DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
APELAÇÃO Nº. 403923-44/2012-0001 PROCESSO ELETRÔNICO © APELANTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
APELADO: FERNANDA GUIMARÃES VILLELA RELATOR: DES. LINDOLPHO MORAIS MARINHO
DECISÃO MONOCRÁTICA
DIREITO CONSTITUCIONAL.
FORNECIMENTO DE REMÉDIOS. DEMANDANTE PORTADOR DE DIABETES MELLITUS TIPO 1. DIREITO À SAÚDE GARANTIDO
CONSTITUCIONALMENTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. EXISTÊNCIA DE SUBSTITUTOS TERAPÊUTICOS
FORNECIDOS PELO SUS. IRRELEVÂNCIA.
A saúde é direito fundamental assegurado constitucionalmente a todo cidadão, devendo os poderes públicos fornecer assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitarem, cumprindo fielmente o que foi imposto pela Constituição da República e pela Lei nº. 8.080/90, que implantou o Sistema Único de Saúde.
Irrelevante a existência de substitutos terapêuticos para o tratamento da moléstia em questão, porquanto se tratam de medicamentos distintos aos genéricos e similares, não havendo comprovação de que a substituição requerida pelo Estado desempenharia a mesma eficácia de tratamento, em relação aos medicamos prescritos pelo médico especialista.
Não há na presente decisão violação da súmula vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe sobre a necessidade de se respeitar a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal.
O embasamento da decisão em princípios constitucionais não implica, necessariamente, na declaração de inconstitucionalidade da Lei 12.401/2011, uma vez que a aplicação dos princípios constitucionais se amolda de maneira mais justa no caso concreto.
Recurso a que se nega seguimento, com fundamento no art. 557, do Código de Processo Civil.
LINDOLPHO MORAIS MARINHO:000029819
Assinado em 29/10/2013 18:47:05I – RELATÓRIO
Trata-se de demanda proposta pela apelada objetivando o fornecimento de medicamentos e insumos para o tratamento de seus problemas de saúde (diabetes mellitus tipo 1, asma brônquica, rinite e sinusite crônica, síndrome de Hashimoto e anemia crônica).
Gratuidade de justiça deferida às fls. 62.
Decisão, de fls. 62 que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional, para determinar que os réus forneçam à autora os medicamentos descritos na inicial, por três meses, no prazo de 72 horas, sob pena de busca e apreensão.
Às fls. 76 foi determinada a busca e apreensão do medicamento, ante a notícia do descumprimento da determinação judicial pelos réus.
Às fls. 82/84, auto de Busca e apreensão dos medicamentos.
Oficio da Secretaria do Estado de fls. 87, comunicando a disponibilidade dos insumos.
Contestação do Estado do Rio de Janeiro às fls. 88/128. Decisão de fls. 136, decretando a revelia do Município.
A sentença, às fls. 141/146, confirmando a antecipação da tutela e julgando procedente o pedido para condenar os réus a fornecerem à autora os medicamentos e insumos necessários ao tratamento da doença indicada na petição inicial, segundo prescrição médica.
Condenou ainda os réus em honorários advocatícios que fixou em R$250,00 (duzentos e cinquenta reais) (art. 20, §4°, do CPC) para cada um, observando-se quanto às custas o disposto no artigo 17, IX e §1°, da Lei Estadual n° 3.350/99 e quanto à taxa judiciária o disposto no artigo 115, do DL n° 5/75.
O Estado do Rio de Janeiro apelou (fls. 147/184) alegando, em síntese, que: a) existem alternativas terapêuticas na lista do SUS, devendo ser permitida a sua entrega, tendo por impossível a escolha individual dos medicamentos; b) a imposição da obrigação de fornecer medicamentos em desconformidade ao protocolo clínico estabelecido viola os artigos 19-M, 19-P, 19-Q e 19-R, da Lei nº 8.080/90; c) a manutenção da sentença representa direta violação aos artigos mencionados; d) a parte autora deve comprovar a ineficácia dos medicamentos incorporados pelo SUS; e) existindo alternativas terapêuticas disponibilizadas pelo Estado para a mesma moléstia que acomete a parte autora, não pode ser o ente público condenado a fornecer um medicamento específico ou de uma determinada marca; f) a
aplicação da Súmula vinculante nº 10, do STF, aduzindo que a sentença recorrida nega aplicação à Lei 12.401/2011, declarando indiretamente sua inconstitucionalidade; g) a nulidade da sentença em razão da impossibilidade de julgamento antecipado.
Contrarrazões, às fls. 194/200, em prestígio do julgado monocrático.
A Procuradoria-Geral de Justiça, oficiando nos autos (fls. 239/243), opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso.
O recurso é adequado e tempestivo. É o relatório.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A saúde é direito fundamental assegurado constitucionalmente a todo cidadão, devendo os poderes públicos fornecer assistência médica e farmacêutica aos que dela necessitarem, cumprindo fielmente o que foi imposto pela Constituição da República e pela Lei nº. 8.080/90, que implantou o Sistema Único de Saúde.
Nesse contexto, o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em
grave comportamento inconstitucional (Cfr. STF, 2ª Turma, RE 271286/Agr/RS, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 12/9/00, publicado no DJ de 24/11/00, p. 101).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tomada em decisões de ambas as suas Turmas, é no sentido de que, tratando-se de paciente hipossuficiente, hipótese dos autos, tem o Estado obrigação de fornecer-lhe medicamentos (STF, 2ª Turma, AGRG. no Recurso Extraordinário nº. 273.042-4 – RS, j. 28/08/01, DJ 21-09-2001, unânime).
Predomina, por sua vez, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que:
“é obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudos, as mais graves (STJ, 2ª Turma, REsp 697857/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 06/9/2005, DJ 31.5.2006, p. 249).
Oportuna a menção do Enunciado nº. 07 do I Encontro de Juízes de Varas de Fazenda Pública, realizado em Angra dos Reis, nos dias 19, 20 e 21 de julho de 2002:
“A responsabilidade pelo fornecimento de remédios é solidária entre o Estado e o Município onde reside o autor.”
Sobre o assunto editou o Tribunal de Justiça deste Estado a Súmula nº. 65, in verbis:
“Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6.º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº. 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela.”
Não há que se falar em nulidade da sentença, em virtude do julgamento antecipado, pois a necessidade da autora em receber os medicamentos e utensílios pleiteados restou devidamente comprovada nos autos, havendo provas suficientes para o exame do mérito.
Não há, também, que se falar em alternativas terapêuticas.
Isso porque é irrelevante a existência de alternativas terapêuticas para o tratamento da moléstia em questão, uma vez que não há comprovação de que a substituição requerida pelo Estado desempenharia a mesma eficácia de tratamento, em relação aos medicamentos prescritos pelo médico especialista.
Não pode o ente público pretender entregar medicamento diverso daquele prescrito pelo médico responsável pelo tratamento da doença do paciente, segundo critérios de maior conveniência para a Administração Pública, salientando-se que os medicamentos foram prescritos por médico integrante do SUS, conforme se observa do receituário de fls. 50 (arquivo 50).
Com efeito, não se trata de privilegiar a escolha individual do paciente em detrimento dos programas de governo, mas, sim, de garantir a eficácia do tratamento prescrito pelo profissional da saúde que acompanha o caso.
Não se nega que os interesses individuais não podem sobrepor-se aos da coletividade. Contudo, não é menos verdade que a saúde é um direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos, de modo que o juízo técnico exercido pelo médico responsável pelo atendimento deve prevalecer sobre o juízo elaborado pelo ente público sob a perspectiva meramente financeira.
Corroborando com esse entendimento citamos o seguinte acórdão:
Constitucional. Direito à saúde. Pretensão de condenação dos Entes Estadual e Municipal ao fornecimento de medicamento. Sentença de procedência. Apelação de ambos os réus. Agravo
retido. Acolhimento do mesmo para determinar a exclusão da condenação da multa cominatória. Ineficácia da mesma em relação à efetividade da prestação jurisdicional. Jurisprudência deste Tribunal que prestigia a adoção de medidas judiciais para o atendimento direto das necessidades prementes de saúde de parte da Apelada. Extirpação desta condenação. Alegação
de existência de substitutos terapêuticos que não elide a responsabilidade pelo fornecimento dos mesmos, ante a existência de prescrição por profissional médico integrante da rede
pública. Ausência de confusão entre
reconhecimento desta obrigação constitucional com condenação genérica. Condenação que se mantém. Honorários advocatícios devidos à defensoria pública que se encontra em consonância com a legislação vigente, não havendo que se confundir a Instituição da Defensoria Pública com o agente público em atuação naquele Órgão. Reexame necessário. Isenção do recorrente quanto ao pagamento das custas judiciais, na forma da Lei n.º 3350/99. Taxa judiciária, no entanto, que não se confunde com aquelas verbas, não comportando interpretação extensiva, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Honorários sucumbenciais fixados em alinho ao Enunciado n.º 27 do Aviso n.º 55/2009 desta Corte, que não merece reparos. Acolhimento do recurso de Agravo retido e provimento parcial do primeiro apelo e desprovimento do segundo, com
reforma parcial da sentença em reexame necessário. Decisão monocrática nos termos do art. 557, §1º-A do CPC. 0001027-37.2010.8.19.0010 - APELACAO 1ª Ementa DES. PEDRO FREIRE RAGUENET - Julgamento: 08/03/2012 - SEXTA CAMARA CIVEL
Ao contrário do que afirma o apelante, sua era a obrigação de demonstrar a desnecessidade do fornecimento dos medicamentos pleiteados, comprovando a eficácia dos substitutos que oferece.
Saliente-se que não há na presente decisão violação da súmula vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe sobre a necessidade de se respeitar a cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal.
O embasamento da decisão em princípios constitucionais não implica, necessariamente, na declaração de inconstitucionalidade da Lei 8080/1990, uma vez que a aplicação dos princípios constitucionais se amolda de maneira mais justa no caso concreto. Neste sentido:
“Para a caracterização de ofensa ao art. 97 da Constituição Federal, que estabelece a reserva de plenário (full bench), é necessário que a norma aplicável à espécie seja efetivamente afastada por alegada incompatibilidade com a Lei Maior. 2. Não
incidindo a norma no caso e não tendo sido ela discutida, a simples aplicação da legislação pertinente ao caso concreto não é suficiente para caracterizar a violação à Súmula Vinculante 10, do Supremo Tribunal Federal 3. O embasamento da decisão em
princípios constitucionais não resulta,
necessariamente, em juízo de
inconstitucionalidade. 4. Agravo regimental
a que se nega provimento”. (AI 814519 AgR-AgR / SE, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Julgamento: 12/04/2011). Nesse mesmo sentido: RE 575.895-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 5.4.2011; Rcl 9.740/SP, Rel. Min. Carmem Lúcia, Dje 16.3.2010; Rcl 8.272/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 28.5.2009.
Ademais, após uma interpretação sistemática da Lei nº 8.080/90, podemos concluir pela prevalência de seu art. 2º, que define saúde como direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Não há que se falar em ofensa aos artigos da Lei nº 8.080/90, posto que se trata aqui, justamente, de dar cumprimento a princípios constitucionais de garantia a direitos fundamentais, ou seja, à vida e à dignidade.
No caso, ponderando-se os interesses em conflito, claramente prevalece o direito à saúde e à vida, devendo lhe ceder passo as normas que regulam a atividade econômica do Estado.
Assim, demonstrada a necessidade do medicamento e a ausência de condições financeiras de adquiri-lo, deve os Entes Públicos demandados forneceram a medicação e os insumos necessários ao tratamento da demandante.
III – DISPOSITIVO
Diante destas considerações, porque manifestamente improcedente o recurso, nego-lhe seguimento, com fundamento no art. 557, do CPC.
Intimem-se.
Dê-se ciência ao Ministério Público. Rio de Janeiro,
DES. LINDOLPHO MORAIS MARINHO Relator