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Filosofia Para Iniciantes

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Academic year: 2021

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Filosofia para iniciantes

Mafalda age como uma criança curiosa. Portanto, não raro, como filósofa. Todavia, se mantém como criança – sem perder a ingenuidade, a condição do filosofar. Ela adora fazer perguntas sobre coisas banais; isto é, coisas e situações que são vistas como aquilo a respeito do que não devemos nos preocupar, pois, como muitas pessoas comentam “desde que o mundo é mundo é assim mesmo”. Todavia, o filósofo é aquele que não se deixa levar facilmente pelo convite à passividade por uma frase do tipo “ah, é assim mesmo”. O filósofo é aquele que ouve o “é assim mesmo” e, em seguida, já começa a pensar que talvez seja o caso de perguntar “deve ser assim mesmo, deve?”.

Figura i.1

Na conversa com a sua mãe (fig. i.1), Mafalda pergunta sobre a pobreza. Por que existem os pobres? – é o que Mafalda quer saber. A mãe engasga. Talvez ela, a mãe, nunca tenha pensado seriamente no assunto. Talvez ela não queira pensar. Pode ser que tenha pensado, mas nunca tenha imaginado seriamente que há o que gera a pobreza. Ou ela – quem sabe? – nem sequer sonhe com um mundo sem pobres; e, então, se assim é, para ela a idéia da pobreza não é compatível com a pergunta de Mafalda. Parece esquisito querer  encontrar causas e/ou razões para a pobreza, uma vez que a pobreza é algo “que está aí”. Como diriam alguns: pergunta de criança. Ou como diriam outros: pergunta de maluco. Ou ainda outros: pergunta de filósofo. Mas Mafalda não vê o engasgar da mãe e as reticências como uma situação de alguém que não tem resposta ou que estranha ter que encontrar uma resposta. Ao contrário, ela acredita que há uma resposta para a sua pergunta. Ela se prepara para uma resposta. O engasgar da mãe é motivo para ela achar que o adulto está se preparando para uma grande resposta. “Eu não suspeitava que a minha pergunta fosse tão interessante” – é o que Mafalda diz. O pigarrear e a entonação da mãe dão o fio da meada para Mafalda: o que se imaginava banal não é banal! Eis uma nova situação a respeito dos pobres, em um passeio de Mafalda e Susanita.

Figura i.2

O passeio de Mafalda com Susanita, sua amiga (fig. 2), mostra outra situação de tratamento do banal. Se os pobres causam dor na alma de Mafalda, para Susanita isso teria uma solução fácil: bastaria que os pobres fossem retirados das ruas. Não deveriam ser retirados como pessoas que poderiam ter algo a fazer, algo no que trabalhar, de modo a não serem tão pobres; deveriam apenas ser retirados, tais como objetos – aquilo que não teria de ser posto sob a vista de quem está ali para simplesmente passear. O mundo de Susanita não é um mundo de pessoas, é um mundo onde tudo que ela vê tem o aspecto de vitrine de loja. Tudo está ali para ser bonito ou feio, de modo que possamos escolher. Os pobres, ali mostrados, são feios. Quem levaria aquele tipo de mercadoria para casa? Ninguém. Então, estão apenas estragando a “vitrine da

cidade”, estão causando dano na paisagem.

A dor na alma de Mafalda é um sentimento que o banal lhe provoca, um sentimento que Susanita não tem, ao menos não do modo que Mafalda o tem. Pois para Susanita o banal – a pobreza – é de fato banal. A curiosidade de Mafalda pela origem da pobreza é a maneira pela qual ela já está sendo despertada diante do banal. O banal está começando a deixar de ser banal para Mafalda. Ela não se conforma que não existam as causas da pobreza. Ela não aceita que não existam razões, ou, mais acertadamente, boas

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O que é banal – ou quase – para sua mãe, e também para Susanita (ainda que de modo diferente), já não é banal para Mafalda. Ela está estranhando que algumas pessoas tenham de existir como pobres. Ela está admirada com essa situação em que a pobreza tenha de estar aí diante de outros que não são pobres e diante de um mundo que parece ter condições de não ter pobres. (Não é mesmo? Estamos errados caso acreditemos que um mundo como este nosso, com tanta possibilidade de gerar riquezas, não teria condições de não ter pobreza?). Então, o banal – a existência dos pobres – começa a sedes-banalizar para

ela. Eis que Mafalda começa a filosofar. A pergunta tipicamente filosófica é aquela que se dirige ao banal exatamente para torná-lo algo não mais banal. O que Mafalda faz na desbanalização? Ela admira e estranha. Sim, a filosofia, desde sua origem na Grécia antiga, começa pela admiração e pelo estranhamento do mundo. Platão e Aristóteles tomaram o começo do filosofar segundo tal “estranhamento com o mundo”. Mas, perguntar por causas e razões do que é visto naquilo que é estranhado é o que marca a atuação

diferenciada do filósofo? Não só. O cientista e o teólogo podem perguntar por causas da pobreza. Aqui é que a filosofia realmente se diferencia da ciência, da teologia e de outros campos doutrinários e/ou investigativos. É que causas e razões, para o filósofo, estão atrelados a uma visão que não se desgarra da ingenuidade; pois ele pergunta por causas e razões em associação à visão de que tudopoderia ser de outro

modo.

Caso fosse cientista, Mafalda talvez perguntasse pelas causas da pobreza, mas dificilmente colocaria no horizonte de sua reflexão a idéia de um mundo sem qualquer pobreza. O cientista pode pensar em um mundo com menos pobreza, mas não em um mundo sem pobreza. Mafalda atua como filósofa: ao ver os pobres, ela já pensa em alternativas para a pobreza não existir de uma vez: ela crê que é mais racional um mundo onde a pobreza não exista, uma vez que ela mesma tem várias idéias para que os pobres não sejam pobres (que criança que não tem?). Caso fosse religiosa, Mafalda poderia ter pena dos pobres, mas não deveria lhe ocorrer em encontrar causas humanas para a pobreza ou alternativas para tornar o mundo mais racional e, então, um mundo sem pobres. Ela procuraria ajudar os pobres, considerando que eles sempre existiriam. Afinal, Deus fez e comanda o mundo, não? Mas Mafalda atua como filósofa: usa o verbo “haveria de” para indicar uma atitude, uma direção em favor de uma situação que é própria da filosofia: ver o que está estabelecido ser questionado, se des-estabelecer, para que disso possa surgir o novo.

Isso que o filósofo faz e que ele acredita que é o melhor uso da razão, para a maioria das pessoas é algo muito esquisito. Por isso mesmo, não raro, não são poucos os que tendem a ver o filósofo como alguém que “não vive nesse mundo”, que “fala coisas estranhas”. Alguns até querem ser idiossincráticos para se parecer  com filósofos, principalmente quando, em algum lugar, “ser filósofo” se torna uma moda. Mas o filósofo não é idiossincrático. O bom e verdadeiro filósofo não tem nada de idiossincrático e nem faz pose. Nem se coloca distante dos outros – quem age assim, acredite, não é filósofo, é apenas um pedante que se imagina inteligente ou quer se fazer passar por tal. Ele, o filósofo, pode parecer esquisito para muitas pessoas, mas não por se afastar delas e tratá-las como inferiores. Ele parece esquisito, pois, sabe-se lá qual o motivo inicial, ele tem olhos e ouvidos para o que a maioria acha que “é assim mesmo”. Tudo já começa esquisito por conta da desbanalização do banal, e tudo fica mais estranho ainda, quando o que é desbanalizado se torna um problema – para o qual o filósofo quer soluções. Esse desejo de realização e de transformação sempre foi próprio da filosofia, mesmo quando esta advogou a contemplação e a não intervenção no

mundo. Tudo isso é a utilidade da filosofia.

Utilidade? Sim, isso mesmo. A utilidade da filosofia é diferente da utilidade comum. Aristóteles (384-322 a.C.) disse que a filosofa nasce do ócio, necessário à reflexão, mas ele jamais disse que ela é inútil. A filosofia não é inimiga da utilidade. Ela é útil por tudo isso que foi dito acima. Podemos dizer que é inútil ter  uma Mafalda andando por aí? É bem incômodo ter uma Mafalda andando por aí. Incômodo, é claro, para os que querem viver de olhos fechados ou, então, de olhos muito abertos – abertos demais a ponto de verem o corriqueiro como corriqueiro. Ora, o que é incômodo não é inútil, pois faz diferença – faz uma boa diferença. Podemos, agora, melhorar nossa compreensão de o que é a filosofia. Dois filósofos estadunidenses apresentam as características que precisamos encontrar no filosofar para que efetivamente esse verbo honre sua tradição. Sobre o filosofar, Donald Davidson(1917-2003) diz algo simples, mas completamente verdadeiro: filosofar é manter sempre a mente aberta. Isto é, o filósofo difere de todos os outros “pensadores” e, então, é filósofo autêntico, se não se fecha em dogmas, se permite que até as soluções mais imaginativas sejam propostas e que até as perguntas que inicialmente não fazem sentido sejam colocadas. Ele está pronto para ver suas verdades serem solapadas e, tenha lá quantos anos tiver, recomeça a pensar sobre os problemas que imaginava já terem respostas ou começa a formular novas perguntas, pois acha que as anteriores não têm mais a ver com o que o cerca. Só desbanaliza o banal quem mantém a mente aberta. Os de mente fechada apenas rebanalizamtudo. De um modo mais técnico,

Arthur C. Danto diz que o filosofar trabalha com problemas caracteristicamente filosóficos, e não quaisquer  problemas. Ou seja, os temas da filosofia e podem ser muitos, mas o tipo de problema é delimitado. Segundo ele “um problema não é genuinamente filosófico a menos que seja possível imaginar que sua solução consistirá em mostrar como a aparência tem sido tomada pela realidade”.[1] É uma forma bem

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aberta; segundo, a atitude de perscrutar em que medida se está tomando o aparente pelo real. É claro que isso envolve muito mais. Podemos perguntar, de fato, o que é manter a mente aberta. Podemos perguntar o que é o real e o que é o aparente e, enfim, se de fato há essa possibilidade de tomarmos o aparente pelo real de modo tão acentuado, assim, como diz a filosofia. Mas desenvolver essas questões já é abraçar a filosofia. É comprometer-se com o que o filósofo estadunidense Richard Rorty chama de filosofia: uma conversação especial e interminável, um tipo de literatura específica que foi inaugurada por Platão. O leitor  está convidado a se envolver com isso. Essa aventura não é para qualquer um. Por isso mesmo, convidamos o leitor para participar dela. Está convidado para adentrar a casa de Platão.

[1] Danto, A. C.Connections to the world. Berkeley: University of California Press, 1997, p.6.

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Ela é uma menininha, mas já tem 40 anos (completados no último 29/09).

Criação de Joaquín Lavado, o Quino, é desprezada por seu próprio “pai” desde a mais tenra

infân-cia, sendo por ele relegada a segundo plano e considerada “morta” em 1973. Quino ainda não

consegue entender o seu sucesso. Em entrevista ao jornal Clarín, declarou: “Se ela ainda é lida

como antes, para que continuar desenhando-a? Uma vez me perguntaram se eu não gostaria de

ressuscitá-la. Ressuscitar significa que algo está morto”.

Apesar do desprezo de seu criador, a menininha continua tão viva quanto sempre na admiração

de seus fãs: como não apaixonar-se por essa baixinha de cabeça redonda, revolucionária

contes-tadora que odeia sopa e ao mesmo tempo é profunda questionadora do mundo, seus contrastes

e injustiças?

Acompanhada de seus inseparáveis amigos — cada um com características mui peculiares

repre-sentando, de certa forma, alguns tipos que formam nossa sociedade — Mafalda passeia por 

temas nada infantis como filosofia e política.

Manolo, menino de baixo nível sócio-cultural e de burrice folclórica, trabalha desde a tenra

infân-cia no armazém de seu pai. Dotado de um faro comerinfân-cial “apurado” aliado a um capitalismo

ferre-nho — seu soferre-nho é montar sua própria rede de armazéns, a Manolo’s — é uma “sutil” crítica aos

workaholics capitalistas, mais interessados em ganhar dinheiro do que adquirir alguma cultura

e apreciar as belezas da vida.

Já Suzanita, de classe social mais elevada, é extremamente fofoqueira, egoísta e maldosa, sem

papas na língua no que se refere a magoar seus amigos e pisotear os menos afortunados. Seu

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projeto de vida consiste em casar na igreja, com véu e grinalda, ter muitos filhos e ser

dona-de-casa. Quem nunca conheceu alguém assim?

Por outro lado, temos o Miguelito, de pureza, doçura e ingenuidade únicas. De auto-estima

extre-mada e dado a associações e conclusões nada convencionais sobre as coisas, esse gorduchinho

de cabelos de alface é um encanto!

Amiga mais recente, Liberdade é uma criança diminuta, filha de pais recém-formados que lutam

arduamente para sobreviver e pagar as prestações do apartamento: sua mãe é tradutora de

fran-cês e não se sabe ao certo em que seu pai trabalha. Segundo ela, ele sempre diz “não sei o que

estou fazendo lá, naquele empreguinho de coisa nenhuma”. Filha clássica de estudantes

político-revolucionários, ela gosta de gente simples, indo ao extremo no que se refere a isso. Nos diálogos

entre Liberdade e Suzanita percebe-se, de maneira mais ou menos sutil, o conflito entre a classe

desfavorecida, que luta para sobreviver, e a classe mais rica.

Filipe é o mais problemático de todos. Extremamente neurótico, vive em conflitos entre o dever 

e o querer. Sua vida é um dilema constante e seu maior drama, além de ser apaixonado por uma

menina mais velha para quem não tem coragem para se declarar, é conseguir decidir o que será

quando crescer.

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Por último, Guile, o irmãozinho mais novo de Mafalda apaixonado por Brigitte Bardot, é uma

figura. Seguindo de perto os passos revolucionários da irmã, já formula suas próprias dúvidas

filo-sóficas, à sua maneira.

Quino foi bastante feliz na criação desses personagens, assim como na escolha das suas

caracte-rísticas psicológicas e sociais. Rir de uma tirinha da Mafalda é como rir de nós mesmos e as

críti-cas que essa menina fazia nas décadas de 60 e 70 ainda são extremamente atuais.

Referências

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