• Nenhum resultado encontrado

Jean-paul Sartre - As Moscas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jean-paul Sartre - As Moscas"

Copied!
137
0
0

Texto

(1)
(2)

~ 2 ~

AS MOSCAS

por JEAH-PAUL SARTRE

2° edição

Traducão de NUNO VALADAS

EDITORIAL PRESENÇA

LISBOA — 1965

(3)
(4)

~ 4 ~

Sumário

PRIMEIRO ACTO ... 5 CENA I... 6 CENAII ... 20 CENA III ... 26 CENA IV... 28 CENA V ... 35 CENA VI... 43 SEGUNDO ACTO ... 45 PRIMEIRO QUADRO... 46 CENA I... 46 CENA II ... 51 CENA III ... 57 CENA IV... 64 SEGUNDO QUADRO ... 78 CENA I... 78 CENA II ... 78 CENAIII ... 82 CENA IV... 85 CENA V ... 85 CENA VI... 95 CENA VII ... 98 CENA VIII ...100 TERCEIRO ACTO ...104 CENA I...105 CENA II ...115 CENA III ...129 CENA IV...131 CENA V ...132 CENA VI...134

(5)

~ 5 ~

(6)

~ 6 ~

Uma praça em Argos. Uma estátua de Júpiter, deus das moscas e da morte, com os olhos revirados e o rosto manchado de sangue.

CENA I

Algumas velhas vestidas de preto entram em procissão e fazem libações em frente da estátua. Ao fundo está o idiota, sentado no chão.

Entram Orestes e o Pedagogo e, a seguir, Júpiter. ORESTES

Eh! Mulherzinhas!

As velhas voltam-se, dando um grito.

O PEDAGOGO Podeis dizer-nos...?

As velhas escarram no chão, recuando um passo.

O PEDAGOGO

Escutai; somos caminhantes perdidos. Peço-vos apenas uma indicação.

As velhas fogem, deixando cair as urnas. O PEDAGOGO

(7)

~ 7 ~

Estafermos! Cobiço-vos eu porventura? Ah! Meu senhor, que viagem agradável! Que bela inspiração a vossa em aqui vir, quando há mais de quinhentas cidades, tanto na Grécia como na Itália, que têm bons vinhos, estalagens acolhedoras e ruas cheias de gente. Estes montanheses parece que nunca viram turistas; cem vezes perguntei pelo nosso caminho nesta maldita cidadezeca a corar ao sol. Pois por toda a parte deparei como as mesmas exclamações de terror e as mesmas debandadas e tive que fazer longos percursos negros nas ruas ofuscantes, Puf! Estas ruas desertas, esta atmosfera vacilante e este sol... Haverá alguma coisa mais sinistra do que o sol ?

ORESTES Aqui nasci...

O PEDAGOGO

Ao que parece. Mas se fosse comigo, não me gabaria. ORESTES

Aqui nasci e contudo tenho que perguntar pelo meu caminho como se fora um caminhante. Bate a essa porta!

O PEDAGOGO

E que esperais disso? Que vos atendam? Olhai-me estas casas e dizei-me o que vos parecem. Onde estão as janelas? Penso que dão para bem fechados e sombrios saguões e que as casas viram para a rua o trazeiro... (Gesto de Orestes.) Pronto, eu bato, embora' sem esperança.

Bate. Silêncio, Bate novamente; a porta entreabre-se. UMA VOZ

(8)

~ 8 ~

O PEDAGOGO Apenas uma informação. Sabeis onde mora...

A porta fecha-se bruscamente

O PEDAGOGO

Ide para o inferno! Estais contente e chega-vos esta experiência, senhor Orestes? Posso, se quiserdes, bater a todas as portas.

ORESTES Não. Deixa lá.

O PEDAGOGO

Olha! Mas está aqui alguém. (Aproxima-se do idiota). Monsenhor!

O IDIOTA Aââ!

O PEDAGOGO, cumprimentando novamente Monsenhor!

O IDIOTA Aââ!

O PEDAGOGO Podereis indicar-nos a casa do Egísto?

(9)

~ 9 ~

Aââ!

O PEDAGOGO De Egísto, o rei de Argos.

O IDIOTA Aââ! Aââ!

Júpiter passa, ao fundo.

O PEDAGOGO

Pouca sorte! O primeiro que não foge é. idiota. (Júpiter volta o passar). Olhem que esta! .Seguiu-nos até cá,

ORESTES Quem? O PEDAGOGO O barbudo. ORESTES Estas a sonhar. O PEDAGOGO Acabo de o ver passar.

ORESTES Com certeza que te enganaste.

(10)

~ 10 ~

Impossível. Nunca na vida vi uma tal barba, salvo aquela, em bronze, que enfeita o rosto de Júpiter Aenobarbo, em Palermo, Olhai, ei-lo que passa novamente. Que nos quererá?

ORESTES Anda em viagem, como nos.

O PEDAGOGO

Ora! Encontrámo-lo na estrada de Delfos, E quando embarcámos em Iteia já ele exibia as barbas no barco. Em Naúplia, não podíamos dar um passo sem o ter à perna, e agora ei-lo aqui. Se calhar, achais que são tudo simples coincidências? (Enxota as moscas com as mãos.) Ah! Estas moscas de Argos parecem-me bem mais sociáveis que as pessoas. Olhai, olhai estas! (Aponta um olho do idiota.) São doze num só olho, como se fosse numa fatia de pão com doce, e contudo sorri, encantado, com ar de quem gosta que lhe suguem os olhos. E reparai, escorre-lhe dali uma gordura branca que parece leite coalhado. (Enxota as moscas.) Basta, meninas, basta! Olhai aí as tendes vós. (Enxota-as,) Ao menos, isto põe-vos à vontade; vós que tanto põe-vos lamentáveis de ser um estranho na põe-vossa própria terra, aí tendes esses animaizinhos que vos saúdam com animação e parecem reconhecer-vos. (Enxota-as.) Vamos, basta! Basta de efusões. De onde virão elas? Fazem mais barulho que molinetes e são maiores que libélulas.

JÚPITER, que entretanto se aproximara

Não passam de moscas carnívoras um bocado gordas. Há uns quinze anos que um forte cheiro a cadáver as atraiu à cidade. Desde então que engordam. Dentro de quinze anos terão o tamanho de rãzinhas.

Um silêncio.

O PEDAGOGO Com quem temos a honra de falar?

(11)

~ 11 ~

JÚPITER

O meu nome é Demétrio, Venho de Atenas, ORESTES

Parece que vos vi no barco, a quinzena passada. JÚPITER

Também vos vi lá.

Gritos horríveis no palácio,

O PEDAGOGO

Eh lá! Eh! lá! Isto começa a não me cheirar nada bem e a minha opinião é que faríamos melhor se nos puséssemos a andar.

ORESTES Cala-te.

JÚPITER

Nada tendes a temer. Hoje é o dia dos mortos. Estes gritos marcam o começo da cerimónia.

ORESTES Pareceis saber muito a respeito de Argos.

JÚPITER

Venho cá com frequência. Não sei se sabeis que eu estava presente quando do regresso do rei Agamémnon, no momento em que a frota vitoriosa dos Gregos ancorou na baía de Naúplia, Avistavam-se as velas brancas do alto das muralhas. (Enxota as moscas.) Nesse tempo,

(12)

~ 12 ~

ainda não havia moscas, e Argos não passava duma cidadezinha de província que se aborrecia preguiçosamente ao sol. Subi com os outros ao caminho da ronda, durante os dias que se seguiram, e ficámos a olhar demoradamente o cortejo real que vinha pela planíce. Ao anoitecer do segundo dia, a rainha Clitemnestra veio às muralhas acompanhada de Egisto, o actual rei. O povo de Argos viu as suas faces avermelhadas pelo sol poente; viu-os debruçar-se sobre as ameias e olhar longamente na direcção do mar; e pensou: "Más coisas vão acontecer". Mas nada disse. Egisto, como já o deveis saber, era o amante da rainha Clitemnestra, Um debochado que já nessa época tinha propensão para a melancolia. Estais fatigado?

ORESTES

É da longa caminhada que fiz e deste maldito calor. Mas interessa-me o que dizeis.

JÚPITER

Agamémnon era bom homem, mas cometera um grande erro. Nunca permitira que as execuções capitais tivessem lugar em público. É pena. Um bom enforcamento, na província, sempre distrai, e insensibiliza um bocado as pessoas quanto à morte. Esta gente nada disse porque se aborrecia e queria ver uma morte violenta. Nada disseram quando viram o seu rei aparecer as portas da cidade. E quando viram Clitemnestra estender-lhe os belos braços perfumados, também nada disseram. E contudo, nesse momento teria bastado uma palavra; mas todos se calaram e cada um guardava já na mente a visão dum enorme cadáver de rosto despedaçado.

ORESTES E vós, também nada dissestes?

JÚPITER

(13)

~ 13 ~

pois prova que tendes bons sentimentos. Pois bem, não falei, não senhor; não sou de cá e o assunto não me tocava de perto. E quanto aos habitantes de Ârgos, quando no dia seguinte ouviram no palácio os uivos de dor, que dava o. seu rei, voltaram a não dizer nada e deixaram cair as pálpebras sobre, os olhos revirados de volúpia, ficando a cidade inteira como uma mulher aluada.

ORESTES

E o assassino continua a reinar. Já conheceu quinze anos de felicidade. Eu julgava que os deuses fossem justos.

JÚPITER

Eh lá! Não incrimineis tão depressa os deuses. Achais que deverão sempre castigar? Então não seria melhor que aproveitassem a desordem em benefício da ordem moral?

ORESTES E fizeram-no?

JÚPITER Mandaram as moscas.

O PEDAGOGO Para que são as moscas aqui chamadas?

JÚPITER

Oh! São um símbolo. Mas o que elas fizeram julgai-o por isto: olhai ali aquela centopeia velha que arrasta as negras patitas, rasando a parede; é um belo espécime dessa fauna negra e achatada que pulula nas fendas. É num instante que a apanho e vo-lo trago aqui. (Salta sobre a velha e trá-la para a boca da cena.) Aqui está o pescado. Vede que horror!

(14)

~ 14 ~

Uh!

Tens os olhos semicerrados e todavia vós todos estais já bem habituados aos ofuscantes raios que o sol dardeja. Que me dizeis destes estremeções de peixe filado pelo anzol? Diz lá, velha, deves ter perdido dúzias de filhos: estás de preto da cabeça aos pés. Vamos, fala e talvez te largue. Por quem trazes luto?

A VELHA É o trajar de Argos.

JÚPITER

O trajar de Argos? Ah? Já percebo. É o luto pelo teu rei, pelo teu rei assassinado, que trazes em cima.

A VELHA Cala-te! Por amor de Deus, cala-te!

JÚPITER

Que tu és suficientemente velha para os ter ouvido, a esses gritos lancinantes que rodopiaram toda a manhã pelas ruas da cidade. Que fizestes então?

A VELHA

O meu homem estava para o campo, que é que eu podia fazer? Aferrolhei a porta.

JÚPITER

Sim, mas abriste a janela para ouvir melhor e puseste-te a espiar por detrás das cortinas, com a respiração suspensa e umas cócegas esquisitas no baixo-ventre.

(15)

~ 15 ~

A VELHA Cala-te !

JÚPITER

Com que energia deves ter amado nessa noite! Foi um gozo, hem! A VELHA

Ah! Meu senhor, foi... um gozo bem horrível, JÚPITER

Um gozo vermelho cuja memória nunca haveis podido enterrar. A VELHA

Senhor! Sereis um morto?

JÚPITER

Um morto! Vai, vai, louca! Não te preocupes com quem eu sou; será melhor que trates de ti e de ganhar o perdão do Céu pelo teu arrependimento.

A VELHA

Ah! Mas eu estou arrependida, meu senhor! Ah! Se vós soubésseis como estou arrependida! E também a minha filha está arrependida, o meu genro sacrifica uma vaca todos os anos e ao meu neto que vai para os sete anos, já o educámos no arrependimento: é manso como um cordeiro, muito loiro e já penetrado pelo sentimento do seu pecado original.

(16)

~ 16 ~

Está bem, põe-te a andar, velha imunda, e trata de te arrepender até que rebentes. É a tua única esperança de salvação, (A velha foge.) Ou eu me engano muito, meus senhores, ou temos aqui piedade da boa, à antiga, assente sòlidamente sobre o terror,

ORESTES Mas que espécie de homem sois vós?

JÚPITER

Que interessa a minha pessoa? Falávamos dos deuses. Ora bem, deveria Egisto ter sido fulminado?

ORESTES

Deveria... Ah! Sei lá o que deveria ter acontecido, quero lá saber disso; não sou de cá. E Egisto? Está arrependido?

JÚPITER

Egisto? Muito me espantará. Mas que importa, se uma cidade inteira se arrepende por ele? No arrepender é o peso que conta. (Gritos horríveis no palácio.) Escutai! Para que eles jamais esqueçam os gritos de agonia do seu rei, um boieiro escolhido pela sua voz forte uiva desta maneira a cada aniversário no salão do palácio. (Orestes faz um gesto de repulsa.) Bah! E isto ainda não é nada; que direis então, quando libertarem os mortos? Há quinze anos precisos que Agamémnon foi assassinado. Ah! Como mudou desde então este leviano povo de Argos e como está agora perto do meu coração.

ORESTES Do vosso coração?

(17)

~ 17 ~

Não façais caso, meu jovem. Era comigo mesmo que falava. Deveria ter dito: perto do coração dos deuses.

ORESTES

De verdade ? Paredes manchadas de sangue, moscas aos milhões, um cheiro a matadouro, um calor de rebentar, as ruas desertas, um deus com cara de assassino, essas larvas aterradas que batem nos peitos no recôndito das suas casas — e estes gritos insuportáveis; é então isto, o que agrada a Júpiter?

JÚPITER

Ah! Meu jovem, não julgueis os deuses, que eles têm dolorosos segredos.

Um silêncio.

ORESTES

Agamémnon tinha uma filha, não tinha? Uma filha chamada Electra?

JÚPITER

Sim, Vive aqui, No palácio de Egisto — que é esse aí. ORESTES

Ah! É o palácio de Egisto? — E que pensa Electra de tudo isso? JÚPITER

Bah! É uma criança. Havia também um filho, um tal Orestes. Dizem que morreu.

(18)

~ 18 ~

Morreu! Talvez...

O PEDAGOGO

Mas com certeza, meu senhor, bem sabeis que morreu. As pessoas em Náuplia contaram-nos que Egisto tinha ordenado que o assassinassem, pouco tempo depois da morte de Agamémnon.

JÚPITER

Houve quem pretendesse que ficara vivo. Os seus algozes, apiedados, tê-lo-iam abandonado na floresta. Teria então sido recolhido e educado por ricos burgueses de Atenas. Eu, por mim, desejaria que tivesse morrido.

ORESTES E porquê? Não me dizeis?

JÚPITER

Imaginai que ele aparece um dia às portas desta cidade... ORESTES

E daí?

JÚPITER

Bah! Se eu nessa altura o encontrasse, dir-lhe-ia... dir-lhe-ia assim: «Meu jovem...» Chamá-lo-ia de jovem visto que ele, se está vivo, tem aproximadamente a vossa idade. A propósito, senhor, podeis-me dizer o vosso nome?

ORESTES

(19)

~ 19 ~

um escravo, que foi meu preceptor.

JÚPITER

Perfeitamente. Eu diria então: «Meu jovem, ide-vos embora! Que vindes aqui buscar? Quereis fazer valer os vossos direitos? Eh! Sois ardente e forte, daríeis num belo capitão num exército combativo; podeis fazer melhor do que reinar numa cidade semimorta, numa carcassa de cidade, atormentada pelas moscas. Os habitantes daqui são grandes pecadores, mas ei-los que se empenham no caminho do resgate. Deixai-os, meu jovem, deixai-Deixai-os, respeitai a sua dolorosa empresa e afastai-vos nas pontas dos pés. Vós jamais poderíeis compartilhar do seu arrependimento, visto que não haveis tomado parte no seu crime e a vossa inocência impertinente vos separa deles como um fosso profundo. Ide-vos, se é que os amais ao menos um pouco. Ide-Ide-vos, senão fareis com que se percam: se os fizerdes arrepiar caminho, ao abandonar, um instante que seja, os seus remorsos, todos os seus pecados acabarão por se coagular sobre eles próprios como gordura arrefecida. Têm um peso na consciência, têm medo — e o medo e a consciência pesada exalam um aroma delicioso para as narinas dos deuses. Sim, essas almas dignas de piedade são aquelas que agradam aos deuses. Queríeis vós tirar-lhes o favor divino? E que lhes daríeis em troca? Digestões tranquilas, a melancólica paz provinciana e o tédio, ah! o tédio quotidiano da felicidade. Boa viagem, meu jovem, boa viagem; a ordem numa cidade, como a ordem nas almas, é instável: se lhe tocais provocareis uma catástrofe. (Olhando-a). Uma terrível catástrofe que sobre vós recairá.

ORESTES

De verdade? Seria então isso o que diríeis? Pois bem, se eu fosse esse jovem, responder-vos-ia... (Medem-se com o olhar; o Pedagogo tosse,) Bah! Sei lá o que vos responderia. Talvez tenhais razão, além de que o assunto não me diz respeito.

(20)

~ 20 ~

Ora aí está, Quem me dera que Orestes fosse tão razoável como voz. Que a paz seja convosco: tenho que ir à minha vida.

ORESTES A paz seja convosco.

JÚPITER

A propósito, se essas moscas vos incomodam, aqui está o meio de vos livrardes delas; olhai esse enxame que zumbe em vosso redor; um movimento com o pulso, um gesto com o braço e é só dizer: «Abraxás, gálá, gálá, tsé, tsé». E é como vedes: ei-las que rebolam e rastejam que nem lagartas.

ORESTES Por Júpiter!

JÚPITER

Isso é pouca coisa. Apenas um joguinho de sociedade. Sou encantador de moscas, nas horas vagas. Bons dias. Voltaremos a ver-nos.

Sai

CENAII

(21)

~ 21 ~

O PEDAGOGO Desconfiai. Este homem sabe que m sois.

ORESTES E será um homem?

O PEDAGOGO

Ah! Meu senhor, como me fazeis pena! Para que serviram então as minhas lições e esse cepticismo sorridente que vos ensinei? «Será um homem?» Com certeza, pois ninguém mais existe além dos homens» e estes já bastam. Este barbudo é um homem e algum espião de Egisto.

ORESTES Deixa lá a tua filosofia. Bem mal me fez.

O PEDAGOGO

Mal! Então achais que é causar mal às pessoas o dar-lhes a liberdade de espírito? Ah! Como estais mudado! Lia dentro de vós, noutro tempo... Quereis dizer-me em que meditais? Por que razão me haveis arrastado até aqui? E que pretendeis cá fazer?

ORESTES

Acaso já te disse que queria cá fazer alguma coisa? Ora vamos! Cala-te. (Aproximasse do palacio.) Eis o meu palácio. Foi aí que nasceu meu pai. Foi aí que uma p,,. e o seu chulo o assassinaram. E foi aí também que eu nasci. Já tinha quase três anos quando os esbirros de Egisto me levaram. De certeza que passámos por esta porta; um deles segurava-me nos braços, e eu devia ir de olhos esbugalhados, a chorar... Ah! Nem a mais leve recordação eu tenho. Vejo um grande edifício mudo, erguido na sua solenidade provinciana. Vejo-o pela primeira vez.

(22)

~ 22 ~

O PEDAGOGO

Nenhuma recordação, meu amo ingrato, quando consagrei dez anos da minha vida em vo-las proporcionar? E todas essas viagens que fizemos? E essas cidades que visitámos? E esse curso de arqueologia que vos ministrei, somente a vos? Nenhuma recordação? Quando ainda há bem pouco tempo existiam tantos palácios, santuários, templos para povoar a vossa memória que teríeis podido, como o geógrafo Pausânías, escrever uma guia da Grécia.

ORESTES

Palácios!É verdade. Palácios, colunas, estátuas! Nem sei porque não sou mais pesado, com tantas pedras na cabeça. E não me falas nos trezentos e oitenta e sete degraus do templo de Éfeso? Subi-os um por um, e lembro-me deles todos. Se bem me recordo, o décimo sétimo estava partido. Ah! Um cão velho a aquecer-se deitado ao pé da lareira e que se soergue um pouco quando o dono entra, a ganir, docemente para o saudar, esse cão tem mais memória que eu: é o seu dono que reconhece. O seu dono. Agora eu, o que possuo?

O PEDAGOGO

E então a cultura, senhor? É vossa, a cultura que possuis e que para vós arranjei com amor, como um ramo de flores, casando os frutos da minha sabedoria com os tesouros da minha experiência. Não vos fiz eu ler em pouco tempo todos os livros, para que vos familiarizásseis com a diversidade das opiniões humanas, e percorrer cem Estados, fazendo-vos ver em cada caso como são variáveis os costumes dos homens? Eis-vos agora jovem, rico e belo, sensato como um ancião, liberto de todas as servidões e crenças, sem família, nem pátria ou profissão, livre para todos os compromissos, mas sabendo que nunca vos deveis comprometer; enfim, um homem superior e capaz além disso de ensinar filosofia ou arquitectura numa grande cidade universitária. E queixai-vos vós!

(23)

~ 23 ~

Enganas-te; eu não me queixo. Nem me poderia queixar: tu deixaste-me uma liberdade igual à desse fios que o vento arranca as teias de aranha e que flutuam a dez pés do solo; ando pelos ares e não peso mais do que um fio. Sei que é uma sorte e como tal a aprecio. (Pausa). Há homens que nascem comprometidos; não têm outra alternativa, pois os impeliram para certo caminho, mas no fim desse caminho há um acto que os espera, o seu acto; e lá vão eles de pés descalços a comprimir a terra com força e a arranhar-se nos calhaus. Achas isto grosseiro este contentamento em ir para certo lugar? E ainda há outros, os taciturnos, que sentem no fundo do seu coração o peso das visões terrenas e turvas; a sua vida mudou porque certo dia da sua infância, com cinco anos, sete anos... Está bem, não são homens superiores. Agora eu, já aos sete anos sabia que era um exilado; os aromas e os sons, o barulho dá chuva nos telhados, as cintilações da luz, tudo isso eu deixava escorregar-me pelo corpo e cair à minha volta; já sabia que era aos outros que essas coisas pertenciam e que jamais poderia fazer delas as minhas recordações. As recordações são na verdade um rico alimento para o espírito dos que possuem as casas, os animais, os criados e os campos. Mas eu... Eu sou livre, graças a Deus. Ah! Como sou livre! E que esplêndido vazio trago na alma. (Aproxima-se do palácio.) Poderia ter vivido aí. Não teria lido nenhum dos teus livros e até talvez nem soubesse ler; é raro um príncipe que saiba ler. Mas teria entrado e saído dez mil vezes por esse portão. Em criança teria brincado com os seus batentes, tê-los empurrado, de pés fincados no chão e eles teriam apenas rangido sem ceder, ficando assim os meus braços a conhecer a sua resistência.

Mais tarde, tê-los-ia empurrado de noite, às escondidas, para ir ter com as raparigas. E, ainda mais tarde, no dia da minha maioridade, os escravos teriam aberto as portas de par em par e eu teria transposto a soleira a cavalo. Meu velho portão de madeira! Seria capaz de encontrar de olhos fechados a tua aldrava. E essa esfoladela aí em baixo, talvez tivesse sido eu quem ta tivesse feito, por imperícia, no primeiro dia em que me tivessem confiado uma lança. (Põe-se a certa distância.) Estilo pequeno-dôrico, não é? E que te parecera essas incrustações em ouro? Vi-as parecidVi-as em Dodona; é um belo trabalho. Olha, para te agradar, vou-te dizer: não é o meu palácio nem o meu portão. E nada vou-temos aqui a

(24)

~ 24 ~

fazer.

O PEDAGOGO

Até que enfim sois razoável. Que teríeis ganho aqui vivendo? O vosso espírito estaria agora abatido por um arrependimento abjecto,

ORESTES, com vivacidade

Mas ao menos seria meu, E seria meu este calor que me cresta os cabelos. E meu o zumbir destas moscas. A esta mesma hora estaria eu num quarto escuro no palácio a observar pela abertura duma gelosia o vermelho da luz e a esperar que o sol declinasse, e que subisse do chão, como um aroma, a sombra fresca dum entardecer em Argos — semelhante a cem mil outros, mas sempre novo — a sombra dum entardecer meu, Vem-te embora, pedagogo; não vês que acabamos por apodrecer ao calor dos outros?

O PEDAGOGO

Ah!,Senhor, como me tranquilizais. Nestes últimos meses, para ser exacto, desde que vos, revelei a vossa origem— via-vos mudar de dia para dia e já nem dormia. Tinha medo...

ORESTES De quê? O PEDAGOGO Zangar-vos-eis. ORESTES Não. Fala. O PEDAGOGO

(25)

~ 25 ~

Eu temia — mesmo quando estamos acostumados à ironia céptica, temos às vezes ideias tolas — em resumo, eu perguntava a mim mesmo se vós não pensaríeis em expulsar Egisto para tomar o seu lugar.

ORESTES, com lentidão

Expulsar Egisto? (Pausa.) Podes ficar descansado, velhote, que já é

demasiado tarde. Não é a vontade que me falta, de agarrar pelas barbas esse rato de sacristia e arrancá-lo do trono de meu pai. Mas quê?! Que tenho eu a ver com esta gente? Não lhes vi nascer nenhum dos filhos, nem assisti às bodas das filhas; não compartilho dos seus remorsos e não conheço um só dos seus homens. O barbudo é que tem razão: um rei deve ter as mesmas recordações que os seus súbditos. Deixemo-los, meu velho. Vamo-nos embora. Na ponta dos pés... Ah! Se pudesse haver um acto, sabes, um acto que me desse foros de cidadania entre eles; se eu me pudesse apoderar, nem que fosse com um crime, das suas memórias, do seu terror e das suas esperanças, para encher o vazio do meu coração, ainda que tivesse que matar a minha própria mãe...

O PEDAGOGO Senhor!

OBESTES

Sim. Isto são tudo sonhos. Vamos. Vê lá se nos podem aí arranjar cavalos que iremos até Esparta onde tenho amigos.

(26)

~ 26 ~

CENA III

OS MESMOS E ELECTRA

ELECTRA

(Segurando uma caixa; aproxima-se da estátua de Júpiter, sem os ver) — Nojento! Podes olhar-me à vontade com esses olhos redondos nessa cara suja de sumos de framboesa que não me metes medo. Vieram esta manhã essas beatas essas bruxas velhas e negras, não vieram? E andaram a ranger os pés à tua volta, não foi? E tu, todo contente, hem, meu monstro! Gostas delas, das velhas; quanto mais parecem mortas mais tu gostas delas. Derramaram sobre os teus pés os seus vinhos mais preciosos por ser o teu dia e das suas saias subiam ao teu nariz uns odores a bafio e a

bolor; as tuas narinas fremem ainda com esse delicioso perfume. (

Roçando-se por ele) Pois bem, cheira-me agora a mim, cheira este odor a carne fresca. Sou jovem e estou viva, o que te deve horrorizar. Também cá te venho trazer as minhas oferendas enquanto a cidade inteira está a rezar. Olhai: aqui tens o lixo, a cinza da lareira, bocados de carne cheios de bichos e ainda um naco de pão tão imundo que nem os porcos o quiseram; mas as tuas moscas vão gostar. Bela festa, não haja dúvida, e oxalá seja a última. Não sou bastante forte para te atirar ao chão. O mais que posso fazer-te é escarrar-te em cima. Mas aquele que eu espero virá com a sua espada enorme. Olhará para ti, divertido, com as mãos nos quadris e o corpo atirado para trás. A seguir puxará pelo sabre e abrir-te-á de meio a meio, assim! E as duas metades de Júpiter rebolarão cada uma para seu lado e toda a gente verá que é de madeira branca, É todo de madeira branca, o deus dos mortos. O horror e o sangue que tem na cara bem como o verde-escuro dos olhos não passam de pintura, não é verdade? Bem sabes que és todo branco por dentro, todo clarinho como o corpo dum bébé de leite; bem sabes que uma espadeirada pode rachar-te ao meio e que nem sangrarias. Madeira branca! Rica Madeira branca!

(27)

~ 27 ~

ORESTES Não tenhas medo.

EUECTRA

Não tenho medo. Não tenho medo nenhum. Quem ês tu? OBESTES

Um forasteiro.

ELECTRA

Sê bem-vindo. Agrada-me tudo o que venha de fora desta terra. Como te chamas?

ORESTES Chamo-me Filebo e sou de Corinto.

ELECTRA

Ah ? De Corinto ? A mim, chamam-me Electra, ORESTES

(28)

~ 28 ~

CENA IV

ORESTES E ELECTRA

ELECTRA Por que me olhas assim ?

ORESTES

És bela. Não te pareces com as pessoas daqui. ELECTRA

Bela? Tens a certeza de que sou bela? Tão bela como as moças de Corinto?

ORESTES Sim.

ELECTRA

Aqui, não mo dizem. Não querem que o saiba. Aliás, para que me serve, se não passo duma criada,

ORESTES Tu? Uma criada?

ELECTEA

A última das criadas, lavo a roupa do rei e da rainha. É uma roupa bem suja e cheia de porcaria. Todas as roupas de baixo, as camisas que lhes embrulharam os corpos podres, e ainda a que Clitemnestra põe

(29)

~ 29 ~

quando o rei compartilha do seu leito; tudo isso eu lavo. E a loiça também. Não me acreditas? Olha-me estas mãos. Estão todas gretadas, não é? Que cara pândega que fazes! Parecem-se alguma coisa com as mãos duma princesa?

ORESTES

Pobres mãos; não parecem mãos duma princesa. Mas adiante; que mais te obrigam a fazer?

ELECTRA

Olha, todas as manhãs tenho que esvaziar o caixote do lixo. Trago-o cá para fora e depois... tu bem viste o que lhe fiz. A esse velhote de pau, esse Júpiter, deus da morte e das moscas! Há dias, o Grande Sacerdote, quando vinha fazer-lhe as suas mesuras, andou a pisar talos de couve e de nabo e cascas de mexilhão. Julgou que endoidecia. Olha cá, não me vais denunciar, pois não?

ORESTES Não.

ELECTRA

Podes denunciar-me à vontade, quero lá saber. Que mais me podem fazer? Bater-me? Já me bateram. Encerrar-me lá no cimo duma enorme torre? Não seria má ideia, para eu não lhes pôr mais a vista em cima. Imagina tu que me recompensam, à noite, quando acabo o meu trabalho: tenho que me aproximar duma mulher, grande e gorda, de cabelos pintados, lábios grossos e mãos muito brancas, umas mãos de rainha, a cheirar a mel. Põe-me essas mãos nos ombros, cola-me os lábios à testa e diz: «Boa noite, Electra». Todas as noites. Todas as noites sinto palpitar na minha pele aquela carne quente e gulosa. Mas tenho conseguido dominar-me e nunca desmaiei. Sabes, é a minha mãe. Se eu fosse para a tal torre nunca mais me beijaria.

(30)

~ 30 ~

ORESTES E jamais pensaste em fugir?

ELECTRA

Não tenho coragem para tanto. Teria medo, sozinha por esses caminhos.

ORESTES

Não tens uma amiga que pudesse acompanhar-te? ELECTRA

Não, sou sozinha. É como se fosse sarnenta ou pestífera; as pessoas to dirão. Não tenho amigas.

ORESTES

O quê, nem mesmo uma ama, uma velha que te tenha visto nascer e que te tenha ao menos algum amor?

ELCEOTRA

Nem isso. Pergunta à minha mãe; eu desanimaria as almas mais ternas que houvesse

ORESTES E ficarás aqui toda a vida?

ELECTRA, num grito

Ah! Toda a vida, não! Escuta: estou à espera duma coisa. ORESTES

(31)

~ 31 ~

Duma coisa ou de alguém?

ELECTRA

Não to direi, Fala-me agora de ti. Também és belo. Vais cá ficar muito tempo?

ORESTES Devia partir hoje mesmo. Mas agora...

ELECTRA Agora...?

ORESTES Já não sei.

ELECTRA Corinto é uma cidade bonita?

ORESTES Linda.

ELECTRA Ama-la? Orgulhas-te dela?

ORESTES Sim,

ELECTRA

(32)

~ 32 ~

Explica-me isso,

ORESTES Olha... Não sei. Não posso explicar-to.

ELECTRA

Não podes. (Pousa.) Ê verdade que em Corinto há praças cheias de sombra? Praças onde à noite as pessoas passeiam?

ORESTES É verdade,

ELECTRA

E toda a gente vem cá para fora? Toda a gente passeia? ORESTES

Toda a gente.

ELECTRA Os rapazes com as raparigas?

ORESTES Os rapazes com as raparigas.

ELECTRA

E têm sempre coisas a dizer entre si? Divertem-se mutuamente? Ouvem-se, pela noite fora, as suas gargalhadas?

(33)

~ 33 ~

Sim.

ELECTRA

Achas-me parva? É que me custa tanto imaginar passeios, sorrisos e cantos! As pessoas daqui vivem roídas pelo medo. E eu...

ORESTES Tu...?

ELECTRA

Pelo ódio. E que fazem durante o dia as raparigas de Corinto? ORESTES

Enfeitam-se, depois cantam e tocam alaúde e a seguir fazem visitas às amigas; à noite vão ao baile.

ELECTRA E não têm quaisquer preocupações?

ORESTES Têm, mas muito pequenas.

ELECTRA

Ah sim? Escuta: e têm remorsos as pessoas de Corinto? ORESTES

Algumas vezes. Mas não muitas. ELECTRA

(34)

~ 34 ~

Então fazem o que querem e depois não pensam mais nisso? ORESTES

Exactamente,

ELECTRA

Coisa estranha, (Pausa.) Mas já agora diz-me mais isto que preciso de saber por causa de certa pessoa... de certa pessoa de quem estou à espera: Supõe tu que um rapaz de Corinto, um desses que à noite gracejam com as raparigas, encontra, ao regressar duma viagem, o pai assassinado, a mãe na cama do assassino e a irmã feita escrava. Mostrar-se-ia dócil, o tal rapaz de Corinto, indo-se embora às arrecuas a fazer vénias, correndo a buscar consolação junto das amiguinhas? Ou pelo contrário puxaria da espada golpearia o assassino até dar cabo dele? Não respondes?

ORESTES Não sei.

ELECTRA Como? Não sabes?

A voz de Clitemnestra — Electra! ELECTRA Schiu!

ORESTES O que há?

(35)

~ 35 ~

É a minha mãe, a rainha Clitemnestra.

CENA V

ORESTES, ELECTRA, CLITEMNESTRA

ELECTRA Então que dizes, Filebo? Assusta-te?

ORESTES

De tantas vezes ter tentado imaginar esse rosto que achei por o ver, cansado e amolecido, sob o reluzir dos unguentos. O que eu não esperava era estes olhos sem vida.

CITEMNESTRA

Electra! O rei manda que te aprontes para a cerimónia. Porás o teu vestido preto e as tuas jóias. Então? Que querem dizer esses olhos no chão? Apertas os cotovelos contra as tuas ancas estreitas, o corpo incomoda-te... Tens o costume de te pôr assim na minha presença, mas essas macaquices já me não enganam; ainda agora, pela janela, vi outra Electra, toda gestos largos, com os olhos brilhantes... Olhas para mim, ou não? Então, não me respondes?

ELECTRA

(36)

~ 36 ~

festa?

CITEMNESTRA

Deixa-te de comédias. És uma princesa, Electra, e o povo espera-te como nos outros anos.

ELECTRA

Serei mesmo uma princesa? E só vos lembrais disso uma vez por ano, quando o povo quer ver uma imagem da nossa vida familiar, para sua edificação? Rica princesa, que lava a loiça e guarda os porcos? Irá Egisto passar-me o braço pelos ombros como no ano passado, e sorrir junto à minha cara enquanto murmurava ameaças ao meu ouvido?

CITEMNESTRA É de ti que depende que seja doutra maneira.

ELECTRA

Sim, se me deixar infectar pelos vossos remorsos e implorar o perdão de Deus para um crime que não cometi. Sim, se beijar as mãos de Egisto e lhe chamar pai. Puf! Tem sangue seco debaixo das unhas.

CITEMNESTRA

Faz como quiseres. Há já muito tempo que renunciei a dar-te ordens em meu nome. Apenas te comuniquei as que foram dadas pelo rei.

ELECTRA

Que tenho eu a ver com as ordens de Egisto? É o vosso marido, minha mãe, o vosso querido marido e não o meu.

(37)

~ 37 ~

Nada tenho a dizer-te, Electra. Vejo que trabalhas para a tua e para a nossa perda. Mas como te poderia eu aconselhar, se arruinei a minha vida numa só manhã? Odeias-me, rainha filha, mas ainda o que mais me inquieta é que te pareces comigo: também tive esse rosto afilado, esse sangue inquieto, esse olhar falso — e daí não veio nada de bem.

ELECTRA

Não quero parecer-me convosco! Filebo, tu que nos estás a ver às duas, uma ao pé da outra, diz lá, não é verdade que não me pareço com ela?

ORESTES

Que posso dizer? O seu rosto parece um campo devastado peio granizo e pela trovoada. Mas no teu há como que uma promessa de tempestade; um dia a paixão vai fazê-lo arder até aos ossos.

ELECTRA

Uma promessa de tempestade? Seja, Aceito essa parecença. Oxalá tenhas dito a verdade.

CITEMNESTRA

E tu, que encaras assim as pessoas, quem és? Deixa que te olhe, por minha vez. E que fazes aqui?

ELECTRA, com vivacidade Ê um Coríntio chamado Filebo. Anda em viagem.

CITEMNESTRA Filebo? Ah!

(38)

~ 38 ~

Parece que temíeis outro nome.

CLITEMENSTRA

Temer? Se alguma coisa ganhei com o perder-me, foi o não temer hoje o que quer que seja. Aproxima-te, estrangeiro, e sê bem-vindo. Como és jovem! Que idade tens?

ELECTRA Dezoito anos.

CITBMNESTRA Aindem vivem os teus pais?

ORESTES Meu pai morreu,

CITEMNESTRA

E a tua mãe? Deve ter mais ou menos a minha idade, não? Não dizes nada? É que se calhar ela parece-te mais nova que eu e pode ainda rir e cantar na tua companhia. Ama-la? Mas responde! Por que a deixaste?

ORESTES

Vou a Esparta, alistar-me nas tropas mercenárias. CITEMNESTRA

E já te disseram que vivemos esmagados por um crime imperdoável, cometido há quinze anos?

(39)

~ 39 ~

Já.

CITEMNESTEA

E que a rainha Clitemnestra era de todos a mais culpada? E que o seu nome era de todos o mais maldito?

ORESTES Sim.

CITEMNESTRA

E mesmo assim vieste? Estrangeiro, eu sou a rainha Clitemnestra. ELECTRA

Não te comovas, Filebo; a rainha está a divertir-se com o nosso jogo nacional; o jogo das confissões públicas. Aqui cada um grita os seus pecados em frente de todos os outros; e não raramente, nos dias feriados, se vê um ou outro comerciante que, depois de ter corrido a cortina de ferro da sua loja, se arrasta de joelhos pelas ruas, a esfregar os cabelos com terra e a gritar que é um assassino, um adúltero ou um prevaricador. Mas os habitantes de Argos já começam a aborrecer-se, pois cada um conhece já de cor os crimes dos outros; os da rainha, em especial, já não divertem ninguém, visto que, por assim dizer, são crimes oficiais, quase históricos. Podes calcular a sua alegria quando te viu, jovem, recém-chegado, ignorando mesmo o seu nome. Que ocasião excepcional! Até lhe parece que é a primeira vez que se confessa.

CLITEMNESTRA

Cala-te. Qualquer um me pode escarrar na cara e chamar-me prostituta e criminosa. Mas ninguém tem o direito de julgar dos meus remorsos.

(40)

~ 40 ~

Estais a ver, Filebo? São estas as regras do jogo. Todas as pessoas te vão implorar que as condenes. Mas toma cuidado e julga-as só pelos seus erros que te confessarem, pois os outros a ninguém dizem respeito e ficarão todos muito pouco satisfeitos contigo se os descobrires.

CLITEMNESTRA

Há quinze anos era eu a mais bela mulher da Grécia. Agora olha para a minha cara e avalia quanto tenho sofrido! E com franqueza que te digo: não é da morte do velho bode que eu sinto pena. Quando o vi a sangrar na banheira, cantei e dancei de alegria. E ainda hoje, já passados quinze anos, não penso nisso sem um estremecimento de prazer. Mas eu tinha um filho — que teria agora a tua idade. Quando Egisto o entregou aos mercenários, eu...

ELECTRA

Também tínheis uma filha, minha mãe, ao que parece, e fizestes dela uma lavadeira de loiça. Mas esse pecado não vos atormenta muito.

CLITEMNESTRA

És jovem, Electra. Quem é jovem e não teve ainda tempo de praticar o mal, está em boas condições para condenar. Mas deixa lá que um dia também arrastarás contigo um crime imperdoável. Julgarás a cada passo afastar-te dele e contudo continuará sempre tão difícil de arrastar! Voltar-te-ás e vê-lo-ás atrás de ti, fora do teu alcance, puro e tenebroso como um cristal negro. E então, já o não compreenderás e dirás assim: «Não fui eu, não fui um que fiz». E todavia ele lá estará, cem vezes renegado, lá estará a puxar-te para trás. Ficarás então a saber que comprometeste a tua vida numa única jogada, definitivamente, e que já nada mais poderás fazer senão rebocar o teu crime até à morte. Justa ou injusta, é assim a lei do arrependimento. Veremos então no que dará esse jovem orgulho.

(41)

~ 41 ~

O meu jovem orgulho? Vê-se que é a vossa juventude que lastimais, mais ainda que o vosso crime; é a minha juventude que odiais, mais ainda que a minha inocência.

CLITEMNESTRA

O que odeio em ti, Electra, é eu própria. Não é a juventude — oh! não! — é a minha.

ELECTRA Pois eu é a vós, é mesmo a vós, que odeio.

CLITEMMESTRA

Que vergonha! Estamos a injuriar-nos como duas mulheres da mesma idade que uma rivalidade amorosa tivesse atirado uma contra a outra. E contudo sou tua mãe. Não sei quem és tu, rapaz, nem o que vens fazer entre nós, mas a tua presença é nefasta. Electra odeia-me e eu já o sabia. Mas sempre nos calámos durante quinze anos e só os nossos olhares nos atraiçoavam. Agora tu viestes e falastes connosco e aqui estamos a mostrar os dentes uma à outra e a rosnar como cadelas. As leis da cidade obrigam-nos a oferecer-te hospitalidade. Mas não te escondo que desejaria que te fosses embora. Quanto a ti, minha filha, imagem fiel de mim própria, é verdade que não te amo. Porém, preferia cortar a mão direita a ter que te fazer mal. Mas não te aconselho a erguer contra Egisto a tua peçonhenta cabeça; ele sabe bem com uma paulada partir a espinha às víboras, E melhor que faças o que te manda, se não te queres arrepender.

ELECTRA

Podeis dizer ao rei que não vou à festa. Sabes o que fazem, Filebo? Há na parte alta da cidade uma caverna cujo fundo nunca foi atingido pelo rapazio; dizem que comunica com os infernos e o Grande Sacerdote mandou-a tapar com uma pedra enorme. Pois bem, acreditarás no que te vou dizer? Em cada aniversário, o povo junta-se diante dessa

(42)

~ 42 ~

caverna, os soldados empurram para o lado a pedra que lhe tapa a entrada e, pelo que dizem, os nossos mortos, vindos do inferno, espalham-se pela cidade. Põem-lhes os talheres nas mesas, dão-lhes cadeiras e leitos, e chegam-se mais uns para os outros para lhes dar lugar ao serão. Os mortos correm tudo, e todas as atenções e cuidados são para eles. Estás já a ver como são as lamentações dos vivos, não estás? «Meu mortozinho, meu mortozinho, não te quiz ofender, perdoa-me», Amanhã de manhã, ao cantar do galo, voltarão para debaixo da terra, a pedra será empurrada contra a entrada da gruta e tudo estará terminado até ao ano que vem. Não quero tomar parte nessas macacadas, É dos seus mortos que se trata; não dos meus.

CLITEMNESTRA

Se não quiseres obedecer, o rei já ordenou que te levem à força. ELECTRA

À força? Ah! Ah! À força? Está bem. Minha boa mãe, peço-vos que assevereis ao rei a minha obediência. Comparecerei à festa e já que o povo me quer lá ver, não o desiludirei. E quanto a ti, Filebo, peço-te que adies a tua partida e assistas à nossa festa. Acharás lá talvez; motivo para rir. Até já. Vou-me arranjar.

Sai.

CLITEMNESTRA, a Orestes

Vai-te, Tenho a certeza que nos causarás alguma desgraça. Não podes querer-nos mal uma vez que nada te fizemos. Vai-te. Pela tua mãe, suplico-te que vás.

Sai.

ORESTES Pela minha mãe.

(43)

~ 43 ~

Entra Júpiter.

CENA VI

ORESTES E JÚPITER

JÚPITER

Acabo de ser informado pelo vosso criado de que ides partir. Anda ele a correr em vão pela cidade à procura de cavalos. Mas eu posso arranjar-vos duas éguas já aparelhadas por um preço módico.

ORESTES Já não parto,

JÚPITER, lentamente

Já não partis? (Pausa. Com vivacidade.) Então não vos deixo; sois meu convidado. Há, na parte baixa da cidade, uma estalagem razoável onde vamos ficar os dois. Não vos arrependereis de ter escolhido a minha companhia. Mas primeiro — abraxás, galá, galá, tsé, tsé, — liberto-vos das moscas. Além disso um homem da minha idade é as mais das vezes um bom conselheiro. Poderia ser vosso pai e... contar-me-eis a vossa história. Vinde, meu jovem, deixai-vos levar sem resistir; encontros destes são muitas vezes mais proveitosos do que o que se poderia julgar à primeira vista. Vede por exemplo Telémaco, o filho do rei Ulisses, como

(44)

~ 44 ~

sabeis. Um belo dia encontrou um velho chamado Mentor que se lhe juntou, passando a segui-lo por toda a parte. Pois bem, sabeis quem era esse Mentor?

Leva-o consigo, conversando, e o pano cai

(45)

~ 45 ~

(46)

~ 46 ~

PRIMEIRO QUADRO

Uma plataforma na montanha. Â direita, a caverna cuja entrada está tapada por uma pedra negra. À esquerda, alguns degraus conduzem a um templo.

CENA I

A MULTIDAO E DEPOIS JÚPTER ORESTES E O PEDAGOGO

UMA MULHER, que se ajoelha diante dum filho

Olha a gravata. Com esta, já são três vezes que te faço o nó. (Escova-o com a mão.) Pronto. Assim já estás limpo. Tem juízo e chora como os outros, quando te mandarem.

A CRIANÇA É por ali que eles vêm?

(47)

~ 47 ~

É

A CRIANÇA Tenho medo.

A MULHER

É bom ter medo, queridinho. Muito medo. Para poderes vir a ser alguém.

UM HOMEM Está hoje um bom tempo para eles.

OUTRO HOMEM

Ainda bem! Oxalá ainda continuem sensíveis ao calor do sol. O ano passado chovía e portaram-se terrivelmente.

O PRIMEIRO Terrivelmente.

O SECUNDO Ai de nós!

TERCEIRO HOMEM

Quando regressarem ao seu buraco e nos deixarem, sou eu quem vai trepar até cá acima para olhar esta pedra e dizer: «Por agora já chega».

QUARTO HOMEM

(48)

~ 48 ~

amanhã, começarei a perguntar-me: «Como se portarão no ano que vem?» De ano para ano vão ficando piores.

O SEGUNDO

Gaia-te, desgraçado. Pode ser que algum deles já se tenha esgueirado por qualquer fenda no rochedo e ande por aqui à nossa volta... Há mortos que chegam adiantados à cerimónia.

Entreolham-se inquietos

UMA MULHER AINDA NOVA

Se ao menos pudesse começar já! Onde estarão os do palácio? Parece que não têm pressa. A mim o que mais me custa é esta espera: estar aqui, sob um céu ardente, com os olhos sempre em cima daquela pedra negra... Ah! E eles lá em baixo, atrás da pedra, também à espera como nós, mas já a antegozar o mal que nos vão fazer!...

A VELHA

Pois é, minha cabra! A ti bem eu sei o que te assusta. O teu homem morreu a Primavera passada com os cornos que já há dez anos lhe andavas a pôr.

MULHER NOVA

Está bem, confesso que o enganei tanto quanto pude; mas gostava dele e dava-lhe uma bela vida; nunca desconfiou de nada e quando morreu ainda me deitou um olhar meigo de cão agradecido. Agora já sabe de tudo, estragaram-lhe a alegria e por isso sofre e odeia me. É dentro em pouco tê-lo-ei juntinho a mim com o corpo esfumado a penetrar o meu, tão intimamente como nenhum vivo jamais o fez. Ah! Irá daqui comigo, enrolado ao meu pescoço como se fosse uma pele. Já lhe preparei uma pequena refeição das que ele gostava, com umas comidinhas finas, uns bolos de farinha, etc. Mas nada apaziguará o seu rancor; e esta noite... esta noite estará comigo na cama.

(49)

~ 49 ~

UM HOMEM

Ela tem razão, pois claro. Mas que é de Egisto? Em que estará a pensar? Já não aguento mais esta espera.

OUTRO HOMEM

Não te queixes muito. Julgas que Egisto tem menos medo que nós? Gostarias de estar no lugar dele e passar vinte e quatro horas sozinho com Agamémnon?

MULHER NOVA

Ah! Que espera tão horrível! Parece-me que já vos vejo a todos a afastarem-se de mim, lentamente. Ainda não arrancaram dali a pedra e já cada um de nos está só como uma gota de água, atormentado pelos seus mortos,

Entram, Júpiter, Orestes e o Pedagogo.

JÚPTER Vem por aqui; ficamos melhor.

ORESTES

São então estes os cidadões de Argos, os mui fiéis súbditos do rei Agamémnon?

O PEDAGOGO

Que feios que são! Reparai, senhor, na sua. palidez de cera e nos seus olhos encovados. Esta gente está mesmo a morrer de medo. Ora aqui tendes os efeitos da superstição. Olhai, Olhai. E se quereis mais uma prova da excelência da minha filosofia reparai a seguir na frescura do meu rosto.

(50)

~ 50 ~

Mas que beleza de frescura. Mais bochecha rosada ou menos bochecha rosada, não é isso que te vai impedir, meu velhote, de ser estrume aos olhos de Júpiter, como todos estes. Além disso, deitas um cheiro insuportável, sem o saberes. Agora eles, que têm as narinas cheias dos seus próprios odores conhecem-se melhor do que tu.

A multidão começa a resmomear.

UM HOMEM, subindo os degraus do templo dirige-se à multidão Querem enlouquecer-nos ? Unamos as, nossas vozes e chamemos Egisto. Não podemos tolerar que nos façam esperar mais tempo pela cerimónia.

A MULTIDÃO Egisto! Egisto! Egisto!

UMA MULHER

Ah! sim! Piedade! Piedade! Então ninguém tem piedade de mim?! Ele vai chegar, com a garganta aberta esse homem que tanto odiei, vai envolver-me nos seus braços invisíveis e viscosos, e ser meu amante a noite inteira, a noite inteira. Ah!

Desmaia.

ORESTES Que loucura! É preciso dizer a esta gente.,,

JÚPITER

O quê, meu jovem, tanto incômodo por uma mulher que tem um flato? Vereis mais.

UM HOMEM, ajoelhando-se

(51)

~ 51 ~

moscas andam em cima de mim como corvos! Picai, furai, cavai, o moscas vingadoras! Furai esta carne até ao coração imundo! Eu pequei cem mil vezes, sou um esgoto, uma fossa...

JÚPITER Como é bom este homem!

ALGUNS HOMENS, erguendo-o

Está bem, está bem. Depois conta-lhes isso quando eles vierem.

O homem fica estupidifícado; arqueja, rebolando os olhos.

A MULTIDÃO

Egrtsto! Egisto! Ordena que comece, por piedade. Não podemos mais.

Egisto aparece. nos degraus do templo. Atrás dele estão Clitemnestra, o Grande Sacerdote e alguns guardas.

CENA II

OS MESMOS, EGISTO, CLITEMNESTRA, O GRANDE SACERDOTE E OS GUARDAS

EGISTO

Cães! Tendes a ousadia de vos lamentardes? Já vos não lembrais da vossa abjecção ? Por Júpiter, que vos vou refrescar a memória.

(52)

(Volta-~ 52 (Volta-~

se para Clitemnestra). Vamos mesmo ter que começar sem ela. Mas que tome cuidado. Vou dar-lhe um castigo exemplar.

CLITEMNESTRA

Tinha-me prometido obedecer-vos. Estou certa de que está a arranjar-se; talvez se tenha atrasado ao espelho.

EGISTO, aos guardas

Vão procurar Electra ao palácio e tragam-na aqui, quer queira, quer não. (Os guardas saem. Egisto dirige-se novamente à multidão). Aos vossos lugares. Os homens à minha direita, as mulheres e crianças à minha esquerda. Assim.

Silêncio. Egisto espera.

O GRANDE SACERDOTE Esta gente já não pode mais.

EGISTO Eu sei. Se os guardas...

Os guardas regressam.

UM GUARDA

Procurámos por toda a parte a princesa, Senhor, No palácio não está ninguém.

EGISTO

Está bem. Amanhã ajustaremos as contas. (Para o Grande Sacerdote), Começa.

(53)

~ 53 ~

Tirem a pedra.

A MULTIDÃO Ah?

Os guardas tiram a pedra. O Grande Sacerdote adianta-se até à entrada da caverna.

O GRANDE SACERDOTE

Vós, ó olvidados, ó abandonados, ó desenganados, vós que vos arrastais no escuro ao nível do chão, como os gases das entranhas da terra, e que nada mais tendes de vosso, além do vosso despeito, vós ó mortos! De pé que é o vosso dia! Vinde, vinde como um enorme vapor de enxofre empurrado pelo vento; vinde. lá das entranhas da terra, ó mortos cem vezes mortos! Vós, que morreis de novo a cada uma das nossas pulsações! É em nome da ira, da amargura e do espírito de vingança que vos invoco! Vinde saciar o vosso ódio sobre os vivos! Vinde e espalhai-vos pelas nossas ruas como um nevoeiro espesso! Introduzi as espalhai-vossas legiões cerradas por entre a mãe e o filho e por entre os amantes! Fazei-nos ter pena de não estarmos mortos! De pé, ó vampiros, larvas, espectros, harpias! De pé, ó terror das nossas noites! De pé, ó deserdados da sorte, ó humilhados! De pé, ó mortos de fome cujo grito de agonia foi uma maldição! Olhai ali os vivos. as vossas gordas presas vivas! Vamos, carregai sobre eles em turbilhão e roei-os até aos ossos! De pé! De pé! De pé!..,

Ouve-se um Tam-Tam. O Sacerdote dansa diante da entrada da caverna, primeiro lentamente, a seguir cada vez mais depressa até cair

extenuado.

EGISTO Ai estão eles!

(54)

~ 54 ~

Que horror!

ORESTES Acho que já basta e vou...

JÚPITER

Olha para mim, rapaz, olha para mim bem de frente! Percebeste? Agora cala-te!

ORESTES Quem sois vós?

JÚPITER Sabê-lo-ás mais tarde,

Egisto desce lentamente os degraus do palácio.

ETISTO

Ai estão eles. (Um silêncio). Aí está ele Aríeia, o marido de quem zombaste. Aí está ele juntinho a ti, a apertar-te nos seus braços. Como te aperta, como te ama, como te odeia! Nicias, aí está ela, a tua mãe que morreu por falta de cuidados. E tu Cegestes, infame usurário, aí tens todos os teus infelizes devedores, os que morreram na miséria e os que se enforcaram porque os estavas arruinando. Aí estão eles, e são eles hoje os teus credores. E vós, ó pais, ó meigos pais, baixai um pouco o vosso olhar, olhai mais para baixo, para o chão: aí estão os vossos filhos mortos, a estender as suas mãozinhas; e todas as alegrias que lhes roubastes, todas as penas que lhes infligistes, pesam agora como chumbo nas suas alminhas ressentidas e desoladas.

A MULTIDÃO Piedade!

(55)

~ 55 ~

EGISTO

Ah! pois! Piedade! Não sabeis que os mortos Não têm piedade!? As suas queixas são impossíveis de satisfazer já que as suas contas estão encerradas para sempre. É com boas acções, Nicias que esperas apagar o mal que fizeste à tua mãe? Mas que boa acção poderia alguma vez chegar até ela? A sua alma é um meio-dia escaldante sem um sopro de vento, onde nada se agita, nada muda e nada vive. Um enorme sol descarnado e imóvel a atormenta eternamente. Os mortos já não existem — se é que compreendeis esta frase implacável — já não existem e é por isso que se tornaram nos guardadores incorruptíveis dos vossos crimes.

A MULTIDÃO Piedade!

EGISTO

Piedade? Ah! Cabotinos, que hoje tendes público! Sentis pesar nas faces e nas mãos os olhares desses milhões de olhos fixos e desesperados? Eles estão a ver-nos, eles estão a ver-nos, estamos nus diante da assembleia dos mortos. Ah! Ah! Como estais embaraçados, agora! Como vos queima esse olhar invisível e puro, mais inalterável que a memória dum olhar.

A MULTIDÃO Piedade!

OS HOMENS

Perdoai-nos o vivermos enquanto estais mortos! AS MULHERES

Piedade! Estamos rodeados pelos vossos rostos e pelos objectos que vos pertenceram, trazemos sobre nós o luto eterno que por vós

(56)

~ 56 ~

deitámos e choramos da alvorada até à noite e da noite até à alvorada. Por mais que façamos, a vossa memória apaga-se e desliza-nos por entre os dedos; cada dia empalidece um pouco mais e ficamos assim um pouco mais culpadas. Vós ides-nos deixando, ides-nos deixando, ides saindo de dentro de nós e é como se nos sangrassem. E contudo, se é que isto pode saciar as vossas almas, ó queridos ausentes, ficai sabendo que nos estragastes a vida.

OS HOMENS

Perdoai-nos o vivermos enquanto estais mortos! AS CRIANÇAS

Piedade! Não foi por nossa vontade que nascemos e temos até vergonha de estar crescendo. Como teríamos podido ofender-vos? Reparai que mal temos vida e como estamos magros, pálidos e pequeninos; não fazemos ruído e passamos sem mesmo agitar o ar à nossa volta. E temos medo de vós, oh! sim, tanto medo!

OS HOMENS

Perdoai-nos o vivermos enquanto estais mortos! EGISTO

Basta! Basta! Se vos lamentais assim, que direi então eu, o vosso rei? O meu suplício vai começar; já treme o chão e já o ambiente escureceu; vai aparecer o maior de entre todos os mortos, Agamémnon, aquele que matei por minhas próprias mãos.

ORESTES, puxando pela espada

Debochado! Não permitirei que mistures o nome de meu pai nas tuas pantominices!

(57)

~ 57 ~

Quieto, jovem, quieto!

EGISTO, voltando-se

Quem ousa...? (Electra aparece de vestido branco ao cimo dos degraus do templo. Egisto vê-a). Electra!

A MULTIDÃO Electra!

CENA III

OS MESMOS E ELECTRA

EGISTO Que quer dizer esse trajo, Electra?

ELECTRA

Pus o mais belo dos meus vestidos, É ou não hoje o dia de festa? O GRANDE SACERDOTE

Vens aqui desafiar os mortos? Bem sabes que é o seu dia e por isso deverias comparecer vestida de luto.

(58)

~ 58 ~

De luto? Porquê de luto? Dos meus mortos não tenho medo e com os vossos não tenho nada!

EGISTO

Disseste a verdade; os teus mortos não são os nossos. Olhai-a com o seu trajo de p..., a neta de Atreu, desse Atreu que assassinou cobardemente os sobrinhos. Quem és tu pois, senão a última descendente duma raça maldita?! Tolerei-te até aqui, por piedade, no meu palácio, mas reconheço hoje o meu erro pois te corre ainda nas veias o velho sangue podre dos Átridas e acabarias por nos contaminar a todos se eu não tratasse de o evitar. Espera um pouco cadela, e verás se sei ou não castigar. Não terás lágrimas que te cheguem!

A MULTIDÃO Sacrilégio!

EGISTO

Estás a ouvir, desgraçada, como atroa a vois desse povo que ofendeste e como classifica a tua conduta?

A MULTIDÃO Sacrilégio!

ELECTRA

É por acaso um sacrilégio estar contente? Por que não se alegram também eles? Quem disso os impede?

EGISTO

Ela a rir-se e é o seu próprio pai que aí está com sangue coagulado na face...

(59)

~ 59 ~

ELECTRA

Como ousais falar em Agamémnon? Sabeis por acaso se ele não vem à noite falar-me ao ouvido? Sabeis que palavras de amor me sussurra a sua voz rouca e cansada? Rio, é verdade, rio e sinto-me feliz. Julgais que a minha felicidade não alegra o coração do meu pai? Ah! Se ele estiver aqui e vir a sua filha de vestido branco, a sua filha que vós reduzistes à abjecta condição de escrava, se vir que ela traz agora o rosto levantado e que a desgraça não abateu a sua nobreza de alma, não pensará com certeza em amaldiçoar-me; brilham seus olhos em seu rosto torturado e tentam sorrir os seus lábios ensanguentados.

A MULHER NOVA

Não, mente, está doida. Electra, vai-te por favor, senão a tua impiedade recairá sobre nós.

ELECTRA

Mas de que tendes medo? Olho à vossa volta e apenas vejo as vossas sombras. Agora escutai o que acabo de saber e que desconheceis talvez; há cidades felizes na Grécia. Cidades claras e calmas que se aquecem ao sol como lagartos. A esta mesma hora, sob este mesmo céu há crianças a brincar nas praças de Corinto. E as mães não pedem qualquer perdão por os ter trazido ao mundo. Olham-nos sorrindo e têm orgulho deles. Sois ainda capazes de compreender o orgulho duma mulher que olha o seu filho e pensa: «Foi eu que o trouxe no meu seio»?

EGISTO

Se não te calas far-te-ei engolir todas essas palavras. VOZES, na multidão

Sim, sim. Que se cale! Basta, basta! OUTRAS VOZES

(60)

~ 60 ~

Não, deixai-a falar! Deixai-a falar. É Agamémnon que a inspira. ELECTRA

Está um lindo dia. Por toda a parte, na planície, os homens levantam o rosto, dizem: «Está um lindo dia» e ficam contentes. Ó carrascos de vós próprios, já esquecestes a humilde satisfação do camponês quando passa sobre a sua terra e diz: «Que lindo dial»? Aí estais vós de braços pendentes e cabeça baixa, respirando a custo. Os vossos mortos colam-se a vós e ficais imóveis com receio de os acotovelar ao menor gesto. Seria horrível, não é? Se as vossas mãos penetrassem de repente uma pequena nuvem húmida que seria a alma do vosso pai ou avô? Agora olhai para mim: estendo os. braços, estico-me toda como se despertasse e ocupo o meu lugar ao sol, todo o meu lugar. Cai-me por acaso, o céu na cabeça? Olhai como danço e nada mais sinto além do sopro do vento nos cabelos. Onde estão os mortos? Julgais que dançam ao meu compasso?

O GRANDE SACERDOTE

Habitantes de Argos, digo-vos que esta mulher é sacrílega. Que a desgraça caia sobre ela e sobre-os que a escutarem.

EUECTRA

Ô meus mortos queridos, Ifigênia, minha irmã mais velha, e Agamémnon, meu pai e meu único rei, escutai a minha prece. Se sou sacrílega e ofendo os vossos nomes cheios de dor, fazei-me depressa um sinal, para que o saiba. Mas se me aprovais, ô meus queridos, então calaí-vos por favor, e que nem uma folha se mexa, nem um rebento de erva se agite e nenhum ruído venha perturbar a minha dança sagrada. Que eu danço para que haja alegria, danço para que haja paz entre os homens, para que haja felicidade e haja vida. O meus mortos, reclamo o vosso silêncio para que os homens que me rodeiam saibam que estais comigo do coração!

(61)

~ 61 ~

VOZES, na multidão

E dança! Olhai-a, leve como a chama, a dançar ao sol, como uma bandeira ao vento. E os mortos calam-se!

A MULHER NOVA

Olhai a sua face em êxtase. Não, não é o rosto duma descrente. Então Egisto, Egisto! Não dizes nada? Por que não respondes?

EGISTO

Discute-se porventura com os animais asquerosos? O que se faz é aniquilá-los! Fiz mal em a poupar outrora; mas é um mal reparável: não temais, vou esmagá-la e a sua raça acabará com ela.

A MULTIDÃO

Ameaçar não é responder, Egisto! Sô tens isso para nos dizer? A MULHER NOVA

Dança, sorri, está contente e os mortos parecem protegê-la, Ah, Electra, como te invejo! Olha, também eu abro os braços e ofereço sol ao meu peito.

VOZES, na multidão Os mortos calam-se! Mentiste-nos, Egisto!

ORESTES Querida Electra!

JÚPITER

Pois vou-lhe fazer meter a viola no saco, a está catria. (Estendendo o braço), Posidom, caribu, caribom, lalabal.

(62)

~ 62 ~

A enorme pedra que obstruía a entrada da caravana, rola com estrondo de encontro aos degraus do templo. Electra pára de dançar.

A MULTIDÃO Que horror!

Um longo silêncio.

O GRANDE SACERDOTE

Ô povo cobarde e demasiado leviano; ai tendes a vingança dos mortos! Olhai as moscas como carregam sobre nós em espessos turbilhões! Escutastes uma voz sacrílega e ficámos amaldiçoados!

A MULTIDÃO

Nós não fizemos nada, não tivemos culpa, ela veio e seduziu-nos com as suas palavras envenenadas! Ao rio com a bruxa ao rio! À fogueira!

UMA VELHA, apontando a mulher nova

E a esta aqui que bebia as suas palavras como se fossem mel, arrancai-lhe o vestido, deixai-a nua e chicoteai-a até fazer sangue.

A mulher nova é agarrada e alguns homens transpõem os degraus da escada, precipitando-se sobre Electra.

EGISTO, entretanto, recompôs-se

Silêncio, cães. Regressai aos vossos lugares em boa ordem e

deixai comigo a punição, (Silêncio). Então, vistes quanto custa não me

obedecer? Duvidais acaso ainda do vosso rei? Regressai às vossas casas, os mortos irão convosco e serão vossos hóspedes todo o dia e toda a noite. Dai-lhes um lugar à vossa mesa, à lareira e na vossa cama. Fazei com que o vosso comportamento exemplar lhes faça esquecer tudo quanto aqui se passou. Quanto a mim, eu vos perdoo, embora as vossas dúvidas me tenham magoado. Agora tu, Electra...

(63)

~ 63 ~

ELECTRA

Eu o quê? Desta vez falhei. Para a próxima será melhor. EGISTO

Não terás tal oportunidade. Ás leis da cidade proibem-me de te castigar neste dia de festa. Tu sabia-lo e por isso abusaste. Mas agora já não fazes parte da cidade e por isso te vou expulsar. Irás descalça, sem bagagem e com esse vestido infame em cima do corpo. Se amanhã à alvorada ainda estiveres dentro dos nossos muros, darei ordem para que sejas abatida como uma ovelha tinhosa por quem quer que te encontre.

Sai, seguido pelos guardas, A multidão passa diante de Electra, acenando-lhe com o punho fechado.

JÚPITER, para Orestes.

Então, senhor? Ficastes edificado? Ou eu me engano muito, ou aqui temos uma história bem moral: os maus foram castigados e os bons recompensados, (Apontando Electra). Essa mulher...

ORESTES

Essa mulher é minha irmã, velho, Vai-te embora que lhe quero falar.

JÚPITER, olhado por um momento, e em seguida, encolhe os

ombros

Como quiseres.

(64)

~ 64 ~

CENA IV

ELECTRA, nos degraus do templo, e ORESTES

ORESTES Electra!

ELECTRA levanta a cabeça e olha paar ele Ah! Estás aí, Filebo?

ORESTES

Não podes ficar na cidade nem mais uma hora, Electra, Estás em perigo.

ELECTRA

Em perigo? Ah! É verdade. Viste como falhei. Tens culpa também, mas não te quero mal por isso.

ORESTES Que fiz eu?

ELECTRA

Enganaste-me, (Desce até ele). Deixa-me ver a tua cara. Sim, prendi-me nos teus olhos.

ORESTES

(65)

~ 65 ~

arranjar cavalos. Levar-te-ei na garupa.

ELECTRA Não.

ORESTES Não queres fugir comigo?

ELECTRA Não quero fugir.

ORESTES Levar-te-ei a Corinto.

ELECTRA, rindo

Ah! Corinto... Estás a ver, não fazes de propósito mas continuas a enganar-me. Que faria eu em Corinto? Tenho que ser razoável Ainda ontem tinha desejos tão modestos: enquanto servia à mesa, de olhos semicerrados e olhava por entre as pestanas o real par ela a velha beleza morta, e ele, gordo e pálido, com a sua boca mole e aquela barba preta que lhe vai de orelha a orelha como um regimento de aranhas, sonhava com ver um dia uma nuvem, uma nuvenzinha, sair dos seus ventres abertos como o bafo que nos sai da boca nas manhas irias. Nada mais eu queria, Filebo, juro-te. Não sei o que queres mas não devo acreditar-te o teu olhar não é modesto. Sabes o que pensava antes de te conhecer? Era que a única coisa sensata que se pode desejar na terra é pagar com mal o mal que nos fizeram.

ORESTES

Electra, se vieres comigo, verás que se podem desejar também muitas outras coisas sem perder a sensatez.

(66)

~ 66 ~

ELECTRA

Não quero ouvir-te mais; causaste-me muito mal. Vieste, com os olhos ávidos nesse rosto gentil de rapariga e fizeste-me esquecer o meu ódio; abri as mãos e deixei cair aos pés o meu único tesouro. Viste o que aconteceu: eles gostam do seu penar, sentem a necessidade de uma ferida que lhes seja familiar e que mantenham aberta, arranhando-a com as unhas sujas. É pela violência que terão de ser curados pois não se pode vencer um mal senão com outro mal. Adeus, Filebo, vai-te e deixa-me com os meus sonhos maus.

ORESTES Vão matar-te.

ELECTRA

Há aqui um santuário, que é o templo de Apolo; os criminosos refugiam-se nele às vezes, e enquanto lá estão ninguém pode tocar-lhes num só cabelo que seja. Vou lá esconder-me.

ORESTES Por que recusas a minha ajuda?

ELECTRA

Não és tu quem me deve ajudar. Outro alguém virá libertar-me. (Uma pausa.) Sei que o meu irmão não morreu. E estou à sua espera.

ORESTES E se ele não vier?

EIECTRA

(67)

~ 67 ~

eu, no sangue o crime e a desgraça. Deve ser um destes soldados fortes, com os grandes olhos avermelhados do nosso pai, sempre a curtir a sua cólera. Estou convencida de que sofre e já se enredou no seu destino tal como os cavalos estripados enredam as patas nos próprios intestinos; agora a cada movimento que fizer, é como se arrancasse as entranhas. Virá, tenho a certeza de que esta cidade o atrai pois é aqui que mais mal pode fazer tanto a si próprio como aos outros. Virá, de cabeça baixa, agitado e a sofrer. Mete-me medo; todas as noites o vejo em sonhos e acordo a gritar. Mas estou à sua espera e amo-o, Tenho que ficar aqui para guiar o seu rancor — que eu tenho miolos —, para lhe apontar os culpados e para lhe dizer: «Aí estão eles! Fere, Orestes, fere!»

ORESTES E se ele não for como tu o imaginas?

ELECTRA

Como queres que seja o filho de Agamémnon e de Clitemnestra? ORESTES

E se porventura ele estiver farto de toda essa sangueira, visto ter crescido numa terra feliz?

ELECTRA

Nesse caso escarrar-lhe-ia na cara e dir-lhe-ia: «Vai-te, cão, vai para junto das mulheres pois não és senão uma mulher. Mas estás muito enganado: és neto de Atreu e não fugirás ao destino dos Atridas. É contigo se preferiste a vergonha ao crime! Mas a destino irá ter contigo à cama; sentirás primeiro a vergonha e cometerás depois o crime a despeito de ti próprio!»

ORESTES Electra eu sou Orestes.

(68)

~ 68 ~

ELECTRA, num grito Mentes!

Juro-te pelos manes de Agaméranon, meu pai: sou Orestes.

(Silêncio,) Então? Por que esperas para me escarrar na cara? ELECTRA

Como o poderia eu? (Olha-o.) Essa bela fronte é a do meu irmão.

Esses olhos que brilham são os do meu irmão. Orestes... Ah! Gostaria antes que continuasses a ser Filebo e que meu irmão estivesse morto.

(Timidamente.) É verdade que viveste em Corinto? ORESTES

Não. Foram uns burgueses de Atenas que me educaram. ELECTRA

Como pareces jovem! Já te bateste alguma vez? Essa espada que aí trazes, nunca a usaste?

ORESTES Nunca.

ELECTRA

Sentia-me menos só quando ainda não te conhecia. Esperava o outro. Só pensava na sua força e não na minha fraqueza. Agora aqui

estás; eras tu Orestes. Olho-te e vejo que somos dois órfãos. (Pausa.) Mas

eu amo-te, sabes? Mais do que o teria amado a ele. ORESTES Vem; se me amas, fujamos os dois.

Referências

Documentos relacionados

Verbos: impessoais, irregulares, defectivos e abundantes Objetivos de aprendizagem: • Identificar e empregar corretamente os verbos impessoais; • Distinguir os verbos regulares

Câncer causado por Radiação Comer 100 filés preparados na brasa Câncer causado benzo-a-pireno Risco de acidente por morar a 5 milhas de. um reator nuclear por

Como afirma o filósofo Jean Paul Sartre, “o objeto literário não tem outra substância a não ser a subjetividade do leitor” (SARTRE, 2004, p. Seguindo esse pensamento,

NIM NAMA PRODI

Se o sinal de entrada do pré-amplificador parar, a rede elétrica e a bateria falharem ou o amplificador de potência parar por qualquer motivo, o sinal piloto para, a indicação de

▶ Apresenta o vídeo As 12 I-dicas para navegar na internet e promove uma reflexão com a turma sobre os riscos da

Kit de Protecção de Pintura ­ Brilhante (A9930381) PVP 60,45 €

Tudo isto, torna este retiro ainda mais especial, mais consciente e esta equipa acrescenta sempre magia às vivências, ao mundo de cores, odores e sabores, para que