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HIPOTIREOIDISMO NEONATAL E ANORMALIDADES CONGÊNITAS EXTRATIREOIDIANAS ASSOCIADOS A TRANSLOCAÇÃO t(8;16)

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(1)

Universidade de Brasília Faculdade de Ciências da Saúde

Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde

LUCIANA ANTUNES DE ALMEIDA SECCHI

HIPOTIREOIDISMO NEONATAL E

ANORMALIDADES CONGÊNITAS EXTRATIREOIDIANAS

ASSOCIADOS A

TRANSLOCAÇÃO t(8;16)

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção

do título de Doutor em Ciências da Saúde pelo

Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde

da Universidade de Brasília.

Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Rocha Neves

Brasília 2012

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LUCIANA ANTUNES DE ALMEIDA SECCHI

HIPOTIREOIDISMO NEONATAL E

ANORMALIDADES CONGÊNITAS EXTRATIREOIDIANAS

ASSOCIADOS A

TRANSLOCAÇÃO t(8;16)

Tese apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília.

Aprovada em 24 de agosto de 2012.

1 BANCA EXAMINADORA

Dr. Francisco de Assis Rocha Neves (presidente) Universidade de Brasília – UnB

Dr. Hans Graf

Universidade Federal do Paraná – UFPR

Dra. Íris Ferrari

Universidade de Brasília – UnB

Dr. Gustavo Barcelos Barra Laboratório Sabin – Brasília (DF)

Dra. Juliana Forte Mazzeu de Araújo Universidade de São Paulo - USP

Dra. Angélica Amorim Amato (suplente) Universidade de Brasília - UnB

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Ao Fábio, fonte de amor, incentivo e suporte sempre. Ao Pedro e à Helena, motivação e razão para servir de exemplo.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. Francisco Neves, meu orientador e grande professor, que, com delicadeza, paciência e sabedoria, soube entender meus objetivos e me conduziu, cobrou e corrigiu meus rumos nesse processo de amadurecimento técnico, científico e de vida. Quase tudo neste trabalho devo a ele, grata surpresa em minha vida.

À Dra. Juliana Forte Mazzeu de Araújo, pelo grande, paciente e generoso auxílio com seu conhecimento de genética, suas valiosas sugestões e críticas, pelo auxílio na redação do artigo e no encaminhamento do material do paciente para realização do estudo por CGH-array.

À Professora Dra. Íris Ferrari, pelo incentivo entusiasmado, pelo auxílio e carinhosa acolhida, e pelo seu trabalho no processamento das amostras e na realização do cariótipo dos indivíduos da família estudada.

À Dra. Mara Santos Córdoba, pelo auxílio na realização e interpretação das imagens do cariótipo dos indivíduos estudados, e ao Dr. José Carlos Córdoba, pela obtenção das imagens.

Ao Dr. Helton Estrela Ramos, pelas críticas e contribuições ao estudo do caso e análises genéticas desde antes do ingresso no programa de pós-graduação.

À Dra. Adriana Lofrano Porto e à Dra. Angélica Amorim Amato, pela generosa disponibilidade para auxílio e discussão e particularmente à Dra. Angélica, pelo auxílio na extração do DNA do sangue do paciente estudado.

À Professora Carla Rosenberg, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, pela análise do CGH-array.

(5)

Ao Dr. Pedro Monteiro de Almeida, meu pai, que não pode estar presente à conclusão deste trabalho, pelo suporte e incentivo sempre e pelo auxílio técnico e logístico na obtenção dos dados e amostras de sangue dos membros da família estudada residentes no estado do Paraná.

À Dra. Vânia Lúcia de Oliveira Castro, pela generosidade em ceder seu laboratório, pessoal e material para coleta e acondicionamento das amostras de sangue, e ao amigo Luiz Carlos Morais Vilhagra pelo auxílio no envio a Brasília das amostras de sangue dos membros da família estudada residentes no estado do Mato Grosso do Sul.

Às bioquímicas Silvana Mendes Bettoni e Maria Betânia Guimarães Souto, pela assessoria técnica na obtenção e tratamento das amostras de sangue.

À Maria Carolina Cambraia Guimaro Diniz, pela surpreendente e importantíssima amizade, generosidade, zelo e carinho com que sempre prestou apoio logístico em importantes e decisivos momentos.

À professora Anna Maria Barros, pela competência e paciência em revisar e corrigir os artigos e documentos na língua inglesa produzidos durante a realização deste estudo.

À minha mãe, Joaninha Antunes de Almeida, pelo apoio à minha família para que pudesse desempenhar as funções no programa de pós-graduação.

Aos membros da família do probando, que generosamente colocaram à minha disposição sua história, dados médicos, sua casa, seu tempo e amostras de sangue para o desenvolvimento deste estudo, e em especial ao probando, criança que foi fonte de inspiração desde o primeiro contato.

(6)

RESUMO

Defeitos genéticos resultando em deficiência hormonal tireoidiana podem ser encontrados em cerca de 10% dos pacientes com hipotireoidismo congênito permanente, porém a identificação de anormalidades genéticas associadas à forma transitória da doença é extremamente rara. Este estudo relata o caso de um menino com hipotireoidismo neonatal transitório não diagnosticado ao teste de triagem neonatal associado a malformações extratireoidianas (hipertelorismo ocular, desvio do septo nasal, atresia de coana, hérnia umbilical, hipospádia, ânus imperfurado) e retardo mental, portador de translocação não-balanceada t(8;16). Seu tio materno tinha fenótipo similar. Análise cromossômica definiu o cariótipo do paciente como 46,XY,der(8)t(8;16)(q24.3;q22)mat,16qh+ (cariótipo masculino com a presença de cromossomo derivativo 8 resultante de translocação t(8;16) de origem materna e polimorfismo no braço longo do cromossomo 16). Análise citogenética por CGH-array com o DNA do paciente revelou deleção terminal de ~80 kb no cromossomo 8 (8q24.3qter) e duplicação de ~21 Mb no cromossomo 16 (16q22qter). O gene ZNF252, cuja função ainda não é conhecida, encontra-se mapeado na região da deleção no cromossomo 8 do paciente e é altamente expresso na tireoide, o sugere que possa desempenhar função importante nesse órgão. No probando a disfunção tireoidiana parece ser relacionada à translocação não balanceada t(8;16), já que a translocação balanceada observada em seus parentes não está associada a disfunção hormonal tireoidiana. Este é o primeiro relato de associação de uma translocação cromossômica com a forma transitória do hipotireoidismo congênito. Esta descrição descortina novas hipóteses para a fisiopatologia do hipotireoidismo congênito transitório e também pode contribuir para a definição do fenótipo da translocação não-balanceada t(8;16)(q24.3;q22), nunca descrito anteriormente.

Palavras-chave: hipotireoidismo congênito transitório; translocação não balanceada t(8;16); malformações extratireoidianas; fenótipo t(8;16).

(7)

ABSTRACT

Genetic defects resulting in deficiency of thyroid hormone synthesis can be found in about 10% of the patients with permanent congenital hypothyroidism, but the identification of genetic abnormalities in association with the transient form of the disease is extremely rare. We report the case of a boy with transient neonatal hypothyroidism undiagnosed through neonatal screening associated with extrathyroid malformations (ocular hypertelorism, deviated nasal septum, choanal atresia, umbilical hernia, hypospadia, imperforate anus) and mental retardation who carries an unbalanced translocation t(8;16) and whose maternal uncle had a similar phenotype. Chromosomal analysis defined the patient’s karyotype as 46,XY,der(8)t(8;16)(q24.3;q22)mat,16qh+ (male karyotype with derivative chromosome 8 resulting from translocation t(8;16) of maternal origin and polymorphism on the long arm of chromosome 16). Array-CGH with patient’s DNA revealed a ~80 kb terminal deletion on chromosome 8 (8q24.3qter) and a ~21 Mb duplication on chromosome 16 (16q22qter). ZNF252 gene, mapped to the deleted region on patient´s chromosome 8, although still of unknown function, is highly expressed in the thyroid, what may suggest a proeminent role of the gene in that tissue. Patient’s thyroid dysfunction seems to be related to his unbalanced translocation t(8;16), since a balanced translocation observed in his relatives is not associated with thyroid hormone dysfunction. This is the first report on the association of a chromosomal translocation with the transient form of congenital hypothyroidism. This description opens new hypothesis for the physiopathology of transient congenital hypothyroidism, and can also contribute to the definition of the phenotype of the unbalanced translocation t(8;16)(q24.3;q22) that has never been described before.

Key words: transient congenital hypothyroidism; unbalanced translocation t(8;16); extrathyroid malformations; t(8;16) phenotype.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Representação esquemática da DUOX2 e DUOXA2 no sistema tireoidiano de geração de H2O2.

Figura 2 – Heredograma de parte da família do probando. Figura 3 – Probando nos primeiros dias de vida.

Figura 4 – Probando aos 6 anos de idade.

Figura 5 – Hérnia umbilical e hipospádia parcialmente corrigida.

Figura 6 – Ultrassonografia de tireoide realizada quando o probando tinha 4 anos de idade.

Figura 7 – Cintilografia da tireoide do probando. Figura 8 – Cariótipo do probando.

Figura 9 – Cromossomos 8 e 16 (translocados) do cariótipo do probando. Figura 10 – Cariótipo da mãe do probando.

Figura 11 – Representação esquemática das regiões cromossômicas envolvidas na translocação t(8;16) (q24.3qter::q22qter) do probando.

Figura 12 – Representação esquemática da translocação t(8;16) da mãe do probando (balanceada) e do probando (não balanceada).

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 1 – Fatores de risco para hipotireoidismo congênito

Quadro 1 – Fatores etiológicos não genéticos para hipotireoidismo congênito transitório

Tabela 2 – Defeitos genéticos associados a desenvolvimento tireoidiano e/ou síntese hormonal tireoidiana anormal

Tabela 3 – Dose de reposição de levotiroxina e concentração de TSH e hormônios tireoidianos do probando

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LISTA DE SIGLAS

CGH-array hibridação comparativa do genoma em microarranjos

CNV variações no número de cópias

DEHAL1 iodotirosina-dehalogenase 1

DIT diiodotironina

DNA ácido desoxirribonucleico

DUOX tireo-oxidase

DUOX A fator de maturação da tireo-oxidase

H2O2 peróxido de hidrogênio

MIT monoiodotironina

NIS co-transportador sódio-iodeto

T3 triiodotironina

T4 tiroxina

TBG globulina ligadora dos hormônios tireoidianos

TG tireoglobulina

TPO tireoperoxidase

TRAb anticorpo anti-receptor do TSH

TRH hormônio liberador de tireotrofina

TSH hormônio tireoestimulante

(11)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 REVISÃO DA LITERATURA ... 13

2.1 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO OU NEONATAL ... 13

2.1.1 Definições e epidemiologia ... 13

2.1.2 Etiologia ... 13

2.1.3 Diagnóstico ... 14

2.1.4 Tratamento ... 15

2.2 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO TRANSITÓRIO ... 15

2.2.1 Epidemiologia ... 15

2.2.2 Etiologia ... 17

2.3 DESENVOLVIMENTO TIREOIDIANO ... 19

2.4 CAUSAS GENÉTICAS DE HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO ... 20

2.4.1 Hipotireoidismo congênito transitório de origem genética ... 22

2.4.2 Hipotireoidismo congênito associado a alterações nos cromossomos 8 e 16 ... 26

2.5 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO E MALFORMAÇÕES NÃO TIREOIDIANAS ... 27

2.6 TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO ... 28

2.6.1 Causas de falha diagnóstica na triagem neonatal ... 28

2.6.2 Triagem neonatal para hipotireoidismo congênito no Brasil ... 30

3 OBJETIVOS ... 31 4 PACIENTES E MÉTODOS ... 32 4.1 SUJEITOS DO ESTUDO ... 32 4.2 ANÁLISE DO CARIÓTIPO ... 33 4.3 ANÁLISE CITOGENÉTICA ... 34 5 RESULTADOS ... 36 5.1 PROBANDO ... 36 5.2 ANÁLISE GENÉTICA ... 41

5.3 TIO MATERNO DO PROBANDO ... 44

6 DISCUSSÃO ... 45

7 CONCLUSÕES ... 53

8 REFERÊNCIAS ...………. 54

ANEXO I – APROVAÇÃO PELO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ... 68

ANEXO II – HEREDOGRAMA COMPLETO ...……….. 69

(12)

11

1 INTRODUÇÃO

Função tireoidiana normal é essencial para o desenvolvimento, crescimento e homeostase metabólica. Insuficiência tireoidiana congênita (hipotireoidismo congênito ou neonatal) é a anormalidade endócrina congênita mais comum (1,2). É permanente na maioria dos pacientes e transitória na menor parte deles (2-4). Em grande parte dos casos o hipotireoidismo congênito está associado às disgenesias tireoidianas (defeitos do desenvolvimento tireoidiano) (1,5), que em geral são esporádicas, porém a ocorrência familiar em cerca de 2% dos casos sugere etiologia genética (6).

As causas genéticas de hipotireoidismo congênito são, portanto, raramente identificadas e vêm sendo estudadas em várias famílias com ou sem anormalidades extratireoidianas associadas (1,5,7). Já foram diagnosticados defeitos em genes envolvidos na morfogênese tireoidiana ou em genes implicados na síntese hormonal (1,8), em sua maioria em pacientes com hipotireoidismo congênito permanente. Identificação de anormalidades genéticas causando a forma transitória da doença é extremamente rara.

A ocorrência de hipotireoidismo na primeira infância, mesmo quando subclínico ou de curta duração (transitório), é marcador clinicamente relevante de anormalidades tireoidianas e hipotireoidismo tecidual, e pode estar associada a consequências físicas e neurológicas adversas (9). Há evidências de que o hipotireoidismo congênito é uma das causas mais comuns de retardo mental passível de prevenção (10), o que justifica a triagem neonatal para a doença, possibilitando o tratamento precoce e a prevenção das sequelas (11). Os métodos de triagem neonatal têm limitações, e mesmo na ausência de erro técnico ou humano uma parte dos testes de triagem em portadores de hipotireoidismo congênito pode resultar falsamente normal (10).

Descrição clínica dos portadores de hipotireoidismo neonatal e de seus familiares e análises genéticas e moleculares podem ser úteis e trazer importantes informações sobre a etiologia e fisiopatologia das doenças tireoidianas, especialmente em casos familiares e em pacientes esporádicos com anormalidades fenotípicas adicionais (7,12). A incidência de malformações congênitas extratireoidianas em portadores de hipotireoidismo neonatal é significativamente maior do que na população geral (10,12,13-16).

(13)

12 Este estudo relata o caso de menino portador de hipotireoidismo neonatal transitório não diagnosticado pelo teste de triagem neonatal, associado a malformações extratireoidianas, retardo mental e translocação não balanceada t(8;16), cujo tio materno apresentava fenótipo similar. Discute-se o peculiar quadro clínico e os resultados de investigação das alterações cromossômicas diagnosticadas, considerando que se pode estar descrevendo uma associação inédita.

(14)

13

1 REVISÃO DA LITERATURA

1.1 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO OU NEONATAL

2.1.1 Definições e epidemiologia

Insuficiência tireoidiana congênita (hipotireoidismo congênito ou neonatal), a insuficiência ou falta de hormônios tireoidianos ao nascimento (17), é a anormalidade endócrina congênita mais comum (7) e ocorre em incidência variável conforme a iodo-suficiência da região, incidindo em 1:3.000 a 1:4.000 nascidos vivos em áreas iodo-suficientes.

O hipotireoidismo congênito pode ser primário (por alteração da glândula tireoide, incapaz de produzir hormônios tireoidianos em quantidade adequada para suprir a demanda fisiológica) ou, em raros casos, resultar de anormalidade do hipotálamo ou da hipófise – hipotireoidismo congênito central, em que não é possível produzir respectivamente o hormônio liberador de tireotrofina (TRH) ou o hormônio tireoestimulante (TSH) adequadamente e em quantidade suficiente para o controle normal do eixo hipotálamo/hipófise/tireoide e consequente produção hormonal tireoidiana suficiente e normal – podendo estar acompanhado de outras deficiências hormonais hipotálamo-hipofisárias.

Também se classifica o hipotireoidismo congênito quanto à sua duração em permanente (maioria dos casos, quando a insuficiência hormonal é persistente e requer tratamento por toda a vida) ou transitório (menos comum, ocorre normalização da função tireoidiana com o passar do tempo e não há necessidade de reposição de levotiroxina durante toda a vida para manter concentrações de hormônios tireoidianos normais) (17).

2.1.2 Etiologia

O hipotireoidismo congênito primário pode ser causado por defeitos na organogênese tireoidiana (disgenesias tireoidianas) ou em etapas da síntese hormonal (disormonogêneses) (5,7). A maior parte dos casos de hipotireoidismo congênito permanente (cerca de 85%) está associada às disgenesias (agenesia, hemiagenesia, ectopia ou hipoplasia) (5), as quais na grande maioria das vezes são

(15)

14 esporádicas, porém sua ocorrência familiar em cerca de 2% dos casos dá suporte à possibilidade de se tratar de condição hereditária, de etiologia genética (6,18). Mutações em genes candidatos envolvidos na morfogênese tireoidiana resultando em disgenesia têm sido estudadas em várias famílias com ou sem anormalidades extratireoidianas associadas, e já foram descritas mutações no gene do receptor do TSH (TSHR) ou dos fatores de transcrição NKX2-1, NKX2-5, PAX8 e FOXE1 (1,5,7,8,17). Cerca de 15% dos pacientes têm anormalidades em um dos vários genes envolvidos na síntese hormonal, como os genes que codificam a tireoglobulina, tireoperoxidase, co-transportador sódio-iodeto (proteína NIS), pendrina, tireo-oxidase 2 (DUOX2), iodotirosina-dehalogenase 1 (DEHAL1) (1,8), resultando em disormonogênese.

A hipótese de alterações genéticas estarem envolvidas na etiologia da doença é reforçada quando se constata que pacientes com hipotireoidismo congênito têm incidência de malformações extratireoidianas significativamente maior do que a população geral (11-13,15,16 ).

2.1.3 Diagnóstico

Bebês com mais de 48 horas de vida com concentração de TSH elevada, podendo ainda apresentar concentração sérica de tiroxina (T4) baixa ou na porção inferior do valor normal de referência, têm diagnóstico de hipotireoidismo congênito primário. Recém-nascidos com concentração de T4 livre baixa e de TSH baixa ou inadequadamente normal para a baixa concentração de hormônios tireoidianos podem ser portadores de hipotireoidismo congênito central.

Apenas cerca de 5% dos bebês portadores de hipotireoidismo congênito, notadamente os mais severamente afetados, apresentam sinais da doença reconhecíveis ao nascimento: hipotonia, choro rouco, fontanelas amplas e suturas cranianas largas, macroglossia, abdome distendido, hérnia umbilical e pele fria e moteada (19).

A investigação etiológica pode incluir cintilografia da tireoide (17,19,20), cuja informação pode ser complementada pela ultrassonografia cervical (17,19), e, conforme a indicação clínica, dosagem de tireoglobulina, iodúria, teste de descarga do iodo com perclorato e dosagem de autoanticorpos na criança e na mãe – anticorpos antitireoperoxidase, antitireoglobulina e anticorpo bloqueador do receptor

(16)

15 do TSH (10,17). Testes diagnósticos, no entanto, nunca podem retardar o início do tratamento dos recém-nascidos com hipotireoidismo neonatal, pois a demora em instituir reposição de tiroxina está fortemente associada a prejuízos no desenvolvimento neurológico e intelectual (21,22). A cintilografia, não podendo ser realizada imediatamente ao diagnóstico, deve ser realizada depois que a criança atingir 3 anos de idade, quando a reposição de tiroxina pode ser interrompida sem risco de dano ao sistema nervoso central (10).

2.1.4 Tratamento

Os pacientes com diagnóstico ou forte suspeita de hipotireoidismo neonatal devem receber levotiroxina por via oral (10 a 15 µg/kg/dia) visando rapidamente atingir e manter a concentração sérica de TSH baixa dentro do intervalo normal de referência e a concentração de T4 e T4 livre na metade superior do intervalo normal de referência (10). Devido às evidências de que o hipotireoidismo congênito, ainda que transitório, está associado a prejuízos no desenvolvimento intelectual infantil (11), é de extrema importância que o tratamento seja iniciado imediatamente após o diagnóstico visando evitar ou minimizar as sequelas da deficiência de hormônios tireoidianos em época crítica do crescimento e desenvolvimento (10,22). Os pacientes nos quais não se diagnosticou agenesia tireoidiana e que mantiveram durante os primeiros anos de vida testes de função tireoidiana normais em vigência de reposição de tiroxina, mais tarde na infância (em geral depois de completos 3 anos de idade) terão o tratamento suspenso para se confirmar a natureza permanente ou transitória da condição (10,21).

1.2 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO TRANSITÓRIO

2.2.1 Epidemiologia

Em cerca de 10% a 15% dos casos de hipotireoidismo congênito o distúrbio é transitório (2-4). Entretanto, há programas de triagem neonatal que documentam hipotireoidismo transitório em até 50% dos pacientes com hipotireoidismo congênito (23,24). A incidência de disfunção tireoidiana transitória varia conforme a iodo-suficiência e de acordo com os critérios diagnósticos adotados pelo programa de

(17)

16 triagem neonatal que cobre a região (25,26). A notificação ou não de sucesso na suspensão do tratamento também influencia na determinação das taxas de incidência dadoença em sua apresentação transitória (27). A inclusão dos pacientes com hipotireoidismo neonatal transitório nas estatísticas relativas ao hipotireoidismo congênito vem contribuindo para o aumento na incidência que se tem documentado (25,27).

Levantamento recente nos Estados Unidos publicado por Kemper, Ouyang e Grosse surpreendentemente concluiu que quase 40% dos pacientes com hipotireoidismo congênito suspenderam o tratamento aos 3 anos de idade, alguns destes permanecendo eutireoidianos (24). Os autores presumem que tais pacientes eram portadores de hipotireoidismo transitório ou tinham resultado falso-positivo ao teste de triagem neonatal. Estes últimos podem ter recebido tratamento desnecessariamente.

A incidência do hipotireoidismo congênito permanente difere da incidência da forma transitória da doença em meninos e meninas, com relação de 2 meninas para cada menino diagnosticado como portador de hipotireoidismo permanente e 0,5:1 a 1:1 no hipotireoidismo congênito transitório (3,14,28) .

Fatores de risco para hipotireoidismo congênito podem estar presentes em alguns pacientes (3), e há diferenças entre a forma permanente e a transitória da doença (tabela 1).

Tabela 1 – Fatores de risco para hipotireoidismo congênito

Hipotireoidismo congênito permanente Hipotireoidismo congênito transitório

Idade da mãe à época do parto > 40 anos Prematuridade

Gestação prolongada Baixo peso ao nascimento

Gestação gemelar Gestação gemelar

Pais com hipotireoidismo ou bócio Pais com hipotireoidismo ou bócio Sexo feminino Mãe usando drogas antitireoidianas Outras anormalidades congênitas Outras anormalidades congênitas

Mãe com autoanticorpos antitireoidianos em níveis elevados

(18)

17 Um levantamento realizado na Escócia entre 1979 e 1993 encontrou malformações congênitas extratireoidianas muito mais frequentemente em pacientes com hipotireoidismo congênito transitório do que naqueles com hipotireoidismo congênito permanente (13).

2.2.2 Etiologia

Na maioria dos pacientes com hipotireoidismo neonatal o diagnóstico etiológico exato não pode ser feito. A etiologia da doença em geral define se o hipotireoidismo congênito será permanente ou transitório, primário ou central e se haverá outros órgãos ou sistemas envolvidos (17).

Hipotireoidismo congênito transitório pode ser causado por fatores maternos ou neonatais (17), genéticos ou não genéticos (imunológicos, ambientais ou iatrogênicos). É mais comum em situações de deficiência ou exposição excessiva ao iodo ou pela transferência materno-fetal de autoanticorpos ou medicamentos (amiodarona, drogas antitireoidianas) (10,21,22,29-33). Em muitos casos a causa permanece desconhecida (4). Causas genéticas de disfunção tireoidiana congênita transitória são identificadas muito raramente (34).

Entre os fatores não genéticos devem ser considerados (quadro 1):

- exposição fetal a drogas antitireoidianas usadas pela gestante no tratamento do hipertireoidismo, o que pode resultar em síntese hormonal tireoidiana insuficiente no recém-nascido, a qual pode durar de poucos dias até 2 semanas (17);

- transporte materno-fetal de anticorpos bloqueadores do receptor do TSH, que podem bloquear a tireoide fetal, cuja função pode permanecer insuficiente até 3 a 6 meses após o nascimento (30,32,33). Tais anticorpos podem ocorrer em mães portadoras de doença de Graves (bócio difuso tóxico), tireoidite de Hashimoto (tireoidite linfocítica crônica) e outras causas de hipotireoidismo adquirido cursando com autoimunidade tireoidiana (35);

- deficiência materno-fetal de iodeto em pacientes procedentes de áreas iodo-insuficientes (25). Essa é a causa mais comum de hipotireoidismo congênito transitório em todo o mundo, especialmente em bebês prematuros (36,37);

- excesso de exposição ao iodeto pelo uso de amiodarona pela gestante. O hipotireoidismo pode persistir por até 4 a 5 meses após o nascimento (38,39);

(19)

18 - excesso de exposição ao iodeto pelo uso de compostos antissépticos ou contraste radiológico iodado. Nessa situação ocorre o efeito Wolff-Chaikoff – inibição da síntese de T4 pelo excesso de iodo inorgânico intracelular. O efeito pode persistir por aproximadamente 10 dias e é seguido por escape da supressão e restauração da organificação normal do iodeto (31,40,41);

- causas raras como nefrose perdedora de proteína (42), hemangiomas hepáticos produzindo grande quantidade de desiodase tipo 3 e resultando em hipotireoidismo por consumo metabólico hormonal (43), e presença de anticorpos anti-hormônio tireoidiano – dirigidos contra triiodotironina (T3) e T4 (44).

Prematuridade e baixo peso ao nascimento são listados como fatores de risco para hipotireoidismo congênito transitório, mas não se demonstrou relação causal com a doença (45,46).

Quadro 1 - Fatores etiológicos não genéticos para hipotireoidismo congênito transitório

HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO TRANSITÓRIO DE ORIGEM NÃO GENÉTICA

Uso de drogas antitireoidianas pela gestante

Transferência materno-fetal de anticorpos bloqueadores do receptor de TSH Deficiência de iodo materna e/ou fetal

Hemangioma hepático/hemangioendotelioma Nefropatia perdedora de proteína Anticorpos contra hormônios tireoidianos

Vários pacientes com hipotireoidismo congênito transitório não apresentam nenhum dos fatores de risco descritos acima. Na última década tais pacientes vêm sendo estudados e a presença de anormalidades genéticas foi diagnosticada em alguns deles. Relação causal entre algumas dessas alterações e a deficiência hormonal tireoidiana transitória já foi demonstrada (34,47), e é possível que alterações genéticas ainda desconhecidas também estejam envolvidas na fisiopatologia da doença em pacientes em que não se pode determinar a etiologia.

(20)

19 2.3 DESENVOLVIMENTO TIREOIDIANO

As células foliculares tireoidianas se originam de um espessamento endodérmico no assoalho da faringe primitiva. Tais células migram em direção caudal e, juntamente com células dos corpos ultimobranquiais que darão origem às células C ou parafoliculares produtoras de calcitonina(1), se posicionam na região anteroinferior do pescoço por volta da sétima semana de gestação (48).

Durante a organogênese e a morfogênese tireoidianas ocorre, de modo específico temporal e espacialmente, a expressão de genes que codificam fatores de transcrição importantes para o recrutamento das células do assoalho da orofaringe que originam a tireoide primitiva (especificação ou determinação), migração e diferenciação dessas células para formar a tireoide normal (1,48). Os fatores de transcrição NKX2-1 (TTF1), FOXE1 (TTF2) e PAX8 são indispensáveis ao desenvolvimento normal da glândula, regulando a transcrição dos genes da tireoglobulina, tireoperoxidase, proteína NIS, pendrina, THOX2, TSHR e outros (1,50).

Mutações nos diversos genes envolvidos na organogênese e morfogênese tireoidiana manifestam-se fenotipicamente de acordo com a expressão e função dos mesmos nas diversas etapas do desenvolvimento embrionário e fetal (48,49). Alterações nos genes responsáveis por etapas mais precoces podem resultar em agenesia tireoidiana (ausência de tecido tireoidiano detectável). Alterações em genes expressos em etapas posteriores podem resultar em ectopia tireoidiana (tecido tireoidiano detectável fora do sítio anatômico normal da glândula), hipoplasia tireoidiana (tecido tireoidiano presente, normolocalizado, porém reduzido em tamanho, geralmente por hipoplasia de células foliculares), disormonogênese (deficiência de síntese hormonal tireoidiana) (1,8,34,50) ou resistência hormonal (51).

A confirmação de que um subgrupo de pacientes portadores de hipotireoidismo congênito tem mutações em fatores de transcrição envolvidos na organogênese tireoidiana vem sendo estabelecida por estudos populacionais (52,53).

(21)

20 2.4 CAUSAS GENÉTICAS DE HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO

Causas genéticas de hipotireoidismo congênito devem ser aventadas com base na história familiar, diagnóstico de disormonogênese ou detecção de anormalidades congênitas concomitantes (54). A prevalência de mutações nos genes candidatos conhecidos é seguramente subestimada, considerando que mutações em geral são pesquisadas nas regiões codificadoras do gene, podendo ficar sem diagnóstico mutações nos íntrons ou em regiões regulatórias. Mutações em heterozigose nesses genes podem ser causa importante de anormalidades no desenvolvimento tireoidiano quando associadas a outros achados dismórficos (2).

Alguns pacientes são portadores de anormalidades em genes ainda não identificados. Em outros casos a etiologia do hipotireoidismo congênito pode ser poligênica ou multifatorial (7). Pela análise da expressão gênica nas estruturas embrionárias (55), em estudos com camundongos knock-out e mutações relatadas em humanos é possível, através do fenótipo, apontar genes candidatos na etiologia da doença (tabela 2). Desse modo, as características fenotípicas podem direcionar os testes genéticos.

Associam-se a agenesia tireoidiana alterações nos genes dos fatores de transcrição NKX2-1, FOXE1, PAX8 e HHEX (1). Associam-se a hipoplasia tireoidiana mutações em heterozigose no NKX2-1 ou PAX8 e mutações com perda de função no gene do TSHR (1). Alterações na síntese hormonal tireoidiana (disormonogêneses) podem estar associadas a mutações no gene da proteína NIS (56), da tireoglobulina (8) ou da tireoperoxidase, apresentando-se geralmente com bócio (50).

A combinação de anormalidades da tireoide, pulmões e cérebro pode ocorrer com alteração no gene NKX2-1 (previamente denominado TTF1) (57), identificado como responsável pela expressão tireoidiana específica de tireoglobulina e tireoperoxidase (1,57,58). Com haploinsuficiência do gene NKX2-1 os achados clínicos mais proeminentes são neurológicos (hipotonia e discinesia), em geral mais severos do que a disfunção tireoidiana (57,59). Portadores heterozigotos podem apresentar hipotireoidismo congênito leve com tireoide de tamanho e localização normais (58-60). A penetrância incompleta e a variabilidade do fenótipo podem ser devidas ao efeito de genes modificadores, assim como de fatores epigenéticos (1).

(22)

21 Tabela 2 – Defeitos genéticos associados a desenvolvimento tireoidiano e/ou síntese hormonal tireoidiana anormal*

Fenótipo Gene(s) Herança Cromossomo

Agenesia com palato fendido, atresia

de coana e cabelos espetados FOXE1 AR 9q22

Hipoplasia ou ectopia PAX8

Outros, não identificados

AD 2q12-q14

Hipotireoidismo central

Deficiência hormonal hipofisária combinada

PROP1

POU1F1(P1T1) LHX3

HESX1

Outros, não identificados AR AR, AD AR AR, AD 5q 3p11 9q34.3 3p21.2-21.1 Hipotireoidismo central Deficiência isolada de TRH TRH?

Mutação não identificada

AR 3p Hipotireoidismo central Ausência de ascensão de TSH e PRL em resposta ao TRH TRHR AR 8p23 Hipotireoidismo central Ausência de ascensão de TSH em resposta ao TRH TSHβ AR 1p13 Hipertireotropinemia eutireoidiana TSHR AR 14q13

Hipotireoidismo com hipoplasia Outros, não identificados Pseudo-hipoparatireoidismo Ia GNAS1 AD +

imprinting

20q13.2 Bócio, deficiência de captação do

iodeto NIS AR 19p12-13.2

Bócio, surdez sensorioneural (Síndrome de Pendred)

Defeito parcial de organificação

PDS/SCL26A4 AR 7q31

Bócio, defeito de organificação TPO AR 2p25

Bócio, defeito de organificação DUOX2

Outros, não identificados

AD? 15q15

Bócio, deficiência

quantitativa/qualitativa de TG TG AR, AD? 8q24 Bócio, perda de MIT e DIT DEHAL1 AR, AD? 6q

Disfunção tireoidiana, ataxia,

insuficiência respiratória NKX2-1 haploinsuficiência 14q13 Resistência ao hormônio tireoidiano MCT8 ligada ao X Xq13.2

Resistência ao hormônio tireoidiano com hipo e hipertireoidismo

TRβ

Outros, não identificados

AR, (AD) 3p24.3 *Adaptado de Kopp(7).

(23)

22 Em casos familiares de hipoplasia tireoidiana mutações nos genes PAX8 (de transmissão dominante) e TSHR (de transmissão recessiva) devem ser consideradas. O fator de transcrição PAX8, além do desenvolvimento tireoidiano, está relacionado à expressão dos genes da tireoperoxidase e da tireoglobulina. Mutações no PAX8 com perda de função em humanos podem ser sintomáticas em heterozigotos, levando a vários graus de hipoplasia tireoidiana (1,61,62). Tais mutações já foram associadas a fenótipos variados, sugerindo penetrância e/ou expressividade variável ou ainda ação de fatores ou genes interferentes que podem modular a expressão fenotípica (63), descrevendo-se inclusive mutações compatíveis com desenvolvimento morfológico da glândula próximo do normal (glândula de dimensões normais, normolocalizada, porém com função deficiente) (64). Disfunção tireoidiana congênita causada por mutações no gene PAX8 pode se apresentar como hipotireoidismo sindrômico ou não sindrômico (54). Anomalias renais associadas a hipotireoidismo congênito são altamente sugestivas de envolvimento do gene PAX8 na etiologia (55).

NKX2-5 é fator de transcrição essencial para a morfogênese cardíaca e que se expressa precocemente no primórdio tireoidiano (1). Há relatos de casos de disgenesia tireoidiana associada a mutações no NKX2-5, porém não se sabe se tais mutações isoladamente podem causar hipotireoidismo congênito.

Mutações no gene FOXE1 (previamente denominado TTF2), proteína nuclear específica da tireoide que reconhece uma sequência de DNA presente nos promotores da tireoglobulina e tireoperoxidase, causam a síndrome de Bamforth-Lazarus (65), caracterizada por palato fendido, cabelos espetados e ausência da glândula tireoide (atireose) com ou sem atresia de coanas e epiglote bífida. Relato de caso de paciente portador de mutação nova no gene FOXE1 com palato fendido, atresia de coanas, cabelos espetados e tecido tireoidiano normolocalizado porém não funcionante foi publicado por Baris e colaboradores. (66).

2.4.1 Hipotireoidismo congênito transitório de origem genética

A primeira demonstração científica de que o hipotireoidismo congênito transitório poderia ser geneticamente determinado foi publicada em 2002 por Moreno e colaboradores, que descreveram mutações no gene que codifica a DUOX2 (primeiramente chamada tireo-oxidase 2 ou THOX2), uma das proteínas

(24)

23 responsáveis pela geração de peróxido de hidrogênio (H2O2) na tireoide (34). Na presença de H2O2 a tireoperoxidase (TPO) catalisa a incorporação do iodeto à tireoglobulina (TG), processo denominado organificação, produzindo monoiodotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT), que participam de uma combinação de reações de acoplamento, também na presença de H2O2, para originar T3 e T4 (67) (figura 1). Núcleo DUOX2 DUOXA2 DUOX2 Ca2+ NADP+ NADPH 2O2 H2O2 Retículo endoplasmático TG TG TPO H2O2 Organificação MIT DIT TPO H2O2 Acoplamento TG TG T4 T3 I II DUOX2 DUOXA2 DUOX2 DUOXA2 DUOXA2

Figura 1 – Representação esquemática da DUOX2 e DUOXA2 no sistema tireoidiano de geração de H2O2. I – DUOX2 e DUOXA2 no retículo endoplasmático (RE); II – associação DUOX2 X DUOXA2 (heterodimerização) no RE. Adaptada sob permissão de Ohye, H. e Sugawara, M. (67).

As tireo-oxidases (DUOX1 ou THOX1 e DUOX2 ou THOX2), cujos genes estão localizados no braço longo do cromossomo 15 (68), são componentes do sistema tireoidiano de geração de H2O2 (67,69,70). Na tireoide a expressão da DUOX2 é mais abundante do que a da DUOX1. Ambas as tireo-oxidases permanecem no retículo endoplasmático, onde interagem e formam heterodímeros com os fatores de maturação das tireo-oxidases (DUOXA1 e DUOXA2, cujos genes

(25)

24 também são mapeados no braço longo do cromossomo 15) para serem translocadas para a membrana apical da célula folicular tireoidiana, onde exercem plenamente sua atividade enzimática para a geração de H2O2 (68,71,72).

Em seu estudo, Moreno e colaboradores pesquisaram a presença de anormalidades nos genes DUOX1 e DUOX2 em um paciente com hipotireoidismo congênito permanente e em oito pacientes com hipotireoidismo congênito transitório, todos portadores de defeitos da organificação (34). Mutações em homozigose no gene DUOX2 que geram um sinal de terminação prematuro foram encontradas no paciente com hipotireoidismo congênito permanente e defeito completo de organificação. Duas mutações em heterozigose no gene DUOX2 que geram um códon de parada prematuro e deleção monoalélica de GTTC na posição 2895 (2985-2898del) no exon 21 do gene DUOX2 (introduzindo uma alteração no quadro de leitura que gera um sinal de terminação no exon 22) foram encontrados em 3 dos 8 pacientes com hipotireoidismo congênito transitório e defeito parcial da organificação estudados. Demonstrou-se que defeitos genéticos podem causar disfunção tireoidiana congênita transitória e que disormonogênese pode estar envolvida na forma transitória da doença.

Em 2008 Maruo e colaboradores publicaram estudo no qual descreveram 8 mutações bialélicas diferentes do gene DUOX2 em 8 pacientes de 4 diferentes famílias com hipotireoidismo congênito transitório e demonstraram que mesmo a completa inativação do gene DUOX2 não necessariamente implica em que a doença seja permanente (47). As mutações eram monoalélicas nos pais dos pacientes. Tais resultados sugerem que compensação parcial da deficiência enzimática por mecanismos até então desconhecidos pode suprir a geração de H2O2 para a adequada organificação no processo de síntese hormonal tireoidiana em períodos de baixa necessidade hormonal. Entretanto, tal mecanismo de compensação pode ser insuficiente em fases de maior demanda hormonal, como o período neonatal ou outros períodos ao longo da vida, quando tais pacientes podem desenvolver hipotireoidismo.

Recentemente Hoste e colaboradores descreveram o caso de um paciente com hipotireoidismo congênito transitório causado por completa inativação do gene DUOX2 por deleção parcial de um alelo herdado da mãe associado a uma mutação no alelo herdado do pai (73). Esses autores sugerem que a natureza permanente ou transitória do hipotireoidismo não se deve diretamente ao número de alelos do gene

(26)

25 DUOX2 inativados, e que é possível que outros fatores estejam envolvidos na fisiopatologia do hipotireoidismo congênito transitório nesses pacientes.

Em 2008 Zamproni e colaboradores, estudando 11 pacientes com defeitos parciais da organificação, identificaram em um deles a primeira mutação no gene DUOXA2, cujo produto (fator de maturação da DUOX2), como mencionado anteriormente, é necessário para a atividade enzimática da DUOX2 na membrana apical da célula folicular tireoidiana (74). O paciente tinha bócio e disormonogênese, com hipotireoidismo permanente leve quando comparado com pacientes com mutações no gene DUOX2 previamente descritos. A análise do heredograma sugeriu herança recessiva, pois os portadores heterozigotos tinham função tireoidiana normal e teste de triagem neonatal com resultado negativo. Comparando os dados com os descritos por Moreno em 2002, os pesquisadores concluíram que alterações monoalélicas no gene DUOXA2 não parecem resultar em haploinsuficiência, diferentemente dos pacientes com defeitos em heterozigose no gene DUOX2, sugerindo-se que a deficiência de DUOXA2 poderia ser compensada pela DUOXA1, que poderia alternativamente ativar a DUOX2.

O paciente descrito por Zamproni tinha hipotireoidismo congênito permanente, mas outro relato de caso recentemente publicado por Hulur e colaboradores descreveu uma nova mutação no gene DUOXA2 encontrada em estado heterozigoto composto em associação com uma grande deleção compreendendo os genes DUOX2, DUOXA2 e DUOXA1 em um paciente com hipotireoidismo congênito transitório (75). O paciente descrito pelo grupo também era portador de bócio (compatível com disormonogênese) e, além de deficiente em DUOXA2, tinha falta de um dos alelos DUOX2 e DUOXA1, mas tinha dois alelos DUOX1 funcionantes. Esse foi o segundo relato de caso de mutação no gene DUOXA2 em criança com hipotireoidismo congênito leve, sugerindo que um único alelo DUOXA1 funcionante pode prover capacidade de síntese hormonal tireoidiana. A manutenção do eutireoidismo nos membros daquela família ilustra o alto grau de redundância no sistema DUOX/DUOXA para garantir função tireoidiana normal e suficiente.

Em 2005 Niu e colaboradores em Taiwan documentaram a detecção de mutação no gene que codifica a TPO em taxa de ocorrência de 1:13 bebês com hipotireoidismo congênito transitório, muito mais alta do que a taxa de ocorrência de 1:200 para a mesma mutação em controles pareados (76). Além disso, nas famílias dos pacientes havia grande incidência de tireoidopatias. Os resultados confirmam

(27)

26 que portadores daquela mutação no gene TPO têm maior risco para hipotireoidismo congênito transitório e sugerem fortemente que a mesma contribui para o desenvolvimento da doença. Os autores afirmam que a etiologia do hipotireoidismo congênito transitório é multifatorial, envolvendo o estresse de adaptação extra-uterina e/ou o eixo hipotálamo-hipófise-tireoide imaturo em pacientes geneticamente predispostos, combinados a fatores desencadeantes ambientais como diferenças na iodo-suficiência. Eles também propõem a hipótese de que mutações em outros genes envolvidos na síntese ou na regulação hormonal tireoidiana, como o gene da tireoglobulina, o gene do receptor do TSH e da proteína NIS, podem estar ligadas à predisposição ao hipotireoidismo congênito transitório.

2.4.2 Hipotireoidismo congênito associado a alterações nos cromossomos 8 e 16

O gene da tireoglobulina (TG), proteína fundamental para a síntese hormonal tireoidiana e armazenamento de iodo e hormônios tireoidianos, está mapeado em 8q24.2. Mutações nesse gene têm sido descritas em humanos e em modelos animais, associadas a hipotireoidismo congênito com bócio (77).

Relato de associação de hipotireoidismo à síndrome de Townes-Brocks, síndrome de transmissão autossômica dominante com malformação da orelha externa, perda auditiva sensório-neural, anomalias dos dedos, pés planos e malformações anorretais, às vezes com retardo mental leve a moderado, foi publicado em duas ocasiões (78,79). O gene para a síndrome de Townes-Brocks foi mapeado em 16q12.1.

Caso de portador de translocação críptica familiar – translocação não balanceada submicroscópica t(8;16) no probando e balanceada em seu pai e em tia paterna – motivado por observação clínica de síndrome complexa com disfunção tireoidiana, esclerose tuberosa (genes determinantes mapeados em 9q34 e 16p13.3), doença policística renal (gene mapeado no cromossomo 16p13.3, adjacente ao locus do gene da esclerose tuberosa) e hipomelanose de Ito (síndrome de genes contíguos) foi publicado por Eussen e colaboradores (80).

Caso de haploinsuficiência causada por microdeleção do gene ZNF764 (mapeado no braço curto do cromossomo 16) associado a resistência hormonal tireoidiana e resistência parcial androgênica e aos glucocorticoides acaba de ser

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27 relatado (81). O paciente do estudo de Kino e colaboradores tinha genitália ambígua com pênis pequeno, bolsa escrotal bífida, criptorquidia e hipospádia diagnosticados ao nascimento. Mais tarde recebeu o diagnóstico de autismo, notou-se dolicocefalia, hipertelorismo, micropênis e bolsa escrotal pequena e hipodesenvolvida. Resistência androgênica parcial foi diagnosticada pelos sinais físicos (notadamente pelas alterações genitais) e resistência aos glucocorticoides e hormônios tireoidianos pelo perfil hormonal (concentração elevada de TSH e normal de T4).

2.5 HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO E MALFORMAÇÕES NÃO TIREOIDIANAS

Ocorrência de malformações não tireoidianas em pacientes com hipotireoidismo congênito vem sendo relatada com maior prevalência do que na população geral (10,12,13,15,16), sendo encontradas muito mais frequentemente em pacientes com hipotireoidismo congênito transitório do que naqueles com hipotireoidismo congênito permanente (13). As anormalidades cardíacas e dos grandes vasos são as mais frequentes (16). Também foram relatadas malformações do sistema nervoso central, palato, sistema digestório, malformações urológicas, anormalidades musculoesqueléticas, genitais, da pele e dos olhos (15).

O estudo de uma grande série de pacientes na França diagnosticou malformações congênitas não tireoidianas em 8,2% dos pacientes portadores de hipotireoidismo congênito e em 2,5% dos indivíduos na população geral(12). Outro estudo, na Escócia, relatou a presença de malformações congênitas não tireoidianas em 14,8% dos pacientes com hipotireoidismo congênito transitório estudados e em 5,4% dos pacientes com hipotireoidismo congênito permanente (13).

Anormalidades congênitas múltiplas em portadores de hipotireoidismo congênito sugerem defeito muito precoce no desenvolvimento embrionário, com consequente envolvimento de diferentes órgãos e estruturas. Considera-se também a possibilidade de influência de eventos epigenéticos na etiologia da doença (82).

Hipotireoidismo congênito faz parte da síndrome de Young-Sympson, caracterizada pela disfunção tireoidiana, cardiopatia congênita, dismorfismo facial, criptorquidia nos meninos, hipotonia, retardo mental e déficit de crescimento (83).

Hipotireoidismo foi também proposto como componente da síndrome PHACES (doença neurocutânea caracterizada pela coexistência de grandes hemangiomas faciais e ao menos um dos seguintes: malformação da fossa

(29)

28 posterior, anomalias cardíacas e arteriais, anomalias oftálmicas ou fenda esternal). Um grupo de pesquisadores na Itália documentou a presença de insuficiência tireoidiana em metade dos pacientes portadores da síndrome, alguns com hipotireoidismo congênito (84).

Além da síndrome de Bamforth-Lazarus e das demais associações sindrômicas já citadas resultantes de alterações nos genes candidatos já conhecidos relacionados a hipotireoidismo neonatal, publicou-se relato de associação de hipotireoidismo congênito e anormalidade venosa pulmonar à síndrome de Fraser, doença de transmissão recessiva causada por mutação no gene FRAS1, localizado no braço longo do cromossomo 4 (4q21), caracterizada por criptoftalmo, sindactilia cutânea, malformações laríngeas e gênito-urinárias, dismorfismo craniofacial, retardo mental e anomalias musculoesqueléticas (85).

2.6 TRIAGEM NEONATAL PARA HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO

A triagem neonatal para hipotireoidismo congênito começou a ser realizada em meados da década de 1970 (19). A amostra de sangue deve ser idealmente coletada entre 48 horas e 4 dias após o nascimento, havendo três abordagens aceitas, todas com dosagens hormonais realizadas em amostra de sangue recolhida em papel filtro obtida por punção do calcanhar do recém-nascido: dosagem apenas de TSH, dosagem apenas de T4 e dosagem concomitante de TSH e T4, esta última com menor taxa de resultados falso-negativos (10).

2.6.1 Causas de falha diagnóstica na triagem neonatal

Além das limitações da metodologia de triagem empregada (dosagem apenas de TSH não diagnostica os casos de hipotireoidismo central; dosagem apenas de T4 pode não diagnosticar os pacientes com hipotireoidismo primário subclínico), há causas bem conhecidas de falha diagnóstica ao teste de triagem neonatal para hipotireoidismo congênito (10).

Coleta muito precoce da amostra (antes de 48 h de vida, quando o TSH está fisiologicamente elevado) pode resultar em triagem falso-positiva. Quando o recém-nascido se encontra gravemente doente, quando ocorre mistura de sangue entre

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29 gêmeos monozigóticos (82), após transfusão de sangue ou em crianças nascidas com baixo peso (86) podem-se obter resultados falso-negativos.

Testes com resultado falso-negativo podem ainda resultar de amostra de sangue insuficiente, de erro humano no processamento de amostras ou de registro incorreto dos resultados (10).

Visando minimizar as chances de falha diagnóstica, alguns programas de triagem neonatal realizam rotineiramente coleta de amostras de sangue em dois momentos (nos primeiros dias de vida e com 2 a 6 semanas de idade) (10). Esses programas relatam que o diagnóstico de hipotireoidismo congênito é feito apenas pela análise da segunda amostra em cerca de 10% dos afetados. As crianças identificadas apenas na segunda triagem tendem a apresentar hipotireoidismo mais leve ou de evolução mais lenta (10), retardo na elevação do TSH ou baixo peso (peso ao nascimento após gestação a termo menor do que 2.500 g)(22,76,87-89).

Larson e colaboradores realizaram análise retrospectiva de pacientes com hipotireoidismo congênito com retardo de elevação do TSH (resultado falso-negativo ao teste de triagem neonatal), detectando incidência da doença 14 vezes maior (1:250) em recém-nascidos com muito baixo peso (peso ao nascimento menor do que 1.500 g) quando comparados àqueles com peso maior (1:3.500). Nesse estudo, entre as crianças nascidas com muito baixo peso dois terços dos casos de hipotireoidismo congênito não foram diagnosticados à triagem realizada aos primeiros dias de vida (86).

Outra causa de falha diagnóstica da triagem neonatal para hipotireoidismo congênito está relacionada aos valores de corte para as dosagens de TSH e T4 (90). Estudo realizado medindo taxa metabólica basal sugeriu que TSH sérico considerado normal no bebê (entre 7 e 10 µU/ml) pode se associar a hipometabolismo e hipotireoidismo tecidual, o qual pode ser prontamente revertido com reposição de levotiroxina (91).

Em razão da preocupação com a possibilidade de resultados falso-negativos, alguns serviços reduziram os níveis de corte para o valor de TSH diagnóstico de hipotireoidismo congênito nas amostras colhidas por punção do calcanhar, o que pode resultar em maior necessidade de reconvocação de pacientes para dosagem sérica de TSH e hormônios tireoidianos, porém menor número de pacientes com hipotireoidismo congênito não diagnosticado ao teste de triagem (90,92-96).

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30 Os níveis de elevação do TSH ao teste de triagem não têm relação com a permanência ou transitoriedade do hipotireoidismo congênito. Já foi demonstrado que mesmo pequenas elevações no TSH não são necessariamente preditoras de hipotireoidismo congênito transitório, podendo ocorrer em pacientes que necessitarão de reposição hormonal tireoidiana por toda a vida, assim como alguns pacientes com grande elevação de TSH sérico (50 a 583 µU/ml) posteriormente se comprovam portadores de hipotireoidismo congênito transitório (90,97,98).

2.6.2 Triagem neonatal para hipotireoidismo congênito no Brasil

A triagem neonatal para doenças congênitas no Brasil iniciou-se em 1974 com a triagem para fenilcetonúria e em 1978 para hipotireoidismo congênito, na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo (SP) (99). Em 1983 no estado de São Paulo e em 1985 no Rio de Janeiro foram promulgadas leis regulamentando a matéria, as quais não foram cumpridas de imediato. A sistematização dos trabalhos foi iniciada de fato por volta de 1990, amparada pela obrigatoriedade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 10º (100). No ano de 2001 o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS n.º 822/GM, criando o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) (101), vinculado à Coordenação Geral de Média Complexidade Ambulatorial (CGMCA), dentro do Departamento de Atenção Especializada (DAE) da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) (102).

Em Mato Grosso do Sul, estado de nascimento do probando, a primeira lei estadual regulamentando a triagem neonatal para doenças congênitas foi promulgada em 1991, tendo-se iniciado a triagem para hipotireoidismo congênito com a dosagem de TSH, à qual foi acrescida a dosagem de T4 em 1997 (103,104).

(32)

31

3 OBJETIVOS

Objetivo geral: descrever a ocorrência de hipotireoidismo neonatal transitório e anormalidades congênitas extratireoidianas associados a anormalidades cromossômicas em uma criança do sexo masculino.

Objetivos específicos:

- descrever as alterações fenotípicas, a evolução clínica e as anormalidades genéticas do probando;

- descrever as anormalidades diagnosticadas em seu tio falecido aos 10 meses de idade portador de fenótipo semelhante;

- investigar alterações genéticas e, se diagnosticadas, investigar possíveis anormalidades tireoidianas e extratireoidianas nos familiares do probando;

- investigar a relação entre as anormalidades genéticas e as alterações fenotípicas diagnosticadas nos pacientes descritos.

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32

4 PACIENTES E MÉTODOS

4.1 SUJEITOS DO ESTUDO

O paciente-índice deste estudo foi pela primeira vez atendido no Ambulatório de Endocrinologia do Posto de Atendimento Médico de Especialidades da Secretaria Municipal de Saúde de Dourados, Mato Grosso do Sul, aos 9 meses de idade, encaminhado pelo pediatra que o assistia desde o nascimento.

Os dados referentes ao probando foram obtidos como parte de procedimentos diagnósticos necessários para seu atendimento e tratamento, compreendendo dados de anamnese e exame físico pelas técnicas habituais e resultados de exames complementares laboratoriais (inclusive análise do cariótipo) e de imagem, além de registros de evolução clínica em prontuário médico. Ainda com fins diagnósticos e de atendimento médico analisou-se o cariótipo dos pais do probando e em seguida de seus avós maternos.

Após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (registro do projeto 218/07 – anexo I) e obtenção de termo de consentimento livre e esclarecido de cada um dos sujeitos participantes da pesquisa ou de seus responsáveis legais, obtiveram-se dados clínicos e amostras de sangue para análise do cariótipo de outros familiares do paciente-índice. Daqueles comprovadamente portadores de alterações no cariótipo foram obtidas amostras de sangue para dosagem de TSH, hormônios tireoidianos e autoanticorpos antitireoidianos (anticorpo antitireoglobulina e anticorpo antitireoperoxidase).

Estudou-se e descreveu-se através de anamnese familiar e dados registrados em prontuário médico de internação no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná o caso de tio materno do probando portador de quadro clínico semelhante, falecido com menos de 1 ano de idade.

(34)

33 4.2 ANÁLISE DO CARIÓTIPO

A análise do cariótipo do probando e de seus familiares foi realizada no Laboratório de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília empregando-se a técnica de cultura temporária de linfócitos modificada de Moorhead e colaboradores (105). Para a obtenção de metáfases utilizou-se meio de cultura RPMI 1640 (Gibco, EUA) enriquecido com 15% de soro fetal bovino (Invitrogen, São Paulo – SP), fito-hemaglutinina (Gibco, EUA) como agente mitogênico e antibióticos (1 mg/ml de estreptomicina e 1 UI/ml de penicilina G potássica). Em câmara de fluxo laminar foi adicionado 0,5 ml de sangue total homogeneizado a dois tubos contendo cada um 5 ml do meio previamente condicionado. As culturas foram em seguida transferidas para estufa (Quimis, Diadema – SP) regulada a 37° C, onde permaneceram por 72 horas. Às amostras adicionou-se colchicina 0,48 mg e as mesmas permaneceram na estufa por mais 30 a 40 minutos, depois do que o material foi centrifugado a 1000 rpm por 15 minutos, adicionou-se solução hipotônica (cloreto de potássio 0,075M) e foi incubado a 37,5° C por 7 minutos. Procedeu-se a nova centrifugação, removeu-se o sobrenadante e adicionou-se solução fixadora (metanol e ácido acético glacial 3:1). Mais duas centrifugações foram realizadas, preservando-se 0,5 a 1 ml do sedimento concentrado e fixado, o qual foi depositado em lâminas de microscopia, sendo constatada a presença de metáfases.

As lâminas foram preparadas pela técnica de bandamento G utilizando-se enzima proteolítica Sigma 2,5% e submetidas à coloração de Giemsa. A análise microscópica foi empreendida com aparelhos Labomed CXRIII. As fotografias foram obtidas com microscópio Leica (Leica, Alemanha) em preto e branco. Para efeitos de exploração metodológica algumas foram submetidas a processamento pelo software Cytovision versão 4.0 (Genetix, EUA). Na descrição das alterações cromossômicas encontradas foi utilizada nomenclatura proposta no International Standing Comitee on Human Cytogenetic Nomenclature (ISCN) (106).

(35)

34 4.3 ANÁLISE CITOGENÉTICA

A análise citogenética foi realizada no Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, após extração, no Laboratório de Farmacologia Molecular da Universidade de Brasília, de ácido desoxirribonucléico (DNA) do sangue periférico do probando colhido por venopunção.

Para a extração do DNA, 50 µl de sangue total foram adicionados a 1 ml de água. A mistura foi homogeneizada e incubada por 5 minutos a temperatura ambiente. O material foi centrifugado por 3 minutos à velocidade de 14.000 rpm à temperatura de 4ºC, o sobrenadante foi descartado e o processo foi repetido. A amostra resultante foi adicionada de 200 µl de Chelex 100® (Bio-Rad, EUA) 5%, foi rapidamente agitada e em seguida incubada à temperatura de 56ºC por 30 minutos e a 100ºC por 8 minutos. O DNA extraído foi armazenado a -20ºC e enviado para análise citogenética.

Para a caracterização do rearranjo cromossômico, variações no número de cópias (CNV) dos segmentos de DNA extraído do sangue total do probando foram investigadas usando a técnica de hibridação comparativa do genoma em microarranjos (CGH-array) de 60 K Human Genome Comparative Genomic Hybridization (Agilent Technologies, Santa Clara – CA, EUA), contendo cerca de 60.000 oligonucleotídeos distribuídos pelo genoma humano. Nessa plataforma de CGH-array utilizam-se como sondas os oligonucleotídeos, com distância média entre os mesmos de 31 kb, ou seja, com resolução média de 90 kb. O número mínimo de probes aberrantes consecutivos para definir uma anormalidade foi estabelecido em 3.

As amostras de DNA genômico do probando foram marcadas com fluorocromo verde e o DNA de referência (DNA obtido de pacientes-controle da mesma área geográfica) em vermelho. Quantidades iguais das duas amostras foram misturadas, desnaturadas e incubadas em contato com a lâmina do CGH-array permitindo sua hibridação com as sondas dispostas em microarranjos nas lâminas de vidro. Os sinais fluorescentes foram capturados por escaneador a laser e a intensidade do DNA em cada seqüência-alvo foi quantificada. A interpretação dos dados obtidos pelo escaneador e a comparação entre os resultados do probando e os do DNA de referência foi feita por análise computadorizada. O algoritmo

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35 estatístico ADM-2 foi usado com sensibilidade de 6,7 O tamanho médio para detecção de CNV foi 300 kb.

Os bancos de dados UCSC (http://genome.ucsc.edu) e Ensembl (http://www.ensembl.org) foram usados para acessar os genes conhecidos mapeados nos segmentos envolvidos.

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5 RESULTADOS

5.1 PROBANDO

O probando (indivíduo IV2 no heredograma na figura 2; heredograma completo da família – anexo II) é do sexo masculino, nascido no estado do Mato Grosso do Sul em abril/2000 de união não consanguínea, ao termo de gestação sem intercorrências. Nasceu com 2.250 g (< 3º. percentil), bradicárdico, demorou para chorar. Ao exame físico na sala de parto diagnosticou-se ânus imperfurado, atresia de coana, hérnia umbilical e hipospádia (figura 3). Notaram-se também hipertelorismo ocular e desvio do septo nasal. No primeiro dia de vida foi submetido a correção cirúrgica da anormalidade da coana e da imperfuração anal.

IV II I III 1 1 1 1 2 2 2 2 3 3 4 5 6 7 8

Figura 2 – Heredograma de parte da família do probando. Símbolos preenchidos em preto representam os indivíduos portadores do quadro clínico com síndrome dismórfica e retardo mental associada a hipotireoidismo. Símbolos semi-preenchidos representam indivíduos portadores de translocação balanceada t(8;16). Heredograma da família completa no anexo II.

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Figura 3 – Probando nos primeiros dias de vida. Destacam-se hérnia umbilical e hipospádia não corrigida.

Aos 7 dias de vida foi submetido a teste de triagem neonatal para hipotireoidismo congênito, que resultou negativo de acordo com os valores de corte então utilizados (TSH = 7,09 µU/ml, valor de corte: < 20 µU/ml; T4 16,4 µg/dl, intervalo normal de referência: 4,5 – 22,2 µg/dl).

Aos 3 meses e 16 dias de vida a pele seca, hérnia umbilical e retardo de desenvolvimento neuropsicomotor levaram o pediatra assistente a solicitar novos testes de função tireoidiana. Os resultados das dosagens séricas de TSH (4,97 µU/ml; intervalo normal de referência: 0,49-4,67 µU/ml) e T4 livre (indetectável) levaram ao diagnóstico de hipotireoidismo, iniciando-se reposição de levotiroxina (10,1 µg/kg/dia). Seis semanas depois os testes de função tireoidiana estavam normais, com concentração de TSH e hormônios tireoidianos compatíveis com os alvos terapêuticos recomendados para o tratamento do hipotireoidismo neonatal (10) (tabela 3). Aos 7 meses foi submetido a radiografia das mãos e punhos, documentando-se atraso de idade óssea (era correspondente à idade de 1 mês) compatível com o quadro de hipotireoidismo congênito severo (107).

Aos 9 meses de idade o paciente foi encaminhado para atendimento na especialidade de endocrinologia pelo quadro de hipotireoidismo neonatal associado a alterações extratireoidianas. O cariótipo foi estudado e diagnosticou-se translocação cromossômica não-balanceada (ver abaixo).

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38 Tabela 3 – Dose de reposição de levotiroxina e concentração de TSH e hormônios tireoidianos do probando Idade Dose de LT4 (µg/kg/day) TSH (µU/ml) 0,5-4,5* T4 livre (ng/dl) 0,7-1,9* T4 total (µg/dl) 4,6-12* T3 livre (pg/ml) 2,30-6,19* T3 total (ng/dl) 80-270* 7 d - 7,09** 16,04 3 m 16 d - 4,97 indetectável 4 m 25 d 10,1 0,79 1,18 6 m 23 d 8,0 0,88 1,43 8,9 214 11 m 4,9 0,55 10,8 150 1 a 2 m 4,3 0,08 12,3 212,3 1 a 4 m 3,8 0,22 8,4 115,3 1 a 6 m 3,0 1,15 1,12 2,7 1 a 10 m 3,2 1,69 7,9 72,8 2 a 3,5 0,35 1,56 4,3 2 a 3 m 2,9 1,92 1,4 4,1 3 a 10 m 2,5 0,53 1,78 3,3 4 a 1 m - 4,44 1,04 3 5 a 7 m - 2,27 1,08 7 a 9 m - 1,54 0,87 3,02 11 a - 1,87 0,92

*Intervalo normal de referência para concentração sérica.

** Valor de corte do TSH no teste de screening neonatal < 20 µU/ml. Abreviaturas: d = dias, a = ano(s), m = mês(es).

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39 Com 1 ano de idade o paciente andava com apoio, tinha pele seca, hiperceratose pilar, olhos pequenos, epicanto, desvio do septo nasal e respiração bucal, frênulo lingual longo, fronte pequena, implantação baixa das orelhas, hérnia umbilical, bolsa escrotal rasa, pênis pequeno e hipospádia. Já havia sido submetido a 2 intervenções cirúrgicas para correção parcial da hipospádia, submetendo-se mais tarde a correção de hérnia umbilical, rinoplastia para correção de desvio do septo nasal e a mais uma intervenção cirúrgica para correção da hipospádia (figuras 4 e 5). Até os 4 anos de idade sofreu 2 crises convulsivas durante acessos febris. Tomografia computadorizada do crânio e encéfalo não detectou anormalidades. Estudo ecocardiográfico também resultou normal.

Figura 4 – Probando aos 6 anos de idade.

Figura 5 – Hérnia umbilical e hipospádia parcialmente corrigida.

Entre 1 ano e meio e 4 anos de idade o probando compareceu irregularmente às consultas médicas especializadas. Nenhum dos testes de função tireoidiana realizados durante esse período, em vigência de reposição de levotiroxina, documentou insuficiência de hormônios tireoidianos (tabela 3). Quando atingiu a idade de 4 anos e 2 meses a reposição de levotiroxina foi suspensa para determinação da permanência da disfunção tireoidiana. Ultrassonografia (figura 6) evidenciou tireoide de volume reduzido (0,75 cm3, intervalo normal de referência 1,6-2,91 cm3) (108) com ecotextura parenquimatosa difusamente heterogênea. Cintilografia (figura 7) realizada após 33 dias sem reposição de levotiroxina revelou tireoide tópica, discretamente reduzida de tamanho, com morfologia preservada, hipocaptante na fase precoce, com captação discretamente menor no lobo esquerdo

Referências

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