 84, VI, b, CF/88). Novamente, deve-se frisar que tais situações não constituem a regra.

É notório, ainda, que tais manifestações devem possuir aptidão, ao menos em tese, para produzir efeitos jurídicos, ou seja, criar, extinguir, alterar, declarar, modificar direitos e deveres.

Ademais, é pacífico que tal espécie de atos jurídicos está submetida ao regime jurídico de direito público, com todas as regras e princípios que lhes são inerentes, a exemplo dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade de interesse público.

Fixadas tais premissas, torna-se relevante observar-se como tratam o tema alguns autores nacionais de Direito Administrativo. Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 109) estabelece como sendo ato administrativo:

A exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público.

(grifo original)

Por sua vez, conceitua o instituto Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 385):

Declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestadas mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (grifo original)

É de se observar que, ainda que possuam algumas peculiaridades, tais conceitos consagram, em maior ou menor grau, os elementos anteriormente abordados.

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Administração quando deveria fazê-lo, seja por determinação legal, seja em razão de provocação do administrado, não constitui ato jurídico.

Nesse sentido, destaca José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 112) que: “o silêncio não revela a prática de ato administrativo, eis que inexiste manifestação formal de vontade.”.

Isso não significa, contudo, que tal ausência de declaração jurídica não produza efeitos perante o Direito. Em determinadas situações, a própria lei determina os efeitos da omissão. Em outras, defluem do respectivo regime jurídico.

O tema é profundamente relevante e comporta maiores esclarecimentos, especialmente no que tange à ausência de efetivação do conteúdo de normas programáticas2. Dessa forma, será novamente abordado quando da análise da omissão administrativa em sede de políticas públicas de saúde.

2.2 Atividades administrativas vinculada e discricionária

Consoante o grau de liberdade atribuído pela lei ao agente público, classifica-se a competência administrativa em discricionária e vinculada. Esta se verifica quando a lei traça de maneira pormenorizada a única conduta possível a ser adotada pelo agente público. Aquela, a seu turno, é identificada na hipótese de a norma conferir ao administrador a possibilidade de valoração e de escolha da melhor conduta a ser seguida dentre as várias, em tese, cabíveis.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p. 09) a distinção entre as duas diferentes formas de atuação administrativa:

Haveria atuação vinculada e, portanto, um poder vinculado, quando a norma a ser cumprida já predetermina e de completo qual o único possível comportamento que o administrador estará obrigado a tomar perante casos concretos cuja compostura esteja descrita, pela lei, em termos que não ensejam dúvida alguma quanto ao seu objetivo reconhecimento. Opostamente, haveria atuação discricionária quando, em decorrência do modo pelo qual o direito regulou a atuação administrativa, resulta para o administrador um campo de liberdade em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua quanto à maneira de proceder nos casos

concretos [...]. Diz-se que, em tais casos, a Administração dispõe de um “poder” discricionário. (grifo original)

2 Adota-se aqui o conceito de norma programática propugnado por Luis Roberto Barroso (2006),

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Os atos administrativos proferidos no uso de competência vinculada classificam-se como atos vinculados (ou regrados), ao passo que os exarados no exercício do poder discricionário são ditos atos discricionários.

O controle jurisdicional de atos administrativos vinculados traduz-se, verdadeiramente, em controle de juridicidade3, haja vista que a conduta administrativa ideal está integralmente plasmada na norma. Dá-se, portanto, unicamente o cotejo do ato com o preceito normativo.

Certa controvérsia paira, entretanto, sobre a possibilidade de sindicância dos atos proferidos no uso do poder discricionário. Por essa razão, interessa, primordialmente, aprofundar o estudo da discricionariedade administrativa.

As razões que levam o legislador a conferir poder discricionário ao agente público podem ser várias. Uma das principais, talvez, seja a impossibilidade de, com vistas ao atendimento do interesse público, fazer constar, no limitado espaço do texto legal, todas as possíveis situações de ocorrerem caso concreto.

Salientando a busca pela satisfação da finalidade legal, destaca Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 967-968):

... o fundamento da discricionariedade (ou seja, a razão pela qual a lei a instituiu) reside, simultaneamente, no intento legislativo de cometer ao administrador o encargo, o dever jurídico, de buscar, identificar e adotar a solução jurídica apta para satisfazer de maneira perfeita a finalidade da lei e inexorável contingência prática de servir-se de conceitos pertinentes ao mundo do valor e da sensibilidade ...

Ora, o escopo da norma não é outro senão o atendimento do interesse público. Dessa forma, para que este fim seja integralmente realizado, confere-se ao administrador o dever de avaliar e identificar, no caso concreto, a melhor conduta a ser adotada. O cometimento torna-se premente em virtude das inúmeras peculiaridades que cada situação concreta pode apresentar.

Justamente vislumbrando o desiderato de atendimento aos interesses da coletividade é que Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 45) estabelece a definição de discricionariedade administrativa:

A discricionariedade [...] resulta da abertura normativa, em função da qual a lei confere ao administrador uma margem de liberdade para constituir o Direito no caso concreto, ou seja, para complementar a previsão aberta da

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norma e configurar efeitos parcialmente previstos mediante a ponderação valorativa de interesses, em vista a realização do interesse público geral.

É interessante observar que todos os excertos aqui expostos enfatizam que a discricionariedade confere ao agente público uma margem, um campo de liberdade e não uma total independência.

Percebe-se, então, que discricionariedade não significa – e nem poderia significar, dado o modelo de Estado adotado por nossa Constituição – uma carta em branco para que o administrador atue conforme lhe aprouver. Absolutamente; há de se respeitar sempre o fim legal, qual seja, o interesse público.

Existem, portanto, alguns limites intransponíveis. Nesse tocante, é de se referendar a distinção entre discricionariedade e arbitrariedade estabelecida por José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 55):

Enquanto atua nos limites da lei [...], o agente exerce a sua função com discricionariedade, e sua conduta se caracteriza como inteiramente legítima. Ocorre que algumas vezes o agente, a pretexto de agir discricionariamente, se conduz fora dos limites da lei ou em direta ofensa a esta. Aqui comete arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.

Dessa forma, é de se inferir que, ainda que se trate de atos discricionários, alguns de seus elementos serão necessariamente vinculados.

2.2.1 Hipóteses geradoras de discricionariedade

É corrente a lição de que a discricionariedade somente está adstrita a dois dos elementos do ato administrativo, quais sejam: o motivo e o objeto. Competência, finalidade e forma, são, portanto, invariavelmente vinculadas, quer se trate de ato vinculado, quer se trate de ato discricionário.

Dessa forma, podem comportar valoração pelo administrador tanto as situações de fato ou de direito (motivo) a impulsionar a prática do ato, quanto o conteúdo (objeto) deste.

Essa valoração deve ser fundada em critérios de conveniência e oportunidade. Em outras palavras, deve o agente perquirir quais as ideais condições para que atue e, ainda, em que momento isso ocorrerá.

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Nesse sentido, a conceituação de mérito administrativo proposta por Germana de Oliveira Moraes (2004, p.50):

O mérito consiste, pois, nos processos de valoração e complementação dos motivos e de definição do conteúdo do ato administrativo não parametrizados por regras nem por princípios, mas por critérios não positivados. (grifo original)

Como bem observado pela autora, em tais hipóteses, não é possível se chegar à solução ideal quer pela análise das regras quer pela verificação dos princípios correlatos ao tema. Donde somente o administrador terá a legitimidade de definir qual será a conduta adotada dentre as em tese cabíveis.

Semelhante entendimento é encampado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2012), para quem a discricionariedade se verificaria sempre que fosse impossível conhecer por meio de critérios objetivos uma única conduta realizadora da finalidade plasmada no texto normativo. Em tais casos, haveria, pelo menos, duas condutas razoáveis a serem adotadas.

Destarte, a discricionariedade propriamente dita somente poderia ser vislumbrada a luz do caso concreto, haja vista que não se poderia verificar abstratamente a razoabilidade das medidas a ser adotadas.

Aliás, para Celso Antônio Bandeira de Mello (2012), a discricionariedade não se restringe ao motivo e ao objeto do ato administrativo. Para o autor, a discricionariedade pode ser decorrente da hipótese; do comando ou da finalidade da norma.

No primeiro caso, a discricionariedade resultaria da imprecisão com que o texto normativo tenha descrito a situação fática. Há, aqui, uma confluência com a corrente clássica, eis que se está diante da discricionariedade no que tange ao motivo do ato.

Em relação ao comando da norma, a margem de liberdade poderia ser verificada no que atine a escolha: a) de expedir ou não o ato administrativo; b) de definir o momento adequado para tanto; c) da forma jurídica pela qual o ato deve ser exteriorizado e d) quanto ao conteúdo do ato.

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Perceba-se que, nesse último caso elencado, apesar de a discricionariedade não estar primordialmente nos pressupostos de fato, acaba inevitavelmente resvalando nele. Isso porque tais valores normativos só podem ser aferidos no caso concreto. Em outras palavras, apesar de não constar do pressuposto legal certa margem de liberdade, esta se configura em virtude do escopo normativo impreciso.

Ressalva, todavia, o autor que apesar de tais hipóteses serem o que efetivamente gera a discricionariedade, em todo caso, ela se manifestará no conteúdo do ato administrativo.

Essa teoria é dotada de grande relevância, pois, ao alargar o campo da discricionariedade, acaba por explicar muitas das situações vivenciadas na prática administrativa brasileira.

2.2.2 Conceitos jurídicos indeterminados

Tema correlacionado ao estudo da discricionariedade é a valoração administrativa dos conceitos jurídicos indeterminados. Inegavelmente, há pontos de encontro entre ambos, o que, de certa forma, acaba por dividir a doutrina.

Conceitos jurídicos indeterminados, consoante lição de José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 54) são:

... termos ou expressões contidos em normas jurídicas que, por não terem exatidão em seu sentido, permitem que o interprete ou o aplicador possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se proceda diante dos pressupostos da norma

Os conceitos indeterminados – ou imprecisos, como preferem alguns – são bastante recorrentes na legislação brasileira. A título ilustrativo, cabe mencionar os termos “bons costumes”, “segurança pública”, “interesse público”.

Como bem destaca Germana de Oliveira Moraes (2004), a doutrina dos conceitos jurídicos indeterminados surgiu na Áustria, como forma de se aferir a possibilidade de apreciação judicial de tais postulados. Inicialmente, polarizou-se em razão da controvérsia apresentada entre Bernatizik e Tezner.

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única solução acertada. Os que defendem a univocidade entendem, portanto, que os conceitos jurídicos indeterminados representam, a rigor, atuação administrativa vinculada.

A doutrina dos conceitos jurídicos indeterminados evoluiu consideravelmente na Alemanha. Lá, a teoria da univocidade preponderou, sendo entendimento recorrente o de que a fluidez de tais conceitos somente existiria em abstrato. Quando aplicados ao caso concreto, somente uma solução ideal se apresentaria.

Entretanto, ainda hoje, há quem defenda os ideais propugnados pela teoria da multivalência. É claramente o caso de Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 23), que afirma que:

... muitas vezes – exatamente porque o conceito é fluido – é impossível contestar a possibilidade de conviverem intelecções diferentes, sem que, por isto, uma delas tenha de ser havida como incorreta, desde que quaisquer delas sejam igualmente razoáveis.

Conforme reconhece o próprio autor, esse, todavia, não é o entendimento que prepondera entre os estudiosos brasileiros.

Aqui, tem-se preferido proceder a uma distinção entre discricionariedade e valoração administrativa dos conceitos jurídicos indeterminados. Viceja, portanto, a corrente da univocidade.

Por ser extremamente oportuno e ilustrativo desta corrente doutrinária majoritária, recorreremos novamente às lições de José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 59):

A razão pela qual têm sido confundidos os institutos decorre da circunstância de que ambos se enquandram na atividade não vinculada da Administração, uma vez que neles a norma não exibe padrões objetivos de atuação. Mas, enquanto o conceito jurídico indeterminado situa-se no plano de previsão da norma (antecedente), porque a lei já estabelece os efeitos

que devem emanar do fato correspondente ao pressuposto nela contido, a discricionariedade aloja-se na estatuição da norma (consequente), visto que

o legislador deixa ao órgão administrativo o poder de ele mesmo configurar esses efeitos. Nesta, portanto, o processo de escolha tem maior amplitude do que o ocorrente naquele. (grifo original)

Mais do que relevância doutrinária, a discussão acerca da inserção dos conceitos jurídicos indeterminados no âmbito da discricionariedade administrativa possui cunho eminentemente prático, pois acaba por influenciar nos limites de controle judicial de tais conceitos.

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2.3 Apreciação judicial da discricionariedade administrativa e dos conceitos jurídicos indeterminados

Como dito anteriormente, é unanimemente aceita pela doutrina a sindicância judicial dos atos administrativos vinculados, pois, trata-se, em verdade, de um mero controle de legalidade, donde se procede ao cotejo entre o ato e o texto legal. Se houver dissonância entre ambos, o ato será irrefutavelmente inválido.

Pode-se afirmar o mesmo no que tange aos elementos vinculados dos atos administrativos discricionários, afinal, nestes, inexiste margem de livre atuação do administrador.

Questão um pouco mais tormentosa reside na possibilidade de apreciação judicial dos elementos discricionários do ato administrativo. Por muitos anos, entendeu-se indevida a incursão judicial no mérito administrativo. Na verdade, comumente, os próprios tribunais pátrios se furtavam à apreciação de tais elementos dos atos discricionários.

Ao que tudo indica esse não é mais o entendimento prevalente na atualidade. Nesse sentido, dispõe Vitor Burgo (2013, p. 76) que: “todos os atos estarão, em maior ou menor grau, propensos ao controle judicial.”.

Haveria, portanto, uma lógica de gradação, segundo a qual o controle poderia ser mais ou menos restrito a depender de tratar-se de atos vinculados ou discricionários e, ainda, da causa geradora de discricionariedade.

A prevalência do entendimento de que os atos administrativos, ainda que discricionários, são judicialmente sindicáveis é também salientada por Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 106):

Hoje em dia, não mais se discute a possibilidade – reconhecida, à unanimidade, pela doutrina jus-administrativista, de controle jurisdicional da aplicação pela Administração pública de normas que contêm conceitos jurídicos indeterminados, assim como daqueles que atribuem discricionariedade.

Visto isso, é de se perguntar: o que levou à essa guinada de pensamento acerca do controle da discricionariedade administrativa?

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A Lei da Ação Popular abriu ao Judiciário brasileiro a apreciação do mérito do ato administrativo, ao menos nos casos dos arts. 4º, II, b e V, b, da Lei nº 4717/65, elevando a lesão à condição de causa de nulidade do ato, sem necessidade do requisito da ilegalidade.

Foi, entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, que a possibilidade de controle jurisdicional da atividade administrativa discricionária tornou-se quase que inquestionável. Há várias razões para isso.

Primeiramente, ainda no âmbito da ação popular, é de se destacar que a Carta Maior previu, em seu art. 5º, inciso, LXIII, a possibilidade de anulação de atos lesivos à moralidade administrativa.

Ora, é de se reconhecer, no esteio das lições de Ada Pellegrini Grinover (2013), que não há como se proceder a um controle da moralidade administrativa sem que o mérito do ato administrativo seja analisado.

Ademais, o dispositivo não põe a ilegalidade como requisito para censura dos atos imorais, o que leva a crer que tais atos lesivos possam ser invalidados ainda que, aparentemente, estejam amparados em texto legal.

O principal fundamento do controle judicial do mérito administrativo, entretanto, talvez seja a norma ínsita no inciso XXXV do art. 5º da Carta Política brasileira, a qual consagra o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional.

Ao estatuir que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, a norma não fez qualquer distinção acerca da natureza dos atos efetiva ou potencialmente lesivos. Assim, uma vez afirmando a parte ter seu direito sido violado por ato administrativo discricionário, não há outra alternativa senão a incursão judicial no mérito administrativo.

Qualquer pensamento em sentido contrário importaria em negar eficácia a um direito fundamental, o que afrontaria diretamente a norma constante do §1º do supracitado artigo além, é claro, do próprio dispositivo constitucional negado.

Consoante ensina Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 107-108), o princípio da inafastabilidade da jurisdição é potencializado devido a outro princípio constitucional, qual seja, o da publicidade. Veja-se o que preleciona a autora:

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Assim, o princípio da publicidade e, consequentemente, o dever de fundamentação dos atos administrativos torna viável a sindicância judicial do ato administrativo discricionário.

Por ser oportuno, cabe mencionar que, no âmbito federal, a Lei nº 9784/99, em seu artigo 50, pormenorizou as hipóteses em que há obrigatoriamente o dever de motivar os atos administrativos, sendo premente destacar o inciso I, que dispõe de tal obrigatoriedade quando o ato negar, limitar ou afetar direitos ou interesses.

Assim como esse inciso, a maior parte das hipóteses aventadas pela referida lei federal diz respeito a atos que, de alguma maneira, afetam direitos ou interesses individuais, o que revela especial preocupação com a segurança jurídica dos administrados.

Não obstante, deve-se entender que o rol consignado no dispositivo é meramente exemplificativo. A legislação, portanto, traça tão somente as hipóteses mínimas de obrigatoriedade de motivação, o que não exclui a sua exigência em outras ocasiões a fim de permitir o escorreito controle da juridicidade do ato.

Destarte, qualquer ato administrativo está sujeito à obrigatoriedade de motivação. É o que ensinam Germana de Oliveira Moraes e William Paiva Marques Júnior (2010, p. 04):

O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. Trata-se de corolário do Estado Social e Democrático de Direito e do princípio da juridicidade que lhe serve de base.

Ademais, não se pode olvidar que sempre irá pairar certa desconfiança sobre os atos proferidos em caráter sigiloso, ou seja, sem a clareza e congruência que lhes são necessárias. Dessa forma, avulta a importância da motivação dos atos administrativos como elemento ensejador do seu amplo controle jurisdicional.

(25)

No que diz respeito aos conceitos jurídicos indeterminados, é plenamente possível a sua apreciação judicial, como, aliás, já se deixou antever. Isso é consenso tanto para os adeptos da multivalência quanto para os da univocidade.

Qual seria, então, a razão da distinção – que já se disse possuir utilidade prática – entre ambas as correntes?

A diferença de acepções influencia diretamente na margem de liberdade de apreciação conferida aos magistrados. A razão é bem simples: admitindo o magistrado que, à luz do caso concreto, tais conceitos apenas comportam uma única interpretação correta, é lícito que ele a especifique. Por outro lado, acaso entenda que há mais de uma interpretação admissível, ele deve cingir-se a afastar aquelas que não condizem com o caso concreto ou a especificar as que condizem.

Por fim, para ilustrar a aceitação da apreciação judicial da discricionariedade administrativa, analisa-se a ementa de um julgado do Superior Tribunal de Justiça, relatado por uma de suas mais proeminentes ministras:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.

1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo. 2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.

3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.

4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.

5. Recurso especial provido.

(STJ - REsp: 429570 GO 2002/0046110-8, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 10/11/2003, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 22.03.2004 p. 277 RMP vol. 25 p. 453 RSTJ vol. 187 p. 219) (grifo nosso)

É de se inferir, portanto, que a possibilidade de incursão judicial no mérito do ato administrativo é amplamente aceita tanto na doutrina quanto na jurisprudência, e isso por fundamentos vários.

(26)

2.4 Limites ao controle judicial dos atos administrativos

Uma vez reconhecida a viabilidade do controle jurisdicional dos atos administrativos, faz-se necessário perquirir os precisos limites em que tal atuação é legítima.

Admitir que não houvesse balizas seria de uma incoerência, em primeiro lugar porque tornaria uma das funções da República hipertrofiada em relação às demais e em outro plano porque relegaria o administrador a uma situação de exacerbada vulnerabilidade, estando este propenso a invalidação de seus atos não por vícios jurídicos, mas por meras questões políticas.

Duas das barreiras mais comumente citadas pela doutrina e pela jurisprudência como obstáculo ao irrestrito controle jurisdicional de atos administrativos, são os princípios da separação dos poderes e da proporcionalidade.

2.4.1 Princípio da Separação dos Poderes

No Brasil, não há que se falar propriamente em um princípio da separação dos poderes, mas sim no postulado da separação das funções, haja vista que o Poder estatal é uno e indivisível. Nesse sentido, dispõem Germana de Oliveira Moraes e William Paiva Marques Júnior (2010, p. 01):

Partindo-se da premissa consoante a qual o poder é uno, quaisquer que sejam as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado, mostra-se inadequado falar em tripartição de poderes estatais, razão pela qual se prefere o uso do termo funções estatais legislativa, administrativa e jurisdicional.

Na verdade, o que se dá é a repartição de funções estatais a fim de conferir uma maior efetividade das normas da Constituição Federal, verdadeira fonte do Poder estatal.

Sem embargo das devidas críticas terminológicas, há de se reconhecer que o termo “Poderes” já se encontra consagrado no meio jurídico, sendo, inclusive utilizado pela própria Constituição Federal.

(27)

Feita essa observação, é de se perquirir o que impulsionou a criação da teoria da separação dos poderes. Em breves palavras, explica Celso Antônio Bandeira de Mello (2012, p.11-12) o pensamento de Montesquieu, considerado por muitos o pai dessa teoria:

O pensamento do barão de Montesquieu, acima de tudo pragmático, fundava-se na observação de um fato, por ele afirmado como uma constante indesmentida e cuja procedência realmente não admite contestação, isto é: todo aquele que tem poder, tende a abusar dele. Para evitar que os governos se transformem em tiranias, cumpre que o poder detenha o poder, porque o poder vai até onde encontra limites. Daí a sua clássica formulação de que, para contê-lo é necessário que aquele que faz as leis nem julgue nem execute, que aquele que executa nem julgue nem faça as leis, e que aquele que julga nem julga nem faça as leis nem a execute.

Da leitura do excerto, poder-se-ia imaginar que o princípio da separação dos poderes seria um óbice ao controle judicial de atos administrativos. Em sua acepção clássica, certamente era. Todavia, na atualidade, esse pensamento já não mais vigora, como já demonstrado.

Em verdade, por mais paradoxal que possa parecer, o princípio da separação dos poderes é, ao mesmo tempo, o fundamento e a baliza da incursão judicial na discricionariedade administrativa.

Explica-se: por uma vertente, o postulado demanda que o Poder Judiciário controle os atos do Poder Executivo, na materialização daquilo que se convencionou denominar sistema de freios e contrapesos; por outra, impede que o Poder Judiciário aprecie certas questões, por não poder fazê-lo sem que viole as competências exclusivas do Poder Executivo.

Basicamente, veda-se ao magistrado que proceda à avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade. Nesse sentido, as lições de José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 57):

O controle judicial, entretanto, não pode ir ao extremo de admitir que o juiz substitua o administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da Administração, perquirindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhe inspiram a conduta.

(28)

princípio da separação dos poderes como um dogma contra a incursão judicial no mérito administrativo.

A esse respeito, são oportunas as palavras de Américo Bedê Freire Júnior (2005, p. 37), para quem: “... a separação de poderes não é um fim em si mesmo, mas um instrumento concebido com o intuito de viabilizar uma efetividade às conquistas obtidas com o movimento constitucionalista.”.

Não há, portanto, que se falar em vedação total à análise da discricionariedade administrativa com fulcro no princípio da separação dos poderes estatais.

2.4.2 Princípio da Proporcionalidade

Desde já, é de se destacar que antes de servir como baliza para a apreciação judicial da atividade administrativa, o princípio da proporcionalidade deve ser utilizado pelo próprio administrador, quando do uso de sua competência discricionária, a fim de obter a intelecção da providência que melhor satisfaz a finalidade legal.

Infelizmente, a práxis tem demonstrado que, muitas vezes, o móvel do agente público não é o desejo de satisfazer fielmente o desígnio legal, mas sim a obtenção de benefícios privados inconfessáveis.

Releva esclarecer preliminarmente que o princípio da proporcionalidade não se confunde com o princípio da razoabilidade. Destarte, é pertinente proceder-se à distinção entre ambos.

Pode-se enumerar, de pronto, três diferenças básicas entre os sobreditos princípios, quais sejam: a origem histórica; a estrutura e a abrangência na aplicação. Apesar de haver divergência doutrinária quanto ao conceito, pode-se caracterizar a razoabilidade, criação anglo-saxã, como sendo a vedação a atos que fujam ao bom-senso, ao razoável.

(29)

O primeiro desses aspectos diz respeito a exigência de adequação entre o fim colimado e o meio escolhido para atingi-lo. Em outras palavras, há de existir uma pertinência entre a finalidade almejada e o meio selecionado.

A segunda dimensão do princípio da proporcionalidade assevera que a medida adotada deve ser a menos danosa entre as opções existentes e, ao mesmo tempo, deve ser suficiente para atingir os fins propostos.

Por fim, com a proporcionalidade em sentido estrito questiona-se se o sacrifício à determinada escolha em detrimento de outra, trouxe mais benefícios do que malefícios. É dizer que se procede a uma análise qualitativa da decisão tomada. Caso as desvantagens se sobreponham aos ganhos, a medida tomada é desproporcional e, consequentemente, inadequada.

A aplicação desse último subprincípio revela-se, por vezes, um exercício bastante árduo, razão pela qual se tem empregado a Técnica da Ponderação como mecanismo de auxílio. Quando se está diante de uma colisão entre princípios constitucionais, dificilmente inocorrerá prejuízo, ainda que parcial, a um desses postulados.

Em linhas gerais, o instrumento da ponderação não é outra coisa, senão o dever de expor com clareza e coerência os motivos que levaram o aplicador do Direito a decidir pela prevalência de um valor sobre outro.

Em que pese a notória diferença entre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, existem muitos autores que os tomam como sinônimos. Adotam também um sentido unívoco algumas decisões proferidas pela nossa Corte Suprema4.

É de se indagar, portanto, em que medida o princípio da proporcionalidade condiciona o controle do magistrado sobre a atividade administrativa. A resposta é bem simples: ele propõe uma linha metodológica a ser obrigatoriamente seguida.

Citando André de Labadaère, demonstra Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 92) como se verifica a utilização do princípio da proporcionalidade no controle de atos administrativos:

É que, como diz Labadaère, reportando-se à jurisprudência francesa, a autoridade jurisdicional se reconhece o direito ‘não apenas de perquirir se os motivos legais realmente existiram, mas, ainda, se eram suficientes para

(30)

justificar a medida editada e se a gravidade dela era proporcionada à importância e às características (... dos fatos ...) que a provocaram’.

Verifica-se, portanto, que o juiz não é livre para valorar a conduta administrativa e decidir pela sua invalidação. Ao revés, sua atuação deve ser pautada primordialmente pela técnica.

Por derradeiro, cabe colacionar julgado do Supremo Tribunal Federal em que se admite o controle com base no princípio da proporcionalidade:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Princípios da ampla defesa e do contraditório. Ofensa reflexa. Controle judicial. Ato administrativo ilegal. Possibilidade. Precedentes.

1. A jurisdição foi prestada pelo Tribunal de origem mediante decisão suficientemente motivada.

2. A afronta aos princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando depende, para ser reconhecida como tal, da análise de normas infraconstitucionais, configura apenas ofensa indireta ou reflexa à Constituição da República, o que não enseja o reexame da matéria em recurso extraordinário.

3. Não viola o princípio da separação dos poderes o controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, o qual envolve a verificação da efetiva ocorrência dos pressupostos de fato e direito, podendo o Judiciário atuar, inclusive, nas questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade.

4. Agravo regimental não provido.

(STF - AI: 800892 BA , Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 12/03/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-084 DIVULG 06-05-2013 PUBLIC 07-05-06-05-2013) (grifo nosso)

Não restam dúvidas, portanto, de que o postulado da proporcionalidade se traduz em um dos mais hábeis instrumentos a propiciar um controle sério e responsável sobre os atos administrativos.

(31)

3 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

O direito à saúde inegavelmente possui elevada magnitude, eis que é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, valor alçado ao status de fundamento da República brasileira (Art. 1º, III, CF/88). Além disso, em muitas ocasiões, representa a própria materialização do direto à vida (Art. 5 º, caput, CF/88).

Em que pese a sua notória importância, esse direito, por muito tempo, foi negligenciado. Somente após a segunda metade do século XIX, com a eclosão das revoltas do proletariado, ganharam força as vozes em favor de seu reconhecimento e de sua efetivação.

A despeito disso, passou-se quase um século até que houvesse um disciplinamento significativo da matéria nos textos constitucionais de diversos países. Nesse sentido, destacou-se a Constituição Italiana de 1947 como pioneira no amplo tratamento desse direito.

Inobstante os avanços já observados, ainda há muitas Constituições que sequer preveem expressamente o direito à saúde, a exemplo da carta constitucional estadunidense.

3.1 Aspectos relevantes do Direito à Saúde na Constituição Federal de 1988

No Brasil, até a promulgação da Constituição de 1988, o tratamento conferido ao direito à saúde foi quase que inexpressivo. Conforme esclarece Eduardo Braga Rocha (2011), a Constituição de 1824 fazia menção aos socorros públicos, que guardavam certa pertinência com a saúde; a Constituição de 1891 não possuía qualquer dispositivo atinente a esse direito; as Constituições de 1934, 1937 e 1946 conferiam apenas assistência à saúde dos trabalhadores; as Constituições de 1967 e 1969 (Emenda Constitucional nº 1/69) asseguravam a assistência à saúde dos trabalhadores e dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial.

(32)

As principais inovações, todavia, consistiram na consagração expressa desse direito no rol dos direitos sociais (Art. 6 º, CF/88) e na ampliação de sua titularidade, vez que todos os indivíduos, trabalhadores ou não, passaram a ser destinatários dele.

3.1.1 Conceito de Saúde

O conceito de saúde sofreu considerável variação ao longo dos anos, de modo que, atualmente, o seu conteúdo resta substancialmente ampliado se comparado às noções de outrora.

Da Antiguidade ao Estado Liberal, prevaleceu uma concepção negativa de saúde, sendo esta considerada tão somente a inexistência de moléstias. A saúde era vislumbrada apenas sob a vertente terapêutica.

Essa ótica se alterou com o advento do Estado Social, quando se passou a exigir do Estado uma postura ativa na prestação de serviços assistenciais. Nesse sentido, as lições de Eduardo Braga Rocha (2011, p. 81):

Neste período [Estado Social], fortaleceu-se a ideia de saúde preventiva,

com a atuação estatal direcionada a evitar a proliferação de doenças. Conquanto o conceito negativo de saúde seja prevalecente, esta não é analisada sob o aspecto curativo– como ocorria no Estado Liberal –, já que

a prevenção torna-se o principal objetivo do Estado Social. (grifo original)

A despeito da salutar mudança da perspectiva curativa para a preventiva, o conceito de saúde ainda permaneceu restrito à ausência de enfermidades, o que se mostrou insuficiente.

Em contraposição a esse limitado pensamento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua a saúde como um completo estado de bem-estar físico, mental e social do ser humano5.

A saúde, portanto, está diretamente relacionada a diversos fatores intrínsecos e extrínsecos aos indivíduos, como destacam Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen (2005, p. 297):

[A saúde] envolve condicionantes biológicos (como sexo, idade, herança genética), o meio físico (geografia da ocupação humana, que diz, por exemplo, com a distribuição de água e alimentos e habitação) e meio

5

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Constituição. Disponível em:

<http://www.cbmvha.org.br/2013/01/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho/> Acesso

(33)

socioeconômico e cultural (que diz com os níveis de emprego e renda, educação e lazer, liberdade, relacionamentos interpessoais e acesso a serviços de recuperação da saúde).

Finalmente, chegou-se a um conceito de saúde no qual o foco não reside apenas na inexistência de moléstias. Privilegia-se, para além da sanidade física e mental, a promoção de uma vida de qualidade, condizente com a dignidade que é inerente a todo ser humano.

Assim, com o escopo de atendimento aos reclamos da saúde, impõe-se uma série de medidas governamentais a fim de promover uma vida mais equilibrada e harmônica, a exemplo da construção de parques arborizados e da recuperação dos mananciais hídricos. A saúde passou a ser vista, portanto, sob a imprescindível perspectiva positiva.

Salientando os três enfoques vislumbrados, estabelece Eduardo Braga Rocha (2011, p. 82) que: “A saúde engloba, assim, três vertentes, quais sejam: a vertente preventiva, cuja finalidade é evitar doenças; a vertente curativa, que visa curar as doenças e a vertente promocional, voltada para a qualidade de vida.”.

A Constituição brasileira não apresentou um conceito expresso de saúde, conforme se deflui da análise da norma ínsita no seu Art. 196:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Inobstante essa omissão, resta indubitável que a Carta Maior consagra tacitamente o conceito amplo anteriormente exposto, albergando, inclusive, a qualidade de vida dos cidadãos. A esse respeito, preconiza Eduardo Braga Rocha (2011, p. 86):

Com o intuito de proporcionar um pleno bem-estar físico, mental e social dos indivíduos, o direito à saúde, consagrado constitucionalmente, determina que as ações e serviços estatais sejam voltados à proteção da saúde, com a redução do risco de doença(saúde preventiva), albergando,

também as situações relacionadas à promoção (saúde promocional) e recuperação (saúde curativa). (grifo original)

(34)

Observa-se que quando se privilegiam ações preventivas e promocionais, não há que se dedicar tanto às ações terapêuticas, eis que a incidência de moléstias, invariavelmente, há de ser menor.

3.1.2 Natureza jurídica

O direito à saúde, em razão de sua especial atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana e de sua inscrição no texto constitucional pátrio, classifica-se como um direito fundamental. Mais precisamente, compõe o rol dos direitos sociais, conforme expressamente consignado na Carta Maior (Art. 6º, CF/88).

Os direitos sociais são frutos da insatisfação popular com a postura abstencionista desempenhada pelo Estado Liberal até o final do século XIX. Percebeu-se, que apenas o reconhecimento de liberdades não era capaz de assegurar um tratamento verdadeiramente igualitário (isonomia material). Portanto, passou-se a exigir do ente estatal uma série de prestações tendentes a propiciar uma melhoria na qualidade de vida da população.

Para José Afonso da Silva (2006, p. 286), os direitos sociais são:

... prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.

Destarte, a natureza social atribuída ao direito à saúde é decorrência direta do fato de que este direito demanda, com elevada frequência, a implementação de prestações materiais e jurídicas a fim de que seja propiciada a redução das desigualdades fáticas existentes entre os componentes do meio social.

Exatamente por reclamar, no mais das vezes, prestações positivas, o direito à saúde pertence à segunda dimensão (geração) de direitos fundamentais, ao lado dos demais direitos sociais e dos direitos econômicos e culturais.

(35)

Sob essa perspectiva, o direito à saúde reclama uma postura abstencionista do Estado e de terceiros, o que o aproxima bastante dos direitos fundamentais de primeira dimensão (geração).

Enfocando a natureza negativa do direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 10) preleciona:

No âmbito da assim denominada dimensão negativa, o direito à saúde não assume a condição de algo que o Estado (ou a sociedade) deve fornecer aos cidadãos, ao menos não como uma prestação concreta, tal como o acesso a hospitais, serviço médico, medicamentos, etc. Na assim chamada dimensão negativa, ou seja, dos direitos fundamentais como direitos negativos (direitos de defesa), basicamente isto quer significar que a saúde, como bem jurídico fundamental, encontra-se protegida contra qualquer agressão jurídica de terceiros.

Percebe-se, portanto, que o direito à saúde pode assumir um cunho defensivo, substancialmente diferente da feição prestacional que comumente lhe é atribuída.

Por outro lado, é de se salientar que o reconhecimento do direito à saúde como um direito fundamental, seja de natureza positiva seja de natureza negativa, confere ao seu titular a possibilidade de demandar judicialmente o seu cumprimento. Isso conduz à conclusão de que tais direitos, inclusive os direitos sociais, são dotados de eficácia6.

Aqui, cabe fazer uma breve ressalva: ante o postulado da força normativo-vinculante da Constituição, corolário do neoconstitucionalismo, é incabível considerar as normas veiculadoras de direitos sociais como dotadas de mero caráter programático7.

Portanto, nada obsta a judicialização de tais direitos. Pensamento em sentido diverso implicaria premiar o Estado pela sua inércia. Nesse sentido, insta

6

A tradicional classificação proposta por José Afonso da Silva divide as normas constitucionais, quanto à eficácia, em: normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida e normas constitucionais de eficácia limitada. As normas programáticas seriam espécies de normas constitucionais de eficácia limitada. A teoria, a despeito da importância acadêmica, deve ser vista, nos dias atuais, com ressalvas. Não se deve admitir que a eficácia de direitos tão caros à República brasileira – direitos fundamentais sociais – fique à mercê da regulamentação infraconstitucional, mormente diante da importância que vem ganhando, no Brasil, a teoria da máxima efetividade do texto constitucional.

7 Ainda hoje, existe certa controvérsia na doutrina acerca da classificação dos direitos sociais entre

(36)

colacionar trecho do voto proferido pelo ministro Celso de Mello no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada nº 175/CE:

O caráter programático da regra inscrita no Art. 196 da Carta Política [...] não pode convertê-la em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando as justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (STF - STA 175/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes. 18/09/2009)

De outra monta, o atual modelo de constitucionalismo (neoconstitucionalismo) não comporta o entendimento de que tais normas são desprovidas de efetividade, na medida em que reconhece a força normativo-vinculante da Constituição.

Ademais, a consagração do direito à saúde como direito fundamental conduz à outra importante repercussão jurídica, qual seja: a impossibilidade de sua limitação por emenda constitucional. É que, por ser considerada cláusula pétrea (Art. 60, §4º, IV, CF/88)8, fica o poder constituinte reformador terminantemente proibido de abolir ou restringir o direito dos indivíduos à saúde.

Em sede infraconstitucional, fica terminantemente vedada a redução do grau de concretização do direito à saúde, haja vista a “vedação de retrocesso social” (“efeito cliquet”). Em outras palavras, não pode o legislador retroceder no tocante à implementação desse direito constitucional social.

3.1.3 Titularidade

A Constituição Federal estatui que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado (Art. 196, CF/88). A despeito da aparente clareza do dispositivo, há certa divergência quanto à titularidade de tal direito social.

8

(37)

A polêmica se estabelece na medida em que se procede a uma interpretação literal do artigo 5º, caput, da Lei Maior, que estabelece que os direitos e garantias fundamentais são assegurados aos brasileiros e estrangeiros residentes no País. Tal intelecção deixa de fora os estrangeiros que aqui não residem.

Em que pese às opiniões em sentido contrário, o entendimento não merece prosperar. A especial conexão entre direito à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana não permite que se estabeleça tal restrição. Assim têm se pautado as modernas doutrinas e jurisprudências. A título ilustrativo, veja-se o que preconiza Marcelo Novelino (2013, p. 1026):

Por sua vinculação direta à dignidade da pessoa humana, o direito à saúde

é titularizado por todas as pessoas que estejam no território brasileiro, independentemente da nacionalidade (brasileiro ou estrangeiro) e do país de domicílio. (grifo original)

Além da anteriormente exposta, há outras razões para se repudiar a exegese literal, tais como o princípio da universalidade de cobertura e de atendimento do sistema público de saúde (Art. 198, caput, CF/88) e a própria redação adotada pelo artigo 196, que parece sugerir uma norma especial a par da regra de titularidade dos direitos fundamentais.

No que tange ao dever atenção à saúde, também deve-se privilegiar uma interpretação extensiva. Sem dúvidas, o principal responsável pela preservação e efetivação de tal direito é o Poder Público. Todavia, não se pode esquecer que a família, a sociedade e o próprio indivíduo possuem um papel fulcral em tal desiderato.

Por outro lado, o direito à saúde possui também um cunho negativo, o que impele não só o Poder Público, mas, também, os particulares a absterem-se de praticar atos potencialmente lesivos à saúde de outrem. Essa perspectiva condiz com a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Nesse tocante, cabe transcrever as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 5):

(38)

Como destaca o autor, caso assim não fosse, o direito fundamental à saúde restaria consideravelmente fragilizado, especialmente no que condiz com a sua efetivação.

3.1.4 Competências

A Constituição Federal estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e defesa da saúde (Art. 24, XII, CF/88). Dessa forma, incumbe à União editar normas gerais sobre o tema e aos demais entes federados citados, exarar normas complementares porventura necessárias (Art. 24, §§ 1º e 2º, CF/88). Os Municípios, por sua vez, têm competência para legislar acerca da saúde no que atine aos assuntos de interesse local (Art. 30, I e II, CF/88).

A Carta Política dispõe, ainda, que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e da assistência pública (Art. 23, II, CF/88). É, portanto, da alçada de todos os entes federados a prestação integral deste direito fundamental à população.

A norma conduz ao entendimento de que a responsabilidade pela prestação de saúde é solidária entre os entes da Federação. Nesse sentido, têm se portado diversos tribunais pátrios. Por todos, veja-se o que estabelece o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS – LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.

1. Esta Corte em reiterados precedentes tem reconhecido a responsabilidade solidária do entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que concerne à garantia do direito à saúde e à obrigação de fornecer medicamentos a pacientes portadores de doenças consideradas graves.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no Ag: 961677 SC 2007/0249944-4, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 20/05/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2008). (grifos nossos)

(39)

direito entenda conveniente, poderá litigar contra mais de um ente estatal (litisconsórcio passivo facultativo).

É de se revelar que essa natureza solidária representa uma importante garantia aos cidadãos, pois evita que determinado ente político procure se eximir de lhes garantir direito à saúde alegando não ser tal obrigação de sua competência.

Por fim, cabe frisar que a correta aplicação dos valores destinados aos programas de saúde representa um preceito tão caro à República brasileira, que há expressa previsão, no texto da Lei Maior, de intervenção Federal (Art. 34, VII, e, CF/88) e Intervenção Estadual (Art. 35, III, CF/88) em caso de seu descumprimento.

3.2 Conceito de políticas públicas

Com a evolução do constitucionalismo, o Estado passou a assumir um papel ativo na promoção de uma vida justa e equilibrada. Para tanto, foi imprescindível o reconhecimento formal de direitos a prestações materiais devidas pelo ente público – os ditos direitos sociais.

No entanto, a previsão de tais direitos em textos normativos, por si só, não foi capaz de alterar a realidade fática existente. Houve necessidade do estabelecimento de uma série de medidas aptas a concretizar os fins previstos na Constituição.

Pode-se dizer, de maneira simplificada, que essas medidas constituem o objeto das políticas públicas. Estas, portanto, não passam de um instrumento de materialização dos direitos sociais.

Nesse tocante, é de se referendar a observação feita por Lívia Regina Savergnini Bissoli Lage (2013, p. 182): “... política pública não se confunde com o próprio direito social em si. É, na verdade, um programa de governo para alcançar a efetivação desse direito.”.

De forma mais técnica, políticas públicas podem ser conceituadas como o conjunto de ações desempenhadas pela Administração Pública federal, estadual ou municipal com o escopo de atender às necessidades vitais básicas da população. Nesse sentido, as lições de José dos Santos Carvalho Filho (2008, p. 110-111):

Políticas Públicas, por conseguinte, são as diretrizes, estratégias,

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